segunda-feira, 3 de agosto de 2015

Justiça Social, Meio Ambiente e Globalização

Justiça Social, Meio Ambiente e Globalização
  • Este artigo, elaborado a partir do conteúdo programático desenvolvido no Programa de Pós graduação em Gestão em Negócios Sustentáveis do Laboratório de Tecnologia, Gestão de Negócios & Meio Ambiente (LATEC), da Universidade Federal Fluminense (UFF), trata de aspectos sociais, políticos e econômicos que, abordados, sob um olhar historiográfico, justificam a proposta do programa de ações, que aqui se propõe, com o fim de contribuir ao desenvolvimento sustentável da Área de Preservação Ambiental Urbana I (APAU I) de Niterói, a qual compreende os bairros da Boa Viagem, Gragoatá e São Domingos do Município de Niterói, Estado do Rio de Janeiro.
Nosso propósito é levantar fatos ocorridos e situações que se configuram em âmbito internacional – que, sob certa ótica, confunde-se com a noção de esfera global –, apresentando-se, segundo o que aqui se defende, como condições para se chegar à compreensão sócio-ambiental da espacialidade urbana que se experimenta contemporaneamente, e que se assenta nos fundamentos da adoção de políticas públicas e justificam projetos de empreendedorismo envolvendo agentes sociais diversos, resultados de reflexão acadêmica e da observação empírica da vida urbana da localidade.
  • Buscaremos mostrar, apoiados no pensamento crítico de teóricos que abordam o tema da pós-modernidade e dos que se preocupam com os problemas sociais e ambientais urbanos em meio ao processo de globalização, tais como Jameson, David Harvey, Stuart Hall, Boaventura de Sousa Santos, David Held e Antony McGrew, entre outros, motivos que justificam a proposição do programa de ações apresentado diante da realidade vivida nos limites dessa região geográfica, em face das características e tendências do atual momento da civilização.
Além da consulta aos autores mencionados, também foram levantados dados para a elaboração do programa de ação, propriamente dito. Esses dados foram obtidos por meio de pesquisa em bibliografia específica sobre a região; no Plano urbanístico para a região das praias da Baía da Guanabara (Lei Municipal 1967, de 04 de abril 2002), em observação de campo e em entrevistas com acadêmicos e autoridades locais. A metodologia de trabalho para a criação do programa partiu da identificação das demandas da área urbana em estudo, entendendo-se que, ao serem supridas e articuladas de forma orgânica, estar-se-ia contribuindo para a promoção do desenvolvimento sustentável da região.
  • Não se pretendeu, aqui, tão-somente uma perspectiva teleológica, que visasse a apontar causas e conseqüências que justificassem a adoção de certo tipo de empreendimento, mas um exercício reflexivo crítico e honesto, que, traçando uma espécie de genealogia de atos e atores que influenciaram inexoravelmente os rumos da historia da civilização humana em nosso Planeta nas últimas décadas, consolidando o fenômeno da chamada “Globalização”, pudessem contribuir para a interferência responsável no espaço urbano (por meio de políticas públicas e da iniciativa privada) como estratégia de se alcançar uma distribuição racionalizada de produção e recursos econômicos, que favorecessem a diminuição das desigualdades sociais e da crise ambiental, que puderam ser identificadas na região estudada.
O problema que se apresentou como ponto de partida para o desenvolvimento deste trabalho, portanto, foi a discussão em torno da constatação da crise ambiental e social da APAU em estudo e do aparente desinteresse da administração pública, da iniciativa privada e da sociedade, em geral, no sentido de promover uma política de desenvolvimento sustentável aplicável à região.
  • Dizemos “aparente” como um dos pontos que mereceram nossa especial atenção, posto que, aos nossos olhos, parecia se configurar uma verdadeira política de omissão e não um descaso ingênuo e despretensioso. E foi, a partir dessa premissa, que descobrimos haver legislação específica para a região, que, contemplando as diretrizes constitucionais, em conformidade com as normas internacionais atinentes ao meio ambiente, ao progresso econômico e social dos povos, ou seja, ao dito desenvolvimento humano, não era definitivamente aplicada.
