domingo, 27 de dezembro de 2015

O Bom Negócio da Sustentabilidade

O Bom Negócio da Sustentabilidade

  • A história que aqui se vai contar começa na década de 1930 e vai até o início do novo milênio. Parte dos primeiros e ainda tímidos passos dos brasileiros em direção à formação de uma consciência ambiental e chega aos dias de hoje, em que a sociedade inteira começa a se engajar na busca da sustentabilidade.
Embora ainda com uma longa jornada pela frente, o conceito de desenvolvimento sustentável já se firmou o bastante para incorporar, com clareza e de forma indissolúvel, as dimensões econômica, ambiental e social das ações humanas e suas consequências sobre o planeta e os seres que o povoam.
  • Ficaram para trás os tempos de, primeiro, predomínio do econômico e indiferença em relação ao ambiental; depois, preocupação apenas com a proteção da natureza, da qual o homem, com suas dores e necessidades, parecia alijado. 
No novo mundo tripolar, o paradigma é o da integração de economia, ambiente e sociedade, conduzida e praticada em conjunto por três grupos básicos: empresários, governo e sociedade civil organizada.
  • A ferramenta que se oferece na segunda e na terceira parte do livro é um guia de gestão da sustentabilidade. Seu objetivo é facilitar a caminhada dos indivíduos e instituições desses três grupos no mundo novo que se descortina.
Começa a caminhada para o verde:
A noção de desenvolvimento sustentável ainda não tinha surgido para fazer a grande síntese.
  • Nem mesmo a expressão “meio ambiente” era corrente naquele ano de 1933, quando um grupo de cientistas, jornalistas e políticos organizou no Rio de Janeiro, então capital da República, a primeira reunião nacional para discutir políticas de proteção ao “patrimônio natural”. 
Convocada pela Sociedade dos Amigos das Árvores, uma entidade fundada dois anos antes pelo botânico Alberto Sampaio, a “Primeira Conferência Brasileira de Proteção à Natureza” tinha agenda ampla o bastante para incluir “a defesa da flora, fauna, sítios de monumentos naturais, em suma, a proteção e o melhoramento das fontes de vida no Brasil”. 
  • Mas, na prática, o foco do espírito ambientalista da época estava mesmo na preservação do patrimônio vegetal. Compreensível, num país que tinha a maior parte de sua população no campo, vivendo de atividades extrativistas e agrícolas.
Naquelas primeiras décadas do século XX, a acelerada colonização do norte do Paraná e a extração florestal desenfreada riscavam rapidamente da paisagem os pinheirais nativos que caracterizavam a região. Reacendia-se, assim, nas cabeças de cientistas e intelectuais, uma preocupação que começara no século 19, quando os cursos d´água que abasteciam a cidade do Rio de Janeiro minguaram por causa do desmatamento das encostas do Maciço da Tijuca nos duzentos anos anteriores.
  • Não por acaso, o símbolo da Sociedade dos Amigos das Árvores era a Araucaria angustifolia, o pinheiro do paraná.
Embora sem nunca terem chegado a galvanizar a opinião pública, os conservacionistas contabilizaram avanços naquele período. Da reunião de 1933 resultaram subsídios para a elaboração do Código Florestal, no ano seguinte. Em 1937, um decreto federal criava o primeiro parque nacional brasileiro, o de Itatiaia, na divisa do Estado do Rio e Minas Gerais. A luta por sua criação tinha começado em 1913, por iniciativa do botânico Alberto Loefgren. Dois anos depois, a Serra dos Órgãos, também no Estado do Rio, e a região das Cataratas do Iguaçu, no Paraná, ganhavam o mesmo status.
  • Enquanto os cientistas – botânicos, sobretudo - clamavam pela proteção das florestas, pensadores nacionalistas como Alberto Torres - político poderoso no Império, morto em 1917, mas cuja influência se estendeu pelas décadas seguintes - pregavam a necessidade de preservar “os órgãos vitais da nacionalidade, entre eles seus principais recursos”, como forma de manter a independência da nação.
Dessa mistura de bandeiras conservacionistas e nacionalistas nasceria o movimento ambientalista brasileiro. Seu marco decisivo foi o ano de 1958, quando foi criada no Rio de Janeiro a Fundação Brasileira para a Conservação da Natureza (FBCN) – a primeira organização ambientalista a conseguir criar e manter uma presença nacional.
