segunda-feira, 16 de março de 2015

A salubridade Pública ambiental

A cidade de Manaus esta entre as piores no ranking brasileiro de 
Saneamento Básico (2015)

Extraído da obra de:
Elson Roney Servilha
Universidade Estadual de Campinas
Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo
  • Originariamente, como salubridade pública, tomada como matéria de assistência pública, foi objeto da segurança pública, em especial, da polícia de segurança pública, da qual foi distanciando-se progressivamente (Bernard, 1962: 21). Entretanto, em razão da concentração urbana, promiscuidade da vida moderna, a aproximação entre os homens e a poluição, entre outras, as causas de insalubridade ambiental passaram a ter uma amplitude crescente.
Sejam pelas condições comprometedoras à saúde humana, individual e pública, animal e/ou vegetal, sejam pelas suas repercussões sociais e no meio ambiente, a insalubridade pública ambiental toma, rapidamente, o aspecto de verdadeira calamidade, susceptível de perturbar gravemente a ordem pública, principalmente sob seu aspecto de segurança pública. 
A problemática ambiental inserida na saúde pública, em especial a inter-relação entre saúde e meio ambiente, tem-se ocupado somente com o ser humano. Nesta perspectiva, para a Organização Mundial de Saúde, OMS:
"Saúde Ambiental é o campo de atuação da saúde pública que se ocupa das formas de vida, das substâncias e das condições em torno do ser humano, que podem exercer alguma influência sobre a sua saúde e o seu bem-estar" (Brasil - MS, 1999). 
Embora para Ribeiro (2004), "[...] trata-se de um amplo campo de estudo, que envolve profissionais de diversas formações acadêmicas e técnicas, tanto das áreas biológicas quanto das ciências da natureza e das ciências exatas", a saúde das demais espécies de vida, animal e vegetal, por si mesma, não foram consideradas. Na mesma linha vamos encontrar a definição de Saúde Ambiental apresentada na Carta de Sofia, produzida no encontro da OMS, em 1993, mesmo após a Rio-92, que, segundo Ribeiro (2004), inseriu aspectos de atuação prática: 
"Saúde ambiental são todos aqueles aspectos da saúde humana, incluindo a qualidade de vida, que estão determinados por fatores físicos, químicos, biológicos, sociais e psicológicos no meio ambiente. Também se refere à teoria e prática de valorar, corrigir, controlar e evitar aqueles fatores do meio ambiente que, potencialmente, possam prejudicar a saúde de gerações atuais e futuras‖ (OMS, 1993).
Assim como para Saldiva (2010: 20 e 21) o ser humano é o ponto esquecido da questão ambiental, as demais espécies animal e vegetal são igualmente esquecidas pela OMS, quando se trata de saúde ambiental.
  • Sejam quais forem os postulados filosóficos que se postule, antropocêntricos ou ecocêntricos, este, o ambiente numa visão sistêmica e juridicamente autônoma das necessidades do homem , aquele, com o homem como figura principal e centro de todo Universo, cabendo proteger bens ambientais somente nos casos em que sua degradação possa afetar bens pessoais (Struchel e Servilha, 2007: 18), a saúde ambiental tem que ter um caráter universal em relação a todas as espécies.
Assim, a salubridade pública ambiental, aspecto da noção de ordem pública ambiental, tem por objeto a higiene pública ambiental e a salvaguarda da saúde pública ambiental, em seu sentido mais amplo e apresenta-se como fator e indutora da paz social e harmonia ambiental; ainda, representa os limites, num espaço ordenado, do domínio do tudo é permitido.
  • A preocupação de assegurar a higiene pública ambiental estende-se para além de velar a salubridade dos lugares públicos, das vias públicas da rua, dos edifícios; para além de uma intervenção administrativa nos edifícios dos particulares, nos estabelecimentos industriais, nos lugares de trabalho; para além da qualidade da água, seu tratamento e evacuação, da circulação e proteção dos gêneros alimentícios postos à venda e seus respectivos estabelecimentos de venda, da alimentação; além do "controle de todos os fatores do meio físico do homem, que exercem ou podem exercer efeito prejudicial ao seu bem-estar físico, mental ou social", devendo chegar, apoiando-se no próprio conceito de Salubridade ambiental da OMS, a um alcance maior, à salubridade pública ambiental: 
"controle de todos os fatores do meio físico das espécies, em especial da humana, que exercem ou podem exercer efeito prejudicial ao seu bem-estar físico; ainda, para a humana, efeito prejudicial ao seu bem-estar físico mental ou social." 