Esta questão provocou nossa curiosidade e instigou a nossa pesquisa, acabando por se desdobrar em tantas outras perguntas quantas pudessem ser pensadas no afã de entender por que uma região tão nobre, do ponto de vista histórico-cultural, tão rica, sob o aspecto natural, tão eclética, no que diz respeito ao humano, e com grande potencial econômico, enfrentava problemas tão essenciais quanto a falta de segurança publica, a irregularidades do uso e ocupação do solo, a grave deterioração do patrimônio arquitetônico e natural, a profunda pobreza de grande parte de sua população, etc... Assim, partimos do pensamento do geógrafo David Harvey (1980), que afirma que para se alcançar fins socialmente justos é preciso que os meios também o sejam. Por conseguinte, a justiça social, entendida de forma ampla, como a garantia do direito à dignidade da pessoa humana e de seu meio ambiente, foi, no desenvolvimento desse trabalho, o principal norteador, tanto no que diz respeito à sua justificação teórica, quanto como fim a ser perseguido na propositura das ações a serem empreendidas nessa área urbana.
  • O mesmo Harvey, no entanto, nos advertia para a impossibilidade de se atender a tais propósitos no contexto contemporâneo, uma vez que, segundo o autor, o sistema capitalista perverte qualquer tentativa de justiça na distribuição de recursos, favorecendo interesses específicos do sistema, o que resulta na contradição do processo dessa produção racional, acabando por provocar a exacerbação da pobreza e as crises ambientais.
Posto que fossem evidentes a pobreza e a crise do ambiente da APAU, sentimo-nos compelidas a investigar se o que víamos ali, naquela localidade, resultava – a priori, paradoxalmente - do processo de desenvolvimento em curso na sociedade capitalista, como meio de reagir ao quadro de decadência vertiginosa ao qual assistíamos.
  • Resolvemos, então, nos debruçar sobre certos aspectos que caracterizam a sociedade capitalista contemporânea - para muitos, denominada pós-moderna. Nesse exercício, o primeiro desafio era decifrar o “enigma da esfinge” da Globalização, buscando explicar como o fenômeno, aparentemente alheio ao nosso campo de observação, podia dialogar com o quadro de devastação ambiental e de exclusão social com o qual nos defrontávamos. Com isso, esperávamos não só encontrar respostas para nossos questionamentos, mas, acima de tudo, reunir elementos para elaborar um programa de ações robusto e consistente que, atendendo às demandas sócio-ambientais daquela Área de Preservação do Ambiente Urbano, pudesse contribuir para o seu desenvolvimento sustentável.
A Globalização e a Questão Ambiental:
  • Para se entender a sociedade no contexto do capitalismo contemporâneo é sine qua non entender o fenômeno da globalização. Dizemos “fenômeno”, pois a tentativa de definição do conceito em si seria infrutífera aos nossos propósitos. 
De acordo com David Held e Antony McGrew (2000), seria impossível adotar um conceito único e universal para globalização, sendo certo que este abarca desde o sentimento de encolhimento do mundo, provocado pela erosão das fronteiras e barreiras geográficas, mediante o avanço da tecnologia de transporte e de comunicação, até o processo crescente de interdependência, enquanto intensificação do entrelaçamento entre economias e sociedades nacionais e regionais, de modo que os acontecimentos ocorridos em certo lugar geram impacto em outros geograficamente distantes. 
  • Aqui, adotamos o entendimento segundo o qual a globalização é a consubstanciação do capitalismo contemporâneo. É um fenômeno gerado pela dinâmica do capitalismo que envolve a integração global da economia, a organização transnacional da industria e a ampliação de mercados para os países do Primeiro Mundo, cujos mercados internos já estão saturados. Neste sentido, a globalização é encarada, por alguns cientistas políticos, como o movimento dos países desenvolvidos em direção às demais nações. com o fim de impôr sobre elas sua hegemonia econômica, política e cultural.
