segunda-feira, 24 de março de 2014

Vaginose bacteriana

O corrimento com mau cheiro pode ser um alerta da presença de infecções como a vaginose bacteriana, candidíase, tricomoníase ou feridas no colo do útero.

Os critérios diagnósticos são os mesmos para grávidas e não grávidas, utilizando a clínica já citada anteriormente. Os critérios diagnósticos de Amsel, desde 1983, ainda são muito utilizados:
  • Corrimento vaginal homogêneo 
  • pH > 4,5 
  • presença de clue cells a fresco 
  • Whiff teste positivo (odor fétido das aminas com adição de hidróxido de potássio a 10%).
A coloração pelo Gram, do fluido vaginal é o método mais utilizado avaliado para VB. Dessa forma quantifica-se o número de lactobacillus e de bactérias patogênicos, resultando em um escore que determina se há infecção. O mais comumente utilizado é o sistema de Nugent. O critério para ser VB é um escore de 7 ou mais. De 4 a 6 é intermediário e de zero a três é normal.

Tratamento e situações especiais:
  1. Em grávidas sintomáticas, deve-se fazer teste microbiológico para VB e tratá-las para a resolução dos sintomas .
  2. O tratamento oral ou vaginal é aceitável para atingir a cura em mulheres grávidas com VB sintomática, que tenham baixo risco para complicações obstétricas.
  3. Grávidas assintomáticas e sem fatores de risco identificados para parto prematuro não precisam fazer exames para VB nem tratamento. 
  4. Mulheres com alto risco para parto prematuro podem se beneficiar com testes de rotina para VB e tratamento.
  5. Se o tratamento para prevenção de complicações na gravidez foi indicado, deve ser com metronidazol 500 mg, oral, 2 vezes ao dia, por 7 dias ou clindamicina 300 mg, oral, 2 vezes ao dia, por 7 dias. Terapia vaginal não é recomendada para esta indicação.
  6. Pode testar um mês após tratamento para assegurar a cura (muito pouca evidência ainda para recomeçar, outros fatores podem fazer decidir)
Estas são as recomendações canadenses, supracitadas.
  • Ainda em 2008, o Center for Disease Control and Prevention recomenda como tratamento da VB em grávidas o metronidazol, oral(250 mg, 3 vezes ao dia, por 7 dias) ou clindamicina oral (300 mg, 2 vezes ao dia, por 7 dias). Vale ressaltar que mais de 50% dos casos de VB resolve espontaneamente na gravidez. Nygren, P. et al. em sua publicação dos guidelines VB x gravidez 23 concluem então que não há benefício. em tratar mulheres com gravidezes de baixo ou médio risco, para VB assintomática. Mais pesquisas são necessárias para entender melhor esses grupos e as condições nas quais o tratamento pode ter risco ou benefício e explorar a relevância da VB sobre outras complicações da gravidez, tal como parto antes de 34 semanas.
Conclui-se que há controvérsias na literatura, pois alguns estudos randomizados e metanálises mostram redução do trabalho de parto prematuro em gestantes tratadas com metronidazol, enquanto outros, com nível de evidência similar, demonstram não ter benefício ao tratar , em relação à prematuridade. Dois estudos contraditórios com níveis A de evidência.
  • Nesse caso especial , optaria pela clindamicina tópica após o segundo trimestre para o tratamento da VB em grávidas sintomáticas diminuindo o número de anaeróbios mesmo que as evidências digam que para prevenir prematuridade deve-se utilizar clindamicina ou metronidazol por via oral, se optar pelo tratamento, já que há mesmas evidências não recomendando o tratamento da VB nas grávidas para prevenir o parto prematuro.
A clindamicina parece ter melhor atividade contra Mobilluncus. G.Vaginalis e M. hominis que o metronidazol, mas o metonidazol não atinge os lactobacilos, que já são raros ou desaparecidos na VB. As taxas de cura são semelhantes com os dois, independente da via de administração.
