quarta-feira, 2 de setembro de 2015

Relações de Trabalho e a Nanotecnologia


Dispositivo transforma batidas do coração em energia elétrica

  • Os autores ressaltam que a incorporação da questão ambiental pelo ambiente econômico seletivo é tendencial. Isto significa que, para os referidos autores, por princípio não existe a hipótese de que o ambiente seletivo venha a compreender a questão ambiental em toda a sua extensão, mesmo porque isto é incompatível com o modo de produção capitalista. Isto só seria possível quando a atividade econômica passasse a se sujeitar, em primeira instância, às restrições de ordem ecológica. 
Em decorrência disto, na visão dos autores não há a instalação de um círculo virtuoso em que, “quanto maior a pressão de seleção, mais os agentes responderiam e melhores seriam os resultados para o meio ambiente”.Na qualificação da pressão de seleção, os autores entendem que existem dois fatores importantes, a saber: 1) os ambientes seletivos contêm quatro âmbitos de especificidades:
Do primeiro ponto decorre que os ambientes seletivos não são os mesmos para todos; ao contrário, os agentes econômicos percebem as pressões de formas distintas, segundo seu caso particular. A importância das pressões ambientais difere nos países, que são desiguais nos setores, assumem diferenças segundo o tipo de tecnologias e variam imensamente de acordo com o tipo de produto (alimentos, bens de consumo duráveis, energia, etc.).
O grau de percepção do problema, assim como a criação de instituições formais e tácitas que regulam o binômio produção/degradação, não apenas variam enormemente segundo as especificidades acima apontadas, mas são função de um certo timing, cuja natureza é também em grande parte decorrente das especificidades (problemas mais ou menos visíveis, mais ou menos prementes), bem como dos avanços na formulação dos problemas e na indicação de soluções..
  • Assim, a interpretação que vimos dando até aqui não significa que a ação dos agentes econômicos na busca de inovações mais amigáveis do ponto de vista dos impactos ambientais levará a uma solução do problema. É, portanto,fundamental interferir na gestão do timing, tendo em conta os vários níveis de especificidades. 
Como os processos são irreversíveis e as pressões variáveis, o laissez faire dificilmente deixará de provocar o agravamento da degradação ambiental Nesta linha de pensamento também estão os autores Cramer e Zegveld, que apontam:
O governo pode promover a cleaner technology pela imposição cuidadosa de impostos específicos sobre técnicas, produtos, matérias-primas ou atividades sociais que poluem o meio ambiente. Entretanto, para que sejam efetivos, esses impostos devem satisfazer certas condições. 
Os impostos devem ser suficientemente altos, devem ser dirigidos para políticas tecnológicas e ambientais de longo prazo e as receitas devem ser empregadas para a promoção de cleaner technology. Essas receitas podem ser utilizadas, por exemplo, para ajudas temporárias àquelas empresas que estão preparadas para desenvolver ou aplicar novas técnicas de meio ambiente.Os autores acima referidos atribuem papel fundamental à mobilização da opinião pública, particularmente dos consumidores e ambientalistas, para induzir as empresas a terem um comportamento ativo no desenvolvimento das cleaner technologies e na política ambiental em geral. Afirmam os autores que:
Se a preocupação com o meio ambiente continuar a aumentar, os consumidores exigirão padrões crescentemente mais altos de qualidade ambiental dos produtos que compram.
De fato, isto pode vir a se tornar um dos meios principais para pressionar a indústria a estimular a produção mais limpa. As empresas que causam muita poluição adquirirão uma imagem ruim, comprometendo suas chances de sobrevivência. 
  • Para atingir uma sociedade sustentável, esta “mobilização” específica da opinião pública é essencial. Por fim, para atingir a reestruturação necessária da nossa economia, o controle governamental centralizado não é suficiente. Soluções estruturais para problemas ambientais demandam um input ativo do público.
Em síntese, poderíamos dizer que assumimos este marco teórico porque ele aponta para a importância do contexto histórico, do grau de percepção dos problemas ambientais, da criação de instituições formais e tácitas, da ação do meio social na determinação da adoção de tecnologias, das demandas de natureza ambiental, que mudam as agendas de busca por inovações dos agentes econômicos, da questão ambiental, que é entendida como condição do desenvolvimento industrial moderno, do Estado, que tem um papel importante neste processo, da mobilização da opinião pública como fator essencial para se atingir a sociedade sustentável. Nada a ver, portanto, com o individualismo metodológico.
