quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

Conscientização e sociedade

Conscientização e sociedade em Paulo Freire

  • Acreditamos em uma Educação Ambiental que deixa de ser um clichê, como muitas pessoas colocam, e se torna uma alternativa para as mudanças de hábitos cotidianos, se coloca a favor da construção de uma sociedade crítica com relação ao meio ambiente e seus recursos. 
As obras Educação como Prática de Liberdade (EPL) e Pedagogia do Oprimido (PO) são de extrema relevância para a fundamentação conceitual da pedagogia freiriana. Nelas se encontram estruturadas e desenvolvidas reflexões subsidiárias de sua sistematização metodológica que possibilitam a sua efetivação enquanto método pedagógico. 
  • Neste sentido, a conscientização possui papel relevante, uma vez que ela está presente por todo o processo educacional, isto é, ela é retratada na obra enquanto propósito do processo pedagógico inaugurado por Freire. 
Ana Lúcia Freitas (2001), em Pedagogia da Conscientização, comenta que as diversas apropriações do conceito nas décadas de 1960 e 1970 em muitos casos o superficializavam e descontextualizavam. Como coloca Streck, no prefácio desta obra, a discussão do conceito em tais casos, ao invés “(...) de unir desunia, numa discussão que muitas vezes desfocava o verdadeiro problema por trás da conscientização: a conquista da dignidade como gente” (2001, p. 11).
  • Por esta razão, diz Freitas, “No intuito de diminuir o risco das distorções do sentido original da conscientização, Freire passou a trabalhar o conceito sem referir-se ao termo.” (2001, p. 72). O autor preferiu trabalhar os preceitos do conceito de conscientização através de outros termos que dessem menor margem a interpretações apressadas. Freitas aponta essa questão através da seguinte citação de Freire:
“Tive, indiscutivelmente, razões para desusar a palavra. Nos anos 70, com exceções, é claro, falava-se ou se escrevia de conscientização como se fosse ela uma pílula mágica a ser aplicada em doses diferentes com vistas à mudança do mundo. (...) Me pareceu, àquela época (...) que, de um lado, eu deveria de uma vez deixar de usar a palavra, de outro, procurar, em entrevistas, em seminários, em ensaios – o que fiz realmente – aclarar melhor o que pretendia com o processo conscientizador” (FREIRE apud FREITAS, 2001: 72).
  • Entretanto, de acordo com Freitas, a conscientização não sumiu de cena. Como bem salienta a pesquisadora, em Pedagogia da Autonomia o termo é novamente evocado para referência ao propósito central da concepção educacional freiriana. Comentando as dificuldades do processo educacional impostas por condições econômicas, sociais, políticas e culturais, diz Freire: 
“Nos anos 60, preocupado com esses obstáculos, apelei para a conscientização não como panaceia, mas como um esforço de conhecimento crítico dos obstáculos, vale dizer, de suas razões de ser. Contra toda a força do discurso fatalista neoliberal,pragmático e reacionário, insisto hoje, sem desvios idealistas, na necessidade da conscientização” (FREIRE, 2003: 54).
  • Pode-se ver que, apesar de Freire “desusar” o termo conscientização nos anos 70, o conceito por detrás dessa palavra continuou a permear os seus trabalhos através de explicações fornecidas a respeito do processo a qual o conceito se refere. 
Porém, considerando que esse desuso do termo de deve a confusões propaladas por comentadores que, para Freire, o apropriaram indevidamente, é lícito dizer que nas explicações sobre o conceito fornecidas pelo autor nos anos 70 se encontrava o mesmo intuito de denotar um “esforço de conhecimento crítico” como o qual ele se preocupou durante os anos 60. 
  • O papel e a relevância do processo de conscientização continuaram, para além da terminologia empregada por Freire, presente nas suas reflexões – como pode atestar referida afirmação em Pedagogia da Autonomia. 
Inserida na discussão freiriana sobre a conscientização nos anos 60, EPL, primeira obra do educador a ser publicada, tem esse tema como cerne de suas reflexões. Apesar de fazer poucas referências ao termo “conscientização”, toda a argumentação do autor em prol de uma educação que capacite o homem a construir uma prática de liberdade está fundamentada na idéia de conscientização.
