segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

Qualidade de vida e saúde: um debate necessário

Qualidade de vida e saúde: um debate necessário

  • Tornou-se lugar-comum, no âmbito do setor saúde, repetir, com algumas variantes, a seguinte frase: saúde não é doença, saúde é qualidade de vida. 
Por mais correta que esteja, tal afirmativa costuma ser vazia de significado e, freqüentemente, revela a dificuldade que temos, como profissionais da área, de encontrar algum sentido teórico e epistemológico fora do marco referencial do sistema médico que, sem dúvida, domina a reflexão e a prática do campo da saúde pública. 
  • Dizer, portanto, que o conceito de saúde tem relações ou deve estar mais próximo da noção de qualidade de vida, que saúde não é mera ausência de doença, já é um bom começo, porque manifesta o mal-estar com o reducionismo biomédico. Porém, pouco acrescenta à reflexão.
Para realizar este trabalho, pesquisamos detalhadamente os anais dos congressos gerais e temáticos da Abrasco, assim como os registros de diversos seminários realizados pela instituição. 
  • Trata-se de material de grande relevância, já que saúde coletiva tem, nesses eventos científicos, sua expressão privilegiada. O termo qualidade de vida aparece sempre com sentido bastante genérico. Ora é empregado como título de seminários, chegando a designar o 2º Congresso de Epidemiologia, Qualidade de vida: compromisso histórico da epidemiologia (Lima e Costa & Sousa, 1994), ora está associado a algumas classificações nos agrupamentos dos trabalhos dos vários congressos. 
Porém, em nenhum momento, existe uma definição dessa relação, seja no nível mais elementar de noção, e muito menos, como conceito. Isso quer dizer que se a idéia geral de qualidade de vida está presente, precisa ser mais bem explicitada e clarificada. Na abertura do 2º Congresso de Epidemiologia, Rufino Netto (1994) assim se refere: Vou considerar como qualidade de vida boa ou excelente aquela que ofereça um mínimo de condições para que os indivíduos nela inseridos possam desenvolver o máximo de suas potencialidades, sejam estas: viver, sentir ou amar, trabalhar, produzindo bens e serviços, fazendo ciência ou artes. Falta o esforço de fazer da noção um conceito e torná-lo operativo.
  • A área médica, por sua vez, já incorporou o tema qualidade de vida na sua prática profissional. Quando se apropria do termo, porém, o utiliza dentro do referencial da clínica, para designar o movimento em que, a partir de situações de lesões físicas ou biológicas, se oferecem indicações técnicas de melhorias nas condições de vida dos enfermos. A expressão usada é qualidade de vida em saúde. No entanto, a noção de saúde é totalmente funcional e corresponde ao seu contrário: a doença em causa, evidenciando uma visão medicalizada do tema. 
Os indicadores criados para medir esta qualidade de vida são notadamente bioestatísticos, psicométricos e econômicos, fundamentados em uma lógica de custo-benefício. E as técnicas criadas para medi-la não levam em conta o contexto cultural, social, de história de vida e do percurso dos indivíduos cuja qualidade de vida pretendem medir (Hubert, 1997).
  • Neste artigo, aceitamos o desafio de aprofundar a discussão sobre as relações entre saúde e qualidade de vida, por meio de um revisão sumária da literatura, buscando as bases conceituais e os fundamentos teórico-práticos de suas principais medidas. Trabalhamos a elaboração dos discursos e das técnicas de mensuração. 
Assim, esperamos poder contribuir para estabelecer um profícuo diálogo interdisciplinar, permitindo avançar no conhecimento e dar consistência a um tema que consideramos de grande importância tanto para a teoria como para a prática da saúde coletiva.

Qualidade de vida: uma noção polissêmica
  • Quanto mais aprimorada a democracia, mais ampla é a noção de qualidade de vida, o grau de bem-estar da sociedade e de igual acesso a bens materiais e culturais (Olga Matos, 1999).
Qualidade de vida é uma noção eminentemente humana, que tem sido aproximada ao grau de satisfação encontrado na vida familiar, amorosa, social e ambiental e à própria estética existencial. Pressupõe a capacidade de efetuar uma síntese cultural de todos os elementos que determinada sociedade considera seu padrão de conforto e bem-estar. 
