segunda-feira, 2 de março de 2015

Cultura e educação científica

O programa de Educação Científica e Tecnológica do ICCA objetiva, promover a inserção da ciência e inovação na sociedade fortalecendo a consciência pública do papel da ciência na promoção de sociedades sustentáveis e pacíficas.

  • No site do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação, dentro das ações de CT&I, nota-se que uma delas é específica para a popularização da ciência e sua interface com a educação: ―Popularização de CT&I e Melhoria do Ensino‖. Apresenta-se com o objetivo de
Contribuir para o desenvolvimento social do país, promovendo a popularização da CT&I e colaborando para a melhoria da educação científico-tecnológica e de inovação, por meio de: apoio a programas, projetos e eventos de divulgação científico-tecnológica e de inovação; realização anual da Semana Nacional de C&T, com ampliação do número de cidades abrangidas; estabelecimento de cooperação internacional para a realização de eventos de educação e divulgação científico-tecnológica e de inovação; criação e desenvolvimento de centros e museus de ciência; desenvolvimento de programas de educação científico-tecnológica e de inovação, em colaboração com o MEC, como olimpíadas de matemática e de ciências, feiras de ciências; produção de material didático inovador e de conteúdos digitais na internet para apoio a professores e estudantes e para divulgação científico-tecnológica e de inovação mais ampla. (MCTI, 2013)
No currículo Lattes, do CNPq, onde os pesquisadores registram sua produção científica, foi incluída em março de 2012 uma aba para valorizar a atuação da divulgação científica dos cientistas, seja por meio de artigos, entrevistas na mídia ou ações de popularização.
  • No site do CNPq, dentre os tópicos principais, há um espaço destinado à Popularização da Ciência. Dentro dele, separado em tópicos por área, ―Exatas, Da terra e Engenharias‖; ―Biológicas, Saúde e Agrárias‖; ―Humanas e Sociais‖ e ―Inovação‖, a equipe de popularização da ciência do CNPq disponibiliza notícias e pesquisas sobre as áreas. Entre outros conteúdos são destacados: entrevistas com pesquisadores, informações sobre prêmios, links dos museus e centros de ciência espalhados pelo país, dados sobre olimpíadas científicas e feiras de ciência, além de uma página destinada à SNCT.
Assim é possível constatar que apesar de recente, os órgãos ligados à pesquisa e C&T estão unindo esforços em prol da popularização da ciência. Outra iniciativa que contribui para o movimento, já no âmbito do estado de São Paulo, é a página recém-inaugurada (no final de 2013) que une as produções de USP, Unicamp e Unesp num mesmo ambiente virtual, o Repositório de Produção Científica do Conselho de Reitores das Universidades Estaduais Paulistas (CRUESP).

Cultura e educação científica:

É difícil separar o conceito de cultura da educação científica porque as primeiras noções de uma criança sobre ciência geralmente são na escola (salvas exceções de pais professores ou crianças precoces pelo ávido conhecimento de determinado conceito científico). Chaves (2005) esclarece que
A educação científica deve começar pelo contrato da criança com da natureza, em situações simples em que ela possa alterar o ambiente ou as condições iniciais de um sistema natural e observar como ele se comporta. A experimentação é a base de todo aprendizado científico, e apenas após ganhar certa familiaridade com os fenômenos naturais desenvolvemos a capacidade de fazer abstrações sobre ele. (CHAVES, 2005: 58)
Porém, a cultura científica abraça muito mais assuntos e temáticas, mesmo porque o tempo destinado à educação de ciências nas escolas é sempre insuficiente. Aprende-se cultura científica andando pelas ruas, conversando com amigos, participando das atividades da escola do filho, ajudando a comunidade a melhorar o bairro. A cultura científica é como o ar que respiramos: está em todo lugar, quase ninguém vê, mas a gente absorve sem perceber.
  • A educação científica – dita formal – inicia-se quando toca o sinal do início das aulas. Dura os anos em que o indivíduo está cursando o ensino fundamental e médio, pode se estender para o superior. Do contrário, termina como começou, quando toca o sinal do último dia de aula. Muitas pessoas perdem o contato com as ciências deste então. E pouco entendem que ela está no nosso dia-a-dia, em nossa casa. Está presente por meio dos conteúdos veiculados nos meios de comunicação e nas atividades de museus e centros de ciência.Assim, como grãos de areia pelas mãos, a cultura científica, tão pouco democratizada na escola, pelo conhecimento fragmentado, não integrado, contextualizado, torna-se apenas uma memória distante, ainda que esteja presente todos os dias, em cada canto da cidade. Mesmo que os museus tomem a iniciativa de oferecerem entrada grátis uma vez por semana para a população, a visitação ainda é bem pequena. De maneira geral, as visitas são basicamente das escolas. É raro quando há o interesse do público em geral em ir prestigiar uma atividade científica permanente nos museus ou exposições temporárias.
Paradoxalmente, algumas exposições tiveram muita visitação na cidade de São Paulo e no Brasil. Em 2011, três das dez exposições de arte com maior média diária de público do mundo foram no Brasil.
O conhecimento não pode ser visto apenas como obrigação escolar, mas como parte da formação cultural. Em que medida o ensino tradicional contribuiu para isto? Em que medida os professores, ou pais estão informados dessas exposições? De que forma são divulgadas? O ensino formal, com raras exceções, é de natureza conteudística, não procura estimular a curiosidade, o aprendizado, a cultura geral. Decoram-se fórmulas e a preocupação é fundamentalmente com avaliação por meio de provas ou com exames de vestibular. Chaves (2005) lembra que
Em educação, tratar de forma igual pessoas desiguais é uma conduta ineficiente e até agressiva. No Brasil, adotamos programas de ensino padronizados para alunos em que os interesses e os dons natos são altamente diferenciados. Isso é desestimulante para os mais aptos e massacrante para os menos dotados (CHAVES, 2005:59)
No caso específico da educação científica, é muito claro que não é possível acompanhar o gosto pessoal de cada aluno, ainda mais considerando que a cultura científica abrange todas as áreas do conhecimento. Mesmo que não haja afinidade do aluno com determinada temática, é importante que, pelo menos, tenha conhecimentos básicos mínimos.
  • Porém, a escola, os professores, a sociedade nunca foram acostumados a entender que o aprendizado científico pode ser útil para seu cotidiano, para ajudar na tomada de decisões, e, sobretudo ser prazeroso. É necessário recuperar o prazer do aprendizado. Mas de que forma fazer isto, se os professores estão mal preparados, ganham mal, as escolas são precariamente equipadas e a grande maioria da população não tem acesso à cultura?

