segunda-feira, 2 de setembro de 2013

Plantas Medicinais, Fitoterápicos e Saúde Pública

Plantas Medicinais, Fitoterápicos e Saúde Pública

  • As plantas medicinais vêm sendo cada vez mais utilizadas nas sociedades industrializadas, não somente pelo seu poder curativo, mas também por serem economicamente mais acessíveis. A desigualdade social faz com que a população busque alternativa e soluções para a promoção da qualidade de vida, principalmente entre as famílias mais carentes.
As plantas não só proporcionam alimentos, mas também classes de remédios para recuperação ou conservação da saúde. A medicina alopática, embora com muitos avanços, não consegue salvar milhões de pessoas que sucumbem devido a diversas doenças, muitas das quais poderiam ser evitadas. São muitas as doenças que se tornam crônicas por falta de cuidados ou pela impossibilidade da compra de medicamentos alopáticos, os quais, em sua maioria, exibem preços exorbitantes.
  • Há um crescente interesse mundial por produtos derivados da biodiversidade e, nesse aspecto, o Brasil é privilegiado, sendo detentor de grande diversidade biológica, conta com inúmeras espécies vegetais com potencial medicinal. 
De acordo com Guarim Neto e Morais (2003), pode-se considerar que apenas para o bioma Cerrado, ocorram mais de 600 espécies medicinais, visto o alto grau de endemismo que cada região possui. Assim, cada Estado apresentará uma flora medicinal com espécies comuns a outros e também com espécies particulares.
  • Nesse cenário, o Cerrado brasileiro que representa uma região de grande biodiversidade, apresenta-se como detentor de expressivo potencial para o estudo de novos fitoterápicos e requer especial atenção no que diz respeito ao financiamento de pesquisas e ao incentivo para o uso racional desses medicamentos pela população, sobretudo aquela mais carente de recursos (MYERS et al., 2000).
Um grande avanço nesse sentido é a Portaria do Ministério da Saúde de nº 971 de 03 de maio de 2006 que aprova a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC) no Sistema Único de Saúde (SUS) (BRASIL, 2006a). Essa política traz entre suas diretrizes para plantas medicinais e fitoterapia, a elaboração da
  • Relação Nacional de plantas medicinais e fitoterápicos, bem como o provimento do acesso aos usuários do SUS. Ainda em 2006, o Decreto Federal de nº 5.813 de 22 de junho de 2006 instituiu a “Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos”, que incentiva as pesquisas e dá diretrizes para implantação de serviços em caráter nacional pelas Secretarias de Saúde dos Estados, Distrito Federal e dos Municípios (BRASIL, 2006b).
Essas políticas, em consonância com a Organização Mundial de Saúde, vêm incentivar a introdução de plantas medicinais e medicamentos fitoterápicos nas Unidades de Saúde, reforçando assim, a importância dessas plantas em trazer benefícios para a saúde da população.
  • A fitoterapia possui raízes profundas na consciência popular que reconhece, desde a Antiguidade, sua eficácia e legitimidade. Essa prática apresenta, portanto, grande potencial de desenvolvimento, considerando-se não somente a diversidade vegetal que o Brasil possui, mas também que o uso das plantas medicinais está intimamente ligado à cultura popular. 
O interesse a respeito do conhecimento que as populações detêm sobre plantas e seus usos têm crescido, após a constatação de que a base empírica desenvolvida por elas ao longo de séculos pode, em muitos casos, ter uma comprovação científica, que habilitaria a extensão destes usos à sociedade industrializada (FARNSWORTH, 1988 apud AMOROZO, 2002).
  • No entanto, mesmo com o incentivo de uma Política Nacional, parece ainda haver carência de informação e de ações no sentido de efetiva implementação dessa prática terapêutica no Sistema de Saúde brasileiro. 
Além do mais, faltam estudos para a comprovação científica da eficácia e segurança da utilização dessas plantas como medicamento, sendo que a grande maioria continua a ser utilizada apenas com base no conhecimento do seu uso popular.
