sexta-feira, 17 de outubro de 2014

A Sustentabilidade Ambiental das Barragens

Índios do Xingu, onde esta sendo construída a usina de Belo Monte

  • A eletricidade é uma necessidade mundial humana, vital para o crescimento dos países em processo de desenvolvimento. Estes países requerem de um alto incremento econômico, criação de novas indústrias e fontes de emprego para atingir tal desenvolvimento e combater a pobreza que sua vez, se devem traduzir em grandes quantidades de energia demandada. 
Da mesma forma, os países desenvolvidos pretendem manter taxas sustentáveis de crescimento econômico e velar pelo conforto que vem tendo nas últimas décadas, para obter níveis sustentáveis de demanda de energia (Rios, 2007).
  • De acordo com os dados da “International Energy Agency” (IEA, 2007) o maior consumidor de energia é a OECD (Organização para a Cooperação Econômica e o Desenvolvimento), organização da qual são membros 30 países como a Alemanha, a Inglaterra, a Itália, o Japão, a França, a Canadá e os EUA. 
Estes países consomem 48,5% da produção de energia elétrica no mundo como se pode verificar na Figura 4.1 onde se apresenta a evolução do consumo de energia de 6.128 Mtoe (milhões de toneladas de óleo equivalente) em 1973 até 11.435 Mtoe em 2005. E mesmo que tenham diminuído seu consumo em 13%, seguem sendo os grandes consumidores mundiais da energia. 
  • A China e o continente da Ásia praticamente duplicaram seu consumo, enquanto a África teve um crescimento moderado, a América Latina teve um crescimento de 0,7% em 33 anos, ou seja, a 0,021% por ano. O que significa que é um continente ainda não desenvolvido, mas com uma grande quantidade de recursos inexplorados.
É claro que a humanidade precisa de energia para subsistir e garantir certa condição de conforto, pensando nisto, o ser humano tem criado muitas formas de gerar energia: à base de carvão, derivados do petróleo, gás natural, usinas hidroelétricas, usinas nucleares, painéis solares, energia eólica, energia geotérmica, biomassa e outros. 
  • As formas convencionais como o carvão, petróleo e gás natural são muito boas como fontes de energia e ainda tem em abundância na terra, mas são fontes não renováveis, finitas, que estão produzindo mudanças climáticas com graves conseqüências para a humanidade (Erec e Greenpeace, 2007), como por exemplo o problema da contaminação ambiental devido à produção de dióxido de carbono (CO2), que na atualidade tem alcançado níveis inesperados.
Segundo a IEA (2007), o carvão responde pelo 25,3%, o petróleo por 35%, e o gás natural pelo 20,7%, somado tudo, tem-se 81% do fornecimento mundial de energia deixando o restante, 19%, para as chamadas energias renováveis. Dentro destes três tipos de energia, o gás natural é quem menos contamina o ambiente.
  • A energia nuclear é uma energia limpa, não precisa de muito espaço físico para sua instalação, mas sim de tecnologia e mecanismos de alta seguridade para a geração de energia, o problema é, o que fazer com os resíduos nucleares do urânio enriquecido altamente radioativos. Além do que, existe uma resistência por parte de sociedade a este tipo de energia (Erec e Greenpeace, 2007). 
Embora a energia nuclear responda pelos 6,3% da energia fornecida no mundo e países desenvolvidos como os EUA, a França, o Japão e a Alemanha sejam os maiores produtores de energia nuclear com um total de 1.731 TWh/ano (IEA, 2007), e mostrem este tipo de tecnologia como uma interessante alternativa para a crescente demanda mundial de energia, acidentes como o de Windscale (1957), 
  • Three Mile Island (1979), Chernobyl (1986) e Tokaimura (1999) deixam à sociedade com dúvidas no momento de optar por este tipo de tecnologia (Erec e Greenpeace, 2007).
As energias solar, eólica, geotérmica, biomassa, entre outras, são consideradas como energias renováveis limpas, mas ainda não se tem uma tecnologia para aproveitá-las ao máximo e competir com os grandes produtores convencionais. Estima-se que dentro de dois ou três anos, se terá uma maior competitividade quanto aos custos e, portanto, uma maior participação destes tipos de energia (Rios, 2006b).