A exposição ENERGIA no SESC Itaquera apresenta de forma lúdica e interativa, o universo da energia, seu impacto nas condições de vida da humanidade, os desafios para a construção do futuro e o conhecimento de questões energéticas dos pontos de vista científico, histórico, econômico e político.

Gênero de primeira necessidade?
  • Econômica e socialmente falando, também deveria ser desnecessário explicar a importância da ciência e da tecnologia para o desenvolvimento dos países. Porém, apesar de óbvio, não é o que acontece. Conforme Carvalho Filho (2005), ―(...) na era da economia do conhecimento, se paga um preço muito alto pelo analfabetismo científico-tecnológico. (CARVALHO FILHO, 2005:88). Este preço é pago em diversos setores, seja na economia, política, educação, saúde, força de trabalho, etc. Quando a população está imersa neste analfabetismo, perde-se tempo e dinheiro – nos congressos, nas escolas, nos hospitais e nas empresas, graças ao tempo que se gasta em explicar obviedades da ciência. O PIB poderia crescer mais, o governo poderia economizar e diminuir sua dívida externa, escolas poderiam qualificar melhor seus alunos, médicos atenderiam mais adequadamente seus pacientes e pacientes compreenderiam melhor as formas de tratamento se o analfabetismo científico não fosse tão encrustado em nossa sociedade.
Outro alto preço a ser pago é na importação da tecnologia: ―(...) a capacidade de inovação técnica é o principal elemento para a competitividade das empresas e das nações. (...) Há várias evidências de que o maior obstáculo à criação da tecnologia no Brasil é a facilidade com que ela pode ser importada‖ (CHAVES, 2005:47;51). Os esforços brasileiros com a Lei de Inovação de 2 de dezembro de 2004, embora essenciais, ainda não foram suficientes para modificar a realidade do país que precisa ainda investir muito em Educação e em CT&I, contando para isto com o apoio da iniciativa privada para reduzir a dependência tecnológica do país, que é milenar.
  • Os países do Oriente Médio, Coreias, China e Japão, percebendo isso há décadas, resolveram investir maciçamente em Educação e CT&I para desenvolver suas próprias tecnologias. Hoje, os chamados tigres e demais países deram saltos científicos e tecnológicos que os coloca junto aos Estados Unidos. Enquanto isso, os países que não fizeram adequadamente seu dever de casa precisam ―importar‖ pessoal qualificado, muitas vezes apenas para utilização da tecnologia de ponta gerada em outros países, quando deveriam também desenvolvê-las.
Essa estratégia é arcaica e ineficiente, embora passos importantes estejam em curso com a criação de novos institutos de pesquisa e estímulo para a criação de Parques Tecnológicos. Como dizia Pavan (2005), ―o ponto fundamental, entretanto, reside em que o avanço tecnológico determina o aumento da produtividade, o que permite a redução da carga de trabalho que recai sobre cada pessoa‖ (PAVAN, 2005:97). Haveria muito mais economia, pensando a longo prazo, se a tecnologia fosse desenvolvida dentro do país. No documento da Unesco (2003):
A fragilidade da C&T dos países em desenvolvimento constitui-se numa das causas de sua inserção marginal, dependente e incipiente na nova ―sociedade do conhecimento‖. Caso essa situação se consolide, será muito difícil para esses países superar a desigualdade social e a deterioração ambiental que hoje prevalecem (UNESCO, 2003)
Há, portanto, uma incongruência. Por que os governos ainda investem pouco em C&T quando há economia no futuro? Países em desenvolvimento ainda apresentam uma conjectura política imediatista. Países desenvolvidos já aprenderam, ao longo dos séculos, que se paga um preço muito alto não se pensar a curto, médio e longo prazo. Para isso é fundamental políticas públicas de longo prazo para o setor científico e produtivo.
  • Ainda existem dois pontos importantes no debate público sobre CT&I e desenvolvimento sustentável: um deles é a degradação ambiental que o progresso de forma predatória causa ao planeta. Independente de serem países em desenvolvimento ou desenvolvidos, todos ainda – apesar das inúmeras tentativas da comunidade ambiental – não se comprometeram devidamente. Enquanto isso, o planeta vai perdendo seus recursos, renováveis ou não.