  • Segundo o CDC and Prevention (2009), geralmente os parceiros de pacientes com VB não precisam ser convocados para tratamento, entretanto é possível que a VB se espalhe por via sexual, apesar de muitas controvérsias e não haver evidências suficientes. Por isso, os autores dividem-se e a maioria só opta por convocar o(s) parceiro(s) diante de VB recidivante, após várias falhas terapêuticas. O tratamento de escolha, por unanimidade, é o metronidazol 500 mg, oral, 12\12 hrs, por 7 dias ou 2g, em dose única, assim como o tinidazol 2g, em dose única e, no Brasil, também por vasta experiência ,de mais de 30 anos, o Secnidazol 2g, em dose única. Se a opção for tópica vaginal utiliza-se o metronidazol ou clindamicina creme a 2%.
A VB recorrente ( 4 ou mais diagnósticos confirmados no último ano ) é muito comum e vem sendo tratada com macrolídeos e nitroimidazólicos, dependendo do qual foi primeiramente utilizado. Uma das recomendações é a utilização do metronidazol oral ou vaginal por três dias desde o início da menstruação, por três a seis meses, com oferecimento de antifúngicos, se houver história de candidíase, pois esta poderá recorrer. Acho que o mais lógico é explicar e solicitar nova visita diante de sintomas sugestivos de candidíase. As taxas de cura na recorrência também são semelhantes com metronidazol 7 dias e clindamicina tópica 3 a 7 dias e metronidazol gel por 5 dias. Como suporte pode-se utilizar gel lactato, “duchas” de ácido acético a 1 ou 2%, ácido metacresolsulfônico por até três semanas, tornando o meio adverso ao crescimento das bactérias em questão, mas há controvérsias científicas, não há bases suficientes,apesar de muito utilizados na prática clínica.
  • A reposição de lactobacilos vem sendo estudada, mas há ainda longo caminho a percorrer, pois a reposição tem que ser com as espécies que habitam a vagina e produzem H2O2, características primordiais para a proteção contra várias infecções, inclusive VB. As espécies mais prevalentes em mulheres saudáveis, isoladas em meio de cultura seletivo e identificadas por métodos moleculares, são L. crispatus (30,1%) L.jensnii (26,5%), L.gasseri (22,9%) e L.vaginalis (8,4%). Além de mais prevalentes, as três primeiras citadas foram os que atingiram, em média, menores valores de pH (próximos a 4,0) e apresentaram melhor produção de H2O2.
Estudo recente, com nível IA de evidência mostrou que o regime de tinidazol 1g ao dia por 5 dias e 2g ao dia por 2 dias mostraram-se eficazes para o tratamento de VB. Estudo mais recente (2009) para VB recorrente associa 7 dias de nitroimidazólico, seguidos de 21 dias de óvulo de ácido bórico intravaginal 600 mg ao dia e na revisão o metronidazol gel duas vezes por semana por 16 semanas. Parece encorajador esse triplo regime, porém requer validação com estudo prospectivo randomizado e controlado. O ácido bórico removeria o “biofilme” vaginal que facilitaria a persistência das bactérias patogênicas.
  • Vale lembrar que as VB devem ser tratadas, mesmo que assintomáticas, antes de cirurgias ginecológicas, curetagens, lletz e inserção de diu, apesar de os estudos não mostrarem evidência científica suficiente e haver controvérsias naqueles existentes, porém insuficientes. Seria para profilaxia da indução de uma doença inflamatória pélvica (DIP), se outros cofatores já existissem. O fato de tratar a vaginose bacteriana já também limita a aquisição de HIV e outros patógenos , gerando uma questão relevante que é o tratamento da VB assintomática em pacientes HIV positivas, já que a DIP associa-se à VB. Deve-se discutir com as pacientes, oferecer tratamento, apesar das recomendações não tão claras e o CDC and Prevention recomendar tratamento igual para as HIV-positivas.
Como curiosidade importante, cita-se a VB associada às doenças cervicovaginais induzidas por HPV e há um estudo de Campinas que mostrou que mulheres com VB apresentam maior proporção de anormalidades citopatológicas depois da conização em relação às mulheres sem VB, ainda que estatisticamente não significativa. Esta associação não foi relacionada à presença do DNA de HPV de alto risco.

As membranas mucosas da vagina devem sempre ser úmidas. É por isso que eles produzem secreções continuamente. A quantidade de secreções varia de mulher para mulher. Algumas mulheres produzem mais, outros menos. 