  • Para a cidade de Anápolis, GO, terceira maior cidade do estado com 325.544 habitantes (IBGE, 2008), a temática sobre a utilização de plantas medicinais e medicamentos fitoterápicos nos sistemas de saúde, apresenta-se de grande relevância não só para a saúde da população, mas como uma contribuição necessária para o avanço do conhecimento científico.
A futura implementação, no município de Anápolis, das Políticas Integrativas Complementares depende de vários fatores, entre os quais aceitação e conhecimento da população e dos profissionais de saúde envolvidos com o Programa da Saúde da Família (PSF). 
  • Os pontos citados acima, entendemos, não são decisivos, porém fundamentais ao processo de diagnose, discussão e implementação dessa Política Pública em Anápolis, como em qualquer outro município brasileiro.
Quanto aos benefícios da implementação dessa Política, aponta-se para a sistematização dos conhecimentos existentes sobre o uso das plantas medicinais e medicamentos fitoterápicos no município. Essas informações poderão subsidiar a efetiva implantação do uso das plantas no Sistema de Saúde, além de orientações no sentido do uso racional e seguro dos medicamentos fitoterápicos.
  • Outro benefício diz respeito à sensibilização e colaboração dos profissionais da área da saúde, que através do apontamento das dificuldades e de sugestões poderão contribuir para ações no sentido da implantação da PNPIC no Sistema de Saúde Público de Anápolis. A presente dissertação está estruturada em cinco capítulos, sendo que nos dois primeiros capítulos é apresentada uma revisão bibliográfica. 
No capítulo um faz-se um breve histórico sobre as Plantas Medicinais e os Fitoterápicos, enquanto o capítulo dois versa sobre as Práticas Terapêuticas Alternativas e Complementares e as Políticas de Saúde no Brasil. 
  • No capítulo três são apresentados os procedimentos metodológicos da pesquisa e no capítulo quatro os resultados da pesquisa de campo, com a respectiva análise dos dados coletados. Finalmente no capítulo cinco são apresentadas as considerações finais do trabalho e as referências bibliográficas.
Plantas Medicinais e Fitoterápicos:
  • Oitenta por cento da população mundial não tem condições econômicas para arcar com o custo elevado dos medicamentos alopáticos e por isso as plantas medicinais e os fitoterápicos estão sendo um grande aliado nos tratamentos da saúde. 
Em 1972, a Organização Mundial de Saúde, reconhecendo essa realidade lançou um incentivo à chamada “Medicina Tradicional”, em que a “Fitoterapia”, destaca-se como uma das práticas mais importantes. 
  • A partir desta data as autoridades governamentais têm apresentado leis e diretrizes com alguns resultados e avanço das novas políticas públicas para o Sistema Único de Saúde no Brasil.
Breve Histórico:
  • As plantas terapêuticas, desde o início da história da humanidade e até o final do século passado, desempenharam um papel chave na cura das doenças. O homem pré-histórico já utilizava e sabia distinguir as plantas comestíveis daquelas que podiam ajudar a curá-lo de alguma moléstia (FRANCESCHINI FILHO, 2004). 
A natureza foi, portanto, o primeiro remédio e a primeira farmácia a que o homem recorreu. Imagina-se que foi por meio da observação dos animais que o homem iniciou a utilização das plantas terapêuticas (LIMA, 2006).
  • De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), 80% das pessoas dos países em desenvolvimento no mundo, dependem da medicina tradicional para as suas necessidades básicas de saúde e cerca de 85% da medicina tradicional envolve o uso de plantas ou extratos destas (BRASIL, 2006b).
Ao se referir às plantas, em especial as medicinais, não se pode deixar de ressaltar que o conhecimento adquirido sobre essas espécies, seus usos, indicações e manejo são uma herança dos antepassados, que de forma tradicional, têm passado seus conhecimentos de geração a geração, desde os tempos mais remotos até os dias atuais. 
