sexta-feira, 16 de outubro de 2015

Gestão de Recursos Hidrícos

Gestão Integrada e Participativa de Recursos Hídricos 

  • Fenômenos socioambientais têm surgido nos centros urbanos a partir do processo de urbanização: empobrecimento da população com o aumento da desigualdade de renda, precarização do trabalho, crescente vulnerabilidade das condições de moradia das pessoas e, ainda, uma profunda crise habitacional. O aumento da malha urbana, muitas vezes não planejada, ou, com planejamento frágil e obsoleto, tem evidenciado uma gestão galgada na ineficiência e na pouca (ou nenhuma) participação de agentes sociais envolvidos nesse processo.
Com o crescimento acelerado da população das cidades, evidencia-se a expansão do sítio urbano, o aumento do valor do solo urbano, a intensificação da especulação fundiária e imobiliária, dificultando mais ainda o acesso das populações de baixa renda ao mercado formal de acesso à moradia.
  • Nesse sentido, emerge um dos problemas urbanos contemporâneos: o déficit habitacional e a consequente ocupação em áreas de fragilidade ambiental e protegidas. Como aponta Cavalcanti (2003, p., 364): “o problema ambiental é uma consequência de como a sociedade está estruturada”. Portanto, o desafio ambiental emerge no centro das contradições da atual contemporaneidade, conforme sinaliza Gonçalves (1989). Observa-se a crescente sobreposição de usos e ocupações do solo incompatíveis com a manutenção da qualidade dos recursos naturais.
Destarte, observa-se o dilema da exclusão social e falta de infraestrutura básica na cidade. Partindo dessa premissa, pode-se inferir que a falta de um planejamento urbano que considere o direito de habitar, circular e trabalhar, ou seja, que considere a função social da cidade trouxe consigo grandes e graves consequências negativas, uma vez que a cidade passou a absorver um contingente de pessoas sem, no entanto, estar dotada de infraestrutura, especialmente habitacional, para atender a crescente demanda.
  • Portanto, pode-se afirmar que o processo acelerado da urbanização amplia a irregularidade urbana tornando-se evidente a necessidade de políticas de planejamento urbano que busquem o equilíbrio entre desenvolvimento socioespacial e econômico e a conservação dos ambientes naturais, ou seja, que busquem a sustentabilidade das cidades. A Agenda 21 Brasileira (2004, p. 30) aponta que “os relatórios de desenvolvimento humano da Organização das Nações Unidas têm destacado que são inúmeras as consequências desse novo padrão demográfico para o novo ciclo de crescimento econômico, para as políticas sociais do Brasil [...]”.
Por essa razão, aponta-se a necessidade da melhoria da qualidade ambiental dos espaços urbanos a partir de uma gestão da cidade efetivada por “políticas públicas urbanas, integradas, includentes e participativas, que visem ao desenvolvimento sustentável”. (ROSSETTO, 2003, p. 23). Portanto, são necessários novos modelos e instrumentos de políticas públicas urbanas.
  • Tomando como referência o conceito de desenvolvimento sustentável, definido no Relatório Brundtland (Nosso Futuro Comum), como “aquele que atende as necessidades do presente sem comprometer a possibilidade das gerações futuras atenderem às suas próprias necessidades”, observa-se que a qualidade do ambiente urbano está longe de atingir aos paradigmas da sustentabilidade. Portanto, aqui, entende-se como fundamental o conceito de desenvolvimento sustentável para a gestão da cidade.
Na atualidade, existem inúmeras reflexões sobre a sustentabilidade. Aqui, esse conceito é entendido em relação aos sentidos: social, cultural, ecológico e econômico. É importante mostrar que o desenvolvimento sustentável é vantajoso: tanto no que se refere à qualidade de vida quanto para os avanços econômicos.
  • Nesse sentido, o processo de desenvolvimento sustentável só é possível de ser alcançado se for levada em consideração as dimensões: social, ambiental, econômica, política, cultural, espacial, e outras. Desse modo, tem-se a inter-relação da proteção ambiental ao desenvolvimento econômico, portanto, o princípio da sustentabilidade. Destarte, entende-se nesse trabalho que pouco se avançou para a efetivação da sustentabilidade de forma sistemática.
