sexta-feira, 12 de junho de 2015

O profissional de Meio Ambiente

O mercado cobra cada vez mais respeito às questões ambientais, e os técnicos não são profissionais facilmente encontrados no mercado.

  • O intento das linhas que se seguem é abordar como a vivência do profissional de meio ambiente apresenta uma tensa relação entre a busca de um contato com a Natureza e a prática real de sua atividade laboral. Escrevo este texto com base em experiências recorrentes em minha vida profissional na área ambiental, a fim de procurar refletir um pouco mais profundamente sobre o fenômeno em questão. Nesse intuito, pretendo procurar as causas que o podem originar e que conseqüências pode acarretar na área ambiental e na sociedade.
Pois bem, comecemos pelo relato do problema. Desde o início de minha formação técnica na área de meio ambiente, acompanhei a situação pessoal de diversos companheiros de curso, ou mesmo que cursavam formações diversas voltadas para a área ambiental. Eis que após algum tempo desistiam deste campo de atuação, seja antes de se formarem, seja logo após, ou seja depois de uma breve atuação na área. Como essa mesma situação ocorreu com uma parcela significativa dos profissionais em formação com os quais tive contato, esta questão marcou-me a consciência – tanto pela perda de entes queridos ao processo de defesa do meio ambiente, como pela possível perda para a sociedade como um todo, caso esta mesma situação se aplicasse aos diversos núcleos de formação profissional para área ambiental no Brasil e no mundo.
  • Quando questionava a esses companheiros sobre sua desistência quanto à atuação profissional na área de meio ambiente, muitos proferiam respostas similares a esta: “Desculpe, mas descobri que o trabalho na área de meio ambiente não era aquilo que eu pensava quando havia feito minha escolha de formação profissional”. Em conversas mais minuciosas, ficava patente como esses indivíduos, muitos deles a pouco tempo saídos da adolescência, carregavam inicialmente uma visão utópica do profissional de meio ambiente – alguém que passeia pelos bosques, socorre animais feridos e, após uma breve e amistosa conversa, consegue convencer as pessoas a terem hábitos ecologicamente mais corretos. Não ignoremos que a adolescência é mesmo o palco de grandes sonhos e idéias. Nem nego a influência dos documentários sobre vida selvagem, que cativam bom número de pessoas de todas as idades.
Todavia, da frustração dessas utopias, desse desacordo tácito entre o sonho da defesa do meio ambiente e a prática profissional, emerge à tona a matéria deste texto.

Desenvolvimento:
Evolução, adaptação e artificialização
  • Não é difícil pensar-se como, no decorrer de sua história evolutiva, a espécie humana adaptou sua estrutura biológica a uma série de respostas do ambiente. É conveniente notar como esse processo de adaptação foi responsável, em grande medida, pelas reações estéticas dos seres humanos. Não há quem não ache aconchegante um gramado verdejante, em que corra um riacho, ou uma paisagem aberta com a sombra de algumas árvores para se descansar – ou seja, ambientes propícios à sobrevivência, com fertilidade e água abundante, temperatura adequada às atividades metabólicas e campo de visão propício para se avistar qualquer ameaça que se aproxime. Em contraste, o medo do escuro e o nojo de odores de matéria em decomposição são exemplos de como o perigoso ou o contaminante se tornaram gradualmente avessos ao senso estético humano.
Contraparte, a degradação do ambiente natural torna-se uma grande perda, tanto em relação à nossa moralidade em dizimar dezenas de seres vivos que mereceriam a nossa empatia e respeito, quanto também à perda de qualidade de vida da espécie humana. Digo perda de qualidade de vida e não risco de extinção – como resposta aos ambientalistas mais catastróficos que alardeiam o perigo quanto à supervivência da espécie humana no planeta. 
  • Como sempre, conseguimos sobreviver às mais duras adversidades, mesmo que substituamos os recursos naturais biológicos por recursos artificiais, ao menos na medida suficiente para se garantir a sobrevivência e ordem da sociedade. Porém há um custo, nem sempre evidente, mas muito alto, pois o artificial dificilmente ajusta-se a nossa estrutura biológica (corporal, perceptiva e mental) tão bem quanto o natural. Substituem-se as reservas naturais por praças, os animais por robôs, o ar fresco pelo do ar condicionado, a luz do sol pela da lâmpada, os campos pelo asfalto, o contato humano pelo telefone e inter
net, os legumes e verduras pelo suplemento alimentar, e a lista prossegue indefinidamente. Sem grandes dúvidas, seria mais sensato buscar uma reconciliação com a natureza, enquanto ainda há tempo para alguma reversibilidade – pena que não saibamos a duração desse tempo.
