sábado, 15 de fevereiro de 2014

Acido Lisérgico - LSD

"No reino da observação científica, a sorte só é concedida aos que estão preparados. Louis Pasteur"
  • Freqüentemente eu ouço ou leio que o LSD foi descoberto através de um acidente. Isto é verdadeiro somente em parte. Aconteceu que o LSD estava dentro de um programa de pesquisa sistemático e o "acidente" não aconteceu até muito depois: quando o LSD já tinha cinco anos e eu decidi experimentar seus efeitos desconhecidos em meu próprio corpo, ou melhor, na minha própria mente.
Olhando para trás na minha carreira profissional para localizar os eventos influentes e decisões que eventualmente guiaram meu trabalho para a síntese do LSD, eu percebo que o passo mais decisivo foi minha escolha de emprego quando concluí meus estudos de química. Se aquela decisão tivesse sido diferente, então esta substância, que se tornou conhecida no mundo todo, poderia nunca ter sido criada.
  • Para contar a história da origem de LSD, então também tenho que mencionar brevemente minha carreira como químico, desde que os dois desenvolvimentos são indissoluvelmente inter-relacionados.
Na primavera de 1929, ao concluir meus estudos de química na Universidade de Zurique, eu me juntei ao laboratório de pesquisa químico-farmacêutica da Companhia Sandoz na Basiléia, como colega de trabalho do Professor Arthur Stoll, fundador e diretor do departamento farmacêutico. Eu escolhi esta posição porque me propiciava a oportunidade de trabalhar com produtos naturais, considerando que as duas outras ofertas de trabalho, de firmas químicas da Basileia, estavam envolvidas com trabalhos no campo da química sintética.

Primeiras Explorações Químicas:
  • Meu trabalho doutoral em Zurique, sob a responsabilidade do Professor Paul Karrer, já tinha me dado uma chance para prosseguir meu interesse na química vegetal e animal. Fazendo uso de suco gastrintestinal do caracol do vinhedo, eu realizei a degradação enzimática da quitina, o material estrutural do qual as conchas, asas e garras de insetos, crustáceos e outros animais inferiores são compostos. Eu pude derivar a estrutura química da quitina a partir da divisão de um produto, um açúcar contendo nitrogênio, obtido por esta degradação. 
A quitina mostrou-se ser um análogo da celulose, o material estrutural das plantas. Este importante resultado, obtido depois de somente três meses de pesquisa, conduziu a uma tese doutoral classificada "com distinção". Quando eu me uni a firma Sandoz, o número de pessoas do departamento químico-farmacêutico ainda era bastante modesto. Quatro químicos com graus de doutorados trabalhavam em pesquisa e três na produção.
  • No laboratório do professor Stoll eu achei o emprego que combinava completamente comigo como químico de pesquisa. O objetivo que Professor Stoll tinha estabelecido para o seu laboratório de pesquisa químico-farmacêutica era o de isolar os princípios ativos, isto é, os componentes efetivos de plantas medicinais conhecidas para produzir elementos puros destas substâncias. Isto é particularmente importante no caso de plantas medicinais cujos princípios ativos são instáveis, ou do qual a potência está sujeita a uma grande variação, o que torna difícil uma dosagem exata. Mas, se o princípio ativo está disponível na forma pura, fica possível fabricar um preparado farmacêutico estável, exatamente quantificável através do peso. Pensando nisto, o Professor Stoll havia resolvido estudar substâncias de plantas de valor reconhecido como as substâncias da dedaleira (Digitalis purpurea), cebola do mediterrâneo (Scilla maritima) e cravagem do centeio (Claviceps purpurea ou Secale cornutum) os quais, por possuírem alta instabilidade e dosagens incertas, tinham sido pouco utilizados em medicamentos.