Corroborando com Rossetto (2003), acredita-se ser necessária uma ação integrada que combine dinâmicas de promoção social e redução de impactos em ambientes urbanos, dado a complexidade das estruturas vigentes. A gestão das cidades envolve pares dialéticos, conflitos de percepção e interesse. Sendo assim, Policarpo e Santos (2008, p. 72) apontam para a necessidade de se pensar em “sistemas alternativos de gestão [...] que deem espaço e voz aos atores sociais, até então excluídos dos sistemas de gestão convencionais.”
  • Portanto, entende-se ser necessária a busca de novos modelos de gestão e políticas públicas urbanas que associe crescimento econômico e condições dignas de vida, de forma integrada e com a participação efetiva da população, reduzindo de forma progressiva as taxas de degradação do meio ambiente. Assim, propõe-se, nesse trabalho, uma gestão urbana de forma estratégica, visando a um ambiente urbano sustentável, com a efetiva participação dos atores sociais envolvidos.
Os fenômenos acima mencionados servem de subsídios à problemática que aqui se propõe construir, por meio da evidenciação da falta de consciência ambiental, de uma gestão participativa e ações do poder público, no intuito de fiscalizar e ordenar o uso e ocupação do solo urbano tendo como pressuposto essencial a sustentabilidade socioambiental.
  • Partindo dessa lógica, e amparando-se nas contribuições de Leis (1997), aponta-se para a necessidade de que as soluções ambientais sejam cooperativas, deste modo, evidencia-se novamente a necessidade dos canais ‘comunicativos’. De um ambientalismo multissetorial.
Portanto, Neder (1997) aponta para a direção de políticas de interação das práticas sociais e práticas ambientais, amparado no paradigma do ambientalismo renovado. As contundentes críticas às políticas ambientais nos levam a uma reflexão e a conclusão de que não é necessário somente um novo paradigma das ciências para se resolver o desafio ambiental, é necessário, sim, mudanças no consumo, na produção e, principalmente, mudanças de comportamento, numa perspectiva da ética ambiental e convívio mútuo.
  • Compreende-se, nesse trabalho, portanto, que a cidade deve ser entendida a partir de uma visão multidisciplinar e holística como forma de uma melhor apreensão dos fenômenos urbanos e socioambientais (LIMA, 2006).
Tomando esse quadro de referência, propõe-se, nesse paper, apresentar breves reflexões acerca dos modelos de gestão integrada e participativa, a partir da análise comparativa entre os modelos propostos por Rossetto (2003) e o modelo trade-off. Para tanto, lançou-se mão de um levantamento bibliográfico como forma de subsidiar a discussão aqui proposta.
  • Através da análise comparativa acerca de modelos de gestão urbana, busca-se, nas referências bibliográficas, o amparo teórico para as discussões em tela. Assim, procura-se destacar os pontos semelhantes e identificar as diferenças entre os dois modelos de gestão. Dessa forma, pode-se classificar esse trabalho como sendo um ensaio teórico descritivo.
Os modelos escolhidos neste trabalho – Rossetto e trade-off – justificam-se pela importância de sua aplicabilidade na gestão das cidades levando-se em consideração os atores sociais envolvidos, portanto contribuirá para a análise comparativa dos dois modelos.
  • Neste contexto, o presente artigo foi estruturado nas seguintes seções: a parte introdutória, constando a contextualização do problema de pesquisa, a metodologia de estudo e os objetivos; a segunda parte apresenta as discussões teóricas da temática em tela, mostrando o modelo de gestão integrada e participativa proposto por Rossetto e o modelo trade-off de apoio à gestão. Aqui se faz, ainda, uma análise comparativa entre os dois modelos apresentados. Finalizando as discussões, apresentam-se as conclusões extraídas e sugestões para estudos futuros.
Gestão Integrada e Participativa:
  • Na análise da dinâmica do uso e ocupação do solo urbano, não se deve deixar de evidenciar a cidade como um sistema complexo. Sendo assim, a gestão desses espaços se torna difícil, exigindo um planejamento cuidadoso com políticas urbanas conectadas com os anseios dos atores envolvidos e com as questões ambientais (ROSSETTO, 2003).
A política ambiental brasileira, que tem como marco de referência a Lei nº 6.938, de 1981, estabeleceu a Política Nacional do Meio Ambiente, com intuito de inibir as ações degradantes do meio ambiente. Assim, foram criados órgãos que se tornaram responsáveis pela emissão de resoluções e deliberações sobre a preservação ambiental. No entanto, conforme aponta Carneiro, Cardoso e Azevedo, o Estatuto da Cidade veio consolidar um importante instrumento para a gestão da cidade:
No plano municipal, a partir da Constituição Federal e, posteriormente, com a aprovação do Estatuto das Cidades, o Plano Diretor, que antes já era um importante instrumento para orientar os rumos da cidade, passou a ser o instrumento definidor da função social da cidade e da propriedade urbana, constituindo-se em um marco na separação do direito de propriedade do direito de construir. (CARNEIRO; CARDOSO; AZEVEDO, 2008, p. 166).