  • No fundo, o que vivenciamos hoje é com fidúcia uma crescente artificialização de nosso ambiente. Ao transportarmos para a cidade uma espécie (nós) criada por centenas de milhares nos campos e bosques, não há como não pensar em um choque estético. Não apenas visual, mas quanto a odores, sensações térmicas, e mesmo ciclos de esforço, descanso, sono, fome e saciedade. Um somatório de todos esses pequenos desajustes, passando também pela interferência na regulação hormonal, leva àquela sensação de que há alguma coisa errada em nossa vida, de que falta alguma coisa. Mesmo que não saibamos exatamente o que é.
Como exemplo, o desejo de retorno ao campo nutre muitos participantes de movimentos de reforma agrária. Sem dúvida, trata-se em grande parte de indivíduos e famílias que não encontraram um sentido pleno para sua vida no meio urbano, e que procuram reorientar suas vidas em uma utopia de reencontro ao ambiente rural. 
  • Nas camadas mais abastadas da sociedade, vis a vis, é muito comum identificar processos de proliferação de casas de campo, chacreamentos, condomínios fechados com características ecológicas e mesmo o aumento na procura por serviços de ecoturismo. São várias faces de uma mesma moeda, em que cada um procura a seu modo saciar aquilo que quase inconscientemente lhe aturde. 
Sob esse aspecto, não posso deixar de destacar que boa parte de meus primeiros companheiros de formação em meio ambiente, após abandonarem essa área profissionalmente, buscaram satisfazer sua demanda por caminhos como os citados acima.
  • Ademais, também vale narrar que esse tema me foi caro, na história de minha vida. Pois, assim que nasci, meus pais optaram por abandonar a vida urbana e buscar uma vida camponesa. Sua principal preocupação era de que o ambiente social nas cidades havia se artificializado demais, e que as pessoas já cresciam e se educavam em um meio com valores tortos. A vida rural seria uma busca por uma vida mais pura, uma convivência sincera e sentimentos compartilhados de forma mais direta e profunda. Tal argumentação não é nova – Jean-Jacques Rousseau já a expusera de forma semelhante em sua obra pedagógica Emílio (ROUSSEAU, 1762). Todavia, em virtude dessa progressiva artificialização do meio social urbano no decorrer da história, as proposições de Rousseau tornam-se ainda mais patentes.
Retrospecção filosófica:
  • Como todo mote que se preza, podemos ainda adentrar mais fundo nesse tópico. A busca humana por um contato, ou uma suposta religação, com o âmago do que a rodeia não deixa de ser um tema instigante. Em uma abordagem escalonada, pretendo analisar esse assunto passando por digressões ancoradas em Marx, Heidegger, Freud e Marcuse.
As ponderações de Karl Marx, em suas obras Manuscritos Econômico-Filosóficos (MARX, 1844) e O Capital (MARX, 1867), assistem assaz o escopo deste texto, pois se referem ao contexto do ambiente de trabalho e da consciência pessoal sobre os processos sociais. Sobremaneira, as dileções sobre a alienação podem lançar luz ante a posição do trabalhador com sua consciência social, tanto diretamente, pelo viés da especialização das tarefas produtivas, quanto de forma indireta, por submeter-se ao ritmo de trabalho e descanso que garanta a reprodução do capital com o mínimo de reflexão sobre o processo como um todo.
  • Como bem observa Antunes (2009, p. 29-30), consequente às transformações do mundo do trabalho nos últimos dois séculos, a alienação/estranhamento moveu-se da mera repartição de tarefas, analisada por Marx, até chegar à compatimentalização do saber e ao despotismo em relação a si mesmo. Esse duplo processo pode ser entendido como interiorização da posição profissional exigida pelas empresas de que o funcionário abra mão de sua subjetividade (e humanidade) para conseguir prosseguir e progredir em sua carreira profissional.