  • O termo abrange muitos significados, que refletem conhecimentos, experiências e valores de indivíduos e coletividades que a ele se reportam em variadas épocas, espaços e histórias diferentes, sendo portanto uma construção social com a marca da relatividade cultural.
Auquier et al. (1997) a qualificam como um conceito equívoco como o de inteligência, ambos dotados de um senso comum variável de um indivíduo ao outro. (Martin & Stockler, 1998) sugerem que qualidade de vida seja definida em termos da distância entre expectativas individuais e a realidade (sendo que quanto menor a distância, melhor).
  • A relatividade da noção, que em última instância remete ao plano individual, tem pelo menos três fóruns de referência. O primeiro é histórico. Ou seja, em determinado tempo de seu desenvolvimento econômico, social e tecnológico, uma sociedade específica tem um parâmetro de qualidade de vida diferente da mesma sociedade em outra etapa histórica. O segundo é cultural. 
Certamente, valores e necessidades são construídos e hierarquizados diferentemente pelos povos, revelando suas tradições. O terceiro aspecto se refere às estratificações ou classes sociais. Os estudiosos que analisam as sociedades em que as desigualdades e heterogeneidades são muito fortes mostram que os padrões e as concepções de bem-estar são também estratificados: a idéia de qualidade de vida está relacionada ao bem-estar das camadas superiores e à passagem de um limiar a outro.
  • O relativismo cultural, no entanto, não nos impede de perceber que um modelo hegemônico está a um passo de adquirir significado planetário. É o preconizado pelo mundo ocidental, urbanizado, rico, polarizado por um certo número de valores, que poderiam ser assim resumidos: conforto, prazer, boa mesa, moda, utilidades domésticas, viagens, carro, televisão, telefone, computador, uso de tecnologias que diminuem o trabalho manual, consumo de arte e cultura, entre outras comodidades e riquezas.
A partir do crescimento do movimento ambientalista na década de 1970, o questionamento dos modelos de bem-estar predatórios, agregaram, à noção de conforto, bem-estar e qualidade de vida, a perspectiva da ecologia humana - que trata do ambiente biogeoquímico, no qual vivem o indivíduo e a população; e o conjunto das relações que os seres humanos estabelecem entre si e com a própria natureza. Esse conceito não aplica a dimensão evolucionista de uma escalada cada vez maior de conforto, consumo e bem estar.
  • Pelo contrário, ele se apóia na idéia de excelência das condições de vida (Witier, 1997) e de desenvolvimento sustentável. Questiona as condições reais e universais de manutenção de um padrão de qualidade de vida fundado no consumismo e na exploração da natureza que, pelo seu elevado grau predatório, desdenha a situação das gerações futuras, desconhece a cumplicidade de toda a biosfera e não é replicável.
No campo da saúde, o discurso da relação entre saúde e qualidade de vida, embora bastante inespecífico e generalizante, existe desde o nascimento da medicina social, nos séculos XVIII e XIX, quando investigações sistemáticas começaram a referendar esta tese e dar subsídios para políticas públicas e movimentos sociais. 
  • A situação da classe trabalhadora na Inglaterra, de Engels, ou Mortalidade diferencial na França, de Villermé, ambas citadas por Rosen (1980), são exemplos de tal preocupação. Na verdade, a idéia dessa relação atravessa toda a história da medicina social ocidental e também latino-americana, como mostram os trabalhos de Mckeown (1982), Breilh et al. (1990), Nuñez (1994) e Paim (1994). 
De fato, na maioria dos estudos, o termo de referência não é qualidade de vida, mas condições de vida. Como mencionado em Witier (1997), estilo de vida e situação de vida são termos que compõem parte do campo semântico em que o tema é debatido.
  • A visão da intrínseca relação entre condições e qualidade de vida e saúde aproxima os clássicos da medicina social da discussão que, nos últimos anos, vem se revigorando na área, e tem no conceito de promoção da saúde sua estratégia central. 