E é por este motivo que a elaboração e realização de nosso projeto imprescindível da reflexão proposta: não podemos pensar a realidade de uma Área de Preservação Urbana se negligenciamos questões de caráter político-econômico, e até cultural, que, sob a insígnia da globalização, incidem sobre a comunidade e seu modus vivendi, ou ainda, sem entender em que medida as decisões tomadas e os fatos ocorridos em espaços aparentemente distantes implicam os problemas sociais e ambientais enfrentados pelos seres vivos que habitam a APAU, e quais as ações a serem tentadas na busca de um novo paradigma de vida urbana que ofereça como alternativa ao que se coloca como referencial civilizatório no contexto da sociedade global do capitalismo.
Diz Ianni:
A globalização do mundo expressa um ciclo de expansão do capitalismo, como modelo de produção e processo civilizatório de alcance mundial. Um processo de amplas proporções envolvendo nações e nacionalidades, regimes políticos e projetos nacionais, grupos e classes sociais, economias e sociedades, cultura e civilizações. Assinala a emergência da sociedade global, c omo uma totalidade abrangente, complexa e contraditória... (1997, p.7).
Para David Harvey e Frederic Jameson, para quem “globalização e pós-modernidade são o mesmo fenômeno” (Natusch, 2011), uma nova fase do capitalismo teria suas origens vinculadas à crise dos anos setenta e falência do sistema Bretton Woods. O Sistema Bretton Woods foi resultado de um acordo internacional firmado após a Segunda Guerra Mundial, envolvendo as nações vitoriosas da guerra e as devastadas potências do eixo, o qual propunha uma nova ordem econômica fundada na solidariedade entre os Estados nacionais. Pode ser considerada como o primeiro exemplo, na história mundial, de uma ordem monetária totalmente negociada e da emergência de uma nova mentalidade de política econômica internacional, a qual se fundamentava na criação de mecanismos diplomáticos e comerciais para aproximar cada vez mais as nações uma das outras, com o objetivo comum de salvaguardar o futuro da humanidade.
  • Neste sentido, destacamos este episodio como uma espécie de precursor da globalização moderna, como sintoma da consciência, que se consolidaria ao longo das próximas décadas, de que o mundo ingressava em uma nova era e de que o destino de cada Estado nacional, a partir de então, encontrava-se inalienavelmente inter-relacionado ao dos outros no contexto global planetário. Essa interdependência é amplamente experimentada na tensão estabelecida em torno da crise do petróleo, deflagrada em 1973, que tem como uma de suas conseqüências o declínio do sistema Bretton Woods.
De fato, os anos 70 foram de grande importância para os rumos da humanidade. Em face à pressão da recém criada OPEP às regras da política monetária internacional, o Sistema de Bretton Woods é suspenso pelo então presidente norte-americano Richard Nixon. As nações periféricas, entre as quais, o Brasil, vêem, por sua vez, seu processo de desenvolvimento estancado pela escassez do petróleo, tendo que recorrer aos empréstimos internacionais, capitaneados pelos Estados Unidos. Estes, então, passam a exercer ostensivamente sua hegemonia sobre o mundo ocidental, mitigando a soberania dos demais Estados nacionais. 
  • Neste momento, observa-se a marcha acelerada do processo de globalização. A ameaça à vida no Planeta tornou-se iminente em face à crise internacional, que começava a ser sentida como planetária. 

A especulação econômica tem gerado as grandes mazelas deste século. A busca incessante por lucros é a causa direta da dilapidação dos recursos naturais e o aumento da miséria.