Sobre esse aspecto, a própria exigência de multidisciplinaridade na composição das equipes de meio ambiente já deixa patente a especialização do saber. Com certeza, a boa conjugação dessas especialidades é capaz de trazer bons proveitos aos produtos ora gerados. Contudo, a divisão das tarefas e saberes dificulta bastante a compreensão e contemplação holística dos trabalhos realizados e do meio ambiente como um todo, por parte de cada membro da equipe. Sob o ponto de vista social, essa subjugação do profissional ambiental como uma máquina especializada, em um mercado de trabalho altamente competitivo, acaba por exigir uma dedicação árdua, tanto em termos de carga horária produtiva quanto sob investimento extra em atualização profissional. Resta, pois, pouco tempo para meditar criticamente sobre as questões existenciais individuais e sobre as relações sociais. 
  • Os curtos momentos de descanso e lazer podem então ser consumidos ante os meios de comunicação de massa, sedutores e pouco instigantes à reflexão, de modo a asseverar o quadro de alienação – garantindo a mera recuperação das energias para a continuidade do trabalho. Dessa forma, o ideal profissional, de buscar uma convivência harmoniosa entre os homens destes com a natureza, acaba travestido em estranhamento pelas engrenagens do sistema de trabalho contemporâneo.
Enquanto Marx reflete sobre um plano aplicado ao trabalho, Martin Heidegger aborda a questão de um ponto de vista bem mais abstrato, geral e, digamos, existencial. Em sua obra Ser e Tempo (HEIDEGGER, 1927), Heidegger intenta mostrar que o ser humano procura, como objetivo derradeiro, um contato com o mais profundo do universo e de sua existência – o que denomina de Ser. Se partirmos de uma perspectiva de Natureza que inclua o próprio indivíduo, a espécie humana e o universo exterior em um mesmo conteúdo significante, podemos perceber como o contato com a natureza, objeto deste artigo, foi também o tema central da obra desse filósofo.
  • Em suas obras A Questão da Técnica (HEIDEGGER, 1954) e Poesia, Linguagem e Pensamento (HEIDEGGER, 1971), Heidegger defende que o contato com o Ser é tão mais profundo quanto mais intuitiva e íncola é essa experiência. A percepção e vivências primárias do ambiente, bem como os sentimentos e emoções diretamente associados, seriam o que há de mais próximo a essa proposta, seguidos de perto da experiência artística e poética. Em contrapartida, tentativas contemporâneas de formalizar o conhecimento sobre o mundo, e de dominá-lo pela técnica, seriam caminhos que afastariam cada vez mais o homem de seu contato com o Ser. Nessa perspectiva heideggeriana, torna-se delével como o estudante, pesquisador ou profissional de meio ambiente, em sua busca por compreender os processos ambientais, acabaria por se afastar cada vez mais do ente o que lhe é objetivo último.
Coerentemente a suas proposições filosóficas, as maiores contribuições de Heidegger se deram após longos períodos de retiro em sua casa de campo na Floresta Negra, sua terra natal na Alemanha. A busca pela contemplação existencial na forma de contato com a natureza na Floresta Negra seria uma maneira de acessar o que de outra forma seria tão abstruso pelas vias do conhecimento tradicional.
  • Contudo, será a busca deste contato com a natureza algo realmente alcançável? Ou será apenas uma busca sem fim, como algo sempre adiante na linha do horizonte? Sigmund Freud, em sua obra Além do Princípio do Prazer (FREUD, 1920), procura demonstrar que o sentimento de falta, ou carência, é algo que acompanha o ser humano desde o seu nascimento até o fim de sua existência. Em verdade, a angústia desse sentimento provém, inicialmente, da freqüente não realização dos desejos em realizar as pulsões básicas, tais como volição sexual e alimentação. 
Conforme a mente torna-se mais complexa, essas frustrações e traumas também passam a incluir sentimentos de posse, planos não realizados e problemas complexos de relacionamento ou de auto-aceitação. É sob esse contexto que Freud explica a constatação sobre o ser humano possuir um desejo de retorno conato, o qual pode ser simbolicamente definido como o regresso ao útero materno, ou mesmo como o desejo de sua própria morte – e significa a busca por uma situação ideal em que não haveria mais o desajuste entre desejo e possibilidade de fruição. O que se aventa neste artigo é que a busca pelo contato com a natureza possa, talvez, ser mais uma simbologia desse mesmo processo freudiano, tal como o retorno ao útero.
