quarta-feira, 27 de maio de 2015

As Cidades Sustentáveis

Não há dúvidas: as cidades sustentáveis são um dos maiores desafios da humanidade no século XXI.

  • Após as Conferências de Estocolmo, em 1972, Vancouver, em 1976, e Rio, em 1992, os desafios a serem vencidos para um desenvolvimento urbano sustentável foram precisamente identificados. O Capítulo 7 da Agenda 21 realiza uma síntese de orientações nesse sentido. A seu turno, as conferências de Istambul, em 1996, assim como a de Nova York (Istambul + 5), confirmaram essas orientações, ao ressaltarem a carência de uma adoção efetiva das preconizações. Tanto o reconhecimento de um direito à moradia adequada como os detalhes quanto às condições da realização de uma cidade sustentável foram aportados; no entanto, o balanço bastante parcial, e mesmo crítico, apresentado em Nova York, em junho de 2001, revela com clareza o abismo existente entre as propostas de Istambul e a vontade política de sua adoção.
Retomando rapidamente as exigências colocadas pela Declaração do Rio, de junho de 1992, temos que: o desenvolvimento sustentável exige a articulação do espaço e do tempo, com a exigência do intergeneracional e a aproximação espacial de toda forma de urbanização, mas exige também a eliminação da pobreza, o que constitui, mesmo, uma das condições para sua realização (Princípio 5 da Declaração). A eliminação e a redução dos modos de produção e consumo não sustentáveis (Princípio 8) constituem outro elemento essencial de sua efetividade.
  • A exigência do desenvolvimento sustentável também impõe, no entanto, a adoção de princípios fundamentais e de regras que foram progressivamente sendo desenvolvidas e aperfeiçoadas, tanto em nível internacional como em nível local.
A partir da Conferência de Vancouver (Habitat 1), em 1976, os conhecimentos de Direito, Economia, Sociologia não deixaram de evoluir. Apesar disso, a constatação apresentada em Nova York, por ocasião da Conferência das Nações Unidas “Habitat 2 + 5”, em 20013, foi severa e o é, também, ao nível de todos os continentes. As cidades que transformaram a maneira predominante de ocupação de seu território são o reflexo de uma civilização ainda incapaz de responder às necessidades fundamentais dos seres humanos.
  • O relatório do Fundo das Nações Unidas para a população revela que em 1975 a espécie humana havia produzido 5 megalópoles (cidades com mais de 10 milhões de habitantes); em 2000 elas já são 19 e as previsões convergem para 23 megalópoles até o ano de 2015, fenômeno que se destaca no hemisfério sul do planeta. Esse mesmo relatório demonstra que a metade dos seres humanos vive somente com 2 dólares por dia; que o crescimento urbano na África, o qual ainda é o mais elevado do mundo, beira os 4% ao ano; que as zonas urbanas abrigam praticamente a metade da população do planeta e representam também cerca de 80% das emissões de carbono, 75% do consumo de madeira e 60% da utilização das reservas de água doce, notadamente pela agricultura. O desenvolvimento sustentável constitui, portanto, um verdadeiro desafio para uma civilização que é cada vez mais urbana e massificada. A alguns meses da Conferência de Johannesburgo, o fato de se estabelecer um balanço e de se apresentarem perspectivas constitui, de forma concomitante, um desafio e um exercício essencial.
À sua maneira, os juristas podem contribuir, dando uma perspectiva aos políticos mas, sobretudo, buscando nortear as organizações, sejam elas políticas, sociais ou territoriais. Mesmo que as reflexões a seguir se limitem ao espaço europeu, as condições para a concretização de cidades sustentáveis apresentam a característica de revelar fundamentos comuns, aplicáveis de forma geral às urbes, sendo que para cada continente deverão adicionar-se seus aspectos específicos.
  • O objetivo global, assim considerado, reside, num primeiro momento, na apresentação da efetividade do direito em vigor sobre esse espaço geográfico – o meio urbano –, o que contribuirá para que se busquem as condições que possam determinar a concretização de cidades sustentáveis. Sob esse ponto de vista, observaremos que as considerações relativas à realidade atual levam à conclusão de que estamos diante de uma situação contraditória, ao passo que, do ponto de vista das perspectivas, estaremos mais ligados a esse espaço, ultrapassando-o e nos apoiando, sobretudo, nas condições gerais, comuns ao planeta e determinadas pela evolução dos assentamentos humanos, que nos permitem identificar as vias do possível.
Uma situação contraditória:
  • No momento em que se voltam as atenções para o fenômeno da urbanização, na Europa cerca de 80% da população vive em zonas urbanas, as quais representam 25% da totalidade do território da União Européia.
Em razão dos problemas advindos do crescimento do fenômeno urbano, a União Européia e os Estados envidam esforços, por meio de medidas diversas, para respondê-los, contudo é difícil pensar que o esquema de desenvolvimento urbano das cidades européias repouse sobre condições sustentáveis.
  • De um ponto de vista jurídico, se podemos constatar a existência de avanços teóricos, eles ainda se revelam imprecisos, o que leva forçosamente à constatação de que as autoridades públicas e os agentes privados estão diante de um conjunto de desafios e, em verdade, os desafios urbanos são ainda pouco controlados.
Os avanços teóricos matizados:
  • Esses avanços resultam de uma afirmação de políticas públicas orientadas à pesquisa de condições de implementação de cidades sustentáveis, onde dois níveis permitem indicar que, no plano teórico, as evoluções significativas têm lugar tanto na afirmação dos princípios como nas formas de implementação.
Quanto aos princípios:
  • É no encontro dos direitos ambiental, de organização do território e de urbanismo que esses princípios foram colocados. Progressivamente o desenvolvimento integrado aparece nos textos como uma condição de realização das políticas públicas que tenham por objetivo a evolução das cidades. Dessa forma, aparecem tanto em nível do direito comunitário como do direito francês.
O direito comunitário:
  • O direito de urbanismo não está entre os domínios das políticas públicas européias. As decisões relativas à organização do território e à afetação dos solos devem ser tomadas por unanimidade.
No entanto, o quadro de intervenção, assim como a definição de políticas setoriais, dizem respeito, de forma mais ou menos direta, às condições de ocupação do solo e do espaço, daí, ao direito do urbanismo.
  • No que concerne ao quadro de intervenção, a partir do Tratado de Amsterdã, de 1997, o desenvolvimento sustentável constitui um dos objetivos fundamentais da Comunidade, quanto mais pelo fato de que as exigências da proteção do meio ambiente devem estar integradas à definição e à aplicação das políticas e ações da Comunidade.