Meus primeiros anos nos laboratórios da Sandoz foram quase que exclusivamente dedicados aos estudos dos princípios ativos da cebola do mediterrâneo [Scilla maritima]. Dr. Walter Kreis, um dos colaboradores mais antigos do Professor Stoll, me envolveu neste campo de pesquisa. Os componentes mais importantes da cebola do mediterrâneo já existiam na pura forma. Os agentes ativos deles, como também os da dedaleira lanosa (Digitalis lanata), tinham sido isolados e purificados principalmente pelo Dr. Kreis, com uma habilidade extraordinária.
  • Os princípios ativos da cebola do mediterrâneo pertencem ao grupo dos glicosídeos cardioativos (glicosídeo = substância contendo açúcar) e servem, como fazem os da dedaleira, no tratamento da insuficiência cardíaca. Os glicosídeos cardiotônicos são substâncias extremamente ativas. Porque as doses terapêuticas e as doses tóxicas são muito próximas, torna-se então especialmente importante ter aqui uma dosagem exata, baseada em combinações puras.
No começo de minhas investigações, um preparado farmacêutico com glicosídeos da Scilla já tinha sido introduzido em terapias pela Sandoz, porém a estrutura química destas combinações ativas, com a exceção da porção de açúcar, permanecia altamente desconhecida.
  • Minha contribuição principal para a pesquisa da Scilla, na qual eu participei com entusiasmo, foi elucidar a estrutura química do núcleo comum dos glicosídeos da Scilla e mostrar suas diferenças, por um lado, os glicosídeos da Digitalis e, por outro lado, a relação estrutural íntima deles com os princípios tóxicos isolados de glândulas da pele de sapos. Em 1935 estes estudos foram temporariamente interrompidos.
Procurando um novo campo de pesquisa, eu pedi ao Professor Stoll que me deixasse continuar as investigações nos alcalóides da cravagem do centeio (ergot) que ele tinha começado em 1917 e que tinha conduzido diretamente ao isolamento da ergotamina em 1918. A Ergotamina descoberta por Stoll foi o primeiro alcalóide da cravagem do centeio obtido em forma química pura. Embora a ergotamina tenha tomado rapidamente um significativo lugar nas terapias (sob o nome comercial Gynergen) como um remédio hemostático na obstetrícia e como um medicamento no tratamento da enxaqueca, a pesquisa química da cravagem do centeio nos laboratórios da Sandoz ficou relegada ao isolamento da ergotamina e à determinação de sua fórmula empírica. Enquanto isso, no começo dos anos trinta, laboratórios americanos e ingleses tinham começado a determinar a estrutura química dos alcalóides da cravagem do centeio. 
  • Eles também tinham descoberto um novo alcalóide da cravagem do centeio, solúvel em água, que poderia ser igualmente isolado da tintura-mãe alcoólica da produção da ergotamina. Assim pensei que era tempo oportuno para que a Sandoz retomasse a pesquisa química dos alcalóides da cravagem do centeio, a menos que quiséssemos arriscar perder nosso papel principal num campo de pesquisa medicinal que já estava se tornando muito importante.
O professor Stoll concedeu meu pedido com algumas recomendações: "Tenho que o advertir das dificuldades que você enfrentará trabalhando com alcalóides da cravagem do centeio. Estas substâncias são sumamente sensíveis, facilmente decompostas, menos estáveis do que qualquer uma das combinações que você já investigou no campo dos glicosídeos cardíacos. Mas você é bem-vindo para tentar".
  • E assim os botões foram apertados, eu achei e me ocupei de um campo de estudo que se tornaria a principal meta da minha carreira profissional. Nunca me esqueci da alegria criativa, da antecipação ansiosa que eu senti embarcando no estudo dos alcalóides da cravagem do centeio, naquele momento, um campo relativamente obscuro de pesquisa.