  •  Nesta obra, Freire não vincula a conscientização apenas às ponderações a respeito da prática pedagógica. Ele empreende uma análise da conjuntura brasileira direcionada a mostrar e defender, com argumentos pautados na sua história, a necessidade de conscientização do povo brasileiro, ou seja, de elevação do seu nível de consciência de modo a superar, no conjunto da sociedade, as relações contraditórias entre os seus membros.
Já em PO, outra obra freiriana mundialmente famosa, talvez a mais conhecida de seu repertório, transparece a tônica da discussão sobre o conceito de conscientização adotada pelo autor na década seguinte, tendo sido publicada em 1970. A obra contém menos referências ao termo que EPL, mas em razão de nela Freire levantar a problemática da consciência humana visando a defender sua inserção crítica na realidade, percebe-se que a conscientização persiste como um dos pilares do debate educacional trazido pelo autor. 
  • Levando em conta que a discussão sobre conscientização nessas obras não dispõe de uma sistematização voltada à elucidação de seus enlaces conceituais, empreender uma pesquisa com o objetivo de levantar os seus princípios requer que se examine o desmembramento da conscientização em conceitos auxiliares como consciência, homem, educação, etc. Mas, aparentemente, além desses conceitos é possível perceber, tanto em EPL quanto em PO, uma forte vinculação do processo de conscientização a uma concepção de sociedade e suas contradições. 
Por isso, propõe-se neste trabalho discutir essa vinculação, mostrando como cada uma dessas obras apresenta contribuições distintas para a mediação conscientização/sociedade e de que modo estas contribuições variam segundo as influências e preocupações predominantes dessas obras. 
  • Em EPL e PO, a conscientização é tratada tanto como fenômeno social (que extrapola o domínio dos espaços pedagógicos delimitados) quanto como fenômeno educativo. Ela exprime o desenvolvimento educacional das sociedades humanas, sendo mais desenvolvida em contextos nos quais a participação política se encontra mais fortalecida. Nesse sentido, ela está diretamente ligada à participação do homem em processos de decisão política na sociedade, pois sendo a subjetividade forjada na mediação com a realidade social, este se torna mais consciente dessa realidade à medida que participa ativamente e criticamente de sua construção. 
A fim de compreender a relação conscientização/sociedade em EPL e PO para além do sentido genérico descrito acima, este trabalho foi dividido em três capítulos. O primeiro capítulo discute o conceito de sociedade em cada uma dessas obras, mostrando nelas qual o papel da sociedade na fundamentação e desdobramento do processo de conscientização e em que medida ele exprime e recoloca as suas contradições. 
  • Discute-se ainda o conceito de conscientização e conceitos auxiliares nos quais o processo conscientizador se ampara. Assim, o capítulo procura descrever como Freire compreende nessas obras o homem, o mundo, a consciência e as razões que o autor oferece, partindo desses conceitos, para a defesa de um processo de humanização como prerrogativa da conscientização. Neste sentido, à medida que o trabalho se aprofunda na compreensão das mediações da consciência e sua socialização por meio do processo de conscientização, torna-se possível perceber a relevância desses conceitos auxiliares para a proposta de humanização inerente à pedagogia freiriana. 
Discute-se também a relação pedagógica por meio da qual se concretiza a conscientização. Assim, procura-se detalhar as similaridades e diferenças dos papéis do educador e do educando tal como o autor os visualiza em EPL e em PO, demonstrando os aspectos que mais distanciam sua perspectiva da educação tradicional. Além disso, busca-se contextualizar esses papéis na discussão lançada pelo autor a respeito da relação entre lideranças e bases em meio ao processo revolucionário. 
  • Neste aspecto, são empreendidas algumas comparações entre esta discussão propalada em PO e a relação entre lideranças e povo anteriormente comentada em EPL, mostrando como as influências do meio social expressas na bibliografia utilizada pelo autor demonstram, em cada uma das obras, diferentes visões políticas a respeito da transformação das relações sociais e das implicações sobre a educação que esta transformação possui.