  • O crescimento da produção de energia no mundo, desde 1972 até 2005 de acordo com os tipos de combustíveis utilizados. O consumo de carvão e do petróleo foram, desde o começo de uso de energia, as fontes para o desenvolvimento humano e tem mostrado um pequeno e constante incremento ao longo dos anos. 
O gás natural leva o terceiro lugar na produção de energia com um incremento mais notório seguido dos combustíveis renováveis que se espera sejam os substitutos do carvão e do petróleo. É claro que nas seguintes três a quatro décadas os combustíveis fósseis seguirão dominando a produção primária de fontes de energia (75 a 80%), e que as energias renováveis com todo o esforço que se está dando, só contribuirão com 20 a 25%, mesmo assim não se pode deixar de lado o problema do aquecimento global (Rios, 2006a).
  • É necessário mudar o uso de combustíveis fósseis pelo uso de combustíveis renováveis e aplicar durante as próximas três a quatro décadas uma série de medidas tecnológicas como a eficiência energética, o uso de bio-combustíveis na área de transporte, a mistura de combustíveis nas indústrias e prédios, e a transformação das usinas de carvão a gás, usinas nucleares, usinas hidrelétricas e outras energias renováveis (Rios, 2007).
A Sustentabilidade:
  • Segundo Hermanowicz (2005), o significado de sustentabilidade no contexto do gerenciamento dos recursos hídricos tem mudado com o transcurso do tempo. Inicialmente abastecer as demandas de água era o interesse dominante. 
Pouco tempo depois o interesse pela qualidade da água voltou-se mais importante seguido pelo amplo reuso das águas. Hoje em dia a sustentabilidade exige a inclusão de todo um conjunto de aspectos (energia, poluição, agentes químicos, etc.), espaciais e de escalas de tempo.
  • O desenvolvimento sustentável gradualmente se tornou num conceito importante encaixado em muitas atividades da sociedade, incluindo a economia, e política. A sustentabilidade é agora um crescente assunto de negócios, governos, grupos cívicos e individuais (Hermanowicz, 2006). Estes assuntos estão usualmente ligados à eficiência energética, à redução das emissões que causam danos ao ambiente, à preservação de ecossistemas e outras tentativas para diminuir os impactos ao ambiente.
De acordo com o Ministério do Meio Ambiente (1999), o conceito de desenvolvimento sustentável tem três vertentes principais: o crescimento econômico; a equidade social e o equilíbrio ecológico. Esta visão é compartilhada por Hediger (2000) que diz que o desenvolvimento sustentável é um conceito normativo que envolve problemas de escolha entre objetivos de caráter social, ecológico e econômico, e é requerido para sustentar a integridade de todo o sistema.
  • Para que o desenvolvimento sustentável seja alcançado na construção de uma barragem, é necessária a participação de todos os elementos, grupos e setores envolvidos. Para que entre todos, selecionem a combinação mais adequada de opções, considerando critérios técnicos, financeiros, econômicos, sociais e ambientais. 
Em este sentido, a WCD (2000), propõe de forma construtiva e inovadora avançar na tomada de decisões, para a construção de barragens, mediante o cumprimento de sete prioridades estratégicas:
  • Obter a aceitação pública;
  • Avaliação abrangente das opções;
  • Consideração das barragens existentes;
  • Conservação dos rios e meios de subsistência;
  • Reconhecer os direitos e compartilhar os benefícios dos recursos hídricos e energéticos;
  • Garantir o cumprimento dos acordos e compromissos prévios;
  • Compartir os rios pela paz, o desenvolvimento e a seguridade.
O objetivo destas prioridades é o desenvolvimento equitativo e sustentável de qualquer projeto de barragem. Ghilardi (2003) elaborou um estudo de caso para o Projeto Hidrelétrico de Belo Monte, no qual, com base nos resultados e recomendações do trabalho da WCD (2000), fez as comparações qualitativa e quantitativamente das normas legais ou instruções normativas aplicadas no planejamento de grandes barragens hidrelétricas no Brasil. 
