segunda-feira, 9 de março de 2015

Os Hospitais na reforma Sanitária Brasileira

O Conselho Universitário (Coun) da Universidade Federal do Paraná (UFPR) aprovou resolução contrária à implantação da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh) no Hospital de Clínicas (HC) da UFPR. (2012)

  • É comum começar uma discussão sobre método invocando a etimologia da palavra. Este procedimento seria capaz de nos levar ao verdadeiro sentido da palavra, segundo os essencialistas. Um sentido que foi perdido ou deturpado ao longo do tempo. Buscar este sentido é buscar a força das palavras primitivas, palavras estas que dizem diretamente do ser das coisas, sem nenhuma mediação, como diria Heidegger. Por esta acepção, método seria a via por meio da qual se chega a algum lugar. 
Mesmo acreditando que a etimologia no máximo nos diz como uma comunidade de práticas distante no tempo costumava usar determinadas palavras – e que comunidades de práticas diferentes podem usar uma mesma palavra para expressar coisas diferentes e usar palavras diferentes para expressar coisas parecidas -, este parece o sentido mais adequado a este trabalho. A descrição de método neste trabalho é uma tentativa de ordenar o trajeto através do qual se chegou aos resultados que estão sendo apresentados. Não acredito que tenha seguido à risca os métodos que descrevo abaixo e, que mais fortemente serviram de inspiração para este trabalho. No entanto, com os devidos ajustes, eles traduzem razoavelmente o processo empreendido.
  • Analisado sob o ponto de vista dos métodos em economia, o processo desenvolvido neste trabalho mostra muitas proximidades com o método histórico-dedutivo. Pois, ele parte de sequências observadas de fatos - no caso a evolução temporal do parque hospitalar brasileiro recortado por uma série de categorias analíticas -, mantendo-se próximo a estes fatos por ocasião das análises (Bresser-Pereira – 2009). 
O método histórico dedutivo tem uma longa tradição e, em seus caracteres mais gerais vem se consolidando, desde o renascimento. Deste, absorveu a ênfase no humano em contraposição ao divino. Do racionalismo cartesiano absorveu principalmente a dúvida e, posteriormente, do iluminismo, mais do que do cartesianismo, o racionalismo e uma consistente ojeriza por argumentos de autoridade. Mais tarde, convertido em materialismo histórico e dialético com Marx, este método passou por uma grande expansão. Não se prestava apenas à exegese de textos bíblicos por parte de padres e pastores pouco crédulos, que o utilizavam para separar a palavra divina da palavra humana, mas também à análise dos fatos econômicos. É isto mesmo, exegetas de textos bíblicos, muito antes de Marx ou Hegel utilizavam o método histórico para tentar discernir o que foi acrescentado pelos homens, em cada período da história, à intenção ou à palavra divina nos textos bíblicos. Assim, não apenas Marxistas, mas também muitos leitores da bíblia ainda utilizam o método, ao qual os últimos dão mais frequentemente o nome de método histórico-crítico, até nossos dias.
  • Se dividirmos o mundo dos economistas em relação aos métodos que utilizam, em clássicos e neoclássicos como faz Bresser Pereira (Bresser-Pereira, 2009), para o arrepio de muitos autores (Singer, 1991), colocaremos não apenas Marx, mas também Smith e Keynes como pertencentes à escola clássica e utilizadores do método histórico-dedutivo, que consiste eminentemente na constatação e observação de fatos econômicos empíricos, para em seguida oferecer generalizações a partir da análise destes fatos e, do outro lado, entre os neoclássicos teríamos Ricardo, Stuart Mill, Mankil, que utilizam o método hipotético dedutivo. Estes últimos, em contraposição aos primeiros partem de hipóteses formuladas e também de pressupostos, como o homo economicus e o modelo do equilíbrio geral, para em seguida deduzir o que ocorreria em situações específicas, aí incluídos os eventos empíricos. Na filosofia, este debate metodológico é feito sob o formato indução versus dedução (Hume, 2000).
Estas distinções em relação a métodos não podem ser vistas como tendo um caráter absoluto. Seguidores do método histórico-dedutivo também usam pressupostos e seguidores do método hipotético-dedutivo também analisam séries históricas de eventos. Marx, como bom seguidor de Hegel partia de alguns pressupostos. Acreditava que a realidade não é algo imutável, mas que seguia leis. Os fenômenos à nossa volta estão sujeitos a contradições e um conflito perpétuo. No entanto, seu ponto de partida consistia nos fenômenos empíricos. Estes deveriam ser estudados não apenas do ponto de vista deles mesmos, mas de suas relações com os outros, uma vez que nada existe como objeto isolado.