Redimensionado pelo pensamento sanitarista canadense a partir do conhecido relatório Lalonde (1974), tal conceito foi definido, tomando como base na concepção atual do que se consideram os determinantes da saúde: 
  1. O estilo de vida; 
  2. Os avanços da biologia humana; 
  3. O ambiente físico e social e 
  4. Serviços de saúde. 
Conferências mundiais e regionais (MS, 1997) têm debatido e ampliado o sentido do conceito de promoção que, a nosso ver, constitui a estratégia chave da discussão da qualidade de vida pelo setor (Buss et al., 1998). O tema da promoção é objeto específico de um artigo deste número da revista.
  • Por fim, é importante observar também que, em todas as sondagens feitas sobre qualidade de vida, valores não materiais, como amor, liberdade, solidariedade e inserção social, realização pessoal e felicidade, compõem sua concepção. Como lembra Witier (1997), para o ser humano, o apetite da vida está estreitamente ligado ao menu que lhe é oferecido.
Seria, portanto, qualidade de vida uma mera representação social? Sim e não. Sim, pelos elementos de subjetividade e de incorporação cultural que contém. Não, porque existem alguns parâmetros materiais na construção desta noção que a tornam também passível de apreciação universal, como veremos a seguir.
  • O patamar material mínimo e universal para se falar em qualidade de vida diz respeito à satisfação das necessidades mais elementares da vida humana: alimentação, acesso a água potável, habitação, trabalho, educação, saúde e lazer; elementos materiais que têm como referência noções relativas de conforto, bem-estar e realização individual e coletiva.
No mundo ocidental atual, por exemplo, é possível dizer também que desemprego, exclusão social e violência são, de forma objetiva, reconhecidos como a negação da qualidade de vida. Trata-se, portanto, de componentes passíveis de mensuração e comparação, mesmo levando-se em conta a necessidade permanente de relativizá-los culturalmente no tempo e no espaço. Em resumo, a noção de qualidade de vida transita em um campo semântico polissêmico: de um lado, está relacionada a modo, condições e estilos de vida (Castellanos, 1997). 
  • De outro, inclui as idéias de desenvolvimento sustentável e ecologia humana. E, por fim, relaciona-se ao campo da democracia, do desenvolvimento e dos direitos humanos e sociais. 
No que concerne à saúde, as noções se unem em uma resultante social da construção coletiva dos padrões de conforto e tolerância que determinada sociedade estabelece, como parâmetros, para si.

Qualidade de vida e saúde: um debate necessário

Qualidade de vida: medidas e padrões gerais
  • A medida de qualidade de vida, mesmo se é ainda um instrumento recente e vindo de uma tradição estrangeira, anglo-saxônica, empirista e utilitarista, é um fato irreversível que vai, provavelmente, pertencer ao nosso universo, da mesma forma que a ecografia (Rameix, 1997:89).
Tentando sintetizar a complexidade da noção de qualidade de vida e de sua relatividade visà-vis as diferentes culturas e realidades sociais, diversos instrumentos têm sido construídos. Alguns tratam a saúde como componente de um indicador composto, outros têm, no campo da saúde, seu objeto propriamente dito. 
  • Entre os primeiros, talvez o mais conhecido e difundido seja o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), elaborado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). 
O IDH foi criado com a intenção de deslocar o debate sobre desenvolvimento de aspectos puramente econômicos - como nível de renda, produto interno bruto e nível de emprego - para aspectos de natureza social e também cultural. Embutida nesse indicador encontra-se a concepção de que renda, saúde e educação são três elementos fundamentais da qualidade de vida de uma população.
  • O IDH é um indicador sintético de qualidade de vida que, de forma simplificada, soma e divide por três os níveis de renda, saúde e educação de determinada população. A renda é avaliada pelo PIB real per capita; a saúde, pela esperança de vida ao nascer e a educação, pela taxa de alfabetização de adultos e taxas de matrículas nos níveis primário, secundário e terciário combinados. Renda, educação e saúde seriam atributos com igual importância como expressão das capacidades humanas.
O IDH se baseia na noção de capacidades, isto é, tudo aquilo que uma pessoa está apta a realizar ou fazer. Nesse sentido, o desenvolvimento humano teria, como significado mais amplo, a expansão não apenas da riqueza, mas da potencialidade dos indivíduos de serem responsáveis por atividades e processos mais valiosos e valorizados. 