Molécula de LSD
(6aR,9R)-N,N-Dietil-7-metil-4,6,6a,7,8,9-
hexahidroindolo-[4,3-fg]quinolina-9-carboxamida

Cravagem do Centeio (Ergot):
  • Pode ser útil aqui dar um pouco de informação de base sobre a própria cravagem. Para informação adicional sobre a cravagem, os leitores devem se referir às monografias de G. Barger, "Ergot and Ergotism" (Gurney e Jackson, Londres, 1931) e A. Hofmann, "Die Mutterkornalkaloide" (F. Enke Verlag, Stuttgart, 1964). O primeiro é uma apresentação clássica da história da droga, enquanto o segundo enfatiza seus aspectos químicos. É produzido por um pequeno fungo (Claviceps purpurea) que cresce parasitamente no centeio e, em menor escala, em outras espécies de cereais e gramas selvagens. Núcleos infestados com este fungo desenvolvem cavilhas encurvadas (sclerotia) de cor marrom-claro para violeta-dourado que são empurradas para fora no lugar dos grãos normais. Cravagem é descrita botanicamente como "sclerotium", a forma que o fungo da cravagem toma no inverno. Cravagem do centeio (Secale cornutum) é a variedade medicinalmente usada.
Cravagem do centeio, mais que qualquer outra droga, tem uma história fascinante, no curso da qual seu papel e significando foram invertidos: inicialmente taxada como um veneno, com o passar do tempo este conceito mudou para um depósito rico de valiosos remédios. A cravagem do centeio apareceu primeiramente numa fase da história, no início da Idade Média, como a causa das eclosões de envenenamento em massa que afetaram milhares de pessoas a cada vez. 
  • A enfermidade, cuja conexão com a cravagem do centeio ficou por muito tempo obscura, aparecia sob duas formas características: uma gangrenosa (ergotismus gangraenosus) e outra convulsiva (ergotismus convulsivus). Nomes populares para o ergotismo tais como "mal dos ardentes", "ignis sacer", "heiliges Feuer", ou "fogo de Santo Antonio" referem-se à forma gangrenosa da doença. O santo protetor das vítimas do ergotismo era Santo Antonio e foi principalmente a Ordem de Santo Antonio que tratou estes pacientes.
Até tempos recentes, epidemias como as eclosões de envenenamento pela cravagem do centeio, foram registradas na maioria dos países europeus, incluindo certas áreas da Rússia. Com o progresso da agricultura e desde a revolução industrial no décimo sétimo século, epidemias de ergotismo por causa de pão contento cravagem do centeio tem diminuído consideravelmente. A última grande epidemia aconteceu em certas áreas da Rússia meridional nos anos 1926-27. O envenenamento em massa na cidade francesa meridional de Pont Sainte Esprit no ano 1951, o qual muitos escritores atribuíram ao pão contendo cravagem do centeio, de fato não teve nada a ver com ergotismo. Este envenenando foi motivado por uma combinação de mercúrio orgânico que foi utilizado para desinfetar sementes.
  • A primeira menção ao uso medicinal da cravagem do centeio aparece como um ecbólico (medicamento para precipitar o parto) e está no herbário da cidade de Frankfurt, do médico Adam Lonitzer, datado de 1582. Embora como Lonitzer declarou, a cravagem do centeio tenha sido usada desde tempos antigos por parteiras, não foi antes de 1808 que esta droga ganhou entrada na medicina acadêmica, em virtude de um trabalho do médico americano John Stearns, intitulado "Account of the Putvis Parturiens, a Remedy for Quickening Childbirth (Contabilidade do Putvis Parturiens, um Remédio para Acelerar o Parto)". O uso da cravagem do centeio como um ecbólico, porém não teve duração. Logo os médicos se deram conta do grande perigo para a criança, principalmente devido à grande incerteza da dosagem que, quando muito alta, conduzia a espasmos uterinos. Dali em diante, o uso da cravagem do centeio na obstetrícia, foi limitado a parar hemorragia de pós-parto (sangramento após o parto).
Não foi senão após o reconhecimento da cravagem do centeio por vários farmacopeias durante a primeiro metade do décimo nono século que foram dados os primeiros passos para isolar os princípios ativos da droga. Porém, de todos os investigadores que analisaram este problema durante os primeiros cem anos, nenhum teve sucesso identificando as substâncias atuais responsáveis pela atividade terapêutica. Em 1907 os ingleses G. Barger e F. H. Carr foram os primeiros a isolar da cravagem do centeio uma preparação alcaloidal ativa que eles denominaram ergotoxina porque produzia mais propriedades tóxicas do que propriedades terapêuticas. (Esta preparação não era homogênea, mas, ao contrário, era uma mistura de vários alcalóides como pude demonstrar trinta e cinco anos mais tarde).
  • Não obstante, o farmacólogo H. Dale descobriu que a ergotoxina, além do efeito uterotônico, também tinha uma atividade antagônica na adrenalina, no sistema nervoso autônomo, que poderia conduzir os alcalóides da cravagem do centeio ao uso terapêutico. Só com o isolamento da ergotamina por A. Stoll (como mencionado anteriormente) os alcalóides da cravagem do centeio fizeram entrada e tiveram seu uso difundido em terapias.
O início da década de 30 trouxe uma nova era na pesquisa da cravagem do centeio. Começam com a determinação da estrutura química dos alcalóides da cravagem do centeio por laboratórios Americanos e Ingleses, como já mencionado anteriormente. Através da divisão química, W. A. Jacobs e L. C. Craig, ambos do Instituto Rockefeller de Nova Iorque, tiveram sucesso isolando e caracterizando o núcleo comum a todos os alcalóides da cravagem do centeio. Eles denominaram a isto ácido lisérgico.