  • Neste trabalho o autor afirma que: mesmo reconhecendo todos os avanços da legislação e da política pública brasileira no caminho da sustentabilidade dos grandes projetos de infra-estrutura, os resultados demonstraram que ainda são necessários ajustes significativos para se atingir os princípios e objetivos de sustentabilidade propostos pela WCD (2000).
Destacando o terceiro ponto para o desenvolvimento sustentável, sobre o equilíbrio ecológico, e considerando os impactos ambientais produzidos pela construção de barragens, Goodland (1997) se concentrou na tarefa de encontrar a barragem que seja sustentável. 
  • Assim, o conceito de barragens ou hidrelétricas ambientalmente sustentáveis foi proposto pelo autor, como aquelas barragens que tenham um longo tempo de vida, baixos custos sociais e ambientais. Também que estes não aumentem com o tempo, principalmente, para as gerações futuras, especialmente no que se refere às mudanças climáticas.
A Energia Hidrelétrica: 
Como fonte para atingir o desenvolvimento:
  • No decorrer dos anos, o ser humano caminhou para o uso de energias abundantes cada vez mais limpas e que sejam economicamente competitivas, estas são constantes do desenvolvimento da indústria energética. É só ver a evolução desde a lenha ao carvão, petróleo, gás natural e possivelmente, do hidrogênio. Estes são conhecidos como os energéticos do século XVIII, XIX, XX e XXI. 
A Índia e a China são exemplos desta procura de melhores fontes de energia para atingir o desenvolvimento, já que devido às grandes demandas energéticas que tem produto do seu crescimento populacional estão mudando progressivamente suas antigas fontes de energia por outras que sejam mais limpas e eficientes (Rios, 2006a).
  • Dentro deste panorama, que tende à diversificação de combustíveis fosseis e uso de recursos renováveis limpos, é importante a consideração e uso da hidroeletricidade. A energia hidrelétrica é reconhecida como uma fonte de energia renovável accessível, seu desempenho na geração de eletricidade, especialmente nos países de rápido desenvolvimento, é crucial. 
A eletricidade desenvolve um papel importante na redução da pobreza, no fomento às atividades econômicas e na melhora da qualidade de vida, da saúde e oportunidades de educação, especialmente no caso de mulheres e crianças (ONUDI, 2006).
  • A energia hidrelétrica se manteve quase constante com um pequeno incremento de 0,03% durante 33 anos, de 1,8% em 1972 passa a 2,2% da produção mundial no ano 2005. Desses 2,2% a maior parte é produzida pelo OECD que tem 44,6% do consumo mundial. 
Os grandes produtores de energia hidrelétrica são a China 397 TWh/ano, o Canadá 364 TWh/ano, o Brasil 337 TWh/ano, os Estados Unidos 290 TWh/ano, a Rússia 175 TWh/ano (IEA, 2007).Pode se ver que, em 2005, dos 2994 TWh gerados, 79,3% pertencem a Europa, Ásia, África, e Oceania. Isso deixa uma produção para Latino América de 20,7%, ou seja, 619,76 TWh, dos quais Brasil é o maior produtor.

O comité do Patrimônio Mundial da Unesco, 
afirmou a intenção de parar as obras da construção da barragem da foz do rio Tua, 
que ameaça a classificação da zona do Alto Douro Vinhateiro

A Energia Hidrelétrica na América do Sul:
  • América do Sul tem um grande potencial hidrelétrico não aproveitado que pode ser explorado no decorrer dos anos. Com um bom planejamento, teria a capacidade de gerar uma matriz energética regional para sair da pobreza, que é um denominador comum deste continente.
A água é uma fonte renovável de energia que devidamente administrada em relação a sua exploração, é uma alternativa limpa e econômica para seu uso sub-regional e regional. Rios (2006a), a OLADE (Organização Latino-americana de Energia) estimou o potencial regional de hidroeletricidade para o ano 2005 como sendo de 582.033 MW. 
  • Deste potencial somente estavam sendo aproveitados 139.688 MW (aproximadamente 24%) com uma geração bruta de 3153.804 GWh/ano. Estima-se que um 35% do potencial estimado é economicamente viável de exploração, tanto por sua localização, como pelo novo cenário de preços do petróleo e do gás natural na região.