  • Nesta concepção, a economia ecológica é eminentemente uma economia politizada, pois assumimos que os limites ecológicos às atividades econômicas serão objeto de debates científico-políticos democráticos.
Meio ambiente, oportunidades tecnológicas:
Treadmill of production
  • Desde 1977, Allan Schnaiberg vem afirmando que as tecnologias verdes têm falhado na medida em que não explicam, não tornam claras as relações de controle da produção científica e tecnológica e seu desenvolvimento. 
Em teoria, segundo este autor, as tecnologias verdes poderiam reduzir a taxa de aumento da desorganização ecológica; mas a questão central estaria na radical redireção da tecnologia. Isto não seria possível ocorrer pelas seguintes razões:
  • Os incentivos são estruturados em função dos interesses dos capitais privados, que os organizam e dirigem a inovação tecnológica;
  • O critério de decisão é o retorno dos investimentos e não a proteção dos ecossistemas no longo prazo.
Assim sendo, na perspectiva da teoria de treadmill of production (rotina da produção) só será possível haver uma trajetória de tecnologia verde que produza uma grande sustentabilidade ecológica quando houver uma radical reestruturação dos fundos de financiamento, organização e direção do processo de inovação. A concepção é que só mudanças profundas e estruturais prescritas pela treadmill of production permitiriam tal mudança no processo.
  • Isto ocorre porque, no atual modo de produção capitalista, quando se promove a eficiência no uso dos recursos naturais não se altera a essência da produção, pois esta eficiência é superada em muito pela quantidade produzida, que sempre está em processo de expansão, justamente exigido por este modo de organizar a produção para a obtenção de lucros. Ao final, esta eficiência no uso dos recursos naturais acaba por se transformar em mais potencial de consumo por nível de desorganização ecológica. Portanto, mais materiais estarão disponíveis, dando mais suporte à expansão da “rotina da produção”.
Allan Schnaiberg assume a afirmativa de David Korten de que as pressões competitivas do capitalismo oferecem apenas trajetórias antiecológicas para a sobrevivência das firmas, ou seja, aquelas firmas que fizerem opções pró-ambientais serão suplantadas, no processo de competição, por firmas que não fizeram esta opção. Portanto, as vantagens competitivas são justamente trajetórias não-ecológicas.
  • Porém, afirma o autor que somente mudanças nas forças que realizam a batalha por incentivos e desincentivos pelas quais as firmas competem podem reduzir os benefícios da competição dados pela opção antiecológica. Estas chances só podem ser resultado de uma alteração sociopolítica no amplo meio ambiente macroestrutural no qual opera. A intervenção do Estado e do público no sentido amplo nos mercados é necessária para que isto ocorra e é precisamente a ação cooperativa (Estado/empresa/ ambientalismo terceira via) que tem de ser sobreposta Schnaiberg e outros 14 reconhecem que as intervenções realizadas no mercado significam um constrangimento democrático ao capital que para o neoliberalismo é indesejável. Mesmo uma intervenção suave, que não altera o crescimento básico e a lógica distributiva do capital, oferece o potencial de ajuste dos constrangimentos e incentivos dentro do qual se move a competitividade dos capitais. 
Esta intervenção suave no mercado pode fazer crescer os custos das escolhas antiecológicas realizadas pelas firmas, e com isto fazer com que as escolhas pró-ambientais sejam mais competitivas. Reconhecem, ainda, os autores que estas intervenções políticas podem também gerar incentivos para alguma alteração de trajetórias tecnológicas e excluir algumas formas de produção.
  • Aqui se coloca minha indagação ao professor Schnaiberg: se as chances para reduzir os benefícios da competição dados pela opção antiecológica, incrementar os custos das opções antiecológicas, criar incentivos para as mudanças de trajetórias tecnológicas, podem ter como base teórica para sua realização as concepções que apresentei no item meio ambiente e oportunidades tecnológicas.
Creio que as referidas concepções não colidem com as concepções de treadmill of production, pois o foco central está na produção e não no consumo, está no ambiente macro como indutor das mudanças e atribui papel central à organização de setores sociais como aqueles que serão capazes de induzir as empresas a adotarem as trajetórias tecnológicas ambientalmente corretas. Claro está também que o Estado tem um papel importante neste processo.