Meio Ambiente, Globalização e Capitalismo:
  • No bojo desses acontecimentos, os movimentos de defesa da ecologia e do meio ambiente, cujo marco havia sido a publicação do livro “Primavera Silenciosa” (1962), da americana Raquel Carson, também ganharam fôlego. Os militantes dos movimentos ambientalistas e a Organização das Nações Unidas (ONU) - que havia sido criada em 1945, entre outras finalidades, com o objetivo de promover a paz mundial, o desenvolvimento econômico e social - mobilizam esforços para preservar a qualidade da vida na Terra, ameaçada pela ganância da lucratividade capitalista. 
O primeiro evento foi a Conferência das Nações Unidas Sobre Meio Ambiente (1972), conhecida como Conferência de Estocolmo. Neste evento, a devastação da natureza foi denunciada e se deliberou que o crescimento humano precisaria ser repensado imediatamente (Pedrini, 1998). Nesse encontro, foram elaborados dois documentos: a “Declaração Sobre Meio Ambiente Humano” e o “Plano de Ação Mundial”. Mas se a preocupação com o meio ambiente já era uma realidade no âmbito dos países desenvolvidos, os quais já suportavam os efeitos da industrialização desmedida, nos países periféricos ela só começaria a ganhar contornos mais definidos na década da seguinte. 
  • No Brasil, é importante ressaltar, a Constituição Federal de 1988, a “Constituição Cidadã”, dedica o artigo 2257 ao Meio Ambiente, garantindo a todos o direito ao meio ambiente equilibrado e impondo ao Poder Público e à coletividade a responsabilidade sobre a sua proteção. E, além disso, consagra, em seu artigo 170, inciso VI, a defesa do meio ambiente como um dos princípios que regem a ordem econômica, integrando a função social da empresa. A importância conferida à questão no texto constitucional soava como a adesão definitiva do Brasil às preocupações ambientais globais. O que estava em pauta agora era a salvação era a salvação da vida no Planeta, e este ideal deveria ser praticado pelo poder público, pelo empresariado, a sociedade organizada e por cada cidadão.
A chamada Agenda 21, um dos principais resultados da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (CNUMAD), também conhecida por ECO-92, realizada em 1992, no Rio de Janeiro, passou a ser uma referência valiosa no que tange às questões ambientais, à justiça social e à economia. Em seu texto de apresentação, lè-se:
A agenda 21 é um programa de ação, baseado num documento de 40 capítulos, que constitui a mais ousada e abrangente tentativa já realizada de promover, em escala planetária, um novo padrão de desenvolvimento, conciliando métodos de proteção ambiental, justiça social e eficiência econômica. (CONFERENCIA DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO, 1996).
Entretanto, até a presente data, os problemas relativos a esses temas, em especial, as dificuldades de conciliação entre meio ambiente/justiça social e interesses econômicos não tiveram termo. As conferencias e os acordos internacionais em torno da questão se sucedem. A exemplo disso será realizada nos próximos dias 20 a 22 de junho deste ano de 2012, aqui, no Estado do Rio de Janeiro, a “Rio+20”, conferencia das Nações Unidas a qual inclui entre os principais temas a “Economia Verde” no contexto do desenvolvimento sustentável e da redução de pobreza e desigualdades. Todavia, para o sociólogo português Boaventura de Sousa Santos, um dos fundadores do Fórum Social, a proposta da “Economia Verde deve ser somada a movimento contra a globalização, pois, segundo ele, trata-se, na verdade do que classificou como "Capitalismo Verde" (Davis, 2011).
  • Na opinião de muitos ambientalistas, estamos diante de uma falácia construída em cima do mito de salvação do planeta, que sustenta plataformas políticas, o enorme potencial de negócios da economia verde e mascara os impactos ambientais e humanos da globalização.