  • As décadas de 1940 e 1950 assistiram aos primeiros esforços consistentes de industrialização do país, primeiro com Getúlio Vargas e seus investimentos em siderurgia e energia e, depois, com Juscelino Kubitscheck e sua política de desenvolvimento acelerado, resumida no lema que o levou à presidência da República: “Cinqüenta anos em cinco”. Com os olhos vidrados nas chaminés das fábricas que surgiam, o país mandava para segundo plano o incipiente conservacionismo dos anos 1930. Entre 1940 e 1959 nenhum parque nacional foi criado.
A FBCN nasceu como uma reação ao desenvolvimentismo exacerbado da era JK. Vários de seus associados eram homens capazes de influir diretamente em medidas governamentais de proteção da natureza. E isso logo se fez sentir: em 1959 o governo federal voltava a utilizar a criação de parques como instrumento de conservação. Três foram criados em 1959 e nada menos que oito em 1961, no curto governo de Jânio Quadros. Nesse período, o presidente do Conselho Federal Florestal era Victor Farah Abdennur, um dos fundadores da FBCN.
  • Mas a industrialização do país, com o conseqüente aumento da urbanização, associada à influência de eventos ocorridos no exterior, logo iria fazer os conservacionistas ampliarem seu foco. Para começar, a publicação de um livro nos Estados Unidos, em 1962, tinha detonado uma verdadeira bomba nos meios industriais e ambientalistas internacionais. “Primavera silenciosa”, obra da bióloga Rachel Louise Carson, pela primeira vez denunciava ao mundo leigo a insidiosa contaminação do meio ambiente por resíduos tóxicos decorrentes do uso de pesticidas químicos. 
Entre eles, o DDT (diclorodifeniltricloroetano), inseticida responsabilizado por disfunções reprodutivas em animais superiores; e outros defensivos utilizados na agricultura - desde então, e para sempre, batizados de agrotóxicos. Daí para que se difundisse a noção de que a intensa atividade industrial do século XX estava contaminando ar, água e solos do planeta com os mais variados resíduos químicos, seria um passo.
  • Ainda era o império do conservacionismo de flora e fauna, mas a idéia da defesa do meio ambiente, muito mais abrangente, já se instalava naqueles efervescentes anos 1960 – a década de ouro do feminismo; do nascimento da noção de defesa do consumidor; das revoltas de estudantes, com sua recusa dos valores burgueses; e do movimento hippie, que acrescentava a essa recusa a pregação de um estilo de vida fora da sociedade de consumo e em comunhão com a natureza.
Num tempo em que a palavra de ordem era contestar, a defesa da natureza logo se revelaria uma das poucas bandeiras capazes de juntar seguidores que, de outra forma, seriam totalmente inconciliáveis.

O Bom Negócio da Sustentabilidade

  • Afinal, o que poderia haver em comum entre personagens tão díspares quanto – digamos – um jovem hippie americano embalado pelo rock e as “viagens” de ácido e um austero e grisalho oficial da Marinha brasileira? Nada, a não ser o discurso em defesa da natureza.
A referência a oficiais da Marinha brasileira não é gratuita. Em 1966, foi eleito presidente da FBCN o zoólogo José Cândido de Mello Carvalho, que tinha sido diretor do Museu Paraense Emílio Goeldi, em Belém. Carvalho deu grande impulso à FBCN ao trazer para dentro da entidade o então incipiente debate sobre a floresta amazônica e ao criar um Boletim Informativo que divulgava a produção científica e intelectual de seus associados. 
  • Com isso, a FBCN começou a atrair militares da Marinha responsáveis pelo patrulhamento – e, por conseqüência, a fiscalização ambiental - da região. Entre esses militares estavam os almirantes José Luiz Belart e Ibsen de Gusmão Câmara, que se tornaram aguerridos militantes conservacionistas numa longa e frutífera cooperação com a FBCN.
Enquanto, no Rio de Janeiro, os ambientalistas capitaneados pela FBCN buscavam usar seu prestígio pessoal para influir nas decisões de governo, no Rio Grande do Sul os defensores da natureza optavam pela mobilização popular.
  • Era o final da década de 1960. Em Porto Alegre, Augusto Carneiro, um vendedor de livros, exmilitante do Partido Comunista Brasileiro, aproximou-se de um agrônomo recém-chegado de uma longa permanência no exterior: José Lutzenberger. A princípio o que os uniu foi o naturismo, que ambos praticavam. Mas logo as animadas conversas entre os dois começaram a derivar para as ciências da natureza. Como muitos gaúchos de sua geração, Carneiro tinha sido leitor atento das apaixonadas crônicas semanais em defesa da natureza publicadas no jornal Correio do Povo por Henrique Roessler – um pioneiro do ambientalismo, ainda hoje reverenciado pelos ambientalistas do Rio Grande do Sul.