  • Então veio um desenvolvimento maior, tanto para a química como para medicamentos: o isolamento do específico princípio hemostático uterotônico da cravagem do centeio que foi publicado simultaneamente e independentemente através de quatro instituições, inclusive os laboratórios da Sandoz. A substância, um alcalóide de estrutura comparativamente simples, foi denominada ergobasine (syn. ergometrine, ergonovine) por A. Stoll e E. Burckhardt. Pela degradação química da ergobasine, W. A. Jacobs e L. C. Craig obtiveram ácido lisérgico e a propanolamina amino álcool como produtos desta divisão. Eu fixei como minha primeira meta, o problema de preparar este alcalóide sinteticamente através da junção química dos componentes da ergobasine, ácido lisérgico e propanolamina.
O ácido lisérgico necessário para estes estudos teve que ser obtido por divisão química de algum outro alcalóide da cravagem do centeio, de vez que então só a ergotamina estava disponível como um alcalóide puro e já estava sendo produzida em quantidades de quilograma no departamento de produção farmacêutica. Eu escolhi este alcalóide como o material inicial para o meu trabalho e consegui obter 0,5 g de ergotamina das pessoas da produção da cravagem do centeio. Quando eu enviei o formulário de requisição interna ao Professor Stoll para sua assinatura, ele apareceu em meu laboratório e me repreendeu: "Se você quer trabalhar com alcalóides da cravagem do centeio, você terá que se familiarizar com as técnicas de micro-química. Eu não posso ter você consumindo uma tão grande quantidade da minha cara ergotamina nas suas experiências".
  • O departamento de produção da cravagem do centeio, além de usar cravagem do centeio de origem suíça para obter a ergotamina, também tratava cravagem de centeio portuguesa que rendia um preparado alcaloidal amorfo que correspondia primeiro à ergotoxina acima mencionada, produzida por Barger e Carr. Eu decidi usar este material menos caro para a preparação do ácido lisérgico. O alcalóide obtido do departamento de produção teve que ser purificado antes de fosse satisfatório para a divisão a fim de obter o ácido lisérgico. Observações feitas durante o processo de purificação me levaram a pensar que a ergotoxina pudesse ser uma mistura de vários alcalóides, em lugar de um alcalóide homogêneo. Eu falarei depois da sequela de longo alcance destas observações.
Aqui tenho que divagar para descrever brevemente as condições técnicas e de trabalho que prevaleciam naqueles dias. Estas observações podem ser de interesse à presente geração de químicos de pesquisa em indústrias que, de longe, estão acostumados a melhores condições. Nós éramos muito econômicos. Laboratórios individuais eram considerados uma rara extravagância.
  • Durante os primeiros seis anos de meu emprego na Sandoz, eu compartilhei um laboratório com outros colegas. Nós, três químicos mais um assistente cada, trabalhávamos na mesma sala em três campos diferentes: Dr. Kreiss em glicosídeos cardíacos; Dr. Wiedemann, que se uniu à Sandoz praticamente no mesmo tempo que eu, trabalhava no pigmento da clorofila de folhas; e eu, em última instância, em alcalóides da cravagem do centeio. O laboratório era equipado com duas coifas de fumaça (compartimentos providos com saídas), provendo exaustão insuficiente através de chamas de gases. Quando nós pedimos que essas coifas fossem equipadas com ventiladores, nosso chefe recusou alegando que a ventilação através de chama de gás tinha sido suficiente no laboratório de Willstatter.
Durante os últimos anos da Primeira Guerra Mundial, o Professor Stoll tinha sido assistente, em Berlim e Munich, do famoso químico mundial, laureado com Nobel, Professor Richard Willstatter e com ele foram conduzidas as investigações fundamentais da clorofila e a assimilação de dióxido de carbono. Havia escassadamente uma discussão científica com o Professor Stoll na qual ele não mencionava seu venerado Professor Willstatter e seu trabalho no laboratório de Willstatter.
  • As técnicas de trabalho disponíveis aos químicos no campo da química orgânica naquele tempo (começo dos anos trinta) eram essencialmente iguais àquelas empregadas por Justus von Liebig cem anos antes. O desenvolvimento mais importante alcançado desde então foi a introdução da microanálise por B. Pregl que tornou possível averiguar a composição elementar de um composto com apenas alguns miligramas de amostra, considerando que antes eram precisos alguns centigramas. Das outras técnicas físico-químicas à disposição do químico hoje - técnicas que mudaram seu modo de trabalho, tornando-o mais rápido e mais efetivo, criando completamente novas possibilidades, acima de tudo para a elucidação da estrutura - contudo nada disso existia naqueles dias.
Para as investigações dos glicosídeos da Scilla e os primeiros estudos no campo da cravagem do centeio, eu ainda usei a velha separação e técnicas de purificação dos dias de Liebig: extração fracionária, precipitação fracionária, cristalização fracionária, e tal. A introdução da coluna de cromatografia, o primeiro passo importante nas técnicas moderna de laboratório, somente foi de grande valor para mim nas investigações mais recentes. Para a determinação da estrutura, que hoje pode ser obtida rapidamente e elegantemente com a ajuda de métodos espectroscópicos (UV, IR, NMR) e cristalografia por raio-X, nós tivemos que confiar, no primeiro estudo fundamental da cravagem do centeio, completamente nos velhos métodos laboriosos de degradação química e derivatização.