Os teóricos concordam: ―é impossível pensar que será possível se continuar demandando do planeta nas taxas que a espiral de desenvolvimento exige‖ (BARROS, 2005:114). Foi o que aconteceu na Rio+20. Os líderes não quiseram se comprometer porque receavam frear o crescimento econômico. Fica a dúvida de até quando o planeta suporta tanta retirada de recursos.
  • Essa temática nos leva a outro ponto importante, que é a ética na CT&I. Da mesma forma que os países não se comprometem com a preservação ambiental, também não se comprometem com a ética, porque esbarra, novamente, nos interesses econômicos. Barros (2005) dá um exemplo norte-americano: ―somente cerca de dez anos após o conhecimento dos danos que o pesticida produzia é que alguns países proibiram o seu uso. Os Estados Unidos foi um desses países, mas continuou a produzi-lo para a exportação para países do chamado Terceiro Mundo‖ (BARROS, 2005:114). Mudar esta conjectura, é o maior desafio de todo e qualquer país. No Brasil, a situação não é diferente.
E a educação científica?
  • "A educação, hoje, levando em conta os avanços da ciência e tecnologia, forma a base cultural do desenvolvimento de um país. Sem investimentos suficientes nessa área, o retrocesso social é inevitável‖. (PAVAN, 2005:93).
Os teóricos são consensuais: não há desenvolvimento sem a educação. Porém, há inúmeras formas de ver a educação científica. Carvalho (2005) diz que
(...) devemos entender o ensino e aprendizagem das ciências como um processo de enculturação científica, isto é, temos de levar o alunos a entender e a participar da cultura científica fazendo com que eles pratiquem seus valores, suas regras e principalmente as diversas linguagens da ciência (CARVALHO, 2005:63)
Essa definição é interessante se avaliarmos que a autora considera que a educação:
  1. É um processo de enculturação. Portanto, sempre contínuo e infinito;
  2. Trata-se de um processo individual e personalizado. Depende de aluno para aluno;
  3. É onde o estudante pratica seus valores, ou seja, ética e ciência andam lado a lado;
  4. Tem diversas linguagens para a ciência.
Dentro dessas características, é possível retirar outras conclusões. De início, de que a educação está em constante movimento. Há, no entanto, uma incoerência em se tratando da enculturação. Pela citação, é possível interpretar que o professor é o único detentor do conhecimento, forma equivocada de ver a educação. A enculturação acontece tanto de professor para aluno como de aluno para professor. A individualidade do processo de aprendizado é possível de ser compreendida baseando-se nos resultados quantitativos dos alunos: a mesma explicação do professor, apresentada para 40 alunos, obtém resultados diferentes. Uns compreendem, outros não, a depender da cultura científica do aluno, do acesso à educação e à saúde, das experiências vividas, das facilidades quanto a um determinado tipo de conteúdo, enfim, diversos aspectos que seriam impossíveis de se enumerar, mas não podem ser esquecidos.
  • A sala de aula também é o início de um acordo ético: desde pequenos, os alunos têm de decidir se colam ou não na prova porque a cultura é de nota e não de aprendizado. Alguns conteúdos curriculares também trabalham a ética na ciência, como a invenção da bomba atômica. O professor pode ainda se aproximar mais da temática, considerando que toda e qualquer descoberta científica tem o embate ético profundamente enraizado na forma como é ou será utilizada. Sobre a linguagem, depende também da criatividade do professor para utilizá-la a seu favor. Infelizmente, a educação brasileira não incentiva o desenvolvimento destas linguagens cada vez mais próximas do aluno, didaticamente falando. Ou quando incentiva, não oferece condições nem formação específica ao professor. Além disso, o lidar com a linguagem depende de muita boa vontade e tempo, características que nem todos os profissionais possuem.

Os ministérios da Cultura e da Educação lançaram o Programa Mais Cultura 
nas Universidades