Entretanto, diferente do que trata a Política Nacional de Meio Ambiente, observa-se que, com o processo acelerado de urbanização, ocorre uma crescente ocupação do sítio urbano emergindo uma fragilidade quanto ao mercado imobiliário e uma consequente ocupação de áreas protegidas pela legislação ambiental, trazendo como resultado, impactos socioambientais.
As políticas públicas de moradia, muitas vezes, além de não estarem em consonância com as políticas ambientais, não atendem à demanda crescente da população, em especial, para a camada da população menos favorecida. Expressando, assim, a segregação socioespacial.
  • Saule Júnior e Rolnik (2005) afirmam que a segregação socioespacial se manifesta através dos territórios distintos e separados para cada grupo social, além da separação das funções, principalmente morar e trabalhar, sendo clara a desigualdade de tratamento por parte do Estado. É função do Estado dotar as cidades de infraestrutura urbana e habitacional, porém, essa política se mostra ineficiente, ou seja, incapaz de atender a crescente demanda.
Conforme afirma Lefebvre (2001), o acesso à posse dos diversos locais da cidade é diferenciado devido ao seu valor de troca. Enquanto o valor de uso é baseado nas necessidades sociais, hábitos culturais, estilos de vida, o valor de troca é baseado no solo como mercadoria, cujo valor agregado são as benfeitorias.
  • Para Villaça (1998), a terra urbana apresenta preços variados, cuja renda diferencial é estabelecida pelo somatório das qualidades não produzidas pelo trabalho (mares, montanhas, vegetação, rios etc.) agregado aos atributos construídos pelo homem em forma de infraestrutura (ruas, saneamento, eletricidade). São desvalorizadas para o mercado as áreas de baixa salubridade (encostas de morros, terrenos de alta declividade sujeitos à erosão, bordas de rios e córregos sujeitos a inundações etc.).
Porém, não são apenas as favelas que estão ocupando áreas de fragilidade ambiental, observa-se, também, a crescente expansão urbana por especuladores imobiliários e fundiários. Percebem-se, assim, os conflitos e contradições envolvendo a problemática ambiental e os interesses sociais. Portanto, diferentes tipos de interesses e atores sociais envolvidos.
  • Dentro dessa perspectiva, faz-se necessário a construção de ambientes urbanos sustentáveis que demandem novas formas de atuação nos processos de atuação, nos processos de planejamento e gestão. Para Rossetto (2003), uma das grandes fragilidades da gestão urbana se dá pelo fato do tratamento dado à cidade, onde instrumentos e ferramentas são utilizados considerando essa área territorial como empresas, não levando em consideração a complexidade, os conflitos e interesses que as envolve, ou seja, que seja adaptada ao ambiente urbano.
Nesse aspecto, apoiando-se na concepção de gestão democrática da cidade de Schasberg apud Rossetto (2003, p.55-56), entende-se, nesse trabalho, como sendo primordial, a participação da sociedade, nas mais diversas dimensões da administração, de forma consciente e representativa. Para a autora, é princípio básico a difusão do conhecimento dos indicadores urbanos para facilitar a participação.
  • Portanto, a democratização do acesso à terra urbanizada e da gestão urbana e as estratégias de desenvolvimento local e regional podem contribuir decisivamente para alavancar um projeto de desenvolvimento econômico que combata a desigualdade social e promova ações de inclusão social (ROSSETTO, 2003.).
Segundo o documento “Cidades Sustentáveis”, do Ministério do Meio Ambiente (apud BRAGA; CARVALO, 2002, p. 97), para formulação e implementação de políticas públicas compatíveis com os princípios de desenvolvimento sustentável definidos na Agenda 21, estabelece quatro estratégias de sustentabilidade urbana identificadas como prioritárias para o desenvolvimento sustentável das cidades brasileiras, duas das quais remetem diretamente ao Plano Diretor: 
  1. Aperfeiçoar a regulação do uso e da ocupação do solo urbano e promover o ordenamento do território, contribuindo para a melhoria das condições de vida da população, considerando a promoção da equidade, eficiência e qualidade ambiental; 
  2. Promover o desenvolvimento institucional e o fortalecimento da capacidade de planejamento e gestão democrática da cidade, incorporando no processo a dimensão ambiental urbana e assegurando a efetiva participação da sociedade; 
  3. Promover mudanças nos padrões de produção e consumo da cidade, reduzindo custos e desperdícios e fomentando o desenvolvimento de tecnologias urbanas sustentáveis; 
  4. Desenvolver e estimular a aplicação de instrumentos econômicos no gerenciamento dos recursos naturais visando à sustentabilidade urbana.(BRASIL...Apud BRAGA; CARVALHO, 2002, p.97).