Ácido lisérgico e Seus Derivados:
  • O Ácido lisérgico provou ser uma substância bastante instável e sua recombinação com radicais básicos impunham dificuldades. Na técnica conhecida como Síntese de Curtius, eu finalmente achei um processo que provou ser útil para combinar ácido lisérgico com aminas. Com este método eu produzi um grande número de compostos do ácido lisérgico. Combinando ácido lisérgico com propanolamina amino álcool, obtive uma combinação que era idêntica ao alcalóide natural ergobasine da cravagem do centeio. Com isso, a primeira síntese, quer dizer, a primeira produção artificial de um alcalóide da cravagem do centeio foi realizada. Isto não só foi de interesse científico como a confirmação da estrutura química da ergobasine, mas também de significado prático, porque ergobasine, especificamente o princípio hemostático uterotônico, só está presente na cravagem do centeio em quantidades muito insignificantes. Com esta síntese, agora poderiam ser convertidos outros alcalóides, que existem abundantemente na cravagem do centeio, em ergobasine que era valiosa na obstetrícia.
Após este primeiro sucesso no campo da cravagem do centeio, minhas investigações prosseguiram adiante em duas frentes. Primeiro eu tentei melhorar as propriedades farmacológicas da ergobasine por variações de seu radical amino álcool. Meu colega, Dr. J. Peyer, e eu desenvolvemos um processo para a produção econômica da propanolamine e de outros amino álcool. Realmente, por substituição da propanolamine contida na ergobasine com o butanolamine amino álcool, foi obtido um princípio ativo que até mesmo ultrapassou o alcalóide natural em suas propriedades terapêuticas. Isto implicou em que a ergobasine fosse usada mundialmente em aplicação como um remédio hemostático uterotônico seguro, sob o nome comercial Methergine e é hoje o principal medicamento para esta indicação na obstetrícia.
  • Mais adiante eu empreguei meu procedimento sintético para produzir novos compostos do ácido lisérgico para os quais a atividade uterotônica não era proeminente, mas dos quais, baseado nas suas estruturas químicas, poderiam ser esperados outros tipos de propriedades farmacológicas interessantes.
Em 1938 eu produzi a vigésima-quinta substância desta série de derivados do ácido lisérgico: ácido lisérgico diethylamide, abreviado LSD-25 (Lyserg-saure-diathylamid) para uso laboratorial.
  • Eu tinha planejado a síntese desta combinação com a intenção de obter um estimulante circulatório e respiratório (um analéptico). Poderiam ser esperadas tais propriedades estimulantes para o ácido lisérgico diethylamide porque já mostrava semelhança de estrutura com a substância química do analéptico conhecido naquela ocasião, isto é o ácido nicotínico diethylamide (Coramine). Durante o teste do LSD-25 no departamento farmacológico da Sandoz, cujo diretor era na ocasião o Professor
Ernst Rothlin, foi estabelecido um forte efeito no útero. Sendo atribuído cerca de 70 por cento decorrentes da atividade da ergobasine. De passagem, o relatório de pesquisa também notou que os animais experimentais ficaram inquietos durante o narcotismo. Porém a nova substância não despertou nenhum interesse especial em nossos farmacólogos e médicos; os testes foram então descontinuados. Durante os próximos cinco anos nada mais foi ouvido falar da substância LSD-25. Enquanto isso, meu trabalho no campo da cravagem do centeio tinha avançado em outras áreas. Pela purificação da ergotoxine, o material inicial para o ácido lisérgico, eu obtive, como já mencionado, a impressão de que esta preparação alcaloidal não era homogênea, mas era realmente uma mistura de diferentes substâncias. 
  • Esta dúvida sobre a homogeneidade da ergotoxine foi reforçada quando na sua hidrogenação foram obtidos dois produtos da hidrogenação distintamente diferentes, considerando que o homogêneo alcalóide ergotamine, sob as mesmas condições, rende só um único produto da hidrogenação (hidrogenação = introdução de hidrogênio). Sistemáticas investigações analíticas estendidas da suposta mistura de ergotoxine conduziram, em última instância, à separação deste preparado alcaloidal em três componentes homogêneos. Um dos três alcalóides da ergotoxine, quimicamente homogêneos, provou ser idêntico a um alcalóide isolado anteriormente no departamento de produção, que A. Stoll e E. Burckhardt tinham denominado ergocristine. Os outros dois alcalóides eram ambos novos. O primeiro eu nomeei ergocornine; e para o segundo, o último a ser isolado e que tinha permanecido escondido por muito tempo na tintura-mãe alcoólica, escolhi o nome de ergokryptine (kryptos = escondido). Depois foi detectado que a ergokryptine acontece em duas formas isômeras que foram diferenciadas como alfa e beta-ergokryptine.
A solução do problema da ergotoxine não foi apenas cientificamente interessante, mas também teve grande significado prático. Um valioso remédio surgiu disto. Os três alcalóides da ergotoxine hidrogenada que eu produzi no curso destas investigações, dihydroergocristine, dihydroergokryptine e dihydroergocornine, medicinalmente exibiram propriedades úteis durante os testes realizados pelo
Professor Rothlin no departamento farmacológico. Destas três substâncias, foi desenvolvido o preparado farmacêutico Hydergine, um medicamento para melhoria da circulação periférica e da função cerebral no controle das desordens geriátricas. Hydergine provou ser um remédio efetivo para estas indicações na geriatria. Hoje é o produto farmacêutico mais importante da Sandoz.
  • Dihydroergotamine, que eu igualmente produzi no curso destas investigações, também encontrou aplicação em terapias como a investigação da circulação e medicamento para a estabilização da pressão sanguínea, sob o nome comercial Dihydergot.
Enquanto que hoje a pesquisa em projetos importantes quase sempre é executada exclusivamente por um grupo de trabalho, as investigações em alcalóides da cravagem, descritas acima, foram executadas por uma só pessoa. Até mesmo os passos químicos adicionais na evolução de preparados comerciais permaneceram em minhas mãos, quero dizer, o preparo de quantidades maiores para as tentativas clínicas e, finalmente, a perfeição dos primeiros procedimentos para produção em massa da Methergine, Hydergine e Dihydergot. Este plano incluiu os controles analíticos para o desenvolvimento da primeira forma comercial destes três preparados: ampolas, soluções líquidas e comprimidos. Meus ajudantes naquele momento incluíam um assistente de laboratório, um ajudante de laboratório e mais tarde, em adição, um segundo assistente de laboratório e um técnico químico.