  • Assim, o processo de utilização das plantas em práticas populares e tradicionais como remédios caseiros e comunitários, é conhecido atualmente como medicina alternativa.
Os chineses, egípcios, indús e gregos foram os primeiros a catalogar as ervas medicinais, classificando-as de acordo com a sua forma, cor, sabor e aroma, incluindo ligações com os astros e, evidentemente com seus atributos mágicos.  Desta forma, as plantas foram ao longo das diversas gerações sendo manipuladas e utilizadas para as mais diversas finalidades terapêuticas, gerando assim um rico conhecimento tradicional (LIMA, 2006).
  • Na literatura, encontram-se várias citações de povos e nomes históricos, os quais fizeram algum tipo de uso de ervas, tanto benéficas quanto maléficas. Os druidas, sacerdotes celtas, usavam suas poções mágicas, mandrágoras, ervas venenosas, idealizando inclusive, um horóscopo baseado na energia das árvores, segundo as diferentes épocas do ano. 
Aquiles, para debelar seus males, usava mil-em-rama, erva que passou a ser conhecida como Achillea millefolium. Sócrates, condenado à morte por seus adversários, ingeriu cicuta, planta de efeito mortífero. 
  • Carlos Magno foi um dos primeiros defensores das plantas, ao baixar um edital protegendo o hortelã nativo, ameaçado de extinção. Por este ato, poderia ter sido considerado o “patrono da ecologia”, hoje representado pelo inglês William Cobbett (BRUNO & NALDI, 1998).
Os antigos egípcios, que se aprimoraram na arte de embalsamar os cadáveres para guardá-los da deteriorização, experimentaram muitas plantas, cujo poder curativo descobriram e confirmaram. Nascia assim, fitoterapia. As plantas eram escolhidas pelo seu cheiro, pois acreditavam que certos aromas afugentavam os espíritos das enfermidades.
  • Essa crença continuou até a Idade Média. Os egípcios estavam relativamente adiantados na arte de curar, usavam além das plantas aromáticas, muitas outras, cujos efeitos bem conheciam: papoula (sonífera), a cila (cardíaca), a babosa e o óleo de rícino (catárticos), entre outros. 
O papiro descoberto por Ebers em 1873, está repleto de receitas médicas em que entravam plantas em mistura com outras substâncias (BALBACH, s.d.). Na medicina, os mais velhos babilônios eram tão adiantados como os egípcios.
  • A regulamentação sobre o exercício da medicina e da prescrição de remédios está no Código de Hamurabi, estruturado mais ou menos no tempo do patriarca Abraão. Os assírios incluíram no seu receituário 250 plantas terapêuticas, entre as quais o açafrão, assa-fétida, o cardamomo, a papoula, tremoço e outros. 
Hipócrates da Grécia (460-361 a.C.), que é considerado o pai da medicina, empregava centenas de drogas de origem vegetal. Teofrasto (372-285 a.C.), na sua história das plantas, catalogou 500 espécimes vegetais. Crateús, que viveu no século I antes de Cristo, publicou a primeira obra que se tem conhecimento na história – Rhizotomikon – sobre plantas medicinais com ilustrações. Dioscórides, o fundador da “matéria médica”, no século I da era cristã, publicou um livro com 600 plantas medicinais (BALBACH, s.d.).
  • Plínio “o velho”, que também viveu no século I e cuja enciclopédia constava de 37 volumes, catalogou as espécies de vegetais úteis à medicina (BALBACH, s.d.).
Na teoria de Plínio havia para cada enfermidade uma planta específica. Da ciência fitoterápica dos gregos, romanos e outros povos tomaram conhecimento os árabes. Abd-Allah Ibn Al- Baitar, que viveu no século XIII, foi o maior especialista árabe no campo da botânica aplicada à medicina, viajou por muitos países em busca de dados que necessitava para seu livro. Sua obra descreveu mais de 800 plantas (BALBACH, s.d.).
