domingo, 21 de fevereiro de 2016

Ongs de Desenvolvimento e Ambientalistas

Mamães e seus bebês: Uma homenagem do Ambientalistas em Rede

A mobilização pelo meio ambiente e o lugar da mulher:
  • Tendo como referência a diversidade do mundo das ONGs, a amostra que subsidiou este trabalho buscou ser igualmente diversa. Todas as ONGs aqui focalizadas, de uma maneira ou de outra, dedicam-se à questão ambiental de forma prioritária ou tangencial. 
As ONGs tratam dos mais diversos temas, com diferentes objetivos, trabalhando em capacitação, assessoria, pesquisa, educação, campanhas etc.Apesar de as ONGs serem organizações que muitas vezes prestam serviços com seus projetos e programas, as palavras-chave encontradas em suas entrevistas são: democracia e cidadania. 
  • Entre as organizações que trabalham com a questão da agricultura, são agregadas outras palavras-chave, tais como agroecologia e desenvolvimento rural. Há ainda as que se encontram mais preocupadas com as políticas públicas.
A ABONG, em 1997, tinha 240 organizações associadas. Apesar de não cobrir o universo total das ONGs existentes no país, congrega as mais representativas e estruturadas. Segundo seu presidente na época, Silvio Caccia Bava, a identidade das ONGs tem a ver com a luta pela cidadania, com uma marca fundamental, que é a organização de um grupo de cidadãos na defesa de seus direitos. 
  • Ao mesmo tempo, segundo o entrevistado, as ONGs que defendem a cidadania são diferentes das ONGs prestadoras de serviços, entendidas como o braço executor de políticas do Estado, que acabam “[...] transformando-se em entidades neo-governamentais, quer dizer, sem autonomia, sem papel crítico, executoras de serviços que o Estado não consegue fazer com a mesma eficiência”. Bava continua a reflexão afirmando que a capacidade de maior capilaridade das ONGs possibilita a legitimação de seu trabalho na sociedade.
ONGs de desenvolvimento:
As ONGs não são um grupo homogêneo de pensamento e ação.
  • Em termos da temática ambientalista, trabalham com temas tais como: lixo, agricultura alternativa, legislação ambiental, desenvolvimento rural sustentável, desenvolvimento local e defesa da condição de vida dos seringueiros. Os temas mais encontrados nesse grupo estão relacionados com cidadania e democracia, políticas públicas e meio ambiente. 
A questão da cidadania é citada como um princípio para todas as ONGs entrevistadas, e o trabalho concreto de assistência técnica, educação e projetos demonstrativos são encontrados frequentemente.
  • Uma parte das ONGs entrevistadas surgiu durante a época da ditadura militar (1964), ligadas à Igreja, trabalhando em bairros de periferia, em movimentos comunitários etc., e algumas das entidades aqui citadas confirmam como ainda é forte a influência da Igreja. Pelas entrevistas realizadas, conclui-se que todas as organizações prestavam serviços por meio de programas e projetos concretos, conforme relatos.
No caso da FASE (Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional), houve, com o passar do tempo, mudança no entendimento da relação com os movimentos sociais, pois existia no passado um componente de concepção predominantemente basista, determinado pela própria história do movimento. Embora essa dimensão da relação permaneça, os projetos demonstram uma preocupação mais articulada com a sociedade e com a influência das políticas públicas: 
“Esses projetos são o lugar onde se fazem experiências e também educação, capacitação, lugar de elaboração de propostas, onde os movimentos se capacitam para negociar, influenciar nas políticas públicas” (Lisboa, FASE).
Já o AS-PTA (Assessoria e Serviços a Projetos em Agricultura Alternativa) coloca-se como uma entidade de assessoria de segundo nível, em apoio metodológico, assessoria em planejamento estratégico, enfim, no campo técnico. Trabalha com os princípios da agroecologia, a partir de um diagnóstico que direciona todo o trabalho por meio de uma abordagem agroecológica,