  • Mas, Allan Schnaiberg ressalta que, à medida que o capital se torna mais transnacional em sua abrangência de operação, as formas de intervenção via políticas permanecem um fenômeno marcadamente de nível nacional. 
Paradoxalmente, é por meio destas políticas nacionais que são estabelecidos os incentivos para que empresas passem a se localizar onde existe menor regulação ambiental para se produzirem mercadorias.
  • Isto leva o referido autor a concluir que, em uma economia globalizada, somente uma política global de intervenção pode alterar o meio ambiente no qual as firmas estão em permanente processo de competição e onde tomam suas decisões mais ou menos ecologicamente protetoras. 
Para o autor em questão, não existe no momento nenhuma instituição com esta estrutura capaz de impor e dirigir esta intervenção política global. Ele finaliza indicando que a construção desta instituição global é um importante fator que está por trás da emergência do movimento transnacional anti-globalização corporativa.
O tópico seguinte vai articular a construção de uma sociedade sustentável e as oportunidades tecnológicas e o meio ambiente, discutidas anteriormente e que, na minha avaliação, não apresentam incompatibilidade ou conflito explícito com a teoria de treadmill of production; creio que posso avançar na conceituação do que entendo por sociedade sustentável e como alcançá-la. Após esta sessão, cabe fazer uma reflexão sobre a nanotecnologia nesse contexto de meio ambiente, oportunidades tecnológicas e sociedade sustentável.

O uso de tecnologia nano (em escala atômica) é costumeiramente associado a áreas como eletrônica, computação e medicina, mas poucos sabem que ela já é utilizada pela indústria alimentícia.

Por uma sociedade sustentável:
  • A sociedade em que vivemos atualmente é insustentável tanto para o planeta em que habitamos como para a maioria de sua população, sob vários pontos de vista, em especial pela produção de desigualdades sociais e ambientais. O que temos, portanto, é uma ordem de um mundo a superar.
Neste sentido, a questão da utopia se coloca, pois não pode existir um esforço de investigação política íntegro sem utopia. Esta é entendida de acordo com Boaventura de Sousa Santos, quando este afirma que:
A utopia é a exploração de novas possibilidades e vontades humanas, por via da oposição da imaginação à necessidade do que existe, só porque existe, em nome de algo radicalmente melhor que a humanidade tem direito de desejar e por que merece a pena lutar. A utopia é, assim, duplamente relativa. Por um lado, é chamada a atenção para o que não existe como (contra) parte integrante, mas silenciada, do que existe. 
Pertence à época pelo modo como se aparta dela. Por outro lado, a utopia é sempre desigualmente utópica, na medida em que a imaginação do novo é composta em parte por novas combinações e novas escalas do que existe. Uma compreensão profunda da realidade é, assim, essencial ao exercício da utopia, condição para que a radicalidade da imaginação não colida com o seu realismo.
  • O roteiro de nossa reflexão sobre a ordem de um mundo a superar irá procurar concatenar uma série de idéias, que partem do pressuposto de que a meta a ser atingida é a sociedade sustentável, caracterizada, grosso modo, enquanto não-capitalista, em que a questão ambiental é entendida como um fator de restrição de primeira ordem às atividades econômicas.
O segundo pressuposto por nós assumido é que uma sociedade sustentável será necessariamente uma sociedade democrática, fundada em uma nova cidadania, de caráter radical, pois será o produto da constituição de sujeitos sociais ativos, que levam a construção da referida cidadania “de baixo para cima”, com a participação direta dos setores excluídos, exigindo o “direito de ter direitos”.
  • De acordo com Evelina Dagnino, a noção da nova cidadania fundamenta-se na experiência dos movimentos sociais, na construção da democracia, sua extensão e aprofundamento e ao nexo constitutivo entre cultura e política. Portanto, os fundamentos desta nova cidadania são distintos da noção original de fins do século XVIII, de cunho liberal.
Entre o direito a ter direitos pelos quais os movimentos sociais lutam e criam novos direitos, encontram-se os relativos à vida, ao meio ambiente e ao trabalho, que se encontram devidamente entrelaçados, pois não é possível a existência de vida sadia em meio ambiente degradado, como também ambiente degradado significa a impossibilidade de populações trabalharem.