  • E, ainda, os princípios fundamentais que contribuem para a realização do desenvolvimento sustentável: correção, na fonte, precaução, poluidor-pagador, são claramente afirmados pelo artigo 174 dos tratados. Ademais, a Comunidade Européia desenvolve uma política de participação dos cidadãos, por haver firmado a Convenção de Aarhus, de 19989.
  • A consideração das preocupações ambientais é objeto de abordagem política, compreendendo-se aí os aspectos urbanos, desde os anos 70, com os programas comunitários para o meio ambiente. No seio do 5° Programa, intitulado “Em direção de um desenvolvimento sustentável”, e do 6°, intitulado “Meio Ambiente 2010: nosso futuro, nosso direito”, a urbanização e a evolução das cidades integram o objeto de diversos programas de desenvolvimento. De maneira semelhante, o 6° Programa prevê o reforço da rede de cidades sustentáveis e também o estímulo de melhores práticas, em termos de urbanização e de desenvolvimento das cidades sustentáveis. 
Essas evoluções gerais foram transpostas aos vários níveis do direito comunitário, aplicado para:
  • A emergência e, após, o reforço de uma política de meio ambiente urbano, iniciada com a Carta de Aalborg, em 199412: a rede das cidades sustentáveis constituída a partir dessa Carta ultrapassa o quadro da União Européia e concerne, nos dias de hoje, a mais de 1.200 cidades, com a colocação em prática das Agendas 21 locais. Esse dispositivo conduziu a uma reflexão sobre a evolução das cidades, sobretudo no que diz respeito à perspectiva existente entre as cidades compactas e as de grandes proporções.
  • As reflexões sobre a organização do território. A adoção, em 1997, do esquema de desenvolvimento do espaço comunitário permitiu o surgimento do conceito de policentrismo integrado, colocando as cidades de interesse europeu, regional ou local, no centro do desenvolvimento aplicado a esses mesmos níveis.
  • Esse conceito será adotado na França pela DATAR, nos seus trabalhos relativos à evolução dos territórios.
  • As políticas do meio ambiente, sobretudo relativas a gestão de espaços, com a rede Natura 2000, do ar, dos dejetos e da água (é compreendido também o estudo de impacto da ausência de saneamento).
Sob outro ponto de vista, as reflexões dos profissionais vão conduzir à adoção de textos que tragam perspectivas. É o caso particular da adoção da Carta de Urbanismo das Cidades do Século XXI, em 1998.
  • Esse desenvolvimento influenciará as ações dos Estados, gerando uma evolução do Direito do Urbanismo, tanto nos outros Estados como na França.
b) O direito interno:
  • A partir da Conferência do Rio, o legislador francês reconheceu os princípios fundamentais que determinam as políticas públicas. Vários textos inscreveram o desenvolvimento sustentável como uma forma de intervenção sobre os impactos causados no meio urbano. Daí, às vezes intervindo nos territórios globalmente (Leis de 4/2/1995 e de 25/9/1999, relativas à organização e ao desenvolvimento sustentável do território), às vezes nas instituições (Lei de 12/7/1999, relativa ao reforço e à simplificação da cooperação intercomunitária), às vezes intervindo em espaços rurais (Lei de Orientação Agrícola de 9/7/1999 ou Lei de Orientação Florestal, de julho de 2001).
Entre as evoluções teóricas mais significativas no campo das cidades sustentáveis, encontra-se a Lei de 13 de dezembro de 2000, de solidariedade e restauração urbanas. Essa Lei (a exemplo da lei brasileira de 10/2/2001) modificou profundamente o direito francês de urbanismo.
  • Ela coloca o desenvolvimento sustentável como uma das condições de implementação da planificação urbana local, sem, no entanto, submeter toda forma de urbanização a esse objetivo. O projeto de ordenamento e desenvolvimento sustentável do plano local de urbanismo permitirá que se exprimam essas escolhas fundamentais.
Em complemento aos princípios, o texto busca vários objetivos fundamentais:
  • O equilíbrio entre o meio urbano e a zona rural, entre a proteção do patrimônio e a urbanização, entre as diversas formas de urbanização, integração dos transportes;
  • A miscigenação social impõe uma reflexão e, logo, uma prática obrigatória de habitações sociais em todas as zonas urbanas com mais de 3.500 habitantes e que tenham menos de 20% de habitações com essa característica, justamente para incitar uma tomada de consideração mais geral desse objetivo;
  • A restauração urbana como uma nova maneira de desenvolvimento das cidades. Tal diz respeito às vantagens de se reconquistar o meio urbano, otimizando-se as perspectivas de evolução no perímetro urbanizado. Assim procedendo, a França demonstra sua opção pelas cidades compactas;
  • O reforço da utilização da negociação, modificando-se os procedimentos em vigor. Um texto mais recente, a lei relativa à democracia de proximidade, modificou determinados procedimentos, em beneficio da participação do público, como, por exemplo, na constituição das associações de bairro, nos processos de audiências públicas e condições de desapropriação.
Quanto às formas de implementação:
  • Devido à exigência de uma condução integrada, essas orientações vão progressivamente conduzir à adaptação das práticas locais. Segundo esse ponto de vista, certos financiamentos comunitários constituirão uma verdadeira impulsão na modificação dessas práticas.
Os aportes comunitários:
  • Mesmo que não tenha colocado em prática uma verdadeira política urbana, a União Européia desenvolve diversos programas que possibilitam o financiamento de projetos cujo fim seja trazer a sustentabilidade ao meio urbano.
Podemos ressaltar, sobretudo, os seguintes:
  • • Os programas URBAN (1999/2000 e 2001/2006). Esses programas têm uma dimensão ao mesmo tempo patrimonial e ambiental. São financiados por fundos estruturais, buscando dois objetivos básicos: de um lado, a elaboração de estratégias inovadoras de renovação econômica e social; de outro lado, a troca de conhecimentos e de experiências em matéria de desenvolvimento urbano sustentável.
  • • Entre outras prioridades desses programas, nota-se a inserção dos grupos excluídos, a constituição de redes integradas de transportes públicos, a redução e o tratamento dos dejetos, a melhora na administração urbana e na segurança.
  • • A utilização dos fundos estruturais (FEDER ou FSE) ou dos fundos direcionados ao meio ambiente permite aos Estados reforçar sua ação.
  • • Os projetos-piloto urbanos, financiados pelo FEDER, foram lançados em 1993 (fase 1: 33 projetos; fase 2, em 1997, 26 projetos). Esses projetos contribuíram para uma regeneração urbana (financiamento de restaurações de bairros ou de centros urbanos em dificuldades), para o tratamento de terrenos industriais, para uma melhor gestão do tráfego ou para a criação de espaços verdes urbanos.
Muitas cidades francesas se beneficiaram desses programas.