  • Em seu livro O Mal Estar na Civilização (FREUD, 1929/1930), Freud demonstra que, para a sociedade desenvolver-se ao longo da história humana, foi necessário erigir vários mecanismos psíquicos e sociais que postergassem a realização das pulsões vitais mais primitivas. A estratégia consistiria basicamente em preterir um prazer bruto e imediato, em troca da promessa de um prazer futuro mais refinado. Contemporaneamente, não é difícil enquadrar a proposta de desenvolvimento sustentável dentro dessa estratégia. Afinal, trata-se de um redirecionamento do desejo de lucro imediato, motriz do livre mercado, para uma estratégia que permita uma maior satisfação da sociedade a médio e longo prazo, mormente no que se refere à utilização dos recursos naturais e às externalidades econômicas dos empreendimentos. 
O que não quer dizer que seja um caminho sereno; sem embargo, é justamente esse adiamento das pulsões básicas o que implica um campo de conflitos e consternações, onde querelam empreendedores, profissionais ambientais e representantes dos interesses públicos. Mais ainda, também está longe de ser um jogo de cartas marcadas, com bandidos e mocinhos – em realidade, as contradições de desejos, as angústias e os traumas querelam dentro de cada consciência partícipe do processo. Tal situação, a todo tempo vivida pelo profissional de meio ambiente, é capaz de transformar sua relação com o trabalho em um lide tenso e fatigante.
  • Em todo caso, mesmo que a angústia da falta acompanhe inerentemente o processo civilizatório, isso não significa que não há o que possa ser feito. Como propõe Herbert Marcuse, em seu livro Eros e Civilização (MARCUSE, 1955), a grande questão que se põe para a sociedade contemporânea é a procura modos de organizar-se em que se cause o mínimo possível de carências básicas e, conseqüentemente, traumas e sofrimento. Afinal, embora não possa existir uma sociedade ideal, da satisfação imediata e plena das pulsões, mesmo assim há bastante espaço para que se eliminem certos sofrimentos dispensáveis e que, em muitos casos, nada contribuem para uma recompensa futura. 
O intento de uma sociedade bem organizada, convivendo o mais harmoniosamente possível com o ambiente, seria uma maneira de atenuar, futuramente, o mal estar civilizatório evidenciado por Freud. Mesmo que haja um árduo caminho antes de se atingir esse estágio.

O fiscal do Instituto de Proteção Ambiental do Estado do Amazonas (Ipaam) Francielio Araújo inspecionou  o lixão da cidade peruana de Islândia, cuja toneladas de lixo doméstico e hospitalar está depositado no Igapó e pode se transformar no maior desastre ambiental do Alto Solimões.

Casos e práticas da profissão de meio ambiente:

Como pensar sobre os ideais de preservação do meio ambiente, dentro de um contexto profissional contemporâneo? Um caso emblemático, para refletir sobre essas nuanças, ocorreu durante o derramamento de óleo na Baia de Guanabara, pela Refinaria Duque de Caxias, da Petrobrás, em janeiro do ano de 2001. Ao passo que uma grande equipe de engenheiros ambientais, reunia-se noite e dia envidando o máximo de esforços para solucionar o amplo impacto ambiental que se deparava: bem enquanto isso os holofotes da mídia estavam guardados para outro profissional. Pois eis que um biólogo apaixonado pelos animais apanhou sua toalha de banho, na praia, e começou a limpar o óleo impregnado em uma tartaruga marinha, em uma tentativa desesperada de salvá-la. Era justamente a cena que a mídia mais esperava, para ilustrar as capas de jornais e as manchetes televisivas.