  • Assim sendo, devemos ter claro que todas as ações que comprometem as condições ambientais de existência e trabalho das populações, como, por exemplo, os diversos tipos de poluição, atentam contra direitos ambientais de indivíduos e coletividade.
Portanto, trata-se de entender que a crise ambiental produzida por este modelo insustentável de desenvolvimento é a manifestação de conflitos sociais que têm a natureza por base, e que quando esta se torna explícita exprime a consciência de que um direito ambiental foi ameaçado.Essa nova ordem de valores aponta para a introdução de princípios democráticos nas relações sociais mediadas pela natureza.
  • Estes princípios democráticos são assim descritos por Acselrad: a igualdade no usufruto dos recursos naturais e na distribuição dos custos ambientais do desenvolvimento; a liberdade de acesso aos recursos naturais, respeitados os limites físicos e biológicos da capacidade de suporte da natureza; a solidariedade das populações que compartilham o meio ambiente comum; o respeito à diversidade da natureza e aos diferentes tipos de relação que as populações com ela estabelecem; a participação da sociedade no controle das relações entre os indivíduos e a natureza.
Na medida em que tais princípios sejam observados e que tenhamos claro que o meio ambiente é o suporte natural da vida e do trabalho das populações, estaremos restringindo de forma mais conseqüente a degradação do meio ambiente e, por conseqüência, assegurando os direitos dos cidadãos à vida e ao trabalho.
  • Por outro lado, é esta nova cidadania que irá interferir na constituição do ambiente econômico e que norteará o interesse pela busca de inovações e construção de trajetórias – que incorporem a questão ambiental, e se tornem resultado lógico da incorporação destas inovações e trajetórias pelos ambientes seletivos.
Portanto, assume-se aqui que, em concordância com os evolucionistas, para que a preocupação ambiental se torne uma “restrição direcional” ao desenvolvimento tecnológico, o meio social em questão é que deve ser capaz de imprimir tal direcionamento.
  • Acrescentamos que o processo de constituição desta nova cidadania, liderado pelos novos movimentos sociais, entre os quais os de trabalhadores e ambientalistas, é que deverá ser capaz de imprimir o direcionamento referido acima.
Assim sendo, admitimos que a competitividade de um país está ligada à competitividade das empresas nele existentes, e que a competitividade das empresas está ligada a inovações e trajetórias tecnológicas, e estas por sua vez estão sendo direcionadas pelos novos movimentos sociais, que corporificam e constroem esta nova cidadania. No que tange às questões relativas ao meio ambiente, podemos, então, afirmar que a competitividade de nosso país, de nossas empresas, dependerá em última instância desse processo de constituição desta nova cidadania.
  • Com isto, entendemos que a futura competitividade de um país, emerso em um processo de construção de uma sociedade sustentável, estará diretamente relacionada ao grau de radicalização da cidadania construída neste processo, que em última instância significa a construção de uma nova sociabilidade, caracterizada por relações sociais mais igualitárias. O referido processo, que é político-cultural, constituído pelos vários movimentos sociais, entre os quais os sindicatos e o movimento ambientalista, é que conseguirá estabelecer uma nova forma de apropriação da natureza.
É de conhecimento público e planetário a profunda realidade de destruição do meio ambiente e da diversidade biológica e social. Portanto, a forma atual como a sociedade se organiza para produzir também produz problemas ambientais, que nem sempre são explícitos para a maioria da população, mas são a manifestação de conflitos sociais que têm por base a natureza. Porém, a sociedade humana sustentável não se constrói sem as demais espécies presentes em nossa biosfera, quer sejam devidamente conhecidas ou não.
  • Como fazer, então, para que possamos conhecê-las? Em primeiro lugar, seu habitat deve ser conservado. Em segundo lugar, na medida em que o exercício e a construção da nova cidadania pelos movimentos sociais, em particular dos movimentos ambientalista e sindical, induzam a construção do ambiente econômico favorável à adoção de tecnologias e trajetórias ambientalmente consequentes, estaremos tornando viável expandir o processo de interação positiva entre homem e natureza, já realizado por diversos grupos sociais, entre os quais os índios, os camponeses e os povos da floresta.