  • No Brasil, a utilização das plantas não só como alimento, mas também como fonte terapêutica teve início desde que os primeiros habitantes chegaram ao Brasil, há cerca de 12 mil anos, dando origem aos paleonídeos amazônicos, dos quais derivaram as principais tribos indígenas do país. Pouco, no entanto, se conhece sobre esse período, além das pinturas rupestres (SILVA, 2004).
Em 1500, com a chegada de Pedro Álvares Cabral ao Brasil, surgiu a primeira correspondência oficial de Pero Vaz de Caminha ao Rei de Portugal, D. Manuel, relatando o descobrimento da nova terra e suas características (SILVA, 2004).
  • Padre José de Anchieta de 1560 a 1580 detalhou em suas cartas aos Superiores Geral da Companhia de Jesus as plantas comestíveis e medicinais do Brasil. As plantas medicinais especificamente mencionadas foram: capim rei, ruibarbo do brejo, ipecacuanha-preta, cabriúva-vermelha, “erva boa”, hortelã-pimenta, que era utilizada pela os indígenas contra indigestão, aliviando nevralgias, reumatismos, doenças nervosas, purgativos, bálsamos e cura de feridas (SILVA, 2004). 
Outro fato que chamou a atenção dos missionários foi a utilização dos timbós pelos índios, os quais produziam um efeito narcótico nos peixes para facilitar a pesca, possibilitando assim, pescar com a mão, uma vez que a planta era macerada e jogada na água.
  • A flora brasileira foi descoberta por cientistas estrangeiros, especialmente os naturalistas, que realizavam grandes expedições científicas no Brasil desde o descobrimento pelos portugueses até ao final do século XIX (SILVA, 2004). 
Assim, percebe-se que a botânica sempre aliada à medicina numa união indissolúvel e nunca será possível separar uma da outra. Em todo o mundo são conhecidos inúmeros remédios vegetais de incalculável valor para a farmacopéia moderna. 
  • Apesar das ervas terem sido relegadas, principalmente no ocidente, em função do progresso científico e do uso dos produtos químicos, nunca deixaram de ser utilizadas, principalmente pelos povos fora dos grandes centros (FRANCESCHINI FILHO, 2004).
Entre 1880 e 1900, começaram as mudanças com o desenvolvimento do primeiro medicamento sintético, as antipirinas, seguidas pela antifebrina e pela aspirina. Após a II Guerra Mundial, as pesquisas com ervas medicinais foram deixadas de lado pelo grande avanço das formas sintéticas, sendo retomadas somente nos dias de hoje (FRANCESCHINI FILHO, 2004).
  • A ciência busca o progresso com tudo o que a natureza oferece, o respeito à cultura dos povos em torno do uso de produtos ou ervas medicinais para curar os males é prova disto. Nas regiões tropicais da América Latina existem diversas espécies de plantas medicinais de uso local, com possibilidade de geração de uma relação custo-benefício bem menor para a população, promovendo saúde a partir de plantas produzidas localmente. A eficácia e o baixo risco de uso são características desejáveis das plantas medicinais, assim como reprodutibilidade e constância de sua qualidade. 
O aproveitamento adequado dos princípios ativos de uma planta exige o preparo correto, ou seja, para cada parte a ser usada, para cada grupo de princípio ativo a ser extraído e para cada doença a ser tratada, existe forma de preparo e uso adequados (ARNOUS, SANTOS & BEINNER, 2005).
  • Conforme a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA, 2008), as plantas medicinais são plantas capazes de tratar ou curar doenças. Estas plantas têm tradição, pois são usadas como remédio em uma população ou comunidade. Para que sejam usadas, é necessário conhecer a planta e saber onde colher e como prepará-la. Já o Fitoterápico é o resultado da industrialização da planta medicinal para se obter um medicamento. Assim, a diferença entre planta medicinal e fitoterápico reside na elaboração da planta para uma formulação específica, o que caracteriza um fitoterápico.