As evoluções internas:
  • Estas resultam essencialmente dos aportes da nova Lei de 13 de dezembro de 2000 (anteriormente citada). No entanto, a política urbana, iniciada na França nos anos 1990, constitui também um elemento significativo de evolução.
O direito de urbanismo francês tende a contribuir para uma melhor perspectiva sustentável das cidades, notadamente:
  • Pela consideração do fato urbano. De fato, seja tratando das instituições de gestão das cidades ou de seus instrumentos, o direito francês se volta, a partir do presente momento, sobretudo para os territórios urbanizados. Dessa forma, a noção de aglomeração (direito das coletividades, direito de urbanismo, direito de organização do território) constitui um elemento de referência, de um lado, por fazer com que surjam estruturas de gestão da cidade, com estabelecimentos públicos de cooperação intercomunitária; de outro, por implementar os meios de planificação adaptados a esses territórios urbanizados: o esquema da coerência territorial e necessariamente intercomunitário, o plano local de urbanismo, constituir-se-á no documento operacional do urbanismo local, produto de uma reflexão prospectiva.
  • Por um reforço da coordenação entre as instituições e os instrumentos de gestão. Em razão da crescente complexidade dos domínios de intervenção, o legislador iniciou um processo de articulação, ao nível das capacidades territoriais de intervenção, em especial, de um lado, com a definição de perímetros de competência das instituições, que devem levar em conta as estruturas já existentes, no desenvolvimento de uma cooperação intercomunitária (artigo L-122-1 do Código de Urbanismo) e, de outro lado, com uma coordenação reforçada dos instrumentos de gestão do urbanismo (SCOT, PLU, carta comunitária), do meio ambiente (carta PNR e plano de deslocamento urbano), da habitação social (PLH) e de organização do território (carta do país), a fim de que se obtenha o conjunto pertinente de instrumentos.
Notamos, no entanto, que esse edifício teórico e os experimentos já iniciados revelam insuficiências, que os desafios da urbanização não aparecem como totalmente controlados.

As Cidades Sustentáveis

Os desafios por vencer:
  • Verificada a crescente urbanização que hoje existe, impõe-se também interrogar sobre os desafios com os quais se deparam os agentes públicos e privados, e a capacidade de nossa sociedade de controlar o desenvolvimento urbano.
Sob esse ponto de vista, constata-se forçosamente que nos encontramos perante uma dicotomia crescente dos espaços, visto que a cidade que determina sua evolução adota de forma autônoma mecanismos de afetação territorial diferenciados, os quais ela tende, por vezes, a desenvolver de forma mais aprimorada. Resta claro, ainda, que as autoridades se confrontam cada vez mais com a necessidade de vencer o conjunto de contradições com que se deparam.