Na medida em que se preservem as florestas tropicais e subtropicais, locais por excelência onde se encontra a diversidade biológica e social, estaremos contribuindo tanto para a estabilidade da biosfera e seus ecossistemas quanto possibilitando ao país a utilização futura de uma imensa riqueza, assegurando, assim, às gerações futuras melhores condições de vida.
  • É importante assinalar que a construção presente dessa nova cidadania acaba por influir naquilo que as gerações futuras herdarão de nós em termos de meio ambiente. Trata-se, portanto, de uma luta com conseqüências inter-geracionais, que por sinal é o tempo mais apropriado para se tratar de questões relativas ao meio ambiente.
Sabemos que a temporalidade de soluções fundamentais, como, por exemplo, uma nova forma de apropriação da natureza, é intergeracional e apresenta dificuldades, pois, como afirma Boaventura de Sousa Santos, “O problema das soluções inter-geracionais é que elas têm de ser executadas intra-geracionalmente. Por isto, os problemas que elas criam no presente em nome de um futuro tendem a ser mais visíveis e certos que os problemas futuros que elas pretendem resolver no presente.”
  • Por esta razão, temos trabalhado com a idéia de processo de construção de nova cidadania, que, além de admitir que seu conteúdo e significado serão sempre definidos pela luta política, admite também que sua temporalidade é intergeracional. Portanto, a análise das variáveis socioeconômica-ecológicas realizadas neste trabalho são de longo prazo.
Também de longo prazo são as ações de diversos grupos sociais que vêm praticando uma biotecnologia de caráter holístico, sendo na verdade os responsáveis pelo descobrimento e melhoramento genético de uma série de plantas que hoje asseguram a possibilidade de produção de alimentos e fármacos em escala mundial.
  • Já foi perfeitamente demonstrado o processo de expropriação a que foi e são submetidos vários povos do Hemisfério Sul, que além disto estão sendo destruídos física e/ou culturalmente, agora em novo patamar, mediante a imposição da lei de patentes e propriedade intelectual.
Em síntese, a tese aqui defendida é a de que a possibilidade de romper esse círculo opressor e explorador de populações, destruidor da biodiversidade e degradador de meio ambiente está em construir o processo de um círculo libertário e solidário das populações do Hemisfério Sul, mediante a reação em cadeia, não linear, mas dialética, de construção histórica, de uma cidadania radical. Este processo, corporificado nos movimentos sociais, entre os quais o sindical e ambientalistas, fará com que a preocupação ambiental se torne uma “restrição direcional” ao desenvolvimento tecnológico, implicando que o ambiente seletivo aponte na direção da adoção, por parte das empresas, de inovações e trajetórias tecnológicas ambientalmente limpas.
  • Este processo também representa a instituição de uma outra sociabilidade, fundamentada em relações sociais mais igualitárias por um lado, e por outro lado, também respeitador das diferenças, quer no campo biológico (biodiversidade) ou social (socio-diversidade).
Com isto, um país como o Brasil, considerado de mega-diversidade, quando esta não estiver sob pressão de desaparecimento ou degradação, incluindo as populações lá existentes, certamente terá a possibilidade de contribuir para a estabilidade da biosfera, de vários ecossistemas, e para a paz mundial, em termos de evitar conflitos de origem ambiental, pela satisfação das necessidades humanas fundamentais.
  • Neste contexto hipotético, porém já a caminho, um projeto nacional de inserção do país de forma ativa no contexto internacional deverá estar fundamentado na visão de que seu suporte será a mega-diversidade, e sua competitividade estará ancorada na radicalidade da cidadania existente no país. Mas, também é preciso deixar claro que nesta nova situação haverá a substituição, em termos de importância social e ideológica, da competitividade pela solidariedade.
Utilizamos acima a expressão “já a caminho” porque concordamos com Boaventura de Souza Santos quando este expressa que no presente existem dois paradigmas: o capital expansionista, ainda dominante, e o ecossocialista, emergente, com as seguintes características:
O desenvolvimento social afere-se pelo modo como são satisfeitas as necessidades humanas fundamentais e é tanto maior, em nível global, quanto mais diverso e menos desigual; a natureza é a segunda natureza da sociedade e, como tal, sem se confundir com ela, tampouco lhe é descontínua; deve haver um estrito equilíbrio entre três formas principais de propriedade: a individual, a comunitária e a estatal; cada uma delas deve operar por atingir seus objetivos com um mínimo de controle de trabalho de outrem.