Outras causas de Vulvovaginites e Corrimento Vaginal: 
  • As causas comuns de corrimento na mulher adulta são o corrimento vaginal fisiológico, com suas variações segundo a faixa de vida da mulher e os dias do ciclo menstrual, assim como o tipo de flora vaginal que ela apresenta, que é variada, de acordo com o nível socioeconômico e cultural, a geografia, o clima, a presença de gravidez ou intervenções tocoginecológicas freqüentes e recentes, os hábitos sexuais, os hábitos de vestir-se, o uso de contraceptivos hormonais, de diafragmas, de gel espermaticida, lubrificantes, sabonetes íntimos, alimentação, etc. A anamnese e a orientação adequada do que é o ecossistema vaginal e seu equilíbrio é essencial para “dezadoentalizar” essas pacientes e colaborar para que tenham uma vida mais saudável, inclusive sexual. Vale ressaltar, que no caso de dúvidas, deve-se realizar exames microbiológicos para afastar as causas infecciosas.
Considera-se um erro propedêutico iniciar investigação de um corrimento vaginal com cultura microbiológica, pois na vagina existe em equilíbrio com os lactobacilos ( flora de Döederlein), várias bactérias integrantes da flora vaginal normal, que serão identificadas nas culturas vaginais inespecíficas, que vêm acompanhadas de testes de sensibilidade aos antibióticos, levando a terapêuticas errôneas e à “adoentalização" da paciente, que a partir do sobre tratamento , pode apresentar um corrimento anormal com superinfecção, além de sentir-se doente diante de corrimento fisiológico que necessitava apenas de esclarecimento e, talvez, de algumas pequenas mudanças da hábitos de vida. 
  • A vaginose citólica, que consiste na flora de lactobacilos exacerbada, por vezes incomoda as pacientes e torna-se queixa principal, apesar de ser apenas aumento do resíduo vaginal fisiológico. Pode-se aliviar os sintomas da paciente com creme vaginal com tampão borato pH8, por 10 dias e depois manter duas vezes por semana por 2 meses ou alcalinizar o meio vaginal com “injeções”, para não falar duchas com seringas grandes, d'água bicarbonatada, em vários esquemas, pois são terapias alternativas, sem base científica. 
  • A vagina atrófica, própria da paciente hipoestrogênica, leva à dispareunia, por vezes apareunia, deve ser tratada com estrogeniaterapia (Terapia hormonal sistêmica, se houver indicações outras) ou estrógenos vaginais em esquemas individualizados, como o promestrieno ou o estriol. Entretanto, quando, além da atrofia, a vaginose bacteriana secundária está instalada, pela própria perda de barreira pela diminuição do número de camadas do epitélio, o tratamento de ataque pode ser feito com clindamicina tópica a 2% por 3 a 7 dias,seguido de estrogênios conjugados por 15 a 30 dias.
  • A vaginite actínica, geralmente com infecção bacteriana secundária, exibe descarga purulenta, que deve ser tratada especificamente após o exame microbiológico.
  • A vaginite lactácional que se assemelha à colpite atrófica inicial, pelo hipoestrogenismo, pode até mesmo mimetizar a tricomoníase. Os sintomas são similares, com desconforto urinário, prurido vaginal e secura, dispareunia e corrimento. O pH geralmente é mais alcalino ( ≥ 5). À microscopia observa-se poucos lactobacilos, diminuição de células superficiais e aumento de células basais e parabasais. É comum a associação com VB, que pode ser tratada topicamente com clindamicina ou acidificação do meio com vitamina C vaginal. Gel aquoso lubrificante é aconselhado para aliviar a dispareunia e há controvérsias sobre o uso de estrógenos vaginais, que são absorvidos.
  • A vaginite irritativa, causada por agentes químicos medicamentosos ou cosméticos, cujo tratamento é a suspensão dos mesmos. A paciente refere ard, prurido e há eritema.
  • A vaginite alérgica, causada por hipersensibilidade a medicamentos, cosméticos íntimos, antígenos de fungos ou protozoários, látex do condom ou diafragma, espermaticidas, etc., são tratadas com sucesso, quando o diagnóstico foi acertado em pacientes muito atópicas, com vulvites alérgicas concomitantes, anamnese apurada, utilizando anti-histamínicos e, se houver infecção concomitante, o tratamento específico conjunto. A paciente refere ardor, prurido e há eritema, tal como na irritativa. 