Contabilista de profissão, Roessler era um naturalista amador que até morrer, em 1963, fiscalizava por conta própria a caça e a pesca nos banhados gaúchos. Lutzenberger, por sua vez, acabava de deixar um bem-remunerado cargo executivo numa indústria química na Alemanha, incomodado por ganhar a vida com agrotóxicos (ele também tinha lido “Primavera silenciosa”...). Interessava-se pelos aspectos científicos da questão ambiental e lia atentamente as publicações da FBCN, que lhe eram enviadas por outro agrônomo, Antônio Quintas, representante da entidade em Porto Alegre.
  • O país já havia entrado então nos anos negros da ditadura. Eram tempos de censura à imprensa, de prisões e “desaparecimentos” de opositores do regime militar. Carneiro havia deixado o Partido Comunista por insatisfação com seus rumos, mas não perdera a vocação para a militância de esquerda. Com os comunistas, tinha aprendido a organizar associações, promover reuniões, distribuir materiais de leitura. 
O estudioso Lutzenberger fazia o perfil do ideólogo, o homem capaz de organizar o discurso, de reunir idéias dispersas e vagas num conjunto coerente e claro. Gaúchos de variada extração – jornalistas, cientistas, estudantes, donas de casa, senhoras da alta sociedade - acorriam a suas palestras, organizadas por Carneiro.
  • Da combinação de habilidades da dupla resultou a criação, em 1971, da Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural, a Agapan. A sigla logo ultrapassou os limites do Rio Grande do Sul e se tornou conhecida, respeitada e copiada em todo o Brasil. 
A entidade deslanchava barulhentas campanhas contra agressões ambientais no Rio Grande – o despejo de lixo no rio Guaíba, a poluição do ar de Porto Alegre - e encontrava eco na imprensa de todo o país. Sufocados pela censura, jornais e revistas encontravam nas lutas da Agapan as manchetes que não podiam dar sobre assuntos mais estritamente políticos. (Ver “O Caso Borregaard/Riocell”). 
  • Impedidos de se manifestar politicamente em passeatas, estudantes subiam em árvores ameaçadas de derrubada e lá ficavam durante dias, sob as luzes de fotógrafos e cinegrafistas. Atordoadas com aquele novo discurso, que falava de árvores e baleias, as forças da repressão não agiam. A militância pela natureza era a válvula de escape de que todos precisavam.
Enquanto isso, na maior cidade do país, as lutas ambientais tinham menos visibilidade nas ruas e na mídia. Mas deixaram influências que perduram até hoje. 
  • Em 1973, Emílio Miguel Abellá, um artista plástico cinquentão, espanhol de nascimento, cobriu o rosto com uma máscara contra gases e postou-se no movimentado centro de São Paulo. Era um solitário e inédito protesto contra a poluição do ar da mais industrializada cidade brasileira. Ali começou a ação do Mape – Movimento Arte e Pensamento Ecológico, que reunia artistas plásticos em “cruzadas ecológicas” pelo Brasil. Eram alegres e irreverentes caravanas que montavam nas cidades visitadas exposições de arte seguidas de palestras e debates. Na época, poucos se deram conta disso, mas o movimento liderado por Abellá apontava pioneiramente para tendências que viriam a crescer e se firmar nas décadas seguintes. 
Ao trazer artistas para um debate, até então dominado por cientistas e políticos, antecipava a abordagem transdisciplinar, que iria caracterizar o novo paradigma holístico a partir dos anos 1980/90. E quando a maior parte das organizações ambientalistas ainda estava concentrada em temas pontuais como a preservação do mico-leão e a caça às baleias, a revista do Mape, Pensamento Ecológico, já defendia a revisão do modelo de desenvolvimento baseado no uso intensivo dos recursos naturais.
