terça-feira, 29 de dezembro de 2015

O Bom Negócio e a Política de Meio Ambiente

A Política de Meio Ambiente

  • A formulação de uma política de meio ambiente para o Brasil foi uma decisão de governo, tomada no começo da década de 1970, como uma resposta a pressões vindas do exterior. 
A sociedade brasileira pouco foi ouvida. Além disso, bem ao estilo da época – e não apenas no Brasil, a política ambiental instalada no país seguiu os padrões do comando-e-controle, sem qualquer possibilidade de espaço para a auto-regulação. 
  • Por comando-e-controle, entendam-se as regulações governamentais, que definem normas de desempenho para as tecnologias e produtos, estabelecem padrões de emissão de efluentes e de utilização dos recursos naturais. 
Ou seja, o governo, em suas diferentes instâncias, estabelece as normas; empresas e cidadãos tratam de cumpri-las – ou são punidos com multas e interdições pelo não-cumprimento. Durante muito tempo, o comando-e-controle seria o único instrumento de gestão ambiental utilizado na maioria dos países.
  • Até meados da década de 1970, não existia no Brasil gestão ambiental, no sentido de um conjunto de ações e políticas integradas para moldar a relação do homem com o ambiente. As normas de proteção à natureza estavam dispersas em diferentes instrumentos legais, como os códigos florestal, de obras, de águas, de caça e pesca; a lei de proteção aos animais e outras posturas municipais. 
Esse panorama só começou a mudar depois que a Organização das Nações Unidas (ONU) convocou uma Conferência Internacional sobre Meio Ambiente Humano, marcando-a para junho de 1972.
  • Nos últimos anos da década de 1960, ganhava corpo na comunidade internacional a idéia de que haveria uma incompatibilidade inelutável entre desenvolvimento e meio ambiente. Uma vasta produção científica e intelectual apontava um futuro sombrio para a espécie humana. Livros e conferências difundiam a tese de que o planeta rumaria para a catástrofe se os países subdesenvolvidos quisessem seguir os passos dos ricos em seu consumo desenfreado dos recursos do planeta.
Os futurologistas mais moderados previam o fim de recursos naturais não-renováveis, como petróleo e cobre, em poucas décadas. Os mais radicais, como os cientistas americanos Dennis e Donella Meadows, autores de um relatório que ficaria célebre - Limites do Crescimento, de 1972 3-, diziam que o crescimento econômico exponencial abalaria os fundamentos naturais da vida. 
  • O estudo dos Meadows patrocinado pelo Clube de Roma, um “think tank” formado por cientistas, intelectuais e empresários para discutir o futuro do mundo - previa que, se fossem mantidos os níveis de industrialização, poluição, produção de alimentos e exploração dos recursos naturais, os limites do crescimento seriam atingidos em menos de cem anos, e para a humanidade seria o começo do fim. Boa parte das idéias defendidas em Limites do Crescimento já haviam sido expostas numa conferência internacional do Clube de Roma, realizada no Rio de Janeiro em julho de 1971.
Algumas poucas vozes reagiam ao “catastrofismo”, mas, no geral, tudo se encaminhava para a consolidação da idéia de que as nações ricas eram as únicas áreas viáveis do mundo e os países que não haviam enriquecido até aquele momento deveriam desistir de fazê-lo – em prol da sobrevivência da vida na Terra.
  • Foi aí que a ONU decidiu convocar a conferência de Estocolmo. Quando o tema, até então tratado na esfera acadêmica, foi levado para o nível dos governos, o vento começou a mudar. E o Brasil teve papel destacado nessa história.
No auge da ditadura militar, o país vivia também o auge do chamado “milagre econômico”: a economia crescia a taxas médias de espantosos 10% ao ano, graças a uma vigorosa política de implantação de infra-estrutura industrial e substituição de importações. Os militares e tecnocratas que moldavam o projeto do “Brasil Grande”, do “Brasil Potência”, não estavam dispostos a ver sua obra – largamente baseada em empréstimos externos – comprometida pelo projeto dos ricos de limitar o desenvolvimento dos pobres.
  • Foi assim que, nas duas reuniões preparatórias à conferência de Estocolmo, realizadas na Cidade do México, em setembro de 1971, e em Nova York, em março de 1972, os diplomatas brasileiros tomaram a si a tarefa de arregimentar os países subdesenvolvidos para enfrentar os “limitadores do crescimento”. 