  • Não vale a pena levantar a hipótese de que Marx, um grande leitor de Maquiavel, retirou deste, mais que da Dialética do Senhor e dos Escravos, a idéia de que o conflito e o confronto podem funcionar como motor da economia. Em seus Discorsi, Maquiavel dizia que o império de Alexandre, que tinha como um de seus pressupostos a produção da harmonia, foi menor que o império romano, que cresceu com patrícios e tribunos digladiando-se o tempo todo. Assim, conflito e expansão da economia não eram para Marx uma equação estranha. Este conflito, ao qual chamou de dialética, seguindo Hegel, se resolvia em uma síntese, que se transformava em tese, para a qual surgia uma nova anti-tese e assim sucessivamente. A história do que nos rodeia - da sociedade, do pensamento ou mesmo de nosso atual objeto de estudo, os hospitais no Brasil, pode ser analisada a partir de suas relações de conflitos, da oposição de contrários e das mudanças decorrentes destes conflitos.
Os simpatizantes da Escola Clássica, muito provavelmente se reconhecerão neste trabalho. Encontrarão um grande número de séries históricas de dados, devidamente periodizados, acoplados a análises que procuram manterem-se coerentes a estes fatos, não se preocupando com a explicitação de um pressuposto aceito coletivamente ou de uma hipótese que dê conta de todos os eventos. Provavelmente, até se sentirão confortáveis com a leitura, pois, encontrarão um trabalho em estilo muito próximo ao da sua escola, o que não é muito comum, uma vez que fazem parte de uma corrente que é minoritária atualmente entre os economistas. No entanto, os simpatizantes dos neoclássicos, torcedores de Ricardo, Stuart Mill, Mankil e outros oporão alguma resistência ao meu trabalho. 
  • Se for um economista mais erudito, daqueles que não precisaram trabalhar enquanto faziam o curso e, assim teve oportunidade de ler muitos outros livros, começará argumentando a própria impossibilidade da indução. Recitará todos os argumentos que Hume utilizou contra a indução e, muito provavelmente terminará me dizendo que não é possível fazer ciência sem formular hipóteses que, a rigor, nem precisam ser demonstradas, como diria Popper, ou sem partir de axiomas, que também não precisariam ser explicitados. Mas que eu precisaria dizer em quais condições estas hipóteses podem ser contestadas. Indo além, e sendo generoso, este neoclássico erudito poderia dizer que até admitiria que eu fosse de um tipo antigo, daquele que partindo de uma hipótese, vai buscar na realidade alguns fatos que a demonstrem. Mas, definitivamente, não havia jeito de fazer ciência sem formular hipóteses e explicitar pressupostos. Desta forma, tenderia a acreditar que meu trabalho não é científico.
Eu ficaria tentado a continuar o debate dizendo que embora acredite que modelos teóricos, como o atômico utilizado pela física têm possibilitado nas ciências exatas avanços importantes, a utilização destes mesmos modelos, sejam eles estruturas, rizomas, epistemês ou quaisquer coisas que os equivalham (como o modelo do equilíbrio geral, na economia, a teoria da barganha na política, etc.) não encontraram no campo das ciências sociais e humanidades a mesma utilidade praticamente inconteste que encontraram nas ciências naturais. Indo além, eu poderia até dizer com Gadamer que este desejo de trazer para a área social e as humanidades a mesma forma de pensar e de proceder das ciências naturais também é histórica, além de pouco original, e tem a ver com o sucesso das ciências naturais nos séculos XVII e XVIII (Gadamer, 2002), o que despertou nas outras áreas de conhecimento o desejo de operarem sob o rótulo de ciência. Afinal, esta havia se tornado uma marca de conhecimento com aceitação garantida. Poderia insistir na opinião de que conhecimentos podem ser produzidos, sem que sua veracidade tenha que ser decorrente de algo com o nome de método científico. No entanto, como bom pragmático, ao invés de insistir no debate, eu simplesmente tentaria passar logo aos outros tópicos da discussão, pois esta já se arrasta por mais de cem anos. Além do mais, eu não teria mais o que acrescentar ao que Paul Feyerabend já disse contra o método.