  • Outra presença no movimento ambientalista de São Paulo na virada da década de 1970 era um homem afável, de gestos tranquilos, nascido numa das mais ricas famílias do estado. Paulo Nogueira- Neto interessava-se pela questão ambiental desde a década de 1950, quando trocou uma recém-começada carreira de advogado por um curso de História Natural. Levava uma vida discreta, dando aulas e ocupando cargos de assessoria em órgãos florestais do governo de São Paulo. Mas a partir dos meados dos anos 1970 passa a desempenhar papel vital na continuação da história do ambientalismo no Brasil e, depois, no mundo
O caso Borregaard/Riocell: 
A antiga vilã rende-se à força da comunidade:
  • O caso da indústria de celulose Borregaard, em Guaíba (RS), é a história exemplar de como as pressões da comunidade ganharam poder sobre o destino dos empreendimentos. Inaugurada em 1972, no auge da ditadura militar, quando as organizações comunitárias no Brasil eram vistas com desconfiança pelo regime, mesmo assim logo se tornou ícone nacional de poluição industrial, por causa do cheiro de ovo podre que espalhava no ar de Porto Alegre. Nos 30 anos seguintes, foi obrigada a mudar de nome, de dono e de comportamento.
A fábrica de celulose foi construída no município de Guaíba, próximo a Porto Alegre, pela Borregaard, empresa norueguesa que tinha entre seus sócios no empreendimento o próprio governo brasileiro, através do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Despejava diariamente no ar da região mais de oito toneladas de poluentes, entre os quais o gás sulfídrico, responsável pelo cheiro insuportável. 
  • Com os olhos irritados, dificuldades para respirar e náuseas, os combativos gaúchos foram à luta. Juntaram-se na então recém-criada Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan) e transformaram o combate à poluição da empresa norueguesa na sua principal bandeira.
Enquanto a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) acusava a luta ambientalista de ser uma “psicose” que transformava as indústrias em vilãs, a Agapan e seu fundador, Jos Lutzenberger, ganhavam projeção nacional. O parlamento gaúcho abriu uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar o caso.
  • O relatório da CPI, que havia começado para investigar as questões ambientais, detectou danos aos interesses nacionais no acordo de acionistas para a instalação da fábrica norueguesa no Brasil. Embora os recursos financeiros fossem de bancos estatais brasileiros, o poder de decisão sobre a venda da celulose na Europa era dos noruegueses. 
O documento recomendou a suspensão imediata das atividades da fábrica para aperfeiçoamentos técnicos do controle da poluição, a reformulação da política de florestamento e reflorestamento do Rio Grande do Sul, para atender as demandas ambientais e não apenas as econômicas, e a nacionalização do capital da empresa. 
  • O resultado foi a transferência, em dezembro de 1975, de 51% do controle acionário para o Montepio da Família Militar (MFM), nacionalizando em 95% a empresa, que nessa ocasião trocou o nome Borregaard – irremediavelmente associado a sujeira, mau-cheiro e doença – para Riocell (Rio Grande Companhia de Celulose do Sul Ltda).
Desde então, a empresa trocou de controladores mais quatro vezes. Investiu em equipamentos de controle ambiental e na década de 1980 já não emitia mais mau cheiro. Contratou consultorias como a do antigo algoz, José Lutzemberger, que passou a cuidar da sua área florestal e de seu parque ecológico.
  • Na década seguinte, o foco dos ambientalistas mudou do ar para a água - a poluição dos efluentes líquidos carregados de compostos orgânicos e clorados foi reconhecida como muito tóxica. A Riocell estava justamente formulando um projeto de ampliação da produção, em 1992, quando o Ministério Público interveio, barrando a licença. O processo ficou nove anos na Justiça. Nesse meio tempo a empresa continuou investindo em sistemas antipoluição.
"O fim de um dos capítulos mais polêmicos e problemáticos da história ambiental do Rio Grande do Sul", como define o diretor-presidente da Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam), Nilvo Luiz Alves da Silva, começou a se esboçar em 1999. Numa articulação que envolveu o Ministério Público, a Fepam e diversas organizações da sociedade civil, a Riocell remodelou aspectos do seu processo produtivo, submetendo-se a critérios mais atuais e rígidos de licenciamento. 
  • E ainda comprometeu-se a substituir o cloro elementar empregado no processo de branqueamento da celulose – principal gerador das temidas dioxinas, substâncias nocivas à saúde humana que se espalham pelo meio ambiente – por uma mistura de oxigênio, dióxido de cloro, ácido sulfúrico e peróxido de hidrogênio.
Hoje a empresa, rebatizada de Klabin Riocell S.A, é uma das primeiras empresas a participar do inventário de Poluentes Orgânicos Persistentes (POPs), projeto pioneiro que pretende medir e identificar fontes de poluição para a elaboração de políticas de controle e mitigação de danos ambientais.

O Bom Negócio da Sustentabilidade