Entre os problemas identificados, aponta-se a falta de coerência entre as políticas urbanas e habitacionais que põem em evidência a necessidade de um planejamento ordenado dos instrumentos de regularização e das formas de intervenção nas áreas de conflito entre as áreas de fragilidade ambiental e de ocupação humana, ou seja, dos assentamentos irregulares.
  • Aponta-se, portanto, a necessidade de estudos que visem a adequar os padrões urbanísticos e administrativos às condições socioeconômicas da população, com intuito de buscar estratégias de controle à ocupação ilegal do solo, bem como operacionalizar os programas habitacionais (ATAÍDE, 2005). Tem-se clareza, nesse estudo, da dificuldade de se chegar a um consenso na gestão do ambiente urbano, ou seja, da dificuldade que envolve em se pensar uma política global e unificada para o enfrentamento dos problemas socioambientais urbanos.
Assim, recorrendo a Teixeira apud Tavares que afirma que, no processo de constituição da participação cidadã, tem-se que considerar dois momentos:
[...] Primeiro, o “fazer ou tomar parte”, no processo político-social, por indivíduos, grupos organizados que expressam interesses, identidades, valores que poderiam se situar no campo do “particular”, mas atuando num espaço de heterogeneidade, diversidade, pluralidade. O segundo, o elemento, a cidadania, no sentido “cívico”, enfatizando as dimensões de universalidade, generalidade, igualdade de direitos, responsabilidades e deveres. A dimensão cívica articula-se à ideia de deveres e responsabilidades, a propensão ao comportamento solidário, inclusive relativamente àqueles que, pelas condições econômicas, sociais, encontram-se excluídos do exercício dos direitos, do direito a ter direito. (TEIXEIRA, 2001 apud TAVARES, 2007, p. 14).
Fundamentando-se nesse raciocínio, também é salutar a afirmação de Green (2009) quando assevera ser necessária a cidadania ativa. Segundo o autor, para que o estado trabalhe de forma eficaz, são necessários cidadãos ativos, que lutem por seus direitos e por uma sociedade mais justa e igualitária.
Por isso, entende-se a necessidade da dimensão política para a manutenção da sustentabilidade, ou seja, a redemocratização do estado, da sociedade e das informações. A participação efetiva possibilita que a sociedade defina parâmetros que orientem as ações públicas. Destaca-se ainda a necessária presença de estados efetivos capazes de promoverem e administrarem o processo de desenvolvimento de forma ativa.
  • Considerar esses fatores possibilita o fortalecimento do sentimento de pertencimento dos habitantes a sua cidade. Isso é particularmente importante quando se pensa em envolver a população em uma estratégia de enfrentamento da pobreza, priorizando o espaço local.
Nesse sentido, aponta-se, a seguir, dois modelos de gestão, o modelo proposto por Rossetto (2003) e o modelo trade-off, com o intuito de promover uma reflexão vislumbrando uma proposta de modelo de Gestão Integrada sustentável com a participação dos atores sociais nas políticas públicas de uso e ocupação do solo urbano.

Gestão Integrada e Participativa de Recursos Hídricos 

Modelo de Rossetto:
  • O modelo de Sistema Integrado de Gestão do Ambiente Urbano (SIGAU), proposto por Rossetto (2003), consiste em uma adaptação e utilização de modelos desenvolvidos para a esfera empresarial como o Balanced Scorecard (BSC) – um instrumento utilizado para organizar e sistematizar informações necessárias ao planejamento – e Metodologias Multicritérios de Apoio à Decisão (MCDA) que consiste em um modelo construtivista de tomada de decisões. Tal modelo, tem como intuito ajudar a “melhorar o processo decisório nos diversos níveis de formulação e implementação das políticas públicas urbanas” (ROSSETTO, 2003, p. 96).