Descoberta de Efeitos Psíquicos do LSD:
  • A solução do problema da ergotoxine, descrito brevemente aqui, tinha conduzido a resultados frutíferos e tinha aberto caminhos adicionais de pesquisa, mas eu ainda não podia esquecer o relativamente desinteressante LSD-25. Um pressentimento peculiar, o sentimento de que esta substância pudesse possuir propriedades diferentes das que foram estabelecidas nas primeiras investigações me induziram, cinco anos depois da primeira síntese, a produzir o LSD-25 uma vez mais, na forma de uma amostra que poderia ser dada ao departamento farmacológico para testes adicionais. Isto era bastante incomum; substâncias experimentais, como regra geral, estavam definitivamente fora do programa de pesquisa uma vez determinada a falta de interesses farmacológicos. Não obstante, na primavera de 1943, eu repeti a síntese do LSD-25. Como na primeira síntese, isto envolveu somente a produção de alguns centigramas da combinação.
No passo final da síntese, durante a purificação e a cristalização do ácido lisérgico diethylamide na forma de um tartarato (sal de ácido tartárico), eu tive que interromper meu trabalho por causa de sensações incomuns. A seguinte descrição deste incidente vem do relatório que na ocasião enviei ao
Professor Stoll:
Sexta-feira passada, 16 de abril de 1943, fui forçado a interromper meu trabalho no laboratório, no meio da tarde e retornei a minha casa afetado por uma inquietude notável, combinada com uma leve vertigem. Em casa eu me deitei e afundei numa condição não desagradável de um tipo de intoxicação, caracterizada pela uma imaginação extremamente estimulada. Num estado como que em sonho, com os olhos fechados, eu achei a luz do dia desagradavelmente brilhante, eu percebia um fluxo ininterrupto de quadros fantásticos, formas extraordinárias com um intenso caleidoscópico jogo de cores. Depois de umas duas horas esta condição diminuiu.
Isto tudo foi uma experiência completamente notável, tanto no seu súbito aparecimento quanto no seu curso extraordinário. Parecia ter sido o resultado de uma influência tóxica externa; eu imaginei uma conexão com a substância com a qual eu tinha estado trabalhando na ocasião, o tartarato de ácido lisérgico diethylamide. Mas isto conduziu a outra pergunta: como eu tinha conseguido absorver este material? Por causa da conhecida toxicidade das substâncias da cravagem, eu mantinha sempre meticulosamente limpos os uniformes de trabalho. Possivelmente um pouco da solução de LSD tinham entrado em contato com as pontas dos meus dedos durante a cristalização e um traço da substância foi absorvida pela pele. Se o LSD-25 realmente tivesse sido a causa desta experiência estranha, então deveria ser uma substância de potência extraordinária. Parecia haver só um modo de se chegar ao fundo disto. Eu decidi por fazer uma auto-experiência.
  • Exercendo uma precaução extrema, comecei a série de experiências planejada com a menor quantidade que poderia ser esperado que produzisse um pouco de efeito e poderia ser considerada como atividade dos alcalóides da cravagem conhecidos na ocasião: isto é, 0,25 mg (mg = miligrama = um milionésimo de uma grama) de tartarato de ácido lisérgico diethylamide. Abaixo está citado o registro desta experiência no meu diário de laboratório de 19 de abril de 1943.