  • Não é de se espantar que os engenheiros ambientais sentissem uma boa fisgada de ciúmes. Afinal, a ação da equipe da Petrobrás estava orientada para um planejamento de larga escala, focando a contenção da mancha que se alastrava. Centenas de animais morreram, e outros milhares foram salvos pela atuação da equipe. Perto disso, a ação do biólogo poderia até se apequenar – todavia, há algo mais complexo na questão. Pois sem a cobertura da mídia, com as cenas chocantes, a opinião pública não demandaria da Petrobrás esforços tão intensos reunia-se noite e dia, envidando o máximo de esforços para solucionar o amplo impacto ambiental que se deparava; bem, enquanto isso, os holofotes da mídia estavam guardados para outro profissional.para a mitigação dos impactos ambientais. Sem a demanda social, não haveria motivos para reunir uma equipe tão prestigiosa, e nem para alocar recursos vultosos para as alternativas técnicas adotadas. Se algo pode ser extraído desse relato, é que a ligação íntima do profissional do meio ambiente com a natureza é o modo de comunicar e se fazer entender com o restante da população.
Contudo, seria simples demais coroar esse pequeno caso com uma moral do estilo: cada personagem (“engenheiros” e “ambientalistas”) tem um papel diferente e necessário a desempenhar na preservação do meio ambiente. Não que isso não possa ser defendido – é até quase óbvio. Mas tal colocação pode levar a não atentarmos para o fato de que os engenheiros ambientais estão com patamares salariais cada vez mais elevados em relação aos biólogos ecólogos, além de serem cada vez mais procurados no mercado de trabalho†
  • As últimas décadas trouxeram um arsenal técnico e tecnológico que aumentou sobremaneira as possibilidades instrumentais das ciências ambientais. Um desses avanços foi, sem sombra de dúvida, a evolução da capacidade de mensurar certos dados físicos e sociais, estruturando-os em grandes bancos de dados. Hoje, há bancos de dados mais completos e bem arquitetados, além de técnicas mais refinadas e sistemas mais eficientes para realizar os trabalhos. Nesse aspecto a matematização, a estatística, a computação, o sensoriamento remoto e os sistemas de informação geográfica trouxeram novas capacidades para a análise dessas estruturas de dados. . Sem dúvida, uma análise das transformações do mercado de trabalho na área de meio ambiente mostra como o ambientalista clássico da década de 70 e 80 foi pouco a pouco cedendo espaço para o perfil de um técnico em gestão ambiental empresarial. Mesmo que os ecos das décadas passadas ainda ressoem na imagem que a população em geral tem do profissional de meio ambiente, é justamente essa rápida mudança um dos fatores responsáveis pelas reflexões trazidas neste texto.
O incremento na potência e popularização da internet, tanto no meio acadêmico quanto profissional, trouxe como conseqüência um novo formato de trabalho. O outrora trabalho de meio ambiente, que consistia apenas em ir ao campo, recolher dados e analisar os resultados, perde muito para as novas possibilidades. Afinal, a rede mundial de computadores permite que se recolham vários dados e trabalhos previamente existentes sobre o local a ser estudado, com informações e análises especializadas já realizadas por outros profissionais. A disponibilidade cada vez maior de fontes de informação sobre cada sítio, em múltiplas escalas de abordagem (do local ao macro-regional), implica em uma progressão exponencial das possibilidades de análise. Além disso, torna-se essencial a constante busca por outros estudos que, mesmo que realizados em outras áreas, apresentam inovações úteis na metodologia a ser empregado no estudo ambiental em foco. Esse diálogo virtual dinamiza os avanços nas ciências ambientais, de forma nunca experienciada dantes.
  • Desse contexto, novos ramos profissionais passaram a ser incorporados nas equipes multidisciplinares de meio ambiente. Ao invés do antigo predomínio de biólogos e geógrafos, começam a tomar importância os economistas, estatísticos, matemáticos, cientistas da computação, analistas de sistemas de informação, dentre vários outros. A principal característica desses novos ramos é a capacidade de analisar informações abstratas e fornecer interpretações originais aos problemas ambientais, a partir de metodologias complexas. A abstração e a quantificação constituem uma senda tentadora para os estudos ambientais, e passam a ser reforçados também na formação dos demais profissionais da área ambiental.
É merecido que se adentre mais nas conseqüências dessa tendência, no que tange à vivência laboral do profissional de meio ambiente. A abstração simplifica e, em parte, iguala os entes. Assim, não se estuda a realidade em si, diretamente, e sim um modelo abstrato.