O reforço da dicotomização:
  • A urbanização deve ser considerada tanto em relação aos territórios urbanos como aos espaços rurais, tendo em vista sua característica de interdependência, a qual vem sendo mais e mais afirmada. Essa dicotomia abarca dois aspectos principais, quais sejam, o territorial e o social.
Uma dicotomia territorial:

Com efeito, a atração que exercem as cidades sobre o homem é verificada em todos os continentes, e a Europa não escapa a essa regra. Entretanto, essa dicotomia de territórios, ligada à urbanização, é uma prática multiforme, pois permite identificar:
  • Os territórios cada vez mais urbanizados, aos quais correspondem os terrenos em vias de desertificação. De fato, para que se determinem as condições da cidade sustentável, faz-se necessário igualmente o questionamento acerca da evolução dos espaços rurais;
  • No interior das zonas urbanas, assistimos às dicotomizações territoriais que resultam ora das opções urbanas desenvolvidas – como conseqüência da especialização das funções urbanas – ora das ocupações diferenciadas – que conduzem a um engrandecimento urbano, o qual desenvolve sempre para mais longe a zona de influência das cidades. O funcionalismo e o zoneamento clássicos, originados desse processo, aqui encontram seus limites, os quais se fala agora em ultrapassar.
A urbanização constitui, dessa forma, um fenômeno dificilmente controlável, mas a territorialização do direito pode constituir-se numa resposta a esse fenômeno.

Uma dicotomia social:

A dicotomia social revela uma urbanização estruturada segundo as categorias sociais. Sob esse aspecto, não há cidade no planeta que não conheça esse fenômeno, assim caracterizado:
  • O desenvolvimento indiscriminado de favelas ou de habitats precários, assim como de bairros degradados. Esses setores urbanos estão habituados a um acúmulo de deficiências, relativas essencialmente à falta ou insuficiência dos serviços públicos, tais como: de saúde, ambientais, de segurança etc.;
  • A identificação de espaços urbanos fechados. Com efeito, ao mesmo tempo, outros bairros, muito próximos, se protegem, na forma de condomínios fechados, com serviços e segurança próprios.
A dicotomia social tende a desenvolver-se, criando, mesmo, verdadeiros guetos.
Com mais ou menos velocidade, essa segregação urbana progressiva destrói, inclusive, os fundamentos da sociedade. A concretização das cidades sustentáveis impõe que se ultrapassem essas dicotomias, territorial e social.

A necessidade de se vencerem as contradições:

A concretização das cidades sustentáveis impõe, outrossim, que se inscreva o desenvolvimento urbano em uma lógica que contribua para sua consecução. É forçoso constatar que, mesmo no seio da União Européia e, em particular, da França, esse objetivo vai de encontro a alguns obstáculos significativos. Entre eles, podemos mencionar os que aparecem de forma comum ao conjunto dos territórios interessados:
  • A difícil afirmação e a implementação das políticas públicas;
  • A apesar dos avanços verificados em casos pontuais, devemos constatar que os próprios fundamentos de nossa sociedade não permitem identificar as reais condições de implementação das cidades sustentáveis. As políticas são, ainda, demasiado setorializadas;
  • Pois bem, mesmo que o desenvolvimento sustentável tenha como objetivo a supressão da pobreza, esta não cessa de crescer, as cidades constituem ainda uma atração para as populações rurais ou periurbanas, como um tipo de miragem;
  • Ao mesmo tempo, constatamos que os modos de produção e de consumo das cidades não favorecem, ainda, a sustentabilidade, quer seja em se tratando dos transportes, da elaboração de materiais de construção ou das condições de ocupação do solo e do espaço; a sustentabilidade, enfim, não constitui uma preocupação central no meio urbano;
  • Uma gestão integrada insuficiente;
  • Há que se constatar que os direitos comercial e financeiro não integraram precisamente o desenvolvimento sustentável ou a proteção do meio ambiente.
Os investimentos financeiros, assim como o desenvolvimento das atividades econômicas em zonas urbanas não são necessariamente submetidos às condições do desenvolvimento sustentável (podemos nos referir, por exemplo, à multiplicação, sob diversas formas, das chamadas “zonas francas”);
  • A participação dos cidadãos, das populações autóctones e das mulheres na definição das estratégias para o desenvolvimento urbano, na sua aplicação e na gestão das cidades, deixa, ainda, a desejar;
  •  O estado do meio ambiente urbano;
  • Se se consideram os modos de produção urbanos, é forçoso constatar que os efeitos produzidos em termos sociais e ambientais são característicos. As diversas constatações apresentadas levam a crer que o meio ambiente se degrada nas zonas urbanizadas. Os principais problemas são os relativos à qualidade do ar, à gestão da água e do saneamento, aos dejetos e, também, à contaminação do solo;
  • Os solos contaminados constituem um problema crescente para as diversas autoridades e agentes do meio urbano. Se eles são testemunhas de uma história urbana e industrial às vezes esquecida, eles revelam também uma condenável negligência do poder público.
Em seu relatório de avaliação do 5° Programa, a Comunidade Européia constatou que:
  • Trinta e dois por cento da população européia está exposta a níveis elevados de ruído, devido ao tráfego;
  • A contaminação atmosférica continua sendo uma fonte considerável de problemas de saúde (limites da OMS ultrapassados);
  • As zonas urbanas verão sua população crescer em 4% até o ano de 2010;
  • O volume de dejetos urbanos não cessará de crescer;
  • O stress hídrico é freqüente nas cidades da Europa meridional;
  • O  consumo de energia pelos transportes e as necessidades energéticas não cessarão de crescer.
No plano de intensidade: o estado do meio ambiente e os relatórios específicos (especialmente os ligados aos riscos) revelam constatações bastante próximas, com as especificidades segundo o país. Na França, por exemplo, a questão dos transportes urbanos, dos terrenos industriais, da contaminação das águas, do tratamento dos rejeitos constituem desafios significativos.
  • Em razão dessas constatações, tanto em nível internacional como em nível interno, ao que tudo indica, as cidades sustentáveis encontram-se ainda no plano perspectivo, no qual se tratará de buscar as condições para sua implementação.
A perspectiva das cidades sustentáveis:

No começo deste novo século, momento em que se engajam as reflexões da Conferência Rio + 10 para Johannesburgo, a busca das condições para a implementação das cidades sustentáveis pode resultar de um conjunto de reflexões, composto igualmente de certezas e de incertezas.
Entre as certezas, aparecem as seguintes:
  • A população planetária voltará seus olhos ao crescimento demográfico, o qual, de forma mais ou menos rápida e certa, se incrementará;
  • O fato urbano, isto é, a concentração humana nos espaços urbanos, vai ser considerada;
  • O meio ambiente, tanto em nível global como local, encontra-se degradado, e essa degradação será combatida, especialmente em se tratando do ar, da água e do solo, pelo fato de que sua contaminação afeta os principais direitos do homem (saúde, qualidade de vida, direito de acesso à água, condição das mulheres e das crianças);
  • Nossos modos atuais de produção e consumo urbanos geram, cada vez mais, situações de irreversibilidade.
Entre as incertezas, podem-se mencionar as seguintes:
  • A vontade dos seres humanos de resolver a questão da pobreza;
  • A capacidade do meio ambiente de suportar as conseqüências das atividades humanas;
  • A evolução dos recursos em termos quantitativos e qualitativos;
  • A capacidade de se implementarem as cidades sustentáveis.
Não obstante essas considerações, a perspectiva das cidades sustentáveis constitui uma exigência; suas condições de implementação devem ser determinadas.
  • Será possível a implementação da cidade sustentável a partir do momento em que haja vontade política para tanto: não pode haver obstáculos econômicos ou financeiros à sua implementação. O fundamento ético e os valores de referência conduzem irremediavelmente a definir as prioridades; daí, em suas tentativas de resposta, o jurista não pode evitar o tratamento da questão por inteiro, pois se trata justamente de identificar, sob esse ponto de vista, as finalidades.
Uma reflexão conjunta deve ser realizada. E, para isso, propomos duas linhas principais, quais sejam, a exigência de um quadro de referência e a colocação em prática dos meios adaptados.

A) A exigência de um quadro de referência
A sociedade internacional produziu, após Estocolmo, um conjunto de declarações, de compromissos sem qualquer aporte real senão o de boas intenções. Essa produção de soft-law influenciou, no entanto, na maioria dos Estados, uma produção normativa abundante, sendo que várias constituições foram, em função disso, modificadas.
A inserção desse dispositivo, como a produção de um verdadeiro corpus normativo, exige vontade política. E, para tanto, reiteradamente surge a necessidade de uma convenção-quadro de domínio ambiental, que conduza ao surgimento de uma instituição dotada de prerrogativas fortes, de forma que as missões da Conferência das Nações Unidas para os Estados se inscrevam em um quadro juridicamente mais preciso, com objetivos e fundamentos jurídicos adequados.
A perspectiva da implementação de cidades sustentáveis poderá resultar de dois elementos, a saber: de uma parte, a precisa tomada de consciência dos objetivos e, de outra parte; a identificação das responsabilidades nessa implementação.
1) A retomada dos fundamentos
A identificação de um quadro de referência deve contribuir para o reconhecimento efetivo dos elementos essenciais à implementação das cidades sustentáveis.
O objetivo do desenvolvimento sustentável constitui o cerne desse dispositivo, mormente pelo fato de que, segundo os próprios termos da Declaração do Rio, esse objetivo está subordinado a determinadas condições, dentre as quais mencionamos, sobretudo, o caráter imperativo da imediata erradicação da pobreza, pois “todos os Estados devem cooperar na missão essencial de eliminar a pobreza, o que constitui uma condição indispensável para o desenvolvimento sustentável...”e a realização das condições globais do desenvolvimento como exigência fundamental de colocação em prática, uma vez que, “a fim de alcançar um desenvolvimento sustentável e uma melhor qualidade de vida para todos os povos, os Estados devem reduzir e eliminar os modos de produção e de consumo inviáveis e promover as políticas demográficas apropriadas”.
Além desses primeiros elementos essenciais, a realização efetiva de um desenvolvimento sustentável repousa em dois aspectos primordiais, a saber: o reconhecimento e a implementação dos grandes princípios inerentes ao desenvolvimento sustentável; e a aplicação efetiva dos direitos fundamentais.
a) O reconhecimento e a implementação dos grandes princípios do desenvolvimento sustentável
Trata-se aqui de princípios já reconhecidos nas grandes declarações, que são indissociáveis do objetivo do desenvolvimento sustentável, pelo que constituem modalidades de aplicação: os princípios da prevenção, da precaução e da participação e o princípio do poluidor-pagador. Sob a perspectiva dos assentamentos humanos, as conferências de Istambul e Nova York os reconheceram como formas de aplicação da sustentabilidade em toda produção urbana.
A prevenção, ligada aos riscos conhecidos, deve-se limitar à consideração do conjunto de preocupações ambientais e sociais do meio urbano. A ação preventiva pode, sobretudo, aparecer nos instrumentos prospectivos de gestão, constituindo objeto de avaliações preliminares.
O princípio da precaução é indissociável da utilização de técnicas e materiais necessários à construção e à evolução das cidades, mas também aos tipos de atividades que ali se exercem. A gestão dos riscos (industriais ou naturais) constitui um dos maiores desafios da implementação desse princípio.
O princípio da participação implica que a gestão das cidades gere informação (reciprocamente do centro às periferias) e, ainda, que essa informação permita o desenvolvimento de um processo participativo conjunto, com base nos princípios humanos que compõem a cidade e os bairros, possibilitando, mesmo, que se contestem ações tomadas ou a serem tomadas no meio urbano. O princípio do poluidor-pagador deve permitir, de forma concomitante, uma gestão prévia integrada e a imputação da responsabilidade inerente aos poluidores.
Se esse reconhecimento é unânime, as condições de sua implementação surgem como mais difíceis, impondo-se o desenvolvimento de meios adaptados.
Esses princípios gerais podem ser complementados por princípios setoriais como, por exemplo, o princípio de proximidade, no caso da gestão de dejetos, ou os princípios de gestão por bacia e de patrimonialização, no domínio hídrico.