  • As vaginites pelo HPV e a vaginite herpética serão contempladas em seus capítulos específicos. Ressalto a colpite focal por HPV, que tem alto relevo, diferenciando-se das colpites focais micro erosivas como a tricomoníase e a atrófica.
  • A vaginite descamativa inflamatória, que acompanha o líquen plano vestibular freqüentemente ( Monique Pelisse, comunicação pessoal ), pode apresentar descarga purulenta e dispareunia. O corrimento é amarelado com pH alto, colpite macular pode estar presente e à microscopia observa-se aumento de polimorfonucleares e células parabasais. Difere da VB pela inflamação presente. Infecção estreptocócica concomitante é relatada e provavelmente trata-se do próprio líquen plano erosivo vaginal, podendo levar a sinéquias vaginais se o tratamento com espumas de corticosteroides ou cremes vaginais com corticosteroides não for instituído. Quando o acontecimento é tríplice ( vestibulite erosiva, vaginite descamativa e gengivite erosiva ) caracteriza a Síndrome Vulvovaginogengival, descrita por Monique Pelisse nos anos 80, caracterizando o líquen plano erosivo.
  • As vulvovaginites na infância merecem um capítulo à parte, mas vale salientar que a maioria é causada por distúrbio da homeostase bacteriana vaginal, geralmente condicionada à higiene fecal e urinária inadequadas. Em 70% dos casos a vulvovaginite pediátrica é inespecífica, porém em 30% as vulvovaginites podem decorrer de agentes específicos, alguns deles transmitidos pela via sexual, o que deve alertar para a possibilidade de abuso sexual na infância. Sugiro a leitura do artigo de Marta Rehme e col., bem didático, com terapêuticas específicas, em FEMINA, abril de 2001.
Outras vulvovaginites  (VV) mais raras: 
  • Ocorrem, como as VV autoimunes, geralmente acometendo pacientes com outras doenças autoimunes, VV por corpo estranho, mais comum em crianças, VV por enterobiose, também mais comum na infância, por amebíase, geralmente associada à doença gastrointestinal, por esquistossomose, raríssima, mais vista na África, por bactérias patogênicas ocasionais, etc.
Existem ainda as vulvovaginites psicossomáticas, que por vezes é um elo de manutenção de um relacionamento fracassado. O corrimento é a queixa de frente para um distúrbio sexual ou psíquico. Aquele corrimento cujas queixas não se encadeiam em um raciocínio lógico, cujos exames microbiológicos são negativos, cujo exame clínico diferencia descarga vaginal de mucorréia excessiva (fisiológica) e cujas pacientes mal conseguem te olhar nos olhos, ávidas por dividir um grande segredo, as quais poderão ser ajudadas pelo ginecologista e\ou sexólogo, ou casos mais sérios necessitando de encaminhamento à psicoterapia e\ou psiquiatria. Essas pacientes são infelizes e, por isso, podem até mesmo ter resposta imunológica alterada, facilitando vulvovaginites infecciosas, confundindo ainda mais o ginecologista, que trata a causa infecciosa, mas não percebe a causa maior de todo o processo de recorrência, que subconscientemente, ela quer que a afecção ocorra para não ter que “tolerar” um parceiro, do qual não consegue se desligar, mas já não existe mais afetividade.
  • Outras pacientes sofrem de estresse crônico, com grandes alterações no ritmo do cortisol, que é diretamente proporcional à resposta imunológica alterada, favorecendo o aparecimento e a recorrência da VV, se não “se tocar” de que tem que mudar o estilo de vida, pois este pode ser o primeiro sinal.
Vale salientar que a recorrência e a agressividade de infecções genitais também são a porta de entrada para o diagnóstico de doenças crônicas imunossupressoras, devendo o ginecologista nunca neglicenciar a queixa corriqueira de corrimentos vaginais. Completando o ciclo das vulvovaginites, existem as vestibulites e vulvodínias, que serão temas complementares deste nosso escrito, juntamente com cervicites no próximo livreto a ser lançado em Porto Alegre, no Congresso Brasileiro de Genitoscopia, em setembro de 2010.

A doença pode surgir a partir de bactérias já existentes no organismo, por isso, alguns especialistas não a consideram uma doença sexualmente transmissível.