A maioria dos países da América do Sul tem combinações entre hidroeletricidade e termoeletricidade de 40 a 60%, com alguns picos cobertos pela geração de termoelétricas a carvão e também em base aos derivados do petróleo como óleo e diesel (Rios, 2006b). 
  • América, na qual se destaca a capacidade instalada e o potencial hidrelétrico desses países. Segundo OLADE (2005) os maiores representantes sul americanos da hidroeletricidade são: Brasil com 76% da produção total de energia proveniente de usinas hidrelétricas, na Venezuela é o 65%, no Paraguai 99%, na Colômbia a produção hidrelétrica alcança o 66% e a Argentina com 34%. 
Os valores adotados correspondem ao “Informe de Estadísticas Energéticas” elaborado pela OLADE para o ano 2005. Na Bolívia, a produção de energia hidrelétrica representa o 47% da produção total, segundo os dados da Superintendência de Eletricidade (SIE, 2007), mesmo assim os valores de produção são baixos em comparação com os grandes representantes de América do Sul. 
  • A maior usina hidrelétrica em América do Sul é Itaipu com 14.000 MW de potência instalada nas 20 turbinas de 700 MW de capacidade cada uma (Ozis et al., 2004). 
Esta usina está localizada no rio Paraná e a energia produzida é compartilhada entre o Paraguai e o Brasil. Itaipu fornece o 99% da demanda energética do Paraguai e aproximadamente 25% da demanda energética do Brasil, segundo dados da “International Water Power and Dams Construction” (IWP&DC, 2006). Em 2006, Itaipu produziu quase 92700 GWh, e nos últimos cinco anos uma média de 90.000 GWh (IWP&DC, 2007a). 
  • A segunda maior usina é a de Raúl Leoni, conhecida como Guri, no rio Caroni, na Venezuela, com 10.000 MW de capacidade. O Paraguai também compartilha com a Argentina a usina de Yacyretá com 20 turbinas e uma capacidade instalada de 3.200 MW, localizada a jusante de Itaipu. Segundo o IWP& DC (2006) a usina opera com capacidade reduzida de 1800 MW. 
Esta usina fornecia 5% da demanda do Paraguai e 40% da Argentina. Como resultado, o Paraguai é um importante exportador de eletricidade. Em 2000 exportou 49,5 GWh, aproximadamente 90% da produção energética nacional. A capacidade hidrelétrica da Argentina está baseada em dois esquemas binacionais de compartilhamento 50%, o já citado Yacyretá com Paraguai e o de Salto Grande com Uruguai (1890 MW de capacidade, altura 47m, geração anual de 6,74 TWh).
  • De acordo com os dados da IWP&DC (2007b), o Equador vai investir 300x106 de dólares (US $) anuais para a construção de novas usinas hidrelétricas para ganhar a maior parte da demanda do setor energético que cresce a uma taxa de 7% anual. De acordo com os planos do governo para o ano 2012 pretende-se ter a energia hidrelétrica como a fonte de energia dominante do seu sistema.
Outro aspecto importante se refere às características do sistema interligado. A rede elétrica da Venezuela está ligada à de Colômbia, e em agosto de 2001 uma interconexão elétrica foi inaugurada entre o Brasil e a Venezuela, em Santa Elena de Uairen na Venezuela, ligando com Boa Vista (RR), no Brasil. A Colômbia também tem uma rede interconectada com Equador. 
  • Em Janeiro de 2003, uma nova rede energética de 211 km foi construída entre a Colômbia e o Equador, fruto de um acordo da Comunidade Andina (CAN). Em Dezembro de 2002, a Bolívia, a Colômbia, o Peru, o Equador e a Venezuela combinaram em integrar seus mercados para criar um mercado energético regional (Flin, 2003).
A Argentina e o Paraguai estão planejando a construção de mais uma usina hidrelétrica no rio Paraná, a usina de Corpus Christi com 3.000 MW de capacidade e um custo estimado em US$ 3,1 bilhões (IWP& DC, 2007). Outros 8.600 MW estão sendo planejados na construção de novas usinas hidrelétricas compartilhadas com outros países como o Brasil, o Paraguai e a Bolívia. 