Em Busca de Soluções Locais: 
Um Programa de Ações para a APAU I 

A despeito da impossibilidade de se mensurar os efeitos da globalização, uma questão deve ser registrada como ponto de destaque nesse debate: os impactos da globalização não são homogêneos; afetam de maneira diferenciada países, regiões e grupos sociais. Em outras palavras, a globalização é efetivamente um processo irregular e não vivido nem experimentado de maneira indistinta pelas populações. Por outro lado, observa-se, na sociedade contemporânea, a fragmentação do sujeito e, por conseguinte, a construção da identidade coletiva fundada nas tradicionais referencias territoriais/geográficas, ou ainda em paradigmas unificadores, como os que se referem à nação, região, crença, etc.. é relativizada.
  • Em A Identidade cultural na Pós-Modernidade, Stuart Hall (2003) avalia o processo de descentramento dos quadros de referências que ligavam o indivíduo ao seu mundo social e cultural. Tais mudanças, segundo Hall, teriam sido causadas, sobretudo, pelo fenômeno da globalização. Mostra como tal fenomeno afeta a relação entre o sujeito e sua identidade nacional, apontando algumas formas de ele reagir diante desta. Entre elas, identifica-se a tendência do retorno do sujeito ao seu lugar próprio, em busca de suas raízes, de causas que lhe digam respeito de forma mais direta e imediata, que fortaleçam seu senso de pertencimento a um grupo social e possam constituir sua identidade cultural.
Embora não se defenda aqui a radicalização desse sentimento, que pode favorecer o racismo cultural e a xenofobia, consideramos que o retorno do homem às suas raízes, o resgate de sua memória social e a interação deste com o seu meio ambiente podem ser úteis, sim, para a reconstrução da identidade do homem face à globalização.
  • E o nosso projeto caminha nessa direção. Ou seja, partimos da identificação das características ambientais da APAU como método de se alcançar o uso responsável do meio ambiente, leia-se comprometido com o equilíbrio e a qualidade do ambiente urbano, e, como contrapartida, favorecer a inclusão da população desassistida da região.
Nosso projeto tem como escopo de promover o desenvolvimento financeiro e econômico dessa população com o aproveitamento dos recursos disponíveis na região, sem devastá-los, ao contrário, preservando-os e multiplicando-os. Ao mesmo tempo, tem como fim o favorecimento da melhoria do ambiente urbano e, conseqüentemente, da qualidade de vida da população, não só presente como futura. Funda-se, portanto, na idéia de desenvolvimento sustentável, harmonizado com o plano de metas e ações estabelecido pela Agenda 21, em consonância com os princípios fundamentais asseverados na CF88 e na Lei Municipal 1967, de 04 de abril de 2002, que dispõe sobre o plano urbanístico da região das praias da Baía da Guanabara, na qual se insere a APAU de São Domingos Gragoatá e Boa Viagem.
  • Esta legislação encontra-se plenamente harmonizada com os indicadores da Agenda 21 e os princípios constitucionais no que diz respeito à matéria.
Em seu, artigo 1º e incisos, estão expostas as diretrizes a serem observadas em sua aplicação:
I - pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade;
II - garantia do bem-estar de seus habitantes;
III - adequada distribuição da população, das atividades sócio-econômicas e dos equipamentos urbanos e comunitários, ao espaço urbano;
IV - integração e complementaridade das políticas de uso e ocupação do solo, meio ambiente, habitação, saneamento básico, transportes e sistema viário, serviços públicos, equipamentos urbanos e comunitários;
V - ordenação e correção da expansão urbana;
VI - proteção, recuperação e uso sustentável dos recursos naturais;
VII - proteção e recuperação do patrimônio histórico, artístico, turístico, cultural e paisagístico;
VIII - integração das áreas de ocupação informal à cidade formal;
IX - adequação do direito de construir à função social da propriedade;
X - aplicação de instrumentos de política urbana que regulam o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental.