Segundo o referido autor, este paradigma emergente vem-se alimentando de uma enorme diversidade de movimentos sociais e entidades não-governamentais locais e transnacionais. Uma de suas características é expandir a democracia na direção intertemporal e intergeracional. Assume-se, então, que a proximidade do futuro é hoje tão intensa que nenhum presente é democrático sem ele. 
  • Neste contexto, entende-se que a democracia das relações estatais visa sobretudo à democracia das relações inter-geracionais e é em nome desta que a cooperação entre os Estados é mais imprescindível e urgente.
Na perspectiva deste paradigma emergente, poderíamos dizer a sociedade sustentável que o corporificaria fundamenta-se numa economia ecológica que utiliza os recursos naturais renováveis em velocidade que não supere a taxa de renovação, e usa os recursos naturais não-renováveis em ritmo adequado à substituição destes, pelos recursos renováveis. 
  • É claro que tal sociedade também vai produzir resíduos, mas o fará em ritmo e quantidade em que os ecossistemas podem assimilar e reciclar. Certamente, outra característica desta sociedade será a redistribuição dos recursos e da produção tanto entre a geração atual como entre esta e a seguinte, pois se sabe que tanto a concentração de riqueza quanto a pobreza generalizada destroem o ambiente. Assim sendo, esta é uma sociedade que pleiteia a equidade com sustentabilidade.
A questão da redistribuição é também ressaltada por Allan Schnaiberg e outros onde é relacionada com poder e iniquidade. A conclusão dos autores é que, sem uma opção pela redistribuição das riquezas, a política econômica vigente só oferece o aprofundamento perpétuo da pobreza para grande segmento da população humana, ou um limitado benefício econômico será alcançado mediante uma aceleração das práticas antiecológicas.
  • Uma das partes centrais da proposta de treadmill of production é advogar o estado estacionário da economia como meio de implantar uma forma desenvolvimento ecologicamente sustentável. Nesta circunstância, a redistribuição irá requerer a ação forte do Estado. Assume-se nesta interpretação que a redistribuição se torna essencial no esforço para se conseguir a sustentabilidade.
Ressaltam os autores que, sem esta indicação de redistribuição, os cidadãos/ trabalhadores não aceitarão baixo ou não-crescimento como trajetórias para se protegerem os ecossistemas.
  • Kenneth Gould, co-autor da obra que aqui é fonte de referências constantes, lembra-nos que a iniquidade é a base da injustiça social, aspirações materiais não saciáveis, estratégias antiecológicas de sobrevivência.
 Por isto, a treadmill of production argumenta que não haverá solução dos problemas ambientais sem um adequado exame das dimensões da dinâmica distributiva socioambiental, e que necessariamente haverá conflitos com a elite dominante que impõe este modelo de produção.
  • Schnaiberg e outros reconhecem que a proposta de estado estacionário é um tanto polêmica, pois, junto com a crítica feita à lógica antiecológica do capital, a teoria da rotina da produção ameaça não só o status quo dominante na economia como também no âmbito do Partido Verde, que emprega slogans como “nem esquerda nem direita, mas à frente”.
De nossa parte, procuraremos fazer alguns comentários referentes à nossa proposta de construção de uma sociedade sustentável e da teoria da rotina da produção à luz dos impactos de três avanços tecnológicos de suma importância:
  • A quebra da barreira entre as espécies com a introdução de genes de diferentes espécies, proporcionada pela biotecnologia;
  • A quebra da barreira entre orgânico e inorgânico proporcionada pela nanotecnologia;
  • A construção de novos materiais a partir dos elementos químicos naturais e sintéticos proporcionada pela nanotecnologia.
Em que isto afeta ou pode afetar as concepções aqui apresentadas?

Nanotecnologia, treadmill of production 
e a sociedade sustentável:

Esta é uma primeira reflexão no sentido de apresentar três questões que o avanço científico e tecnológico colocam para as teorias que procurar explicar as relações que a sociedade estabelece com meio ambiente na forma capitalista de organizar a produção.
  • Os três avanços tecnológicos apresentados ao fim do tópico anterior têm em comum o fato de significarem a construção de uma “nova natureza” até então não encontrável em nosso planeta.