Em âmbito internacional e no terreno da fitoterapia, a Flora Brasileira sempre foi vista como riquíssima, com aproximadamente 20% das 250 mil espécies de plantas catalogadas no planeta:
[...] estima-se que 25% dos US$ 8 bilhões do faturamento da indústria farmacêutica, no ano de 1996, foram originados de medicamentos derivados de plantas. [...] os Estados Unidos e a Alemanha estão entre os maiores consumidores dos produtos naturais brasileiros, que seguem para esses países sob o rótulo genérico de “material vegetal do Brasil”, de acordo com Ibama (BRASIL, 2006b).
É através do processo de industrialização que são evitadas contaminação por micro-organismos, agrotóxicos e substâncias estranhas, padronizadas a quantidade e a forma certa que deve ser usada e permitida maior segurança de uso. 
  • Os medicamentos fitoterápicos industrializados devem ser registrados na ANVISA - Ministério da Saúde antes de serem comercializados.
De todos os métodos da medicina natural, a fitoterapia é o mais antigo. Na fitoterapia a planta toda ou parte dela é utilizada de modo que seus constituintes ajam conjuntamente ao invés de um único princípio ativo isolado (FELFILI et al., 2004).
[...] fitoterápicos são medicamentos preparados exclusivamente com plantas ou partes de plantas medicinais (raízes, cascas, folhas, flores, frutos ou sementes), que possuem propriedades reconhecidas de cura, prevenção, diagnóstico ou tratamento sintomático de doenças, validadas em estudos etno-farmacológicos, documentações tecnocientíficas ou ensaios clínicos de fase 3 (ARNOUS, SANTOS & BEINNER, 2005, p. 2).
Segundo Chevalleir (2005, p. 6):
 “após quase dois séculos de declínio do uso de fitoterapia, as ervas voltaram a se torna populares no tratamento dos males modernos, sendo utilizadas em medicamentos que trabalham com as próprias defesas do corpo”. 
As pesquisas com plantas medicinais ainda são feitas, no entanto, em ritmo lento, pois dependem de verbas, ainda que já se tenha na atualidade, algumas plantas com atividade terapêutica comprovada, e várias outras em início de estudo. Estima-se que apenas entre 5% e 15% das plantas superiores já foram investigadas com vistas a descobertas de compostos bioativos (FELFILI et al., 2004).
  • Os autores relatam que, atualmente, os remédios à base de extratos vegetais estão modificados por causa da revolução tecnológica. No entanto, a utilização de avançados recursos não deixou para trás os conhecimentos medicinais tradicionais (GEOVANINI, OLIVEIRA JÚNIOR & PALERMA, 2007).
Portanto, o que se tem observado nas últimas décadas é um acentuado aumento nas pesquisas de caráter interdisciplinar que buscam a documentação do conhecimento relativo aos “povos tradicionais”, onde suas interações ecológicas, simbólicas e culturais com as plantas representam um aparente retorno à revalorização dos processos de cura com espécies medicinais (CASTRO, 2000).

Plantas Medicinais, Fitoterápicos e Saúde Pública

A Etnobotânica: 
E o Resgate do Conhecimento sobre o uso das Plantas Medicinais
  • O estudo etnobotânico avalia a interação humana com o meio ambiente por meio de levantamentos nas sociedades tradicionais sobre a utilização das plantas na farmacopéia caseira e na economia doméstica. Este tipo de estudo permite também inferir sobre a eficácia dos produtos que atingem o mercado de produção de chás, xaropes e cremes (SOUZA & FELFILI, 2006).
A etnobotânica aborda a forma como diferentes grupos humanos interagem com a vegetação:
[...] é interessante o estudo tanto das questões relativas ao uso e manejo dos recursos vegetais, quanto sua percepção e classificação pelas populações locais.  Assim, grande parte dos estudos etnobotânicos têm sido realizados diretamente com populações que dependem do ambiente para sobrevivência. 