Neste Plano Urbanístico, encontram-se, além da definição de Área de Preservação do Ambiente Urbano, a classificação das regiões da cidade por várias espécies de áreas de interesse. Tais como de interesse ambiental, paisagístico, turísticos, sociais, de proteção permanente, entre outras. Sobre Área de Preservação do Ambiente Urbano, tem-se, no inciso XIII do artigo 2º: 
XIII - Área de Preservação do Ambiente Urbano (APAU): área que visa proteger e conservar espaços de ruas, praças e outros logradouros, bem como a volumetria e as características arquitetônicas das edificações em geral, em locais que testemunham a história da formação da cidade;
Mais adiante, em seu artigo 27, vem arrolada uma inumerável quantidade de imóveis de interesse de preservação total e parcial, que indicam a vocação turística do local e a necessidade de se garantir os meios de preservar este patrimônio arquitetônico.
  • Pode-se observar ainda o enquadramento da região em diversas das classificações propostas. Tais como: área de interesse ambiental; de preservação ambiental, de interesse turístico, de paisagístico, etc., em razão de seus logradouros, paisagem natural, características urbanas, etc. Assim, já com base na Lei, podemos notar o valor que representa para o Município e o seu potencial de sustentabilidade. Todavia, não é isso que se observa, mas um quadro de devastação do ambiente natural, de abandono do patrimônio arquitetônico e de precariedade habitacional e de pobreza.
Neste sentido, buscou-se criar um novo paradigma de economia produtiva que fosse lucrativa, mas que se voltasse, sobretudo, para o incentivo à participação do jovem e do adulto na revitalização de seu meio ambiente, que, entre outros objetivos, favorecesse o fortalecimento ao senso de pertencimento ao seu local de origem e a valorização da memória social da comunidade.
  • O fato de não compartilharmos de forma ingênua da crença falaciosa de que iremos salvar o Planeta não nos absteve de oferecer nossa contribuição para reverter o quadro de insustentabilidade ambiental e social identificados no espaço urbano em estudo. Assim, nossas pesquisas sobre o campo onde seria desenvolvido o programa de ações buscavam identificar suas principais características urbanísticas, históricas, culturais e sociais.
Com base nesses dados, e seguindo os princípios da justiça social e da proteção ao meio ambiente, elaboramos o seguinte programa de ações que tem como fim, em primeira instancia, na habilitação do jovem e do adulto para o trabalho. Inicialmente, esta formação seria oferecida em três áreas, de acordo com as demandas próprias da APAU: curso técnico em conservação e restauro; curso técnico de guia de turismo e curso técnico em agricultura urbana e jardinagem. 
  • O espaço escolhido como sede dos trabalhos foi o Solar do Jambeiro, prédio histórico usado pela administração pública e também aberto à visitação pública; cujo Morro, coberto pela Mata Atlântica, classifica-se como Área de Preservação Permanente (Artigo 7º, VIII da Lei 1967/02); que conta com farto espaço para o cultivo de plantas, incluindo um orquidário, e onde funciona atualmente o departamento responsável pelo patrimônio arquitetônico municipal, Estes cursos, apesar do caráter técnico, dialogariam entre si, de modo a promover a formação interdisciplinar e ampliada desses profissionais. Assim, se para o aluno do curso de turismo, a disciplina de historia seria essencial, para o de conservação e restauro poderia ser dispensável, mas, nesta proposta, seria necessária, tendo em vista a importância de se fortalecer a identidade da localidade. 
Entendemos, porém, que a capacitação para o trabalho não seria suficiente para garantir a inclusão desses alunos no mercado de trabalho. Daí, a idéia de se criar o banco de empregos, mantido preferencialmente pelo poder público, a fim de dar continuidade ao processo de integração desse jovem ou adulto na sociedade, sendo certo que ele, em algum momento de sua formação (ou mesmo depois de diplomado), atuaria na própria APAU, desenvolvendo as atividades pertinentes ao seu curso. Tais como:
  • Cultivo de mudas com plantas característica da localidade (mata atlântica);
  • Recuperação da mata atlântica;
  • Encarregar-se da jardinagem dos logradouros;
  • Criar horta e cultivo de hortaliças e plantas medicinais em espaço urbano (inclusive com a técnica hidropônica);
  • Auxiliar o trabalho de conservação e restauro patrimonial realizado na APAU;
  • Criar ponto de venda de plantas e afins;
  • Servir de guia de turismo em trajeto, partindo do MAC, dentro da própria APAU, com ênfase no turismo cultural;
  • entre outras possibilidades.