Apenas para dar rápidos exemplos sobre estes avanços, podemos citar:
No campo da biotecnologia, há a questão dos alimentos transgênicos, como soja, canola e milho. Não cabe aqui retratar todo o debate e impactos da introdução destes vegetais até então inexistentes em nosso planeta. Esta tecnologia de inserção de genes significou o fim da barreira entre as espécies em termos de mudanças genéticas, as quais expressam determinadas características como, por exemplo, tornarem as sementes adaptadas a determinados agroquímicos.
O caso da nanotecnologia, que permite a supressão da barreira entre orgânico e inorgânico, permite a construção de um biochip (junção de material inorgânico com orgânico) no qual, por exemplo, a componente biológica pode gerar e transmitir a energia necessária ao funcionamento de um chip (armazenamento, processamento e transmissão de informações).
  • Ainda no campo da tecnologia, temos a produção de novos materiais, como é o caso dos nanotubos de carbono, o qual tem por característica ser muito mais leve que o alumínio e muito mais resistente que o aço. 
O elemento químico carbono já era conhecido, mas os nanotubos de carbono só foram possíveis de serem fabricados com o desenvolvimento da nanotecnologia nos anos 90 do século passado. Tanto biochips como nanotubos de carbono não se encontravam presentes em nossa natureza, que agora poderá passar a contar com estes produtos.
  • À parte as questões relativas à possível contaminação dos ecossistemas por estes elementos exógenos, sobre os quais não temos pesquisa alguma, quero aqui tratar de uma questão central para ambas as concepções apresentadas (rotina da produção e sociedade sustentável): trata-se da escassez dos recursos naturais imposta pela apropriação da natureza realizada pelo modo capitalista de produção.
Allan Schnaiberg e outros adotam a perspectiva de James O’Connor, da chamada segunda contradição do capital. Esta se refere à contradição entre capital e natureza, em que reprodução ampliada do capital leva à escassez dos recursos naturais, pois estes são apropriados no ritmo/tempo de reprodução do capital e não no ritmo/tempo de recomposição dos ecossistemas naturais, o que asseguraria a sustentabilidade dos ecossistemas e das atividades produtivas.
  • Já Paulo Roberto Martins, ao concordar com as teses de Schnaiberg acima mencionadas, explicita que os problemas ambientais que a sociedade capitalista produz são a manifestação de conflitos sociais que têm por base a natureza.
Cabe, então, refletirmos se a biotecnologia e a nanotecnologia, ambas apropriadas pelo capital, irão superar duas questões :
  1. 1) a escassez dos recursos naturais (segunda contradição do capital) no processo de produção capitalista;
  2. 2) os problemas ambientais decorrentes dos diversos processos produtivos.
Algumas considerações gerais devem ser feitas para começar a responder estas questões. Certamente, as respostas serão insuficientes, mas creio que serão as primeiras reflexões feitas pelas ciências sociais no Brasil.
  • A nanotecnologia tem como uma de suas características a capacidade de trabalhar ao nível atômico e molecular promovendo arranjos atômicos com os elementos químicos naturais e sintéticos, o que promete um potencial não-quantificável imenso de possibilidades de construção de matérias-primas e de produtos, que em tese, poderia eliminar a escassez dos recursos naturais previstos pela rotina da produção. A outra característica é a que se refere às questões ambientais decorrentes dos processos produtivos. 
De maneira geral, é assumido pelos produtores da nanotecnologia que todos os processos produtivos realizados mediante esta tecnologia implicam utilizar menos recursos naturais e energia para a obtenção do mesmo processo e/ou produto já conhecido e produzido. Assim sendo, de maneira geral a nanotecnologia implicaria eliminar ou, no mínimo, diminuir acentuadamente a geração de problemas ambientais nos processos produtivos, o que em última instância significaria, em tese, a eliminação dos conflitos sociais que têm por base a natureza.
  • As teorias apresentadas (sociedade sustentável e rotina da produção) admitem a possibilidade de que trajetórias tecnológicas limpas sejam induzidas a serem adotadas e disseminadas no processo produtivo capitalista. Os caminhos para que isto ocorra foram elaborados de forma distinta, porém não contraditória. Ambas as teorias entendem que a construção de um ambiente econômico e social é que irá proporcionar a que a sociedade organizada – materializada na aliança entre trabalhadores e ambientalistas – faça a luta anti-status quo dominante da treadmill of production (rotina da produção).