Durante várias décadas de pesquisa, antropólogos e etno-biólogos têm constatado um profundo conhecimento sobre os organismos e processos ecológicos locais por parte desses grupos, em todo o mundo. 
  • Este fato é de grande importância crítica para a exploração e manejo de recursos com vistas à obtenção de alimentos, remédios e matérias-primas para os mais diversos fins e também para a análise dos contextos culturais e ambientais específicos, de forma que é necessário compreender um pouco da lógica interna do grupo para poder apreciá-lo e avaliá-lo devidamente (AMOROZO, 1996).
Amorozo (1996) descreve que, atualmente, ainda são encontrados muitos povos indígenas e populações rurais mestiças habitando áreas de grande diversidade biológica, povos estes que aprenderam, ao longo do tempo, como conviver com ambientes diversificados e com complexas estratégias de subsistência, que incluem coleta de produtos vegetais e animais, horticultura ou agricultura, caça e pesca.
  • A interferência humana na vegetação depende da intensidade de uso e manejo, podendo vir a causar graus variados de modificação tanto no que diz respeito à paisagem, quanto com relação a populações de espécies individuais. É natural o reconhecimento de paisagens intocadas e também de paisagens completamente domesticadas. 
Da mesma forma, para as espécies de plantas, há desde aquelas que não são exploradas de forma nenhuma, passando pelas que fornecem produtos diversos, exploradas em graus variáveis pelas comunidades humanas locais, até aquelas cuja intensidade de manejo e seleção artificial levam à completa domesticação. 
  • A manipulação de ambientes por estas comunidades, por sua vez, ainda precisa ser mais bem conhecida, e constitui um tema que merece investigação aprofundada, por sua complexidade (AMOROZO, 1996).
De modo geral, os fatores comportamentais, biológicos, farmacológicos, biotecnológicos e químicos determinam o interesse pelos produtos naturais. Este interesse produziu uma mudança na estratégia das empresas, que passaram a visar ao mercado dos produtos originados de plantas, através da etnobotânica, estudo das inter-relações diretas entre seres humanos e plantas. 
  • Os benefícios incluem a valorização do saber tradicional e da documentação das espécies vegetais que são utilizadas por determinada comunidade (FORD, 1978 apud PEREIRA-DA-SILVA, 2007).
Historicamente, as raízes do conhecimento tradicional brasileiro encontram-se nas tradições afro-brasileiras e indígenas (VOEKS, 1996 apud PEREIRA-DA-SILVA, 2007). 
  • Um exemplo é o conhecimento indígena que tem mostrado seu valor através dos tempos, pois todas as plantas domesticadas ou em processo de domesticação foram encontradas pelos europeus no país na época dos primeiros contatos. 
Eles adotaram estas plantas para seu consumo, bem como aquelas cujo emprego medicinal foi primeiro observado entre os povos autóctones, povos que ainda detêm uma grande quantidade de informação inexplorada pela ciência oficial sobre formas de se lidar com ambientes biologicamente diversificados, como as florestas tropicais. 
  • Estas informações podem ser úteis para a compreensão destes ecossistemas e para o desenvolvimento de atividades produtivas menos predatórias e homogeneizadoras do ambiente, como as comumente empreendidas pela sociedade industrializada (AMOROZO, 1996).
Pensando no emprego de um recurso natural aplicado à saúde do homem, é necessário contemplar dois princípios. O primeiro a salientar é o princípio da totalidade.  O filósofo grego Aristóteles disse que “o todo precede a parte” (FIGUEIREDO, 2005, p. 32), considerando que as doenças ou os males que acometem o homem afetam sua totalidade, embora a sua manifestação ocorra localmente. O outro princípio é que o recurso natural nega o uso de substâncias químicas não provenientes da natureza. Essa concepção de saúde traz, no seu bojo, a necessidade do homem de se harmonizar com as leis naturais do universo (FIGUEIREDO, 2005).