  • A Argentina tem ligações energéticas com o Chile, o Brasil e o Uruguai. A ligação com o Brasil teve muita importância devido à queda de energia que aconteceu no Brasil, em 2001 (Flin, 2003).
Características do Modelo Energético no Brasil:
  • Segundo Barbosa (2001) até 1930 eram as companhias privadas, com concessão governamental, as que organizavam o fornecimento da energia elétrica de forma local ou regional. As principais multinacionais eram American & Foreign Power Company – Amforp (norte-americana) e Brazilian Traction, Light and Power – Light (canadense). 
Em termos espaciais, a geração de energia hidrelétrica estava bastante atrelada às atividades econômicas. Entre os anos de 1880 e 1900, a concentração maior de energia hidrelétrica era proveniente de usinas localizadas em Minas Gerais, em função das atividades minerárias, como: o beneficiamento de produtos agrícolas, fábricas e serrarias, que aos poucos foram em direção às cidades do Rio de Janeiro e São Paulo (Freitas, 2002).
  • O aproveitamento do desnível proporcionado pela Serra do Mar foi um dos fatores preponderantes que direcionaram os projetos hidrelétricos no eixo da capital federal - na época o Rio de Janeiro - e da industrial São Paulo, destacando as usinas Fontes Novas e Ilha dos Pombos, de 132 MW e 164 MW de potência, instaladas em 1908 e 1924 na sub-bacia do Paraíba do Sul, no Rio de Janeiro. A Usina Hidrelétrica de Henry Borden, que teve sua primeira unidade inaugurada em 1926, atingiu, em 1950, a capacidade de 469 MW. 
Houve uma expansão da geração de energia hidrelétrica nas décadas de 50 e 60 em regiões da Bahia, mais especificamente, na bacia do rio São Francisco (Paulo Afonso I e II), e Minas Gerais, no rio Grande (Mascarenhas de Moraes, Furnas e Estreito). 
  • Nas décadas seguintes, seguindo os padrões de crescimento econômico, foram construídos grandes empreendimentos hidrelétricos (capacidade acima de 1.000 MW) com expansão para as bacias dos rios Paraná (ex. Itaipu com 12,6 GW), Iguaçu e Tocantins (Tucuruí 4,2 GW) (Sinisgalli, 2000).
O Brasil é o terceiro país do mundo em capacidade instalada de geração hidrelétrica. Sua participação na produção da eletricidade brasileira é expressiva, acima de 85% do volume gerado nas últimas décadas. Água e energia têm historicamente uma forte ligação de interdependência. 
  • Por conseguinte, a contribuição da energia hidráulica no desenvolvimento econômico nacional tem sido destacável, seja no atendimento às diversas demandas da economia, como: as atividades industriais, as agrícolas, as comerciais, de serviços e lazer ou da própria sociedade, melhorando a qualidade de vida e o conforto das habitações, ou ainda promovendo o desenvolvimento de regiões distantes dos grandes centros de consumo, pela renda direta e indireta gerada por usinas hidrelétricas (Sustentabilidade no uso da Energia no Brasil: Os próximos 20 anos, 2002).
Do ponto de vista da utilização dos recursos hídricos, a geração de eletricidade no Brasil tem sido considerada uma prioridade, apesar de uma legislação antiga que já estabelecia os princípios do uso múltiplo das águas, como o Código das Águas de 1934. A Lei n.9.433, de 8 de janeiro de 1997, que define a Política Nacional de Recursos Hídricos e os instrumentos do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, apenas reafirma esses princípios, sem tornar efetiva a sua execução
  • Na implementação dos empreendimentos hidrelétricos, dois órgãos de governo concorrem para sua regulação. Por um lado, a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), criada pela Lei n.9.427, de 26 de dezembro de 1996, em substituição ao antigo Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica (DNAEE) que foi extinto no processo de reestruturação do setor elétrico brasileiro. Por outro lado, a Agência Nacional das Águas (ANA), criada pela Lei n.9.984 de 2000. 