No encontro da Cidade do México, o chefe da missão brasileira, embaixador Miguel Osório de Almeida, argumentava: “Se toda poluição gerada pelos países desenvolvidos pudesse ser banida do mundo, não se verificaria poluição de importância significativa no globo; vice-versa, se toda poluição atribuível à atividade de países subdesenvolvidos desaparecesse, manter-se-iam praticamente todos os atuais perigos e riscos de poluição” .
  • Dispostos a “fazer a cabeça” de pessoas-chave nas discussões que iriam ocorrer em Estocolmo, entre 04 e 16 de junho de 1972, trouxeram ao Brasil o próprio secretário-geral da Conferência indicado pela ONU, Maurice Strong. Acompanhado pelo embaixador Amoroso Castro, então representante do Brasil na Inglaterra, Strong percorreu o país, ouvindo de seus anfitriões veementes discursos sobre a impropriedade de se aplicar ao Hemisfério Sul, com suas peculiaridades geográficas e climáticas, os mesmos critérios antipoluição do Hemisfério Norte.
Quando os 1.200 delegados de 112 nações finalmente se encontraram em Estocolmo, já tinha havido, “graças à conduta firme do Brasil, uma evidente mudança da concepção geral sobre a questão”, nas palavras de Strong ao enviado especial do jornal O Globo, Jànos Lengyel. O chefe da delegação brasileira, o ministro do Interior, general José Costa Cavalcanti, resumia: “A pior poluição é a da pobreza”. 
  • Esta espécie de poluição, dizia ele, “abrange, nas zonas rurais, a erosão do solo e a deterioração causada por práticas incorretas na agricultura e na exploração florestal. Abrange também condições sanitárias inadequadas e contaminação da água e dos alimentos. Nas zonas urbanas, os problemas são ainda mais complexos, como conseqüência de densidades urbanas excessivas, com baixos níveis de renda”.
Em resumo, os brasileiros defenderam os seguintes princípios:
  1. Para os países em desenvolvimento, o melhor instrumento para melhorar o ambiente e combater a poluição é o desenvolvimento econômico e social;
  2.  O desenvolvimento e o meio ambiente, longe de serem conceitos antagônicos, se completam;
  3. O Brasil defende intransigentemente a política da soberania nacional, no que se relaciona com o aproveitamento dos recursos naturais e acha que os problemas de meio ambiente são, na maioria, de âmbito nacional;
  4. Como a poluição industrial é provocada principalmente pelos países desenvolvidos, compete a esses países o maior ônus na luta contra ela.
O governo brasileiro saiu vitorioso da Conferência de Estocolmo. A Declaração de Princípios finalmente assinada incorporava as posições do Brasil. Mas foi uma vitória com sabor amargo. Logo a opinião pública nacional e internacional interpretaria a posição brasileira como um elogio da poluição:
“Brasil prega o desenvolvimento econômico a qualquer custo”, “Brasileiros querem poluição” – berravam manchetes de jornais na Europa e nos Estados Unidos. A distorção do que se defendera em Estocolmo não era de todo injusta. Mais de um ministro da área econômica deu entrevistas sugerindo que “se os países ricos não queriam poluição, suas indústrias seriam bem-vindas no Brasil”.
A imagem do governo brasileiro no exterior já era péssima. Órgãos internacionais de defesa dos direitos humanos denunciavam as torturas e assassinatos de presos políticos, o amordaçamento da imprensa e a submissão do Congresso aos militares. 
  • Agora, além de torturadores, poluidores. Melhor não acrescentar mais essa conta a tal passivo, pensaram os generais. E decidiram dar uma satisfação à opinião pública: criar uma autarquia, subordinada ao Ministério do Interior, para cuidar da “conservação do meio ambiente e do uso racional dos recursos naturais”.
Em 30 de outubro de 1973, o presidente da República, general Emílio Garrastazu Médici, assinava o decreto 73.030/73 que criava a Sema - Secretaria Especial do Meio Ambiente. Para chefiá-la, mandou buscar em São Paulo o biólogo Paulo Nogueira Neto.

A Política de Meio Ambiente 

  • Nascido numa família de ricos usineiros paulistas, era irmão de José Bonifácio Coutinho Nogueira, um político ligado ao regime. 