A aplicação dos direitos fundamentais inerentes ao meio urbano:

Essa perspectiva leva a que se considere a existência de condições de igualdade entre os seres humanos, em face da produção e do desenvolvimento urbanos, tanto no âmbito das zonas rurais como no das zonas urbanizadas. A realização do objetivo – cidades sustentáveis – repousa aqui sobre um conjunto de condições mínimas:
  • Um acesso facilitado ao patrimônio imobiliário: o solo e o espaço necessários à realização de toda edificação urbana devem ser acessíveis a todos e a cada um. A relação entre apropriação e urbanização é necessariamente conflitante; uma regulação se impõe, a fim de que se garanta a cada um a possibilidade de se inserir no processo de urbanização. Os mais desfavorecidos, como é o caso das populações autóctones, devem ter direito a um acesso privilegiado em matéria imobiliária.
  • O reconhecimento de um direito à moradia como condição preliminar a toda ocupação constitui um segundo pilar da realização de uma cidade sustentável. A noção de moradia digna introduzida pelo Direito francês constitui uma ferramenta útil nessa empreitada. A qualificação contribui efetivamente para que se determinem as condições materiais desse direito fundamental.
  • O direito de acesso aos serviços públicos fundamentais, especialmente à educação, à saúde, à água potável, ao saneamento básico, aos transportes etc. Não se pode efetivamente estabelecer uma cidade sustentável para todos, se todos os habitantes da cidade não se beneficiarem dos serviços essenciais à estruturação da malha urbana. Esse direito de acesso permite, igualmente, responder aos direitos humanos fundamentais, levando a uma verdadeira articulação sua com os direitos humanos.
A determinação das responsabilidades:
  • Nossas sociedades são, hoje em dia, ao mesmo tempo locais e globais. O exercício do poder e sua necessária transparência se inscrevem em um meio complexo. Não obstante, as decisões públicas podem contribuir ora para que se garanta, ora para que se retarde a realização do objetivo das cidades sustentáveis. Impende ressaltar, ainda, que há outros agentes que interferem nessa tomada de decisões: os agentes econômicos e financeiros, as populações isoladamente consideradas etc.
Devem ser identificadas com clareza as responsabilidades de cada um. Cada vez mais se trata de uma questão de governança. Esse termo, de per si, gera um conjunto de reflexões e de interrogações. A governança deve ser bem distinguida, tanto da participação, que é por ela determinada, como da gestão, que não passa de um modo de execução de uma decisão pública ou um modo operacional de funcionamento de uma organização privada. E inegável que a governança faz referência ao poder e às suas condições de implementação. Definiremos o termo segundo o que foi apresentado no Livro Branco da União Européia, no qual a governança constitui "o conjunto de regras, de procedimentos e de práticas afetas ao plano do exercício do poder...".
  • Podemos concluir, destarte, que a determinação das responsabilidades resulta, ao mesmo tempo, da identificação de um poder supralocal e também da afirmação de um poder local efetivo.
a) 
  • A identificação de um poder supralocal. É no nível internacional e regional que as responsabilidades maiores devem ser identificadas, pois é nesses níveis que os efeitos da urbanização aparecem à medida que ela avança. O conjunto de agentes públicos e privados tem aqui suas responsabilidades: a. em primeiro lugar, os Chefes de Estado e de Governo, tendo em conta o destino das comunidades humanas de quem, em princípio, receberam um mandato, devem exercer suas prerrogativas para direcionar sua administração às cidades sustentáveis. Concerne, igualmente, às diversas estruturas públicas que contribuem à implantação dos projetos de interesse público;
B )
  • Em seguida, os agentes privados. Hodiernamente, são muitos os que dispõem de meios muitas vezes superiores aos dos Estados. Daí terem eles capacidade de influenciar a evolução dos territórios, a ocupação do solo e do espaço, atentando igualmente para a sua própria responsabilidade, estabelecida no processo evolutivo em curso. O impacto de determinadas atividades comerciais, industriais ou financeiras poderia dessa forma ser mais bem identificado, tanto no que é pertinente à evolução dos espaços urbanos, como dos espaços rurais.
Segundo esse entendimento, fica claro que é nesse nível que as condições de realização das cidades sustentáveis podem ser instauradas, que as formas de luta contra a pobreza, assim como a consideração das preocupações ambientais no meio urbano, podem se converter em realidade. E, ainda, uma verdadeira transparência dos mecanismos dos poderes, assim como a participação, deve também ser exercida nesse nível.