  • Assim, a saúde e a educação são estados ou habilidades que permitem uma expansão das capacidades. Inversamente, limitações na saúde e na educação seriam obstáculos à plena realização das potencialidades humanas (PNUD, 1990).
O IDH vem recebendo aceitação ampla pelas facilidades na obtenção dos índices que o compõem - disponíveis na maioria dos países e regiões do mundo e são construídos com metodologia semelhante -, o que garante razoável grau de aplicabilidade entre realidades totalmente diversas. Mas também apresenta limitações que devem ser consideradas, seja no uso para comparar qualidade de vida entre territórios, seja ao longo do tempo em um mesmo território. 
  • Por exemplo, discrimina pouco os países ou regiões mais desenvolvidas entre si, pois aí, as taxas de analfabetismo têm diferenças irrisórias, e apresenta problemas de consistência metodológica quando aplicado a limites geográficos mais restritos, nos quais provavelmente os rankings produzidos seriam meras reproduções, com poucas diferenças, da diferenciação da renda (Cardoso, 1998).
Finalmente, o IDH não consegue incorporar a essência do conceito central que tenta medir. A esse respeito se refere Dines (1999): desenvolvimento é um processo mais amplo que o mero aumento da promoção, melhoria de produção e de índices. Envolve a direção, o sentido e sobretudo o conteúdo do crescimento. Atualmente, essa dimensão anímica do processo econômico faz a diferença entre o crescimento e o desenvolvimento. 
  • Um país pode crescer ou deixar de crescer. Mas uma nação desenvolvida nunca pode deixar de sê-lo, porque o desenvolvimento se incorpora às estruturas, às instituições e às mentalidades. E não se desencarna. Da mesma forma, o campo semântico da qualidade de vida na tradição ocidental, além da idéia de desenvolvimento, transita pela crença na democracia.
Quanto mais aprimorada a democracia, mais ampla é a noção de qualidade de vida, do grau de bem-estar da sociedade e da equidade ao acesso aos bens materiais e culturais.
  • Manifesta-se de forma palpável na dimensão de convivência entre as pessoas, reveladora de urbanidade e respeito mútuo. Nesse sentido, a força espiritual da democracia é um fator de resistência à redução de todas as esferas da vida, ao fato econômico (Matos, 1998).
Poderia ser criticado ainda do ponto de vista ético-filosófico, na medida que revelaria um viés etnocêntrico, que toma os padrões ocidentais modernos como modelos de referência a serem atingidos por todas as nações do planeta. Por exemplo, em países em desenvolvimento com baixo grau de institucionalização das relações mercantis, a renda é um critério pouco efetivo para avaliar a produção e a circulação de bens e riquezas. 
  • Por outro lado, existem sociedades em que o acesso ao conhecimento se dá a partir de meios ligados à tradição ou à transmissão oral, mais eficazes para lidar com as realidades locais do que a alfabetização (Cardoso, 1998).
Apesar das justas críticas que tem recebido, o IDH tem sido bastante utilizado, inclusive no Brasil, e inspirado outros como o Índice de Condições de Vida (ICV). Desenvolvido pela Fundação João Pinheiro, em Belo Horizonte, para estudar a situação de municípios mineiros, foi logo depois adequado, em consórcio com o IPEA, o IBGE e o PNUD, para a análise de todos os municípios brasileiros (IPEA/IBGE/FJP/PNUD, 1998). Instrumento muito mais sofisticado do que o IDH, com a vantagem de poder ser aplicado para micro-realidades, o ICV é um composto de 20 indicadores em cinco dimensões: 
  1. Renda (familiar per capita, grau de desigualdade, percentagem de pessoas com renda insuficiente, insuficiência média de renda e grau de desigualdade na população de renda insuficiente); 
  2. Educação (taxa de analfabetismo, número médio de anos de estudo, percentagem da população com menos de 4 anos de estudo, percentagem da população com menos de 8 anos de estudo e percentagem da população com mais de 11 anos de estudo); 
  3. Infância (percentagem de crianças que trabalham, percentagem de crianças que não frequentam escola, defasagem escolar média e percentagem de crianças com mais de um ano de defasagem escolar); 
  4. Habitação (percentagem da população em domicílios com densidade média acima de duas pessoas por dormitório, percentagem da população que vive em domicílios duráveis e percentagem da população que vive em domicílios com instalações adequadas de esgoto) e 
5) longevidade (esperança de vida ao nascer e taxa de mortalidade infantil). 