Se essas ligações familiares o tornavam palatável para os militares, apresentava outros atributos que – como o tempo se encarregaria de mostrar – lhe confeririam legitimidade para permanecer nada menos que 12 anos no posto e entrar no panteão do ambientalismo nacional e internacional. 
  • Nesse período, ajudou a ampliar a noção de meio ambiente no Brasil, até então restrita aos conceitos de fauna e flora. Levou para a esfera governamental a discussão sobre poluição e desmatamento, num período em que programas de governo estimulavam a colonização da Amazônia à custa da derrubada de vastas extensões de matas e em que, nas principais cidades do país, a especulação imobiliária corria solta, também financiada por programas oficiais de incentivo à construção civil.
Liderou a formulação da política nacional de meio ambiente, ainda hoje uma das mais avançadas do mundo; introduziu as Áreas de Proteção Ambiental e as estações ecológicas; e participou da formulação do conceito de desenvolvimento sustentável, ao integrar, em 1984, a comissão da ONU que produziu o famoso relatório Brundtland.
  • Doutor em comportamento das abelhas, professor da Universidade de São Paulo, presidente da Associação Brasileira de Defesa da Flora e da Fauna e do Conselho Florestal de São Paulo, Paulo Nogueira Neto é também bacharel em Direito. 
Essa formação ampla provavelmente contribuiu para que ele aproveitasse ao máximo e levasse adiante as possibilidades abertas pelo instrumento de criação da Sema. Ao definir as competências da entidade, o Decreto 73.030/73 introduziu o conceito da natureza como um universo integrado – uma abordagem que hoje se chamaria de “holística”. Era uma mudança radical, num país cuja tradição sempre foi a de tratar os recursos naturais em compartimentos estanques.
  • Basta lembrar que a legislação sobre o assunto, formulada a partir da década de 30, dividia-se em um código para as águas, outro para as florestas, outro para a fauna, e assim por diante. Ao mesmo tempo em que percebia a importância da abordagem integrada do meio ambiente,
Nogueira Neto sabia que, se comandasse a política de meio ambiente a partir de ações e decisões centralizadas em Brasília, fracassaria. Não poderia esperar apoio unânime dentro do governo. Pelo contrário. Órgãos ambientais fazem um corte transversal no governo, pois suas atribuições têm pontos de contato com todas áreas. Tendem, por isso, a fazer adversários também em todas as áreas.
  • Não faltavam zonas de conflito ambiental no governo federal. O Ministério da Agricultura, por exemplo, queria regulamentar a aplicação de adubos e agrotóxicos. O Ministério da Fazenda era contra: temia que caísse a arrecadação. Em vez de entrar em brigas federais, Nogueira Neto sabiamente saiu em busca de aliados fora de Brasília. Aproveitou a proximidade das eleições de novembro de 1974, que iriam renovar o Congresso Nacional, e começou a percorrer os estados, avisando que haveria dinheiro federal para que investissem na criação de órgãos ambientais.
A máquina burocrática dos estados reproduzia a federal: órgãos estanques cuidando de diferentes aspectos do meio ambiente. Os técnicos desses órgãos eram vistos com desconfiança pelos de outros órgãos do governo, sua interferência entendida como invasão de espaço. Não foi difícil para Nogueira Neto estabelecer as alianças que buscava e conseguir uma massa crítica de técnicos ambientalistas espalhados pelo Brasil.
  • No Rio de Janeiro, o titular da Sema encontrou uma situação particularmente propícia. A antiga capital federal, transformada em estado da Guanabara desde a inauguração de Brasília, em 1960, iria fundir-se com o antigo Estado do Rio de Janeiro. Naquele ano de 1974, grupos de trabalho formados por autoridades e funcionários dos dois estados ocupavam-se de preparar a fusão, marcada para o ano seguinte. Um desses grupos era o de saneamento e meio ambiente. 
O almirante Floriano Peixoto Faria Lima, escolhido pelos militares para ser o governador do novo Estado do Rio que resultaria da fusão, nomeou o engenheiro Hugo de Mattos para presidir o grupo. Seu núcleo principal era formado por engenheiros da Cedag, a Companhia Estadual de Águas do Estado da Guanabara. Esse grupo organizou a Cedae – Companhia Estadual de Água e Esgoto e a Feema – Fundação Estadual de Engenharia do Meio Ambiente.