  • Visto pelo ângulo da sociologia no que diz respeito a métodos, eu diria que este trabalho tem muitas proximidades com o método ecológico, em especial com a versão brasileira, trabalhada por Freyre, onde natureza é principalmente o lugar onde os acontecimentos humanos tem lugar e não o determinante destes acontecimentos. Iniciado com a Escola de Chicago no início do século passado, tem uma linguagem muita próxima da área de saúde, em especial da epidemiologia, da qual parece extrair vários conceitos. Algumas de suas versões mais contemporâneas, usadas para analisar as organizações tratam-nas como se fossem uma “população”. Seguindo este raciocínio em relação a este trabalho, uma ‘população’ de hospitais é analisada. Eles têm uma natalidade, uma longevidade, uma mortalidade, uma distribuição espacial, um determinado porte, um comportamento ao longo do tempo, mudanças em suas estruturas e práticas, etc. E aqui, vários procedimentos neste trabalho se assemelham ao que foi desenvolvido por seguidores desta escola em relação a um grupo de hospitais americanos (Scotti, 2000).
Do ponto de vista prático, eu parti de algumas intuições advindas de crenças anteriores sobre o parque hospitalar brasileiro, mas também de vivências e experiências cotidianas no sistema de saúde onde trabalhei como médico, como gestor, como consultor, como professor em cidades grandes e pequenas, atuando nas esferas municipal, estadual e nacional, na área pública e também privada. Compus durante este período um vasto leque de opiniões, entre as quais algumas foram se tornando bem antigas, sobreviventes por assim dizer. Durante o trabalho, policiei-me ao máximo para não transformar antiguidade em critério de adequação e, embora tenha dúvidas do sucesso desta empreitada, coloquei este estoque de opiniões em movimento. Fui buscar nas histórias contadas por vários sanitaristas brasileiros e nos estudos de vários pesquisadores, apoio para a interpretação dos dados arrancados dos bancos de dados e que compilei em inúmeras tabelas e gráficos que poderão ser vistas ao longo deste trabalho. Em alguns momentos fiz o procedimento inverso.
  • Busquei os dados para apoiar intuições minhas ou de outros autores que eram importantes para o projeto. As idéias e visões que adotei de vários sanitaristas brasileiros, dentre as quais destaco o meu orientador, professor Gastão Wagner em conversas, palestras e debates são muitas e, de tão introjetadas que foram, passaram a se constituir em parte das minhas crenças pessoais. Mas, elas indubitavelmente se constituíram em apoio e motivação para a construção de sentido para os vários fragmentos que tentei costurar em uma história crível.
Os espectros de Marx, Nietzsche, Freud, Wittgenstein, Benjamin, Foucault, Gadamer, Rorty e vários outros sopraram tantas vezes em meus ouvidos, em algumas madrugadas, mas muitas vezes à luz do dia, que, ao reler o texto tenho a impressão de que alguns trechos foram psicografados.
  • Como a ideia de história é recorrente neste trabalho é importante que eu ressalte como esta questão foi abordada. Como consequencialista, cuja preocupação é o futuro, único tempo sobre o qual se tem alguma governabilidade, já advirto que o uso da história neste trabalho é predominantemente instrumental. Usando Benjamim em minha defesa, na maior parte das vezes, arranquei as séries históricas de dados e os fatos do caos nos quais estavam mergulhados e tentei costurá-los em uma história com sentido. Com certeza estes fatos ou eventos podem ser retecidos em histórias diferentes. Vários ensaios históricos podem ser construídos a partir dos mesmos eventos e fatos que analisei.
Ao contrário da maior parte dos historiadores contemporâneos ou mesmo dos historiadores da saúde pública, minha preocupação principal não foi fundamentar ou documentar referências linearmente no tempo, mas, ao invés disto, localizar acontecimentos ou sequências de eventos que corroborassem algumas construções de sentido à medida que consolidava séries de dados sobre o parque hospitalar brasileiro.