Segundo Rossetto, a proposição de seu modelo de SIGAU teve como baliza três marcos, na discussão da política urbana e ambiental do Brasil, que contou com o debate público e a participação de entidades: “a Agenda 21 Brasileira, o movimento pela reforma urbana e as diretrizes gerais estabelecidas no Estatuto da Cidade” (2003, p. 151).
  • Portanto, partiu-se da problemática urbana da área de estudo, buscando-se a elaboração de um modelo com “enfoque na equidade social, prudência ecológica e eficiência econômica”. Amparado na sustentabilidade, na gestão estratégica, no Balanced Scorecard e nas Metodologias Multicritérios de Apoio à Decisão, buscou-se a participação cidadã, nos processos decisórios de planejamento e gestão, como forma de acesso democrático à cidade e equilibrar as tensões existentes entre os distintos atores envolvidos (2003, p. 152).
Conforme descreve Rossetto (20003, p. 4), para a elaboração do SIGAU, foram definidos os fatores críticos na gestão urbana, incorporando indicadores sociais, ambientais, físico-espaciais e econômicos. Utilizou-se a estrutura multinível de avaliação, agregando “informações de distintas naturezas possibilitando a identificação do ponto de sustentabilidade em que se encontra cada subsistema observado ou a cidade como um todo”. Com base nesse discurso, o modelo proposto por Rossetto (p. 153) busca atuar em três níveis organizacionais.
  • Portanto, observa-se que os níveis organizacionais estão distribuídos em grupos deliberativos e executivos, envolvendo desde equipes gestoras, funcionários, associações de classes e a população geral de forma que exista representatividade dos diversos atores envolvidos. Para Rossetto, as representatividades das participações deram “autenticidade aos parâmetros que devem orientar a construção da política urbana em todas as instâncias do poder público” (p. 151).
Dividido em três fases e 18 etapas, o modelo, proposto por Rossetto, engloba o planejamento e a gestão urbana seguindo os seguintes passos: o Planejamento Estratégico Participativo (PEP); a viabilização e a efetivação das estratégias definidas pela comunidade utilizando um Balanced Scorecard (BSC); e a utilização das Metodologias Multricritérios de Apoio à Decisão (MCDA) que auxiliam as equipes técnicas a melhorarem o processo decisório.
  • Observa-se que o primeiro passo, proposto por Rossetto, diz respeito à participação efetiva da população – através de fóruns, audiências públicas e formação de conselhos – além da participação da equipe técnica e instâncias políticas (poder público). Possui um caráter deliberativo. Nesse momento, é realizada a “mobilização para o planejamento, a definição dos participantes e do regulamento para a Conferência da Cidade, a definição da estrutura de capacitação para a participação e o estabelecimento das políticas de comunicação [...]. (ROSSETTO, 2003, p. 160).
Na segunda etapa de planejamento, propõe-se a formação de uma Comissão de Trabalho para cada perspectiva adotada (perspectiva ambiental, social, físico-espacial, econômica). É proposta a participação de:
1 representante do Poder Legislativo; 1 representante do Comitê Gestor do Sistema; Secretários ou representantes das secretarias envolvidas; 1 técnico por secretaria, operadora e concessionária de serviço público envolvidas; 1 representante do PEP, eleito na Conferência da Cidade. 1 representante de entidade considerada importante para a efetivação das estratégias propostas na referida perspectiva (opcional). (ROSSETTO, 2003, p. 184).
Na terceira etapa, são definidos os indicadores que serão utilizados para o acompanhamento das metas estipuladas. Aqui, são vinculados às estratégias definidas no PEP e gerenciadas pelo BSC. Conforme especifica Rossetto (p. 232):
  • A partir da definição para cada estratégia dos objetivos, metas e iniciativas, uma série de projetos podem ser elencados a fim de solucionar o problema apresentado ou para alcançar a meta estabelecida. O método permite a definição de critérios e incorporação de valores ditos sociais, que guiarão a escolha ou priorização de execução dos mesmos. (ROSSETTO, 2003, p.232).
Em relação ao sistema proposto, Rossetto afirma que “engloba o planejamento e a gestão urbana”, envolve momentos distintos e ao mesmo tempo indissociáveis, uma vez que “[...] enquanto o planejamento trata do futuro, a gestão trabalha com o presente, com a execução dos anseios colocados no planejamento”. (ROSSETTO, 2003, (p. 156).
  • Desse modo, busca-se a efetivação do planejamento estratégico participativo, preconizado no Estatuto da Cidade, onde a participação cidadã perpassa desde o orçamento participativo até as etapas de formulação das políticas públicas e de planejamento das cidades (p.158).