  • Enquanto nos outros estados os órgãos ambientais resultaram de adaptações na estrutura existente, no Rio de Janeiro a coincidência com a fusão permitiu montar uma estrutura inteiramente nova, exclusivamente dedicada ao meio ambiente e – o mais importante – multidisciplinar, capaz de integrar diversas áreas de conhecimento, algo radicalmente novo para a época. 
A Feema recebeu como herança o Instituto de Engenharia Sanitária da Guanabara; a divisão de combate a insetos da Esag, a empresa de saneamento da Guanabara; o serviço de controle da poluição da Sanerj, a empresa de saneamento do antigo Estado do Rio; e o Instituto de Conservação da Natureza, órgão dedicado à conservação de fauna e flora e onde atuavam cientistas respeitados como o agrônomo Alceo Magnanini e o primatologista Adelmar Coimbra Filho. 
  • A Feema nasceu, por isso, mais abrangente, como convém a um órgão ambiental, do que, por exemplo, sua contraparte paulista, a Cetesb – Companhia Estadual de Tecnologia de Saneamento Básico, focada, como o nome indica, em saneamento básico.
Muitos dos instrumentos de gestão ambiental concebidos para o Rio de Janeiro se tornaram modelos para o resto do país. Foi a Feema que introduziu no Brasil os relatórios de impacto ambiental e as audiências públicas para análise de empreendimentos com impacto potencial sobre o meio ambiente.
  • Hoje são exigidos por legislação federal. Seu Sistema de Licenciamento de Atividades Poluidoras – Slap foi adotado por outros estados, como Minas Gerais e Santa Catarina e, depois, também pela União. 
Mas a principal contribuição do Rio de Janeiro foi provavelmente o arcabouço jurídico/institucional criado para lidar com as agressões ao meio ambiente. Ao separar a instância técnica da instância política, deu transparência às decisões e ações de controle ambiental no estado. A Feema é o órgão técnico, enquanto a Ceca – Comissão Estadual de Controle Ambiental detém o poder de polícia ambiental e, por conseguinte, a competência política. 
  • Órgão colegiado, formado por representantes das diversas áreas do governo estadual, cabe à Ceca a decisão final sobre a aplicação de punições – que podem ir de multas à ordem para relocalização do empreendimento e, em casos extremos, à interdição temporária ou permanente.
A entrada em cena dos órgãos estaduais de controle ambiental ajudou a chamar atenção para a poluição industrial. As lutas ambientais, até então mais voltadas para o preservacionismo de fauna e flora, passam a se desenrolar também no cenário urbano. 
  • Organizados em associações de moradores, os habitantes das cidades começam a se queixar da água suja, do solo contaminado, do ar irrespirável. A mídia lhes abre espaço. Na esfera pública, os técnicos festejam. Usam as pressões da sociedade civil para, por sua vez, pressionar as instâncias de decisão política do governo – estadual e federal. 
Criava-se assim um interessante sistema de apoio mútuo entre setores de governo e da sociedade civil. De fora, ficaram as empresas. Mantinham-se conservadoramente refratárias à maré ecologista que crescia. Houve quem quebrasse por causa disso. (Ver “O caso Ingá ”). 
  • Mesmo respaldada nas nascentes organizações da sociedade civil, a ação dos órgãos estaduais de controle ambiental não se fez sem percalços e sobressaltos. A ditadura contribuía para a arrogância das empresas. Era um tempo em que bastava o governo federal declarar uma área ou atividade como “de segurança nacional” para que se tornasse imune à ação da fiscalização ambiental. O fiscal que insistisse teria que enfrentar o temível aparato de informações do governo, encarregado de zelar pela “segurança nacional”. 
Mais de uma vez, fiscais da Feema foram impedidos de entrar nas instalações da então estatal Companhia Siderúrgica Nacional, em Volta Redonda. A Petrobrás ignorava sistematicamente as intimações do órgão de controle, enquanto de seus oleodutos escapavam com freqüência derramamentos de óleo.