  • Desta forma, não estou reivindicando para esta pesquisa o mesmo tipo de validade que alguns historiadores costumam reivindicar para suas pesquisas. Fidelidade e coerência aos fatos e eventos como efetivamente ocorridos podem ser conseguidos, segundo estes historiadores, com o tipo de método que utilizam, o que não foi feito neste trabalho. A melhor imagem que consigo criar para o processo que utilizei para juntar dados de séries históricas, interpretações dessas séries, eventos similares descritos por outros pesquisadores é a do colecionador. Fui compondo um mosaico e, em determinados momentos este mosaico pareceu-me fazer algum sentido. As lentes que utilizei para olhar séries de dados, eventos e relatos de outros pesquisadores certamente promoveram alguns coloridos diferentes, ampliações, reduções ou até mesmo distorções, caricaturas dos fatos. Mas, com certeza, estes fatos não foram criados como efeitos das lentes utilizadas.
Não acredito que o tipo de pesquisa que empreendi seja desconectada do contexto em que vivo, qual seja o de uma comunidade de práticas, incluindo as investigativas, com sua cultura e época próprios, com suas crenças, modos de agir e pensar, com suas instituições, que, ao mesmo tempo, moldam e são moldadas por nossas ações. Assim, este trabalho não é descolado do contexto atual de um sistema de saúde em processo de implantação, com suas lutas, suas marchas e contra-marchas, e, dificilmente faria algum sentido fora deste contexto. A história que tento compor neste trabalho tem uma finalidade clara: construir algum tipo de entendimento sobre como estamos sendo arrastados em direção ao futuro no que tange a assistência hospitalar e, porque não dizer, em relação ao Sistema Único de Saúde.
  • Nesta busca e análise de dados que empreendi, me deparei com fatos, informações ou interpretações que se chocaram, algumas vezes de forma turbulenta, com o estoque de opiniões, ideias e até mesmo de dados que eu tinha previamente, fazendo com que se transformassem profundamente e redundassem no trabalho que estou apresentando na forma de tese para doutoramento. Não acredito que este processo tenha chegado a um lugar especial ou a uma verdade, mesmo que provisória sobre o quadro hospitalar brasileiro. Trata-se a meu ver de uma espécie de relatório parcial, incompleto, provisório e inacabado.
Inacabado, no sentido que Umberto Eco dá ao termo, de obra aberta, em constante construção (a work in progress, como diria James Joyce) ou mesmo no sentido que os pedreiros dão ao termo, faltando quartos, banheiros ou até mesmo andares inteiros para serem construídos.

Catador separa resíduos recicláveis em lixão irregular em Mongaguá, 
no litoral de SP

A Reforma Sanitária Brasileira:
  • A Reforma Sanitária Brasileira foi proposta num momento de intensas mudanças e sempre pretendeu ser mais do que apenas uma reforma setorial. Almejava-se, desde seus primórdios, que pudesse servir à democracia e à consolidação da cidadania no País. A realidade social, na década de oitenta, era de exclusão da maior parte dos cidadãos do direito à saúde, que se constituía na assistência prestada pelo Instituto Nacional de Previdência Social, restrita aos trabalhadores que para ele contribuíam, prevalecendo a lógica contra prestacional e da cidadania regulada.
A VIII Conferência Nacional de Saúde (CNS), realizada no ano de 1986, contou com a participação de técnicos do setor saúde, de gestores e da sociedade organizada, propondo um modelo de proteção social com a garantia do direito à saúde integral. Em seu relatório final, a saúde passa a ser definida como o resultado não apenas das condições de alimentação, habitação, educação, trabalho, lazer e acesso aos serviços de saúde, mas, sobretudo, da forma de organização da produção na sociedade e das desigualdades nela existentes.
  • Na esteira deste processo democrático constituinte, o chamado movimento sanitário tinha proposições concretas. A primeira delas, a saúde como direito de todo o cidadão, independente de ter contribuído, ser trabalhador rural ou não trabalhador. Não se poderia excluir ou discriminar qualquer cidadão brasileiro do acesso à assistência pública de saúde. A segunda delas é a de que as ações de saúde deveriam garantir o acesso da população às ações de cunho preventivo e/ou curativo e, para tal, deveriam estar integradas em um único sistema. A terceira, a descentralização da gestão, tanto administrativa, como financeira, de forma que se estivesse mais próximo da quarta proposição que era a do controle social das ações de saúde.
O fundamento legal do Sistema Único de Saúde (SUS) é a Constituição Federal de 1988, regulamentado na Lei Federal n.º 8.080, de 19 de setembro de 1990, que dispõe sobre a organização e regulação das ações de saúde, e na Lei Federal n.º 8.142, de 28 de dezembro de 1990, que trata do financiamento da saúde e da participação popular. A promulgação da Lei Orgânica da Saúde - Lei Federal nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências. Em seu artigo 2º garante que a saúde é um direito fundamental do ser humano e que o Estado deve prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício. Os parágrafos deste artigo são significativos. 