Rossetto aponta, ainda, a necessária incorporação, por parte da gestão pública, da participação da comunidade na formulação da visão de longo prazo como forma de direcionar qualquer planejamento. Para a autora, “fórmulas impostas dificilmente são assumidas pelas populações e o consenso fabricado por pequenos grupos não alavanca as ações necessárias à implementação de mudanças estruturais” (p. 24). Portanto, a participação cidadã em todas as etapas do planejamento faz com que a população termine por incorporar as concepções de uma gestão integrada e participativa.
  • Nesse sentido, a partir de escolhas coletivas e observando-se as perspectivas social, ambiental, físico-espacial e econômica integradamente, o SIGAU torna-se outro avanço em busca do desenvolvimento sustentável. Portanto, observa-se que não existe um modelo único para todas as cidades. Como aponta Rossetto
A exemplificação da utilização do SIGAU em um município demonstrou a sua capacidade em, de fato, apoiar o gerenciamento das questões urbanas sem perder a flexibilidade necessária a uma metodologia que pretende se ajustar à heterogênea rede urbana brasileira. Em todas as suas fases o Sistema permite adaptações, nas quais podem ser incluídos ou retirados elementos, formatando os procedimentos a partir das características de cada comunidade. (ROSSETTO, 2003, p. 223).
  • Aqui, a importância de se resguardar as especificidades locais é fundamental, observando-se que indicadores escolher e que dados coletar. No caso proposto por Rossetto, para o município de Passo Fundo, no Rio Grande do Sul, “as perspectivas observadas para o desenvolvimento sustentável foram a social, a ambiental, a físico-espacial e a econômica” (p.243), utilizando como estratégia a garantia que a propriedade cumpra sua função social; a conservação e melhoria do meio ambiente e qualidade de vida; e a preservação do patrimônio histórico e cultural.
Modelo Trade-Off:
  • Coutinho (2005, p. 135) apresenta o significado econômico de trade-off, indicando ser “um processo por meio do qual uma coisa ou um objetivo é escolhido em detrimento de outro – isto é, traz subjacente a noção de sacrifício”. Portanto, para o autor, é atingir uma meta com a máxima eficiência e com o menor sacrifício possível.
Importante instrumento de apoio de tomada de decisão para sistemas de gestão, o trade-off auxilia nas escolhas dos atores sociais entre diferentes alternativas possíveis. Policarpo e Santos (2008, p. 76), aos discutir sobre os modelos de gestão, afirmam que:
  • A maioria destes instrumentos – convencionais – identifica o problema, estabelece os possíveis cenários e seleciona este cenário de acordo com as preferências dos tomadores de decisão. Entretanto, para determinar o êxito desse sistema de gestão, é preciso mais que isso: é essencial a inclusão e a interação dos diferentes atores sociais individuais e/ou coletivos. (POLICARPO; SANTOS, 2008, p.76).
Por conseguinte, para os autores, é no modelo trade-off de apoio à decisões que se consegue uma gestão integrada e participativa, uma vez que proporciona técnicas variadas e um modelo de análise.
Para Policarpo e Santos (2008, p. 76),
[...] esta ferramenta consiste em harmonizar diferentes usos dos recursos com base em cenários e seus impactos possíveis, permitindo a identificação dos diversos atores sociais, seus diferentes interesses, visões, conhecimentos e valores envolvidos no sistema de gestão, e, assim, modificá-lo.(POLICARPO; SANTOS, 2008, p.76).
Por isso, ao envolver os atores sociais, procura-se integrá-los no processo de gestão buscando os seus conhecimentos na tomada de decisões. Tal modelo proporciona, ainda, flexibilidade, interatividade e possibilidade de alterações, ao longo do processo, ou seja, “[...] de acordo com o desenvolvimento das preferências dos atores sociais ou quando uma nova informação científica ou social se torna disponível [...]”. (POLICARPO; SANTOS, 2008, p. 76).
O modelo consiste numa análise multicritério baseada na análise do jogo de atores (Policarpo e Santos, 2008), ou o que se denomina método multicritério de análise de decisão (MMAD). Logo, uma opção para que as diversidades sejam integradas, considerando diversos critérios para o processo de tomada de decisão. Para Vilas Boas [(s.d.]) a abordagem multicritérios funciona como uma base para discussão, principalmente nos casos onde há conflitos, permitindo “avaliar critérios que não podem ser transformados em valores financeiros” (p. 6).