A superposição de competências entre os dois órgãos só foi parcialmente superada com a Resolução n.131, de 11 de março de 2003, que estabeleceu como competência da ANA a Declaração de Reserva de Disponibilidade Hídrica (DRDH), impondo à ANEEL a responsabilidade por sua obtenção prévia, como pré-requisito para a licitação de concessão ou autorização do uso do potencial hidráulico (Bermann, 2007).
  • No Brasil, a hidroeletricidade é responsável por cerca de 76,6% da capacidade instalada de geração no país, e por 82,8% da eletricidade consumida (ANEEL, 2007). 
A maior parte da eletricidade produzida em Brasil é fornecida pelas grandes barragens, a capacidade instalada por esta fonte de energia é maior que 71 GW. Muitos projetos hidrelétricos estão em estudo como o de Belo Monte (rio Xingu) e Santo Antonio e Jirau (ambos no rio Madeira). Apesar desses projetos serem otimizados (os atuais projetos são mais ambientalmente amigáveis do que os antigos), várias organizações são contrárias à construção dessas plantas. 
  • Algumas centrais hidroelétricas foram apenas sugeridas, como por exemplo, a central hidrelétrica de O'bidos, que seria instalada no rio Amazonas. Este projeto, que foi planejado na década de 1960, teria uma potência máxima de 70 GW, e a área do lago formada pela barragem seria de 180.000 km2. No Brasil, como ocorreu em todo o mundo, muitas das centrais hidroelétricas foram instaladas principalmente entre 1970 e 1975, devido ao elevado crescimento econômico.
A região do Sudeste do Brasil contém uma grande quantidade de centrais hidrelétricas, seguidos pelo Sul, Centro Leste, Norte Leste e Norte (Souza, 2007). Segundo o Sistema de Informação do Potencial Hidrelétrico Brasileiro (SIPOT, 2007), o potencial hidrelétrico total (estimado e inventariado) no ano 2007 é de 246.133 MW dos quais 68.263 MW estão atualmente em operação. Planeja-se incrementar a capacidade nacional em 7.497 MW em construção e 8.438 MW na etapa de projeto básico. 
  • A capacidade instalada das usinas hidrelétricas atualmente em operação representa não mais que 28,4% do potencial hidrelétrico total no Brasil. Essa situação é utilizada como argumento para aqueles que preconizam uma expansão mais vigorosa dos projetos de usinas hidrelétricas no Brasil. As possibilidades de expansão da capacidade hidrelétrica a ser instalada no Brasil, entretanto, encontram muitos problemas. Praticamente a metade desse potencial (50,2%) encontra-se localizado na região amazônica, principalmente nos rios Tocantins, Araguaia, Xingu e Tapajós. 
As conseqüências sociais e ambientais da possibilidade de implantação dos empreendimentos hidrelétricos previstos na região, envolvendo questões como as relacionadas com reservatórios em terras indígenas ou a manutenção da biodiversidade, exigem atenção e cuidados muito além da retórica dos documentos oficiais. Também é significativo o potencial hidrelétrico ainda a aproveitar, localizado nas bacias dos rios Paraná e Uruguai, representando quase 29% do total. 
  • Nessas regiões do Sul do país, caracterizadas por uma elevada densidade populacional nas áreas rurais, o processo de "deslocamento compulsório" dessas populações ribeirinhas para a formação dos reservatórios dos empreendimentos hidrelétricos previstos também exige toda a atenção e cuidados, para que não se reproduzam os problemas verificados no passado recente (Bermann, 2007).
Características do sistema energético na Bolívia:
  • As barragens fizeram sua aparição na história da Bolívia, em 1572, quando o Vice-rei das Índias Francisco Toledo ordena a construção de uma obra faraônica que consistia em um sistema em cascata de 20 lagos para armazenar e fornecer água por meio de aquedutos para as máquinas hidráulicas da produção de prata do Cerro Rico em Potosi. 
Esses lagos estavam localizados entre os 4.300 e 4.800 m sobre o nível do mar. Em 1633, tinha-se mais de 80 usinas de trituração tendo como base a força hidráulica, o que ajudou ao desenvolvimento da indústria da prata e fez de Potosi a cidade mais rica do mundo, Gioda e Serrano (1998). Atualmente, este sistema é ainda usado por 30 pequenas empresas mineiras de chumbo, prata, zinco e estanho. 