O ICV é sintetizado por meio de vários artifícios metodológicos, podendo ser compreendido em toda a sua extensão no trabalho 'Desenvolvimento humano e condições de vida' resultado da colaboração entre FJP/IPEA/IBGE/PNUD (1998).
  • Mesmo tendo seu espectro de abrangência muito mais ampliado, o ICV trabalha apenas com os aspectos objetivos, passíveis de medição. É fundamental sua contribuição? Sem dúvida, na medida que existe uma intrínseca relação entre a busca de equidade social e a capacidade de desenvolvimento intelectual, de aspirações e de reivindicação de determinada população ou grupos sociais.
Além deste conhecido indicador composto, identificam-se diversos outros, objetivos e subjetivos, que expressam alguma dimensão da qualidade de vida. Os considerados objetivos referem-se sempre a situações como renda, emprego/desemprego, população abaixo da linha da pobreza, consumo alimentar, domicílios com disponibilidade de água limpa, tratamento adequado de esgoto e lixo e disponibilidade de energia elétrica, propriedade da terra e de domicílios, acesso a transporte, qualidade do ar, concentração de moradores por domicílio e outras.
  • Os de natureza subjetiva respondem a como as pessoas sentem ou o que pensam das suas vidas, ou como percebem o valor dos componentes materiais reconhecidos como base social da qualidade de vida. Deste último caso pode ser exemplo, o Índice de Qualidade de Vida (IQV) de São Paulo, criado pelo jornal Folha de S. Paulo, que inclui um conjunto de nove fatores (trabalho, segurança, moradia, serviços de saúde, dinheiro, estudo, qualidade do ar, lazer e serviços de transporte). 
Esses elementos são analisados a partir do ponto de vista da população, que é dividida por faixa de renda, escolaridade, categoria social, sexo e faixa etária. A pergunta-chave é o grau de satisfação dos cidadãos, classificado em satisfatório, insatisfatório e péssimo, em um intervalo de 0 a 10 (Índice Folha, 1999). 
  • Os considerados objetivos referem-se a aspectos globais e gerais da vida, assim como a satisfação com domínios específicos da existência. Pesquisadores da Universidade de Michigan, por exemplo, citados por Patrick & Erickson (1993), avaliaram a importância de cada domínio e de seus componentes específicos para a satisfação global com o domínio. Os níveis de bem-estar e felicidade foram então correlacionados a características sociais, geográficas e demográficas específicas.
Parece-nos claro, ainda, que a qualidade de vida não é definível exclusivamente a partir de critérios científicos ou técnicos. 
  • Por essa razão, alguns autores remetem a discussão também para o âmbito político. Ou seja, os parâmetros para compor um padrão mínimo que permita a construção de agendas de intervenção ou a avaliação de políticas não são auto evidentes ou factíveis apenas em gabinetes e laboratórios, devendo resultar de debates sociais amplos, que estabeleçam consensos mínimos.
No Brasil, um exemplo significativo desse modelo é o IQV de Belo Horizonte, criado a partir de um levantamento das questões consideradas relevantes pela população e tendo como objetivo fundamentar os debates públicos sobre o orçamento participativo. No entanto, mais do que um índice sintético, o IQV/BH seria um indicador setorial de carências, permitindo não apenas hierarquizar áreas, mas também identificar problemas a serem enfrentados em cada bairro.
  • Pode-se observar, por fim, que nenhum componente propriamente médico (ou sequer de indicadores clássicos de morbi-mortalidade) entra na composição dos indicadores compostos de qualidade de vida. Ou seja, tanto o IDH, o ICV, como outros já citados tratam a saúde como um dos componentes de uma complexa resultante social. 
Concordando, em termos gerais com esse ponto de vista, nós neste trabalho a entendemos como uma síntese, um híbrido biológico-social, mediado por condições mentais, ambientais e culturais.

Qualidade de vida e saúde: um debate necessário