  • Já Miranda (2008) aponta que o método multicritério agrega aspectos quantitativos e qualitativos, objetivos e subjetivos o que permite “estruturar os problemas com um grande número de atributos (critérios de avaliação) que são organizados para apoiar a tomada de decisão”. (MIRANDA, 2008, p. 30)
Policarpo e Santos (2008) apontam que a análise multicritério pode auxiliar na construção de cenários, exigindo, “i) uma identificação de possíveis opções de desenvolvimento e ii) uma avaliação de impactos dessas opções em um conjunto de critérios de gestão, como critérios sociais, ambientais e econômicos”. (POLICARPO; SANTOS, 2008, p. 76).
  • Em vista disso, na análise multicritério, têm-se dimensões e perspectivas que são estabelecidas pelos atores sociais envolvidos, onde se estabelece o denominado “jogo de atores” onde os interesses e os conflitos são identificados e categorizados com o intuito de promover a interação no processo de tomada de decisão.
Portanto, em áreas urbanas, onde existem conflitos de interesses e atores sociais dos mais diversos, entende-se que a análise do jogo de atores se adequa, em especial, para as áreas de uso comum. Para a análise trade-off, Policarpo e Santos (2008) definem ser necessários seguir sete passos.
  • Por essa razão, observa-se que o modelo proposto apresenta importante avanço ao incluir os diversos atores sociais nas tomadas de decisões. Porém, Policarpo e Santos (2008) assinalam que “uma questão chave para este tipo de análise é como identificar os diferentes atores e capacitá-los nos processos de tomada de decisão” (p. 76).
Procedimentos metodológicos:
  • O presente trabalho constitui-se em um estudo comparativo entre os modelos propostos por Rossetto (2003) e o modelo trade-off com o intuito de promover uma reflexão para uma proposta de um modelo de Gestão Integrada sustentável para o ambiente urbano com a participação dos atores sociais. Através da análise comparativa acerca de modelos de gestão urbana, busca-se, nas referências bibliográficas, o amparo teórico para as discussões em tela.
A análise buscou apontar as semelhanças e as diferenças entre esses dois modelos de gestão urbana. Sendo assim, tomou-se como referência os estudos de Rossetto (2003), Policarpo e Santos (2008) e Coutinho (2005), que subsidiaram as discussões acerca dos modelos de gestão integrada.
  • Com relação aos procedimentos técnicos utilizados, e, baseando-se nos estudo de Gil (2002), pode-se classificar a pesquisa como sendo bibliográfica, ou seja, um ensaio teórico de caráter descritivo.
Para realizar a análise comparativa, adaptou-se o modelo de Araújo e Carlos ([s.d.]) destacando-se itens comparados. Para comparação, foram utilizadas cores que identificavam os itens como sendo: Convergência entre os dois modelos; Divergência entre os dois modelos; Convergência parcial entre os modelos. 
  • Os itens comparados foram: a participação dos atores sociais; as formas de participação dos atores sociais; os modelos de análise utilizados; a categorização dos atores sociais; a capacitação ou não dos atores sociais; os aspectos quantitativos e qualitativos se foram agregados ou não; e se as fases de planejamento, execução e controle são previstas nos dois modelos.
Análise comparativa entre os modelos:
  • Os modelos de gestão apresentados nesse trabalho se constituem em um grande avanço para o planejamento e gestão das cidades ao trazer novos conceitos e procedimentos, os quais envolvem a efetiva participação dos atores sociais, preconizados no Estatuto da Cidade de 2001.
Destarte, tanto o modelo trade-off quanto o modelo de Rossetto apontam para a importância da população nos processos decisórios. No entanto, ao contrário do modelo de Rossetto, o modelo trade-off não sinaliza para a efetiva participação da população não somente sendo consultada, como também deliberando sobre assuntos de seus interesses.
  • O modelo de Rossetto se constitui importante ferramenta de gestão apresentando indicadores e fatores críticos onde o planejamento deve atuar. Ambos os modelos estão ancorados na análise multicritério de apoio à decisão, porém, o modelo de Rossetto busca três etapas. 
O Planejamento Estratégico Participativo (PEP); 
  • A viabilização e a efetivação das estratégias definidas pela comunidade utilizando um Balanced Scorecard (BSC); 
  • A utilização das Metodologias Multricritérios de Apoio à Decisão (MCDA), os quais são descritos, de forma detalhada, sendo apontadas as formas de participação de cada ator social. 