A Dificuldade:
Interesses e Contradições do Capitalismo: 
“É salutar atribuir responsabilidades centrais ao Estado no exercício das funções públicas de urbanificação, pois a iniciativa privada, principalmente nas atividades e interesses que giram em torno do mercado, rege-se por lógicas que dificilmente fogem da idéia de lucro.” Afirmam Franzoni e Luft (2012), prosseguindo no raciocínio: “Já o Estado deve ter sua atuação norteada por objetivos que suplantam o mero interesse econômico. Existem necessidades e interesses públicos outros a partir dos quais ele deve direcionar suas ações e políticas.”
Mas, aqui, cabe retomar a questão central de nossas reflexões: até que ponto os interesses que regem o sistema capitalista se impõem como padrão hegemônico e se desdobram na promoção da necessária desigualdade social e no uso irresponsável do meio ambiente (com o fim no “Capitalismo Verde”)? Diga-se de passagem, está prevista para este mês a revisão do Plano diretor da região das praias da baía pela Câmara Municipal de Niterói. 
  • O poder público que, segundo Harvey (1980), teria que garantir a efetividade do atendimento às necessidades da comunidade, exime-se de seu papel e desenvolve uma política pública de manutenção do status quo e do sistema vigente, atendendo aos interesses capitalistas, o quais impedem a promoção da justiça social e do respeito em relação ao meio ambiente, impossibilitando, inclusive, a realização de projetos, que, como este, são elaborados em cima de pesquisas acadêmicas sérias no âmbito da Universidade. . 
Cabe aqui lembrar a opinião de Antonio Negri, que, em seu livro "Império" (HARDT, 2001), defende que diante da nova realidade sócio-política do mundo, organizada em rede e não mais em uma hierarquia verticalizada, as entidades não governamentais encontram maior poder de mobilidade e ação do que as tradicionais, dentre as quais se destacam a administração pública. Mas, seja como for, se há algo a ser tentado, este projeto prevê a possibilidade de interação entre o poder público, sociedade organizada e iniciativa privada, no exercício de sua função social. 

Outras Considerações:
  • Apesar da impossibilidade de se determinar a sua extensão e se chegar a um conceito universal para o termo, podemos afirmar que a globalização não é um fenômeno abstrato, que acontece ao largo da vida das pessoas, mas, ao contrario, está intrinsecamente à práxis humana, incidindo sobre o modus vivendi de uma coletividade, os impactos ambientais e sociais nela observados, enquanto resultado espontâneo decorrente da evolução do sistema capitalista na sociedade contemporânea (para alguns, pós-moderna).
Também é certo dizer, em linhas gerais, que, mediante tal fenômeno, experimenta-se o sentimento de dissolução das fronteiras geográficas e interdependência das nações, pari e passo ao avanço tecnológico, ao processo de transnacionalização da economia, à relativização da identidade cultural dos povos, ao aumento das desigualdades sociais, e à degradação ambiental. E que, neste contexto, deliberações e fatos ocorridos em espaços alheios repercutem sobre a esfera local.
  • Neste sentido, acontecimentos verificados no campo da política econômica e ambiental em âmbito internacional que tiveram impacto em todo o mundo e favoreceram a consolidação da globalização, entendida na acepção emergente no século XX/XXI, foram aqui considerados em perspectiva histórica, na tentativa de se buscar elementos para se entender as dificuldades ambientais e sociais enfrentadas na APAU I de Niterói, de modo a se chegar a possíveis caminhos a serem percorridos na elaboração de nosso projeto. O primeiro deles foi o caminho da “justiça social”.