A afirmação de uma gestão local efetiva:
  • É no nível local, onde pode ser verificada a efetividade das condições de implementação das cidades sustentáveis, que os desafios estão no limiar do intransponível e que os meios operacionais de implementação das políticas públicas serão julgados.
Diante disso, podemos deduzir que, de um ponto de vista jurídico, certos elementos característicos devem ser desenvolvidos:
  • As decisões tomadas pelos poderes locais devem resultar de um amplo processo de participação, de um real processo democrático;
  • As condições de implantação e de gestão dos serviços públicos devem ser especificadas;
  • A luta contra a violência e a criminalidade deve ser efetiva;
  • A proteção dos menos favorecidos deve ser assegurada;
  • A gestão integrada e transversal deve ser eficaz;
  • Os direitos fundamentais podem ser efetivamente objeto de uma realização eficaz.
As condições de exercício dessas responsabilidades serão, portanto, determinantes para a realização de cidades sustentáveis. A governança, apoiada em um amplo processo de participação, deve conduzir a uma reflexão territorial dos desafios colocados pelo desenvolvimento urbano. Esses dados levam à necessária implementação de meios adaptados.

Uma implementação adaptada:
  • Não se pode falar em cidade sustentável sem a implementação de um conjunto de condições que respondam aos desafios propostos pela humanidade a si mesma.
Duas reflexões preliminares, as quais determinam, mesmo, as condições para as cidades sustentáveis, se impõem. A primeira delas diz respeito ao crescimento demográfico da humanidade que, não obstante toda projeção mais ou menos precisa, constitui verdadeiramente um desafio sob a ótica do desenvolvimento urbano; a segunda é a relativa à capacidade dos ecossistemas para suportarem o desenvolvimento da espécie humana e de suas variadas atividades. Tais aspectos aparecem de forma indissociável de toda abordagem relativa ao desenvolvimento de cidades sustentáveis.
  • Não obstante o tratamento dessas duas condições preliminares, a perspectiva de concretização de cidades sustentáveis revela a necessidade de despender os meios necessários e adaptados às exigências desse objetivo. No que pertine a isso, dois aspectos parecem se impor: em princípio, o desenvolvimento de instrumentos de intervenção e, logo, a implementação de meios suficientes.
Os instrumentos de intervenção:
  • Tal diz respeito a despender os meios de fazer face às dificuldades presentes, colocadas pela urbanização, assim como os relatórios entre espaços urbanizados e espaços rurais. Em teoria, a maior parte dos Estados fixou um quadro coerente. No entanto, ele diz respeito essencialmente a fazer face a uma realidade, a uma existência demasiado contrastante. Sob esse ponto de vista, podemos ressaltar dois aspectos, que devem permitir viabilizar as cidades sustentáveis: de um lado, uma administração imobiliária, de outro, uma planificação diferenciada.
A administração imobiliária:
  • A Agenda 21 faz referência expressa à importância do patrimônio imobiliário, precisando, com efeito, que “o acesso aos recursos terrestres é um componente essencial dos estilos de vida sustentáveis de baixo impacto sobre o meio ambiente. Os recursos terrestres são a base para os sistemas de vida…”.
O desenvolvimento urbano impõe que se administre sua matéria-prima: o solo e o espaço. A maior parte dos grandes problemas encontrados pelas cidades resulta de ausência ou de insuficiências em determinada administração. As populações menos favorecidas devem ter acesso ao solo e à habitação.
Variadas técnicas permitem, hoje em dia, que se administre o patrimônio imobiliário, mas a intervenção das autoridades públicas se impõe para que o acesso a esse patrimônio seja garantido. Trata-se igualmente de se permitir a ocupação do solo e do espaço tendo em conta as necessidades dos diversos grupos sociais, notadamente para que se sejam assegurados direitos fundamentais, tais como o direito à habitação ou o direito de acesso aos recursos hídricos.
  • Esse primeiro eixo de intervenção impõe que se determine o local da propriedade privada em face dos interesses públicos. Sob esse aspecto, tanto no espaço europeu como no francês, as autoridades públicas têm a capacidade de intervir, para fazer com que sejam privilegiados os interesses coletivos, quer sejam sociais ou ambientais, por exemplo.
Uma planificação diferenciada:
  • Com o fim de regular as questões do presente e antecipar-se ao desenvolvimento urbano, buscando igualmente favorecer o surgimento de cidades sustentáveis, salientamos a planificação como um instrumento de gestão, distinguindo a planificação estratégica da gestão operacional.
Segundo esse ponto de vista, a planificação estratégica deve contribuir para determinar, num período de 15 a 20 anos, as condições fundamentais do desenvolvimento urbano, integrando outras planificações setoriais num espaço geográfico que cobre uma área urbana e sua zona de influência.
Ao mesmo tempo, a planificação operacional, com um aporte regulamentar mais preciso, deve constituir, no âmbito de uma ou de várias cidades, um instrumento determinante de condições práticas de utilização do solo e do espaço. Na França, por exemplo, o esquema de coerência territorial e o plano local de urbanismo, que resultam da lei de solidariedade e de restauração urbana, parecem responder a essas exigências.
  • Em nível local, uma das dificuldades maiores consiste na necessária articulação entre as diversas planificações que afetam o campo do urbano. Num plano além do urbanismo, as planificações dos transportes, da água, do saneamento, dos esgotos, aparecem cada vez mais indissociáveis.
Os meios suficientes:

Não pode existir cidade sustentável sem que se tenha conseguido vencer os desafios. Sob esse ponto de vista e apesar das orientações estabelecidas na Rio 92 (7% do PIB), a ajuda ao desenvolvimento fornecida pelos países ditos desenvolvidos aos países em vias de desenvolvimento tornou-se insignificante. Resta claro que a implementação de cidades sustentáveis repousa sobre uma mobilização efetiva de um conjunto de meios, entre os quais mencionaremos:
  • Em primeiro lugar, os meios humanos, pois o homem, por sua formação e informação, está no centro do processo de elaboração da cidade sustentável. Trata-se aqui da capacidade de se mobilizar o conjunto de agentes, no qual se incluem os menos favorecidos e os mais fracos, tendendo a um processo participativo mais profundo, o que supõe preliminarmente que se possa reforçar a capacidade humana;
  • Os meios financeiros. Eles são necessários, no entanto demonstram-se insuficientes. Mediante a constituição de fundos, pela mobilização de recursos públicos e privados, trata-se de orientar esses meios na direção de ações verdadeiramente sustentáveis. Trata-se, antes, de reforçar a solidariedade internacional entre os Estados que não dispõem de meios equivalentes, e também de encorajar as práticas sustentáveis por meio de programas e financiamentos (organização do espaço urbano, serviços públicos, construções etc.);
  • Os meios tecnológicos também, pois o desenvolvimento sustentável das cidades exige uma cooperação aprofundada à medida que se faz necessária a construção de edifícios, a implementação de serviços públicos e de infraestruturas que respondam a critérios precisos, a uma lógica integrada de funcionamento. Os materiais utilizados, a organização e o funcionamento dos serviços devem integrar as práticas sustentáveis já testadas.
A mobilização dos meios para atender ao objetivo de cidades sustentáveis deve também repousar na identificação de práticas e de meios existentes, que respondam aos critérios do desenvolvimento sustentável. Determinadas práticas tradicionais ou autóctones respondem efetivamente a essas exigências, ou não são valorizadas. Ainda assim, a gestão dos recursos (água, solo), a produção de energia, a prática e o desenvolvimento dos transportes poderiam ser mais bem integrados na perspectiva de cidades sustentáveis.

Conclusão:

Há, hoje em dia, um sem-número de iniciativas jurídicas pouco eficazes no que concerne à gestão das cidades sustentáveis. De fato, somente o CNUEH tem permissão para produzir textos globais. No entanto, do ponto de vista jurídico, destaca-se claramente:
  • No plano internacional, as questões relativas à cidade sustentável podem ser objeto de uma formulação mais precisa, notadamente direcionada aos objetivos de eliminação da pobreza;
  • Devemos também nos interrogar sobre a capacidade de nossas sociedades de produzirem também um direito sustentável. Essa questão deve ser colocada, pois o direito constitui também um dos elementos determinantes da concretização das cidades sustentáveis. Trata-se de buscar como o desenvolvimento sustentável das cidades pode encontrar uma formalização que responda de forma pertinente a objetivos precisos. Em efeito, a produção sustentável do direito pode render-se à característica em princípio pouco sustentável dos mandatos eleitorais;
  • Enfim, podemos constatar que se a produção normativa é efetivamente abundante, tanto em nível local como global, é sua aplicação que coloca dúvidas em face dos objetivos desenvolvidos.
Segundo a perspectiva da Conferência de Johannesburgo, trata-se bem de buscar como tornar prática e efetiva essa produção teórica, especialmente:
  • O direito à habitação;
  • O direito de acesso ao patrimônio imobiliário;
  • O direito de acesso aos serviços públicos;
  • A obrigação de realizarem-se construções sustentáveis.
Nesse quadro, os juristas têm responsabilidades na produção e na aplicação de um direito que contribua para o surgimento de verdadeiras cidades sustentáveis. E, mais, nessa implantação, o Poder Judiciário tem um papel singular, especialmente por fazer com que o homem seja realmente um destinatário de direitos, não de meras palavras.
  • Será utópico invocar-se o bem-estar e a dignidade humana? A pobreza, notadamente um produto revelado pelo desenvolvimento insustentável da urbanização, ligado ao desrespeito aos direitos fundamentais e à degradação do meio ambiente, impõe que se tomem decisões urgentes e pragmáticas no plano político. As responsabilidades das gerações no poder são, a esse título, extremamente pesadas.
Contribuamos, portanto, com o direito de seres humanos viverem dignamente no local onde escolheram para tanto, sem que se vejam obrigados a migrar, na busca de sua dignidade. A partir daí poder-se-á falar em uma perspectiva de cidades sustentáveis.

De uns tempos para cá, a preocupação com o meio ambiente fez com que várias cidades investissem pesado na política da troca do carro por uma bicicleta. A mudança foi tão bem recebida que algumas cidades possuem engarrafamento de bicicletas.