O conceito de salubridade pública ambiental apresenta as diretrizes desse elemento da ordem pública ambiental, indutora de políticas públicas ambientais, que devem levar em conta, também, as questões de segurança pública, especialmente a ambiental.
  • A salubridade pública ambiental compartilha com a segurança pública ambiental as causas de perigo ambiental, de segurança, de conveniência e de impacto de vizinhança. Ao assegurar a higiene do meio, instaurar as condições de salubridade exigidas por qualquer espécie de vida, em especial a coletiva humana, a salubridade pública ambiental assegura as condições de segurança pública, que se revela como conseqüência e não causa.
A salubridade pública ambiental relaciona-se com a atual Constituição Federal ao dialogar com a Política Nacional da Saúde, em especial com sua estratégia de promoção da saúde do Sistema Único de Saúde - SUS, e sua possibilidade de enfocar os aspectos que determinam o processo saúde-adoecimento em nosso País – como, por exemplo: violência, desemprego, subemprego, falta de saneamento básico, habitação inadequada e/ou ausente, dificuldade de acesso à educação, fome, urbanização desordenada,qualidade do ar e da água ameaçada e deteriorada; e potencializam formas mais amplas de intervir em saúde. Ainda, com os seus objetivos geral e específicos.Assim, a noção de salubridade pública ambiental torna-se mais larga, mais compreensiva, deixando de ser exclusivamente a higiene nos lugares públicos, nas ruas e as medidas tomadas que visam apenas realizar as condições gerais, externas, de salubridade. Apoiada no entendimento de Bernard (1962: 24-25), a noção de salubridade pública ambiental alarga o seu âmbito de aplicação, alcançando: 
  • O plano individual — ao penetrar no domínio privado encontra no indivíduo e nas suas relações sociais as condições da sua própria realização, seja pelo modo de vida comprometedor da higiene ou saúde ambiental e alojamento; seja pelo pessoal através da higiene e proteção individual; seja, ainda, como agente de propagação de doenças contagiosas e partícipes da difusão de pragas; 
  • O plano coletivo — ao prescrever medidas seja de higiene pública ambiental das comunidades, dos lugares, das vias públicas, dos imóveis, penetrando no domínio do trabalho, da escola; seja de saúde pública ambiental, quando da produção de resíduos e de vetores; seja, ainda, quanto aos serviços de saúde pública ambiental relacionados às águas (águas de abastecimento (origem e acondicionamento), as servidas, as pluviais, os esgotos, seus transportes (rede pública)); à alimentação; aos resíduos (coleta, transporte e destinação); às áreas de várzeas (alagamento); às condições de moradia e de trabalho; e,
  • O plano político — manifesta sob o aspecto de uma integração dos sócio-político-econômico-ambiental e cultural (educacional e patrimonial); conectada a construção de uma política ambiental e do público ambiental, numa solidariedade orgânica, humana, necessária aos espaços segregados; aos organizacionais, importante entre as empresas, para a geração e distribuição da riqueza; e os institucionais, entre níveis de governo, entre países, fundamentos de uma sociedade cosmopolita, justa, universal e humana.
Assim, a ordem pública ambiental, pelo seu elemento salubridade pública ambiental, identifica-se, realiza-se e fundamenta-se nas ações intersetoriais, do Plano Nacional de Promoção da Saúde envolvidas no equacionamento das questões sanitárias, de modo tornar-se possível produzir soluções inovadoras à melhoria da qualidade de vida, base de um Estado de Direito Ambiental.

Um monitoramento contínuo é recomendado, assim como medidas de mitigação, adequação e controle, que garantam a salubridade ambiental local.