Segundo Pereira-da-Silva (2007, p. 22):
 “[...] a maior parte da bibliografia que retrata o contexto saúde-doença, confere à medicina oficial um papel de destaque. No entanto, diversas outras práticas de cura foram observadas ao longo da história do homem, dentre as quais se destaca o “curandeirismo””. 
A arte de curar pelas plantas é uma prática milenar que remonta ao início das civilizações, e que esteve sempre atrelado a práticas místicas e religiosas.
  • Atualmente, com todo avanço da ciência, inclusive sobre as propriedades terapêuticas das plantas medicinais, determinados grupos sociais às utilizam envoltas num conhecimento que mistura ciência, arte e magia. As plantas perpassam gerações e transcendem etnias, raças e classes sociais com fundamental importância terapêutica.
Trata-se de um recurso autêntico do saber popular, tradicionalmente utilizado no seio familiar e socializado nas relações de vizinhança, que hoje vem guardando cada vez mais o espaço no saber e na prática popular, e também entre os profissionais da área de saúde, embora estes pouquíssimos (FIGUEIREDO, 2005).
  • É importante considerar que atualmente, o emprego de plantas com propriedades terapêuticas não se baseia apenas no saber advindo do senso comum, construído culturalmente. Muitas delas estão sendo estudadas cientificamente. 
Segundo Arnous, Santos e Beinner (2005), o desenvolvimento da tecnologia e o interesse em confirmar o conhecimento em medicina popular são os responsáveis pelas pesquisas científicas sobre as plantas medicinais e seu valor terapêutico. No contexto atual das Políticas de Saúde, seus problemas e dificuldades, principalmente no Sistema Único de Saúde (SUS), as questões econômicas dos indivíduos, muitos dos quais são considerados miseráveis, contribui para a procura dos curandeiros, raizeiros e erveiros, estes responsáveis muitas vezes em aliviar e curar a dor, tanto de doenças internas como também as de origem externas, como por exemplo, as lesões e feridas da pele e, até mesmo de origem emocional. 
  • Esses “profissionais” vêm substituir para muitos, o papel do médico, devido a sua escassez nos Programas de Saúde da Família (PSF). Com isso, há cada vez mais a valorização das práticas caseiras e o uso das plantas medicinais.
Em função dessa situação é que comumente costuma-se associar as práticas exercidas pelo curandeirismo a lógica da falta. Isto é, se faltam médicos ou se o sistema de saúde é falho e mal estruturado, a solução seria desenvolver terapias próprias baseadas no saber tradicional.
  • Na transmissão desse conhecimento tradicional, a oralidade é um aspecto peculiar e, por isso, constitui um fator de risco, uma vez que, devido às novas oportunidades de assistência hospitalar e farmacêutica acessíveis e as vendas sem nenhum controle pelas autoridades legais, a juventude encontra-se totalmente alheia ao interesse de aprender e envolver-se no uso das plantas medicinais (PAUSEY, 1986 apud PEREIRADA- SILVA, 2007).
O registro do saber tradicional é indispensável, uma vez que informações sobre o uso empírico das plantas encontram-se sob ameaça de desaparecimento. Some-se a esse fato, o risco de desaparecimento a que muitas das espécies utilizadas nas práticas de cura sofrem na atualidade. Nesse contexto, a etnobotânica segundo Amorozo (1996, p.35),
[...] apresenta um instrumental teórico-metodológico que inclui muitos aspectos das ciências biológicas e das ciências sociais, especialmente a antropologia, ficando, assim, bem equipada para colaborar com a tarefa de modificar as formas de vida das populações devido ao contato com sociedades nacionais que podem levar ao abandono ou inadequação das antigas estratégias de manejo, ou à sobre-exploração dos recursos, resultantes de um aumento da densidade populacional humana. 
É importante saber que tanto a Ciência, quanto o Saber Local, são sistemas de conhecimento, com diferentes ênfases e abordagens, a partir de pontos de vista diversos. 