  • No primeiro deles, consta que o Estado cumpra seu dever formulando e executando políticas econômicas e sociais que reduzam o risco de doenças e agravos e que assegurem o acesso universal e igualitário às ações e aos serviços para promoção, proteção e recuperação da saúde. Em seu parágrafo seguinte, diz que o dever do Estado não exclui o das pessoas, da família, das empresas e da sociedade. Logo, cabe também aos demais atores sociais a responsabilidade com o direito à saúde.
O Sistema Único de Saúde:
  • Este Sistema Único de Saúde tem como importante princípio a universalização do acesso às ações e serviços de saúde. Assim, todos os cidadãos devem ter acesso aos serviços de saúde, sem privilégios ou barreiras, ou seja, todo o cidadão deve ser atendido conforme suas necessidades, de forma resolutiva, nos limites e possibilidades do sistema, considerando-se, ainda, as necessidades coletivas.
Neste sentido, o art. 194, da Constituição Federal Brasileira, ao estabelecer as diretrizes do sistema de seguridade social brasileiro - que inclui o sistema público de saúde - afirma o princípio da universalidade de cobertura e do atendimento (inciso I) com o princípio da equidade, quer seja “na forma departicipação [como na] de custeio” (inc V, art. 194, da Constituição Federal Brasileira). Considera, pois, que há iniqüidades a serem enfrentadas no contexto brasileiro, e exige que a igualdade garantida não seja somente perante a lei, mas também, construída socialmente, e até mesmo por meio da lei, que deve tratar diferentemente os desiguais de forma a permitir a efetiva igualdade social. O princípio do SUS de equidade corresponde, portanto, a oferecer mais a quem mais precisa de forma a dar condições para que todos tenham a mesma possibilidade.
  • A descentralização, com direção única do sistema, é uma estratégia para minimizar as desigualdades regionais. Ela prevê não apenas a transferência, da esfera federal para as demais esferas, da responsabilidade de execução das ações, mas trata-se também de efetuar a descentralização de recursos financeiros e de poder. O SUS deve funcionar de forma regionalizada e hierarquizada. Os gestores devem levar em consideração as características de seu território para definir as ações prioritárias para cada realidade local. A descentralização pode ser vista também como facilitadora para o controle social da saúde e para a participação popular. A participação popular se dá, sobretudo, nos Conselhos - municipais, estaduais e nacional - de Saúde e nas respectivas Conferências de Saúde, realizadas a cada quatro anos. As Conferências e Conselhos são constituídos por gestores, profissionais de saúde, usuários do sistema, e outras entidades/pessoas representativas, de forma paritária, e tem, dentre outras, a função de formular as diretrizes da política de saúde e de acompanhar sua execução.
Outro princípio, estruturante do Sistema Único de Saúde, é o da integralidade. Este princípio é atualmente foco de debates, e têm sido atribuídos a ele alguns sentidos, como: o da atenção integral, ou seja, o acesso deve ser garantido desde as ações de promoção até as de recuperação da saúde, das ações coletivas às individuais; o que incorpora o conceito ampliado de saúde, envolvendo o sujeito e suas relações com o ambiente e a sociedade e na formulação de políticas compreendendo a atenção a grupos específicos.
  • A disputa de interesses, ainda no processo constituinte, sobretudo com representantes dos prestadores privados de saúde, resultou na aceitação do Sistema Único de Saúde (SUS) e seus princípios, mas não em algumas outras propostas que o viabilizariam tal como havia sido estruturado, sobretudo no financiamento, descentralização e unificação do sistema de saúde e na regulação do setor privado. Já nesta época, duas preocupações perpassavam o movimento sanitário brasileiro: de que forma organizar os serviços para garantir a noção ampliada de saúde e como financiá-la. 
Pode-se dizer que as reformas que potencializariam a Reforma Sanitária não se concretizaram. Ainda hoje não está regulamentada a Emenda Constitucional n.º29, de 13 de setembro de 2000, que assegura os recursos mínimos para o financiamento das ações e serviços públicos de saúde.

De um lado, o projeto do SUS, de saúde universal, pública e estatal; de outro, o discurso de que, com o aumento da renda, o direito se dá pela compra de serviços privados de saúde