A tranquilidade pública ambiental:
“A beleza do mundo foi o sorriso dos deuses, e por esta razão acreditavam-se que os deuses estavam sorrindo, o que mostrava sua beleza e sua bondade. Por esta razão, também, as formas idealizadas da escultura clássica, que apresentavam a virtude tanto quanto a beleza.”
Hillman (s.d).
Como na ordem pública (Bernard, 1962: 13 a 16), a tranquilidade pública ambiental guarda com a vida em sociedade certa autorizações de perturbações manifestas inevitáveis, exigindo uma sensibilidade do legislador, em matéria de ordem pública ambiental, limitando a ameaça à boa ordem ambiental, a partir de um mínimo de intensidade, cujo aspecto material traduz-se em regras legais e/ou administrativas. Cada grau de gravidade não se esgota e não se fixa somente em regras científicas e/ou jurídicas precisas, mas guarda certa dose de discricionariedade da autoridade administrativa; ainda, sujeita a um controle jurisdicional, a posteriori. 
  • Entretanto, boa ordem ambiental e tranquilidade ambiental são dois termos, com características específicas apresentadas por Bernard (1962: 14 e 15), que permitem aprimorar a noção de ordem pública ambiental. 
A boa ordem ambiental advém, para a ordem pública ambiental, de que o ambiente não seja perturbado. As perturbações à boa ordem ambiental provêm das infrações ambientais, das perturbações diversas que pode comprometer, com suas respectivas variações de grau de gravidade materializadas, a proteção ao meio ambiente à presente e às futuras gerações. 
  • Existem, entretanto, certas manifestações consentidas, que não levam ao germe das desordens, que o Estado atribui uma presunção de ausência de perturbações devido a seu caráter tradicional (indígena, quilombola, outras congêneres), conduta quando necessária a subsistência imediata pessoal do agente ou de sua família; ainda, nos casos de estado de necessidade.
A tranquilidade ambiental identifica-se com tudo o que responda aos perigos de desequilíbrio físico e ambiental a que o progresso técnicocientífico, a concentração urbana, o desenvolvimento da circulação de pessoas, bens e energia e das atividades humanas podem submeter e perturbar o meio ambiente. À medida que as atividades humanas se multiplicam, exige-se mais da tranqüilidade ambiental, normalmente decorrente de excesso de perturbações ambientais, nas relações homem versus natureza, que se tornam, às vezes, preocupações e questões de salubridade ambiental, de segurança pública ambiental e de impacto de vizinhança. Advirta-se que a tranquilidade pública ambiental, advém, ainda, da existência concomitante de:
  • Uma estética advinda da ética, que não se ocupa tão somente com a proteção da beleza e da arte contra as infrações grosseiras que podem levar a uma perturbação social susceptível de provocar uma perturbação da ordem, preconizada por Bernard (1962: 27 a 30), mas carrega configuração com complexos feitos de atrações, de repulsões, de emoção e de paixões, inaugurando uma forma de solidariedade social (Maffesoli, 1999: 15);
  • De uma moral em que se leva em consideração a moralidade, um aspecto da noção de interesse geral (Bernard,1962: 31 a 36), que em termos ambientais revela-se numa óptica específica. Tem um caráter objetivo, advindo de um sentimento coletivo, difuso e da consciência ambiental, necessário à paz social e ao equilíbrio e ordenamento do ambiente, num sentido favorável ao desenvolvimento da vida. Possibilita a formulação e o estabelecimento de uma ordem sócio-econômico-ambiental dentro de uma ética, advinda da estética, protegida por regras do mundo do direito, para a harmonia da sociedade em si e para com o seu meio ambiente.