  • A Ciência é globalizante e o Saber Local é particularista, mas ambos devem trabalhar em conjunto para a obtenção de resultados mais férteis do que cada um em separado e também para lidar com o complexo problema do uso e conservação dos recursos biológicos.
Notadamente, muitos dos recursos biológicos aos quais se refere Amorozo (1996), têm sido explorados pelo conhecimento popular, como o observado para várias espécies nativas do Cerrado, inclusive com algum aproveitamento de forma sistematizada pelas associações comunitárias (SOUZA & FELFILI, 2006). 
  • As pesquisas sobre o uso das plantas medicinais revelam que deve haver consideração pelo contexto social e cultural, no qual esses usos são encaixados, pois há uma carência muito grande de levantamentos etnobotânicos e de potencial extrativista no Cerrado.
Em uma revisão bibliográfica realizada por Guarim Neto e Morais (2003), evidenciou-se o aumento acentuado das pesquisas etnobotânicas com plantas medicinais a partir da década de 1990. Esses autores compilaram os trabalhos realizados sobre plantas medicinais para o estado do Mato Grosso, encontrando cerca de 509 espécies, o que supera o número anteriormente relatado por Dias (1996 apud GUARIM NETO & MORAIS, 2003), que estimou haver mais de 100 espécies medicinais em todo o bioma Cerrado.
[...] há grande necessidade de investimentos em pesquisa, educação ambiental e programas de conservação de áreas intactas ou de recomposição de áreas degradadas e essa necessidade deveria estar associada a uma mudança da postura econômica e política que marcaria a distinção entre o modelo vigente e um modelo adequado de utilização sustentável dos Cerrados brasileiros (GUARIM NETO & MORAIS, 2003, p. 581).
Estudos sobre o uso de plantas medicinais pela população também já foram realizados no estado de Goiás para a capital Goiânia (RIZZO et al., 1990; MORAIS et al., 2005), bem como para Pirenópolis e Goiás (RIZZO et al., 1995),  Porangatu (TRIDENTE, 2002), Mossâmedes (VILA-VERDE, PAULA & CARNEIRO, 2003), na região da Chapada dos Veadeiros (SILVA et al., 2001) e Alto Paraíso de Goiás (SOUZA & FELFILI, 2006), e mais recentemente em Ouro Verde de Goiás (PEREIRA-DA-SILVA, 2007), todos evidenciando uma utilização significativa dessas plantas pela população.
  • No entanto, apesar desses estudos, ainda faltam muitas informações a respeito do uso que essas comunidades fazem das plantas medicinais, seja para elucidar as fontes disponíveis desses recursos para a população, ou para registrar e quantificar as espécies que são cultivadas nos quintais ou coletadas em áreas de vegetação nativa, seja no intuito de entender melhor os valores culturais agregados ao uso de plantas por essas comunidades ou na formulação de apontamentos que priorizem a conservação e o uso sustentável desses recursos (GUARIM NETO & MORAIS, 2003).
Neste sentido, compreende-se que o Brasil, com seu amplo patrimônio genético e sua diversidade cultural:
[...] tem em mãos a oportunidade para estabelecer um modelo de desenvolvimento próprio e soberano na área de saúde e uso de plantas medicinais e fitoterápicos, que prime pelo uso sustentável dos componentes da biodiversidade e respeite os princípios éticos e compromissos internacionais assumidos, e assim, promover a geração de riquezas com inclusão social (BRASIL, 2006b).
Por meio da ampliação de estudos etnobotânicos, químicos, farmacológicos e agronômicos serão possíveis maiores conhecimentos sobre as plantas medicinais, como agem, quais são os seus efeitos tóxicos e colaterais, como seriam suas interações com novos medicamentos alopatas e quais as estratégias mais adequadas para o controle de qualidade e produção de fitoterápicos, atendendo às novas normas das agências reguladoras, como as resoluções da ANVISA (VEIGA JÚNIOR, PINTO & MACIEL, 2005).

Plantas Medicinais, Fitoterápicos e Saúde Pública