Efeitos visuais causados pelo uso do LSD 

Efeitos do uso do LSD:
  • Os efeitos variam conforme a psique do sujeito, considerando sobretudo seu estado psicológico momentâneo e o contexto físico em que se insere (ambiente), podendo ser agradáveis ou muito desagradáveis. A maioria dos estudos apontam que "impurezas" na substância não são importantes, por serem inativas, e nas doses tradicionais (minúsculas) não há espaço para outros psicoativos. 
O LSD pode provocar ilusões, alucinações (auditivas e visuais), grande sensibilidade sensorial (cores mais brilhantes, percepção de sons imperceptíveis), sinestesias, experiências místicas, flashbacks, paranoia, alteração da noção temporal e espacial, confusão, pensamento desordenado, despersonalização, perda do controle emocional, sentimento de bem-estar, experiências de êxtase, euforia alternada com angústia, pânico, ansiedade, dificuldade de concentração, perturbações da memória, psicose por “má viagem” (bad trip). Poderão ainda ocorrer náuseas, dilatação das pupilas, aumento da pressão arterial e do ritmo cardíaco, debilidade motora, sonolência, aumento da temperatura corporal durante a atividade da droga. Esses efeitos são atribuídos à alteração temporária do sistema nervoso central e não à ação da substância sobre a massa corpórea como um todo.

Ações consecutivas do LSD:
  • Latência, de 30 minutos a 3 horas 
  • Frio ou calor, dor de cabeça ou completa analgesia, agitação mental ou relaxamento, insônia e, necessariamente, dilatação da pupila. 
  • Languidez, fraqueza, necessidade de descanso e de redução de estímulos sensoriais. 
  • Sensações de extrema alegria e felicidade, ou de muito medo e angústia. 
  • Alterações temporais, espaciais, visuais, táteis, gustativas, olfativas e auditivas.
Farmacocinética:
  • Os efeitos do LSD normalmente duram de oito a doze horas -- Já foi relatado que: "distúrbios intermitentes podem ocasionalmente persistir por diversos dias." Ao contrário dos registros anteriores e da crença comum, os efeitos do LSD não duram mais do que os níveis de concentração da droga no sangue. 
Aghajanian e Bing encontraram uma meia-vida de eliminação para o LSD de 175 minutos, ao passo que, mais recentemente, Papac e Foltzdisseram que 1 µg/kg de LSD oral dado a um voluntário homem tinha uma meia vida de eliminação plasmática aparentemente de 5,1 horas, com um pico de concentração no plasma de 1,9 ng/mL três horas após a dose ser tomada. Além disso, Aghajanian e Bing encontraram que as concentrações sanguíneas de LSD se relacionavam com as dificuldades dos voluntários em responder problemas aritméticos simples.
  • Estima-se que a indução de um estado extremamente alterado de consciência por meio do LSD seja similar (mas indubitavelmente mais forte) a uma hipnose potencializada ou a um sonho lúcido, causando impacto psicológico tão grande que mesmo após a substância ter sido completamente eliminada do corpo, leva-se horas para retornar a consciência a um nível de normalidade que o experimentador admita para si.
Físicos:
  • As reações físicas ao LSD são marcadamente temporárias, extremamente variáveis e podem incluir o seguinte: contrações uterinas, hipotermia ou hipertermia, níveis elevados de glicemia, piloereção (na pele), aumento da frequência cardíaca, mandíbula presa, transpiração, pupilas dilatadas, produção de muco, insônia, parestesia, euforia, hiperreflexia, tremores e sinestesia. 
Os usuários de LSD relatam hipoestesia, fraqueza. Todos os efeitos físicos são passageiros e em vista da sua variabilidade, estima-se que alguns dependam da experiência psicológica pela qual passa o indivíduo, ou seja, que são psicossomáticos.