Nos dizem Schnaiberg e outros que talvez somente a mobilização internacional seja o único caminho viável para se alcançar a sustentabilidade social e ambiental. Já Paulo R. Martins identifica que esta possibilidade está em construir o processo de um círculo libertário e solidário das populações do Hemisfério Sul, mediante a reação em cadeia, não-linear, mas dialética, de construção histórica, de uma cidadania radical. 
  • Este processo, corporificado nos movimentos sociais, entre os quais o sindical e o ambientalista, fará com que a preocupação ambiental se torne uma “restrição direcional” ao desenvolvimento tecnológico, implicando que o ambiente seletivo aponte na direção da adoção, por partes das empresas, de inovações e trajetórias tecnológicas ambientalmente limpas.
Claro que neste processo o peso do que já está estabelecido na direção anti-sustentabilidade é muito consistente e forte, ainda mais quando pensamos em todo o poderio da indústria militar, que sempre significa a mobilização não em prol de sustentabilidade e justiça ambiental, mas sim pelo medo e desespero.
  • Não é preciso aqui demonstrar o que sejam as especificidades da “era Bush” e seus aliados (corporações) em termos de militarismo explícito para com o planeta como um todo, decorrente da adoção da teoria da existência do inimigo global.
Mas Schnaiberg nos aponta seis indicadores de mudanças econômicas, políticas e culturais que enfraquecem relativamente o antitreadmill:
  1. Erosão do “Consenso de Washington”, especialmente na América Latina; 
  2. Emergência de um movimento transnacional anticorporação unificado globalmente; 
  3. Disseminação global de experiências alternativas locais e regionais; 
  4. Transnacionalização do movimento sindical; 
  5. Decréscimo da legitimidade de instituições supranacionais de suporte à produção, como Fundo Monetário internacional, Banco Mundial, Organização Internacional do Comércio; 
  6. enraizamento das demandas pela radical democratização das políticas públicas. 
Reconhecem Schnaiberg e outros que, embora individualmente cada um dos itens não signifique obstáculo instransponível à produção capitalista, a convergência destas forças sociais pode indicar que o suporte comum a uma trajetória alternativa de desenvolvimento está começando a tomar forma. Reconhecem também que é mais difícil tirar esta forma presente de produzir do que colocar alternativas em seu lugar.
  • É com este pano de fundo que devemos pensar como as nanotecnologias podem-se tornar trajetórias tecnológicas pró-sustentabilidade; mas também temos claro que as pesquisas em nanotecnologia são muito caras e complexas, de difícil condução por pequenas organizações. Isto pode implicar maior dinâmica de concentração de poder e monopólio por parte das grandes corporações, que já são as principais fontes de recursos para as pesquisas em nanotecnologia. 
Pode implicar também a implantação da nanotecnologia via “fato consumado”, e com isto novos materiais e produtos poderão ser espalhados pelos diversos ecossistemas existentes neste planeta.
  • Será a nanotecnologia intrinsecamente antidistributiva? 
  • Esta nova inovação tecnológica irá incrementar os ganhos dos investidores e não dos trabalhadores? 
As empresas que mais investem em P & D em nanotecnologia são aquelas que se opuseram ao bem-estar social e à proteção ambiental pelo Estado, assim como se opuseram à sindicalização dos trabalhadores? A nanotecnologia será apenas “um negócio usual” ou irá proporcionar mais cenários degradantes de regressão social e ambiental?
  • Será que os pontos acima levantados por Allan Schnaiberg poderão indicar que a “restrição direcional” de uma dada trajetória tecnológica pró-sustentabilidade social e ambiental não poderão ser alcançadas?
Esta oportunidade de apresentar minhas idéias para apreciação desta platéia, dos meus colegas da Renanosoma e principalmente do professor Allan Schnaiberg, é algo raro, que tenho certeza vai marcar a historia das ciências humanas no Brasil, no sentido de transformar a nanotecnologia em seu objeto de estudo. Agradeço a atenção de todos, em especial a do nosso interlocutor, que tem sido de grande gentileza para com nossa rede de pesquisa.

Com os problemas ambientais e aumento das tarifas, a eficiência energética nunca esteve tão em alta nas discussões no Brasil. Na área da construção civil não é diferente, principalmente depois da obrigatoriedade da etiquetagem de eficiência energética para edificações públicas federais.