O mesmo não acontece no modelo trade-off, onde a especificação da participação dos atores fica bastante restrita.
  • Outro ponto divergente nos modelos propostos é em relação à categorização e capacitação dos atores sociais envolvidos, onde no modelo trade-off sinaliza para a necessidade de se categorizar os atores sociais em grupos prioritários, além de capacitá-los para a tomada de decisões, enquanto no modelo de Rossetto não sinaliza nem para a capacitação, nem para a categorização.
No modelo proposto por Rossetto, estão previstas as fases de planejamento, execução e controle, enquanto no modelo trade-off só está explícito as fases de planejamento e execução.

Outras Considerações:
“É absolutamente incorreto dizer-se sempre que um método é, por definição, melhor do que outro. Na realidade, um é melhor que o outro em determinadas circunstâncias, para determinados fins. todos têm seus méritos e suas falhas. Se um deles fosse absolutamente correto e completo os outros já teriam desaparecido da literatura e da vida prática.” (MARTINS apud ARAÚJO; CARLOS, [s.d.]).
Os modelos de gestão do ambiente urbano, acima descritos, apresentam avanços na gestão das cidades ao propor e apresentar a importância da participação efetiva dos atores sociais envolvidos.
A problemática socioambiental nas áreas urbanas é uma realidade que está posta com a aceleração do processo de urbanização. Conciliar as questões ambientais com o dilema da exclusão social, de um lado, e os conflitos e interesse de outro, é um grande desafio para o planejamento urbano. Sendo assim, a efetiva participação dos atores sociais no processo de planejamento e gestão das cidades emerge como uma forma de tentar equalizar essa realidade.
  • Destacamos, ainda, a complexidade que envolve tal temática, não só por envolver interesses dos mais diversos, como também por não existir um modelo que se adeque a realidades diversificadas, como é o caso das cidades no Brasil. Independendo do tamanho, as cidades brasileiras apresentam problemas urbanos o mais diversos, agudizado pela fragilidade dos instrumentos de gestão pública.
A falta de coerência entre as políticas públicas e as esferas do governo termina por interferir, também e de forma danosa, para a qualidade do ambiente urbano e, portanto, para a qualidade de vida de seus habitantes, consequentemente, da sustentabilidade do ambiente urbano. O planejamento e a gestão urbana não devem ser pensados de forma fragmentada e desarticulada.
  • A utilização de modelos de gestão estratégica, nas empresas, para a realidade das cidades, possibilita criar indicadores de sustentabilidade facilitando, assim, a avaliação e vislumbra um redirecionamento nas ações e estratégias do planejamento e da gestão urbana. Corroboramos com a afirmação de Rossetto quando destaca para o fato de que “o planejamento trata do futuro enquanto a gestão trabalha com o presente”,portanto se constituindo tarefa difícil quando não se traça metas. Nesse sentido, reforça a importância da participação ativa dos atores sociais como conhecedor da realidade e das necessidades que os cercam.
A análise comparativa entre os modelos de gestão urbana proposto por Rossetto e o trade-off permitiu identificar convergências e divergências entre os dois modelos. Quando se observa a participação dos atores sociais nos processos de gestão, verifica-se que ambos os modelos destacam a necessidade do envolvimento de todos os segmentos da sociedade, porém, no modelo de Rossetto, há um avanço, uma vez que destaca a participação em todos os processos: desde o planejamento até o processo de gestão propriamente dito. 
  • Além disso, no modelo de Rossetto, os passos para a identificação dos fatores críticos da gestão, para a identificação dos atores sociais envolvidos bem como as áreas de ação, estão devidamente especificados, indicando as variáveis e os indicadores de sustentabilidade urbana. Estão previsto, neste modelo, as fases de planejamento, execução e controle.Finalizamos, destacando a importância da gestão participativa e da necessidade em se avançar nas práticas de planejamento e de gestão de municípios. 
Tem-se consciência da tarefa árdua, uma vez que se aponta a necessidade de as informações a respeito da gestão e dos problemas urbanos sejam realmente de domínio público; é imprescindível que o poder público entenda a importância da participação comunitária no processo decisório; é importante que a gestão e planejamento não sejam tratados de forma fragmentada, e o que consideramos ser mais importante e delicado é a necessidade de se repensar em que medida a população tem realmente consciência dos problemas que a envolvem e da real importância da sua efetiva participação.

Gestão Integrada e Participativa de Recursos Hídricos