  • O uso do serviço elétrico no desenvolvimento dos povos teve uma evolução modesta e espalhada na Bolívia desde começos do século XX, concentrando-se nos centros de exploração mineira, como força motriz e para iluminação, e nas poucas cidades principais. 
Até 1960, o serviço elétrico foi concebido como iniciativa privada, municipal, industrial e mineira. Mas, devido à política de diversificação econômica e desenvolvimento industrial (rápido crescimento dos principais centros urbanos), o setor entrou em crises, demandando soluções qualitativamente diferentes. 
  • Foi por isso que em 1962, o governo cria a Empresa Nacional de Eletrificação S.A. (ENDE), instituição que foi encarregada do desenvolvimento do setor elétrico na Bolívia. Entre 1967 e 1975, a ENDE com a ajuda de organismos internacionais como o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), “Institut de Recherche pour lê Développment” (IRD) e nacionais como o Instituto Geográfico Militar (IGM) e o Serviço Nacional de Aerofotogrametria (SNA) foi realizada uma avaliação dos recursos energéticos do país (ENDE, 1993). 
Com esse estudo, identificaram 81 aproveitamentos e determinaram o potencial hidrelétrico instalável da Bolívia em 10.700 MW de potência. Na Tabela 4.2 se pode ver um resumo dos dados finais desse estudo, diferenciando o potencial bruto do aproveitável e do inventariado.
  • Segundo Montes de Oca (2005), este potencial está concentrado na vertente leste da Cordilheira Oriental, a qual consiste em uma faixa territorial que abrange uma distância de aproximadamente 350 km e um comprimento de 100 km.Destaca-se essa faixa territorial além de mostrar o potencial hidrelétrico específico da Bolívia (Van Damme, 2002). A produção hidrelétrica atual de Bolívia alcança a 1% do potencial aproveitável.
O potencial hidrelétrico boliviano está pouco explorado, devido aos custos de seu empreendimento, pelo menos, a curto prazo, os investimentos foram superiores aos custos de geração com base no gás natural. A existência de grandes reservas de gás natural no território nacional faz pouco provável o desenvolvimento rápido da geração hidrelétrica (Van Damme, 2002).
  • Como pode-se ver, já foi feito um estudo do potencial hidrelétrico boliviano em 1975, mas este estudo sumiu entre os documentos do ENDE, em 1996, quando foi privatizada, embora no ano 2007, a ENDE voltou ser parte do Estado. Por conta das mudanças do setor público para o privado e do privado para o público muitos documentos se perderam e o que restou foi o resultado final desse estudo descrito nas memórias da empresa e nas citações de outros autores.
A oferta de energia na Bolívia está baseada em centrais de geração hidrelétrica e termoelétrica. A potência total instalada em dezembro de 2006 foi de 1.432 MW, e a capacidade instalada no Sistema Interconectado Nacional (SIN) no mesmo ano foi de 1.183,1 MW, que representa 83% do total instalado na Bolívia. Estes dados que excluem a potência instalada de centrais que não operaram durante todo o período e que em dezembro desse ano, não faziam parte do parque gerador disponível.
  • A produção de eletricidade no SIN, está a cargo das empresas geradoras: Corani, Guaracachi, Valle Hermoso, Cobee, Rio Eléctrico, Hidroelétrica Boliviana, Synergia e Ceccb. A geração bruta na gestão de 2006, medida em bornes do gerador para todas as centrais do SIN soma um total de 4.506 GWh um 7,6% superior ao valor do ano 2005. Desta geração, um 47,3% corresponde à geração hidroelétrica e o restante a geração termoelétrica produzida em turbinas que funcionam a gás natural (SIE, 2007).
O inventário de projetos feito pela Secretaria Nacional de Energia (SNE), em meados da década passada, mostra a existência de possibilidades de instalação de 7 MW em micro centrais hidrelétricas distribuídas em mais de uma centena de projetos. Essa capacidade poderia abastecer quase 20.000 famílias. 