  • A moralidade não se codifica somente com a moral oficial, de um lícito aprovado pelo direito, visto que este não varia com o tempo e costumes. Ela tem, em termos ambientais, um caráter objetivo advindo de um sentimento coletivo na defesa dos interesses difusos, dos públicos ambientais e da consciência ambiental necessários à paz social e ao equilíbrio do meio ambiente; e, ao ordenamento do meio, em um sentido favorável ao desenvolvimento da coletividade. A natureza, pouco a pouco, se tornou uma parte de nossa existência legal, política e moral (Tavolato, 2001: 177);
  • De um econômico que se funda sobre a proteção dos interesses geral e difuso, que se impõe de uma maneira permanente. As disposições de caráter econômico interessam à ordem pública ambiental, devido à sua natureza impactante ao meio ambiente e sua influência na preservação e/ou conservação ambiental, pelo uso dos recursos naturais. Nesta conformidade, a ordem pública ambiental protege estruturas ambientais que dão suporte às atividades econômicas, garantindo-lhes sustentabilidade e um ordenamento harmonioso; e
  • E de uma política construtora de uma coletividade socialmente justa e de um meio ambiente ecologicamente equilibrado, essencial à sadia qualidade de vida de todas as espécies, em especial, a humana.
Seus instrumentos:
  • Uma nova geração de legislação vem incorporando instrumentos de cunho ambiental condizentes com uma ordem pública ambiental. A Política Nacional do Meio Ambiente (Lei Federal nº 6938/81), embora anterior à Constituição Federal de 1988, especialmente seus instrumentos, atende a indissociabilidade socioambiental, quanto à participação e o controle social, quando do processo de consulta prévia, discussão e aprovação do Relatório de Impacto ao Meio Ambiente; nessa esteira também se apresenta a Política Nacional dos Recursos Hídricos (Lei Federal nº 9.433/97). Quanto a Política Nacional de Reforma Agrária (Lei Federal nº 8.629/93), apresenta-se praticamente omissa quanto a instrumentos para sua implementação. 
Organizados sob as perspectiva da adaptação, uma coleção de novos instrumentos tem sido materializada implícita e/ou explicitamente nos corpos das leis que dizem ao ambiental. Essas novas leis, com seus instrumentos implícitos ou explícitos, têm-se encaminhado para uma ordem pública ambiental. Atendem aos avanços do empoderamento social, embora ignore outros, como a salubridade e os alargamentos da noção de ordem pública ambiental.
  • Entretanto esses novos instrumentos não são pensados na perspectiva de proteção, no sentido da preservação ambiental, mas da conservação pautada pelo controle social, atendendo a critérios outros decorrentes de acordos ideológicos-partidários, que os induzem a uma adaptação social à proteção ambiental, trabalhada na dimensão e no interesse político. Os quadros dos instrumentos das principais políticas públicas mostram que esses instrumentos pouco dialogam com os elementos da ordem pública ambiental e quando o fazem não o fazem com essa intenção. Entretanto, a nova geração de legislação, com seus instrumentos, encaminha-se para tornar indissociável o social e o meio, para uma ordem pública ambiental, conforme se pode verificar, por exemplo, na Política Nacional da Saúde (Lei Federal nº 8.080/90); na política. nacional urbana (Lei Federal nº 10.257/01); na política. nacional de saneamento básico (Lei Federal nº 11.445/07) e na política. nacional dos resíduos sólidos (Lei Federal nº 12.305/10).
O instrumental legal da ordem pública é basicamente de comando e controle. Dessa forma, os da segurança pública são os códigos penais, leis de contravenções penais e as demais leis penais extravagantes; os da salubridade pública são as leis sobre saúde pública, em especial os códigos sanitários, e de saneamento básico; e, a tranqüilidade pública, sem instrumentos, define-se pela paz pública nas ruas. Para a ordem pública ambiental, além dos instrumentos de comando e controle, agregam os voltados à sustentabilidade ambiental e os de cidadania, neste incluso os elementos de publicização referidos ao Estado: a universalidade, a publicidade, o controle social e a democratização da sociedade civil (Wanderley, 1996) e demais que digam sobre a segurança pública ambiental, a salubridade ambiental e a tranqüilidade pública ambiental, através da construção de indicadores que lhes são próprios.

Saneamento básico é a atividade relacionada com o abastecimento de água potável, o manejo de água pluvial, a coleta e tratamento de esgoto, a limpeza urbana, o manejo de resíduos sólidos e o controle de pragas e qualquer tipo de agente patogênico, visando à saúde das comunidades.