8º Encontro Nacional de Escritores e Artistas Indígenas -
"Literatura é Resistência"

A sociedade e suas contradições:
  • O presente item tem por objetivo expor a concepção de sociedade ou realidade social, apresentada por Freire em Educação como Prática de Liberdade (EPL) e Pedagogia do Oprimido (PO). Outros conceitos que complementam essa discussão nas reflexões do autor também serão abordados, no intuito de mostrar diferenças e similitudes das abordagens feitas sobre o conceito de sociedade, em ambas as obras, para, assim, perceber possíveis movimentos entre uma e outra. 
Primeiramente, é preciso esclarecer o que se propõe, neste trabalho, pelo estudo da concepção freiriana de sociedade. Intenta-se estudar de que maneira o autor conceitua as relações sociais, quais os motivos que o levam a considerá-las contraditórias e problemáticas e por que os problemas decorrentes dessas relações necessitam ser superados. Ao mesmo tempo, almeja-se investigar em que consiste tal propósito de superação. Por fim, procura-se entender a importância que o autor dá a essas relações na construção de uma alternativa societária para o homem e o papel que ele, homem, desempenha nesta construção. 
  • Apesar da análise das contradições sociais empreendida pelo autor munir-se, em EPL, de uma abordagem da história da sociedade brasileira – percorrendo desde o período colonial até a industrialização e o advento do populismo – e, de em PO, ser essa análise histórica alicerce de um estudo mais abrangente da mobilização popular no cenário político chileno – durante o período de exílio naquele país, nos anos de 1960 – nenhuma das duas obras se dedica a estudar a origem da estrutura sócio-econômica que as engendra. 
O autor considera esta estrutura e suas implicações na sociedade um forte e até decisivo elemento para a transição histórica, mas prioriza investigar e questionar as antinomias nas relações humanas que resultam da opressão proporcionada pelas contradições dessa estrutura. Freire recorre à sua história em busca da presença nela dos elementos que ele enxerga no tempo presente, a fim de perceber, comparativamente, como eles se configuram no intercurso dos períodos históricos. Assim, sua abordagem volta-se a duas questões complementares: 
  • O estudo, no Brasil, das contradições sociais do país no contexto histórico-político dos anos 50/60 que antecedem ao Golpe de 1964 e, no Chile, durante o período de 1964 a 1967, suas reflexões tendo ênfase nos debates em torno da mobilização social e política dos setores populares, empreendidos tanto pelo meio intelectual, através da sua produção bibliográfica, quanto pelos movimentos sociais e nas particularidades das suas experiências de mobilização. 
O enfoque desse contexto, no entanto, não restringe a análise freiriana da sociedade às discussões e experiências da época, pois tal análise, norteada por uma perspectiva pedagógica de humanização das relações sociais, visa colaborar para a autonomia do homem e sua emancipação enquanto sujeito político e social para que, atentando-se aos problemas de seu tempo , ele possa participar da mobilização pela solução dos mesmos e vislumbrar, nessa iniciativa, a gestação de uma nova realidade social; 
  • O significado das características políticas, econômicas e culturais desses contextos históricos para o processo de conscientização e o papel da educação e suas práticas pedagógicas na apreensão dessas características através da formação crítica, humanista e política da sociedade. Não se detendo a criticar a sua estrutura política, econômica e cultural – a despeito de reconhecer a relevância dessa crítica para a compreensão das relações sociais – Freire procura no caráter dinâmico das suas contradições (que, ao mesmo tempo, afirmam e negam esta estrutura), possíveis alternativas aos problemas apresentados nos referidos contextos históricos. 
A abordagem da realidade social efetuada por Freire em EPL tem por propósito encontrar, no movimento da sociedade, as perspectivas de conscientização e humanização das relações humanas abertas, de um lado, pelas transformações do quadro político institucional, com a ascensão de governos que, se não são de origem popular, representam, ainda assim, o surgimento de uma elite (em razão da pressão social) mais tolerante à participação política dos setores populares e, de outro, pela emergência desses setores mobilizados em torno de suas reivindicações, uma vez que ambos os lados representam, de formas distintas, uma radicalização da consciência social que deve ser criticamente desenvolvida a fim de combater a estagnação reacionária de alguns setores sociais avessos às transformações em cursos e de fortalecer a integração da sociedade. 
  • Em PO, o movimento social e a presença nele de perspectivas à conscientização e humanização passam a serem examinados a partir de uma leitura específica do confronto entre classes que, a depender da conjuntura política, se explicita na castração das liberdades democráticas daqueles que buscam a transformação social (a exemplo dos golpes militares no Brasil e em outros países latino-americanos) ou no fortalecimento da organização popular e da democracia – aqui tomada mais como um conjunto de características de relações sociais e instituições inclusivas da população historicamente marginalizada da política do que um modelo político específico, movimento este que permite, através de adequada pedagogia das problemáticas humanas e suas configurações sociais, a libertação individual e coletiva do homem. 
Portanto, afim de que a sociedade possa expressar um quadro político condizente com a segunda possibilidade, é necessário que esta pedagogia tenha, como ponto de partida, a opressão pela qual se reproduzem as contradições sociais e, como sujeito agente, o homem oprimido. 
  • Para fundamentar e conceituar essa pedagogia, Freire discute com diversos autores as contradições sociais dos períodos e realidades analisados, num esforço por aliar uma abordagem em certos termos sociológica, na qual os sujeitos de tais contradições são interpretados e discutidos juntamente com sua realidade social, a uma reflexão filosófica, que apresenta os conceitos centrais de sua visão de mundo, perpassando sua metodologia e reflexão a respeito da geração do conhecimento.
O olhar de Freire se volta à realidade social, não apenas para nomeá-la ou normatizá- la, mas para encontrar uma simbiose possível entre a realidade concreta e objetiva e as interpretações e representações dos homens, através da reflexão sobre os seus relatos de experiência e do entendimento do processo de captação das relações causais do mundo que, para o autor, constituem o eixo de desenvolvimento da consciência humana. Assinala, dessa maneira, o sentido existencial que as experiências assumem e, ao mesmo tempo, o seu condicionamento social. 
  • A partir da mútua ligação entre a dimensão subjetiva/existencial e objetiva/concreta do homem, Freire procura formular uma teoria educacional cujas delimitações práticas e metodológicas abarquem os elementos inerentes a essas duas dimensões. Seu intuito está em fundamentar e desenvolver uma teoria orientada para a transformação dessas delimitações a partir do seu conhecimento pelo educando e da ação consciente dele sobre a realidade objetiva, permitindo que a passagem da reflexão à ação seja percorrida por um número cada vez maior de homens, de modo a servir de base para uma transformação radical da consciência da sociedade e, por conseguinte, das suas relações.
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