  • Episódio emblemático do período ocorreu em Contagem, Minas Gerais. Os moradores dos bairros vizinhos à fábrica da Companhia de Cimento Portland Itaú sofriam com o material particulado lançado ao ar pela empresa. Bronquites e crises alérgicas eram atribuídas ao pó branco que cobria todas as superfícies nas imediações da indústria. 
No dia 6 de agosto de 1975, a prefeitura municipal de Contagem, baseando-se na legislação de saúde pública, cassou a licença de funcionamento da empresa e condicionou a liberação à instalação de equipamentos antipoluição. Uma semana depois, o Decreto-lei 1413, assinado pelo presidente da República, general Ernesto Geisel, determinava que só o governo federal podia suspender o funcionamento de estabelecimentos industriais cujas atividades fossem consideradas de interesse do desenvolvimento e da segurança nacional. 
  • Para que não restassem dúvidas, enquadrava nesses casos as indústrias situadas em todas as capitais e nas cidades integrantes de regiões metropolitanas. O decreto não era retroativo, mas o prefeito de Contagem, Newton Cardoso, entendeu o recado e revogou a interdição da fábrica.
Quando a prefeitura de Contagem jogou o peso de seu poder sobre a empresa poluidora e quando o governo federal fez o mesmo com a prefeitura mineira ambos estavam seguindo um só modelo – o do comando-e-controle. As fragilidades desse modelo começariam a ficar evidentes à medida que se ampliava a abrangência do conceito de meio ambiente. 
  • A modernização tecnológica desafiava os técnicos dos órgãos ambientais. Tantos e tão variados eram os conhecimentos exigidos que, por mais bem aparelhado e multidisciplinar que fosse o corpo técnico do órgão de controle, era-lhe impossível dar conta de todas as variáveis.
Não raro atrasavam-se investimentos de empresas ou acrescentavam-se custos desnecessários aos projetos pela dificuldade técnica do órgão público para tomar uma decisão. Ainda hoje acontece isso. Temendo decidir errado, os técnicos por vezes hesitam em conceder uma licença ambiental.
  • Uma solução para esse problema está na formação de parcerias e na contratação de consultorias em universidades, instituições de pesquisa e empresas privadas. É um meio de aportar conhecimento ao sistema. Introduzem-se novos atores, democratiza-se a decisão. Uma primeira iniciativa dessa natureza foi feita na Feema já em 1976. O então diretor técnico-científico, Ricardo Silveira, trouxe para o Brasil a idéia, então nova na Europa, do Relatório de Impacto sobre o Meio Ambiente (o Rima).
O Rima destina-se justamente a cobrir as lacunas de conhecimento técnico. Assim, todo empreendimento novo que possa causar impacto ao meio ambiente tem que ser precedido de uma análise com esse objetivo. Seus custos são pagos não pelo Estado, mas pelo principal beneficiado da licença pleiteada ao poder público – o dono do empreendimento.
  • Ainda se passaria uma década antes que o Rima fosse aplicado pelo governo federal. Embora previsto na lei que instituiu a Política Nacional de Meio Ambiente, em 1981, só foi de fato regulamentado – sob a forma de Estudo de Impacto Ambiental e respectivo Rima (o chamado EIA/Rima) – em 1986. É um importante mecanismo de gestão ambiental que põe em colaboração o poder público e a empresa privada. Vai além do comando-e-controle.
Outros instrumentos de abertura e democratização da decisão na área ambiental são as audiências públicas, que permitem à sociedade em geral conhecer e discutir o Rima de cada empreendimento, e a ação pública – pela qual o Ministério Público tem o poder de promover ação civil e penal de reparação de danos ambientais. Esse mecanismos começaram a ser utilizados no Brasil também na década de 1980.
  • A Lei 6938/81, que instituiu a Política Nacional de Meio Ambiente, introduziu uma nova figura jurídica, a dos recursos ambientais, que definiu como: “a atmosfera, as águas interiores, superficiais e subterrâneas, os estuários, o mar territorial, o solo, o subsolo e os elementos da biosfera”. Com isso, os chamados recursos naturais foram abrangidos por um conceito bem mais amplo. Até então, apenas alguns recursos naturais, isoladamente, mereciam atenção legal. 
As florestas, a fauna, a água e os outros minerais eram tratados em legislação específica, com enfoque apenas econômico.10 Com o novo e mais abrangente enfoque, a lei oficializou uma mudança conceitual que iria gerar seus maiores frutos ao longo dos anos 1980 e 1990. Logo, um novo conceito iria surgir – o do desenvolvimento sustentável.