A justiça social foi o valor que orientou nossas reflexões, apresentando-se como meta a ser alcançada na realização do plano de acoes proposto para a região. Este intuito foi corroborado pela recorrente preocupação que encontramos expressas no texto de apresentação da Agenda 21, no qual se observa a busca em “promover, em escala planetária, um novo padrão de desenvolvimento, conciliando métodos de proteção ambiental, justiça social e eficiência econômica.”, sendo ainda ratificado pelo tema escolhido pelo tema que deu título ao último Forum Social Temático, que aconteceu em Porto Alegre: Temático "Crise Capitalista, Justiça Social e Ambiental". 
  • Nota-se que a dificuldade de se compatibilizar capitalismo, justiça social e proteção ao meio ambiente é fator de inquietação geral. Isto porque, de acordo com o pensamento de David Harvey, o atendimento com os interesses específicos do capitalismo conflita com esses princípios, o progresso nos moldes capitalista implica a contradição de exacerbação da pobreza e das crises ambientais. Entende-se, portanto, que o uso irresponsável dos recursos e a desigualdade social são intrínsecos ao sistema. Desse modo, a APAU I de Niterói não poderia fugir à regra. Também aqui se observam as contradições entre meio ambiente/justiça social e capitalismo. 
O fato de ser esta uma área urbana de grande potencial de auto-sustentabilidade e apresentar problemas humanos e ambientais tão graves, tais como uso e ocupação inadequados do solo, devastação da flora nativa, ausência de segurança pública, desemprego da população em idade produtiva, etc., para nós, pode ser explicado por esse conflito de interesses: existe um plano de urbanístico aplicável à região (Lei 1967, de 04 de abril de 2002), plenamente coerente com os princípios internacionais e constitucionais que se referem às matérias em tela, e, no entanto, não se observa iniciativa no sentido de realizá-lo, de maneira a alcançar as diretrizes que a própria Lei prevê em seu artigo 1º, que, podem ser sintetizados no binômio: proteção ambiental/justiça social Os interesses baseados mo lucro caminham em outra direção. 
  • Não parece caso de omissão do Estado, mas de uma política de inviabilidade do desenvolvimento da região. Mas essa discussão fugiria ao escopo de nosso trabalho, servindo-nos apenas para motivar a realização do nosso projeto. A elaboração de nosso programa de ações em prol do desenvolvimento sustentável da APAU levou em conta as demandas sócio-ambientais identificadas, levantadas por meio de pesquisa bibliográfica, na lei 1967/02, na observação empírica e em entrevistas e encontros com especialistas e autoridades.
Após a pesquisa acadêmica sobre nosso objeto de estudo e dos levantamentos das características do campo a ser beneficiado, tornou-se evidente a pertinência de se propor um outro modelo de desenvolvimento para a região, que se baseasse em valores humanistas, que promovesse a habilitação para o trabalho, o resgate de sua memória social, a preservação e restauro do patrimônio arquitetônico, a melhoria da qualidade ambiental e a inclusão social.
  • Ainda fundamentados nos estudos realizados, estamos certos de que o fortalecimento do senso de pertencimento a um lugar por meio da habilitação para o trabalho nos moldes do que aqui se apresentou constitui uma alternativa ao modelo hegemônico, na medida em que integra o cidadão ao seu meu ambiente natural e social, recuperando sua memória social e (re)definindo os contornos de sua identidade cultural. É a possibilidade de se garantir uma vida digna ao ser humano, restabelecendo o equilíbrio ambiental e social, colocando-se na contramão dos propósitos do capitalismo global.
Assim, se hoje dispomos de ferramentas para tentar alguma intervenção possível em prol da justiça social e do meio ambiente, faça-mo-lo, pois, parafraseando Dirceu Coutinho:
“A globalização parece o enigma da esfinge: vamos decifrá-la ou ela nos devora (ou já está nos devorando?)."
O meio ambiente e o novo homem