  • Nesse mesmo aspecto, passa-se de um meio ambiente absoluto (real) para um meio ambiente relativo (abstrato). Essa abstração é, a priori, necessária para que os dados possam ser trabalhados matematicamente, como, por exemplo, na álgebra cartesiana, na teoria de grafos, entre outras. Contudo, é exatamente no tocante à abstração e quantificação que se torna explícita a crítica heideggeriana sobre o afastamento do indivíduo em relação à realidade. Por trabalhar praticamente a partir de números e dados indiretos, o profissional perde o contato direto com o ambiente que está sendo estudado. Esse distanciamento vai em claro embate às expectativas utópicas dos jovens profissionais da área ambiental – contribuindo bastante para a desilusão quanto a essa profissão.
A proficuidade ou não do contato com o ambiente estudado foi um tema de debate freqüente na Geografia. As reflexões tecidas nesses debates também podem ser aplicadas aos demais campos acadêmicos e profissionais que estudam o meio ambiente. No decorrer do século XX, houve correntes afeitas a metodologias teorético-quantitativas a sugerir que, com o advento das tecnologias de sensoriamento remoto, o profissional moderno pode ocupar-se menos em realizar trabalhos de campo. Além do sensoriamento remoto, mesmo o auferimento dos demais dados in loco é realizado cada vez mais por estações de registro automatizado e telemetria, dispensado a maior parte da necessidade de profissionais de campo. Contudo várias vozes se levantaram a defender ressalvas e bom senso, visto que a experiência direta da realidade nos apresenta uma visão especial de um cenário, fornecendo informações diferentes e complementares às do sensoriamento remoto e demais dados quantitativos.
  • Mesmo nos estudos de ciências humanas que se adentram na área ambiental, enfocando pesquisas sociológicas e psicológicas, o contato com o ambiente também costuma passar por relegado. Isso se deve, em parte, pelas ciências humanas comumente darem menos atenção ao aspecto morfológico (visível, empírico), para se debruçarem mais sobre as estruturas‡
Consensualmente, o contato direto de campo apresenta-se como importantíssimo para checar a veracidade das hipóteses levantadas seja por análises quantitativas, seja por sensoriamento remoto e telemetria, seja pelo estudo das estruturas sociais. Nesse aspecto, cabe a recomendação de Immanuel Kant, em sua Crítica da Razão Pura (KANT, 1781), de que a experiência empírica é fundamental para nos lembrar da complexidade do real, fugindo do perigo de, pelos caminhos da abstração dialética, afastarmo-nos da veracidade. (geralmente não visível, incluindo o aspecto subjetivo). A estrutura, sem relegar a importância de sua investigação, possui sua análise bastante incitada por fatores socialmente contextualizados, inclusive ideológicos, sobre os quais suscitam controvérsias entre as várias correntes acadêmicas. 
  • Por isso, a maneira de analisar as estruturas altera-se bastante com o decorrer da história da humanidade. Por outro lado, quanto à morfologia, como aparência visível, existe um maior acordo, embora haja as diferenças de análise e classificação de paisagens, com o seu próprio desenvolvimento histórico. E mesmo no estudo humanista strictu sensu, a vivência com as pessoas do meio pesquisado, aliada à experiência estética direta em meio à natureza circundante, é capaz de manifestar um enredamento de nuances que de outra maneira não poderiam ser apreendidas pelo profissional.
A discussão kantiana empreendida em seu livro Crítica da Faculdade de Julgar (KANT, 1790) encontra uma frutífera atualidade no cenário contemporâneo das ciências ambientais. Nessa obra, Kant procura conciliar a experiência estética e intuitiva da natureza com o método cientifico, de maneira a conjugar a causalidade da física com a teleologia implícita dos sistemas naturais. O duplo método de investigação da natureza, proposto por Kant, envolve o juízo reflexionante (observação intuitiva da natureza) de maneira complementar ao determinismo causal (experimentação empírica da Física, por meio de categorias abstratas). Proponho que essa teorização kantiana pode ser aplicada ao cenário científico contemporâneo, indicando uma complementaridade possível entre as ciências de molde sistêmico e a ciências quantitativas. 