  • A central açucareira da “Unión Agroindustrial de Cañeros” (UNAGRO), em Santa Cruz de la Sierra, implementou uma unidade de co-geração de 15 MW utilizando o bagaço de cana como combustível. Na selva boliviana está operando uma central de 1 MW utilizando a casca de castanha como combustível. Além disso, dois outros projetos implementaram o uso de casca de arroz como combustível e de bagaço para a produção de rapadura (Monroy, 1997). 
Há muitos projetos futuros de grandes barragens na Bolívia que estão em avaliação, entre eles tem-se:
  • Projeto de uso múltiplo El Bala-1958. O projeto El Bala tem o propósito de produzir energia hidrelétrica, controle de enchentes e melhorar as condições de navegação no rio Beni. As características do projeto são: barragem de concreto em arco de 205,9m de altura, 118,4 km3 de volume do reservatório, duas casas de máquinas com 1.608 MW que gerariam 10,6x109 KWh/ano (ENDE, 1958).
  • Projeto de uso múltiplo rio Grande Rositas-1977. Este projeto tem os seguintes propósitos: fornecimento de energia hidrelétrica, abastecimento de água para irrigação e uso urbano, controle de inundações, instalação de agroindústrias, recreação, turismo e piscicultura. A barragem seria de terra com núcleo impermeável, de 156 m de altura, com volume de armazenamento de 13300x106 m3 e uma área de reservatório de 180 km2 . A capacidade instalada da usina hidrelétrica seria de 400 MW e este projeto fica sobre o Rio Grande (ENDE, 1977).
  • Projeto hidrelétrico Cachuela Esperanza-1987. Este projeto visa gerar 175 GWh/ano com uma capacidade instalada de 20 MW, que pode ser elevada a 350 MW. O projeto seria construído sobre o rio Beni e está composto de um canal de toma, desarenador, canal de adução, casa de máquinas (de superfície) e um canal de restituição (ENDE, 1987).Projeto de uso múltiplo Las Pavas-1999. Este projeto tem os seguintes propósitos: fornecimento de energia hidrelétrica, abastecimento de água para irrigação e uso urbano, controle de inundações, turismo e piscicultura. O reservatório seria de forma alargada com 12 km de comprimento e 3.260 ha de superfície. Com uma produção de 386 GWh/ano e uma vida útil de 30 anos.
  • Projeto de uso múltiplo Arrazayal-1999. O projeto Arrazayal tem os propósitos de: fornecimento de energia hidrelétrica, abastecimento de água para irrigação e uso urbano, controle de inundações, turismo e piscicultura. Com uma vida útil de 35 anos, este projeto de 20 km de comprimento do reservatório e uma área inundada de 3.770 há, gerará 465 GWh/ano.
  • Projeto de uso múltiplo Cambarí-1999. Este projeto tem os seguintes propósitos: fornecimento de energia hidrelétrica, abastecimento de água para irrigação e uso urbano, controle de inundações, turismo e piscicultura. A produção de energia hidrelétrica seria de 481 GWh/ano, com um comprimento de 15 km do reservatório é uma área inundada de 2.750 ha, com uma vida útil de 70 anos.
Estes três últimos projetos ficam sobre o rio Bermejo e foram planejados conjuntamente com a Argentina, já que este rio serve de limite e portanto é um rio internacional, ambos países devem concordar e planificar seu uso (FOBOMADE, [2007]).O crescimento da Bolívia que apresenta a evolução do PIB de 1980 até 2004.
  • Desta maneira pretende-se mostrar que na Bolívia, da mesma forma que em outros países, existiu um início do uso da força hidráulica na época colonial, mas devido a distintos acontecimentos do tipo político (privatizações e nacionalizações), de tipo econômico (preferência pelo uso de gás natural) ou simplesmente pelo moderado crescimento dos centros urbanos e da demanda de energia elétrica, não se explorou e nem se aproveitou muito a grande escala nesta área da hidroeletricidade. 
Mas, o rápido desenvolvimento dos centros urbanos e do produto interno bruto nacional, nos sete últimos anos, indicam que grandes quantidades de energia serão demandadas nos anos futuros e a energia hidrelétrica seria uma opção interessante para suprir essas demandas.

O Impacto Ambiental da construção de barragens.