Espirituais:
  • O LSD é considerado um enteogeno porque ele pode catalisar experiências espirituais intensas nas quais os usuários se sentem como se estivessem em contato com uma ordem cósmica ou espiritual maior. Alguns demonstraram alteração da percepção de como sua mente trabalha, e alguns experienciam mudanças de longa duração em suas perspectivas de vida. 
Alguns usuários consideram o LSD um sacramento religioso, uma ferramenta poderosa para terem acesso ao que é divino. Outros, em uma abordagem mais científica ou filosófica, tem uma percepção parecida, mas menos religiosa, afirmando que o amplo condicionamento social que incide sobre o nosso sistema neurológico é quebrado temporariamente e "As Portas da Percepção" são abertas, conferindo ao indivíduo imenso poder sobre si mesmo para que possa atingir um auto-conhecimento mais pleno. Entre os argumentos mais céticos para fundamentar essa idéia, encontra-se o fato de que um maior volume do cérebro entra em atividade simultânea durante o efeito do LSD. 
  • Alguns livros compararam o estado dos efeitos do LSD com o estado do Bodhi, a iluminação, despertar do budismo e da filosofia oriental. Há também autores ocidentais, como Aldous Huxley, que abordam o assunto de maneira mais diversificada, essencialmente atingindo conclusões similares.Geralmente todos os sentidos ficam aguçados, mas não necessariamente chega-se a passar mal. 
Essas experiências sob a influência do LSD foram observadas e documentadas por pesquisadores como Timothy Leary e Stanislav Grof. Obtiveram-se evidências de que os alucinógenos podem induzir estados místicos religiosos em seus usuários (pelo menos nas pessoas que têm predisposição ou crença espiritual) e insights intelectuais em muitos dos usuários céticos.

Flashbacks:
  • Existe uma possibilidade de flashbacks, um fenômeno psicológico no qual o indivíduo experimenta um episódio de alguns dos efeitos subjetivos do LSD muito tempo depois de a droga ter sido consumida - algumas vezes, semanas, meses ou até mesmo anos após. 
Os flashbacks podem incorporar tanto aspectos positivos quanto negativos das "trips" do LSD. Esta síndrome é chamada pela psiquiatria de "Transtorno Perceptual Persistente por Alucinógenos".. Certas observações mostram que cerca de 70% dos usuários de LSD nunca apresentam os chamados "flashbacks", e a ocorrência desse fenômeno é mais comum em indivíduos que sofrem de algum distúrbio psiquiátrico.

Psicose:
  • Existem alguns casos de LSD induzindo quadros de psicose em pessoas que aparentavam estar saudáveis antes de consumirem a droga. Este assunto foi muito estudado por uma publicação de 1984 feita por Rick Strassman. 
Na maioria dos casos, a reação parecida com a psicose é de curta duração, mas em outros casos ela pode ser crônica. É difícil determinar se o LSD induz estas reações ou se ele meramente desencadeia condições latentes que poderiam se manifestar por si próprias após um certo tempo. Diversos estudos tentaram estimar a prevalência de psicoses prolongadas induzidas por LSD, chegando a números de cerca de 4 em 1.000 indivíduos (0,8 em 1.000 voluntários e 1,8 em 1.000 pacientes psicoterápicos em Cohen 1960; 9 em 1.000 pacientes psicoterápicos em Melleson 1971 ).

Riscos:
  • O LSD não causa dependência física, nem dependência psicológica, sendo considerada uma droga pesada por alguns autores. Outros autores descrevem a que a droga não causa dependência física ou psíquica.
Existem também casos de "bad trip" (viagem ruim) quando se toma a droga e o efeito é de medo, paranoia e pavor (sensações ruins), o que ocorre devido à própria pessoa que ingeriu o LSD, pois já se encontrava em um estado psicológico instável. A substância apenas catalisa as emoções presentes no indivíduo, sejam positivas ou negativas, não as causa.
  • Para reduzir a possibilidade de uma "bad trip", é necessário estar em um estado emocional estável e positivo, bem como em um lugar indubitavelmente agradável e seguro, com um número reduzido de pessoas, sendo que todas devem inspirar confiança ao experimentador, assim diminuem os riscos de quaisquer desconfianças evoluírem para paranoias/psicoses. Em inglês, essas precauções foram tradicionalmente cunhadas como "Set and Setting": Mindset - estado mental do indivíduo, Setting - todos os elementos do ambiente físico ao seu redor. Havendo dúvidas quanto à qualidade do ambiente ou do atual estado de espírito, aconselha-se evitar o uso da droga.

Íntimo da contra-cultura desde os anos 60, dos ravers, clubbers e geeks da computação, o LSD é hoje um quase total desconhecido dos psiquiatras e psicofarmacologistas, que deveriam justamente ser os especialistas no assunto.