  • As ciências de cunho sistêmico (mais ligadas ao juízo reflexionante) se preocupam mais com a percepção da interação entre elementos identificados em objetos de estudo dinâmicos e complexos, baseada em pressupostos tais como os que Kant atribui à Natureza (teleologia, unicidade, harmonia, entre outros) por meio do juízo reflexionante. As ciências quantitativas, por sua vez, podem beneficiar-se da grande capacidade técnica atual em agregar dados primários e estabelecer padrões a partir desses dados. Assim como o duplo método de investigação proposto por Kant, as ciências ambientais só têm a ganhar na conjugação entre as abordagens sistêmica e quantitativa, pois enquanto a aquela consegue fornecer uma intuição geral para o estabelecimento de hipóteses, a segunda impetra a comprovação de fato sobre a veracidade ou não dessas hipóteses, confrontando-a com os dados empíricos reais.
Apesar de o contato direto com o meio estudado ser até apontado sem grandes cizânias como uma etapa importante dos estudos ambientais, a prática nem sempre condiz com essa preocupação. Pois a disponibilidade de recursos humanos e financeiros, bem como os critérios de sua alocação, acabam restringindo a possibilidade de trabalhos de campo, quando muito, a dois pequenos períodos: um no início da pesquisa, de modo a ter um contato preliminar e a recolher dados primários; e outro no fim, para confrontar os resultados das análises com a realidade de campo. Entre esses dois momentos, passam-se meses ou até anos em trabalho analítico de escritório e laboratório.
  • Ademais, mesmo os trabalhos de campo realizados costumam arregimentar apenas uma pequena parcela das equipes de trabalho – normalmente os chefes de equipe ou profissionais cujo trabalho é orientado a análises de campo. Apesar de nem sempre serem tão relevados no ambiente de trabalho, para o escopo deste texto é importante chamar atenção à angústia por que passam os milhares de estagiários ao expender seus contratos de trabalho elaborando tabelas e mapas sobre ambientes aos quais nunca experienciaram diretamente. Essa dicotomia de construir uma representação abstrata de um objeto ao qual o indivíduo não conhece, é um exemplo emblemático do processo de alienação no trabalho, proposto por Marx. Esse deve ser, deveras, um dos maiores motivos para o descontentamento com a profissão de meio ambiente, após esse primeiro contato profissional que é o estágio.
Outras Reflexões:
  • O descontentamento, e até desistência, quanto à atividade profissional da área ambiental é sem dúvida uma questão complexa. Neste texto, propôs-se mostrar como uma difundida preocupação e desconforto oriundos das alterações antrópicas ao ambiente em que vivemos podem ser uma abordagem profícua para analisar a matéria apresentada. Contribuições teóricas de Rousseau, Marx, Heidegger, Freud, Marcuse e Kant podem abrir novas possibilidades de interpretação sobre o problema, conectando os aspectos existenciais humanos até as questões sociais, técnicas e trabalhistas. A busca do contato com o ser, o lide com as pulsões de prazer, os processos de alienação e, também, a interação entre estética e conhecimento técnico-científico são elementos profícuos para aprofundar-se sobre essa questão.
As tendências das últimas décadas no trabalho ambiental mostram como têm sido valorizados cada vez mais a busca, o compartilhamento e a gestão de informações indiretas sobre o meio ambiente. Nesse aspecto, também são valorizados estudos mais e mais especializados, que lançam mão da capacidade de abstração e matematização, para trabalhar com o volume de dados ora disponíveis. Tais tendências possibilitam um inegável salto de produtividade e qualidade dos produtos gerados.
  • Contudo, ainda é mandatória uma preocupação com o profissional de meio ambiente, enquanto ser humano, em sua relação com a atividade laboral. Podem-se pensar vários caminhos para contornar o perceptível desconforto, tensão e estranhamento constantemente relatados nos ambientes de trabalho em foco. 
A principal alternativa, que se depreende da argumentação exposta neste texto, é oferecer a possibilidade para que o profissional reflita mais profundamente sobre as relações entre o seu trabalho, a sua vida pessoal, a sociedade em que vive e a preservação do meio ambiente. Uma consciência mais clara e constante das causas e conseqüências de suas atividades profissionais é capaz de converter as dificuldades e angústias do trabalho em desafios para se alcançar objetivos tão nobres e, por isso mesmo, intimamente estimulantes.

O Técnico realiza estudos para a preservação do meio ambiente