O caso Ingá: O ônus ficou para a sociedade:
  • Em Coroa Grande, às margens da baía de Sepetiba, uma das três baías do Estado do Rio, ergue-se uma “montanha” feita de resíduos de minério de zinco e cádmio. São dois milhões de toneladas. 
Quando chove, a água “lava” o minério e escorre para a baía, levando junto o zinco e o cádmio, metais pesados que contaminam peixes, moluscos e crustáceos e entram na cadeia alimentar até o homem. O cádmio, sobretudo, é um elemento que, acumulando-se nos organismos vivos, substitui o cálcio nos tecidos ósseos. Em outras palavras, destrói o esqueleto de quem o ingere.
  • A “montanha” de zinco e cádmio que destrói a vida na baía de Sepetiba, ameaça a saúde de quem consome o pescado e desestimula a pesca e o turismo naquela área é um dos mais tristes exemplos de passivo ambiental gerado por práticas insustentáveis econômica e ecologicamente. A empresa que produziu a poluição faliu. O ônus de limpar a área - ou conviver com o material tóxico, como na verdade está acontecendo - ficou para a sociedade.
Durante mais de 30 anos, a Companhia Mercantil e Industrial Ingá, empresa pertencente a um poderoso grupo familiar, produziu zinco e cádmio em Coroa Grande e despejou os resíduos da produção numa área de 350 mil metros quadrados junto à fábrica. O minério era transportado de Goiás para o Estado do Rio em caminhões, numa viagem de milhares de quilômetros. 
  • A indústria usava uma tecnologia antiga, do início dos anos 60, que só recuperava pequena fração do zinco. A prática só se justificou economicamente enquanto a empresa pôde despejar os resíduos no meio ambiente sem a obrigação de tratá-los.
Em 1976, a então recém-criada Fundação Estadual de Engenharia do Meio Ambiente (Feema) considerou a Ingá o mais grave caso de poluição industrial do Estado do Rio e passou a cobrar a monitoração ambiental e a instalação de sistemas de disposição e tratamento de resíduos. 
  • A partir daí, e ao longo de quase duas décadas, foram muitas as escaramuças entre o órgão de controle e a empresa. Os dirigentes da Ingá levavam meses, às vezes anos, para atender a cada exigência da Feema. Só para apresentar um relatório de impacto de seus despejos no meio ambiente, a empresa demorou quatro anos.
Foram dezenas de intimações ignoradas, multas aplicadas e até uma visita da polícia para obrigar os diretores a permitir a entrada de técnicos da Feema. A indústria chegou a construir um dique em torno da bacia de acumulação de resíduos e uma estação de tratamento de efluentes líquidos. Mas as obras nunca foram suficientes para evitar a percolação (infiltração no solo da água da chuva contaminada com os metais pesados), nem para conter os vazamentos acidentais após chuvas fortes. 
  • Entre 1985 e 1996, o dique transbordou cinco vezes, deixando os efluentes chegarem à baía. Em 1991, estudos da Feema e de universidades calculavam que a baía de Sepetiba recebia 1,3 tonelada de cádmio por ano, quase tudo proveniente da Ingá.
Em 1989, a empresa decidiu mudar sua imagem. Criou um projeto batizado de “Ingá Mata Atlântica”, prometendo plantar árvores em seus terrenos e anunciou investimentos na construção de um aterro em outro local mais apropriado. O projeto foi licenciado pela Feema, mas nunca saiu do papel. 
  • A essa altura, os bancos já olhavam o empreendimento com desconfiança. Preocupados com o tamanho do passivo ambiental da empresa e a repercussão na mídia, acabaram por retirar a sustentação financeira que lhe davam. Em 1998, a Ingá faliu. Deixou na massa falida sua herança de rejeitos, que continuam a contaminar as águas de Sepetiba. 
Para cobrir a lixeira de 350 mil metros quadrados, reduzindo – mas não eliminando - a poluição, serão necessários no mínimo 8 milhões de dólares. Ou quatro vezes mais, se a opção for pela transferência dos rejeitos para outro local. A escolha é da sociedade – a quem caberá pagar a conta.

A Política de Meio Ambiente