[...] no sentido de ir convertendo aos poucos os sistemas produtivos e buscando a sustentabilidade desses sistemas através de práticas de menor uso de insumos, potencializar a reciclagem de energia e os nutrientes nos sistemas produtivos, diminuir o uso de insumos externos, adubos químicos, pesticidas, maquinário pesado, enfim, uma série de propostas técnicas que são incorporadas (Petersen, AS-PTA).
Outro tema recorrente nas entrevistas foi o apoio ao pequeno agricultor por meio de tecnologias que pudessem preservar o meio ambiente, e uma das instituições realiza um trabalho direto com a saúde comunitária. A sensibilidade a temas mais amplos nos dá uma visão de desenvolvimento sustentável onde a questão da saúde é considerada parte dos problemas ambientais. 
  • O trabalho com plantas medicinais apontou a linha de atuação do CAPA (Centro de Apoio ao Pequeno Agricultor), que busca a valorização do saber da comunidade, embora seja comum aguardar as soluções de “técnicos externos”. Mas, ao mesmo tempo em que se resgata a sabedoria do senso comum, os problemas são discutidos e as posições vão se alterando para a valorização da comunidade.
O PROTER (Programa da Terra) tem entre seus objetivos contribuir para o desenvolvimento rural do ponto de vista socioeconômico, a fim de que se possa exercer a cidadania não apenas tendo acesso aos bens e serviços públicos e sociais, mas participando politicamente, com voz ativa:
[...] quando trabalha os aspectos ligados à produção, promove a agroecologia, e tem sempre uma atuação voltada para técnicas agroecológicas. 
  • Quando trabalha a cidadania, tem uma preocupação permanente de trazer a discussão da questão ambiental para a vida da organização com quem a instituição trabalha e vice-versa, para que haja participação nas decisões das áreas onde trabalham. Então, uma parte do nosso trabalho está voltado para mudança da legislação e das políticas públicas (Garcia Filho, PROTER).
Segundo o entrevistado Garcia Filho, a questão ambiental tem maior aceitação entre as mulheres, que se mostram mais preocupadas e envolvidas com a saúde da família e sensíveis à introdução da agricultura alternativa, utilizando-se com menos adubo e veneno.
Acrescenta Garcia Filho:
[...] houve alguns impactos na questão dos agrotóxicos, com a redução de seu uso e a mudança de comportamento por parte das mulheres. 
Outro aspecto foi a maior participação das mulheres na vida social local. Começaram a conquistar o espaço público: mercado, banco, tirar carteira de motorista. A nova postura das mulheres é um indicador de fortalecimento de um processo de conscientização, que redunda no aumento de participação e comprometimento e, ainda, na conquista de espaços sociais não imaginados anteriormente. Existe o programa PRONAF (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar), ligado à agricultura familiar, que não estava despertando o interesse do sindicato. 
  • Foi graças à mobilização das mulheres nas assembleias do sindicato que os homens se sentiram obrigados a buscar informações, a pressionar o Banco para liberar financiamento aos agricultores da região, o que antes era impensável.
A entrevista com o representante da PROTER evidenciou também a influência, em nível micro, quanto ao impacto nas relações de gênero no interior da família. Alguns maridos aceitam que as mulheres saiam para as reuniões, atividades específicas, o que nem sempre é fácil:
[...] algumas coisas mudaram na administração do orçamento familiar, a mulher dá mais palpite, já não é só da alçada do homem. Nas várias organizações, houve mudança porque começaram a incorporar as mulheres na direção, a se preocupar mais com a participação das mulheres nas reuniões etc. (Garcia Filho, PROTER).
O CAE começou como uma organização que oferecia basicamente assessoria a pequenos agricultores que queriam mudar a tecnologia de agricultura. Com o decorrer do tempo o trabalho foi ampliado. Hoje, além de atender a grupos de pequenos produtores, atendem à demanda de ONGs, prefeituras, sindicatos, pequenas cooperativas, também em busca de uma mudança de tecnologia. Com os grupos de produtores, além de trabalhar com a produção em si, envolvem também a comercialização:
[...] começamos a trabalhar com associativismo, com comercialização direta e industrialização dos produtos, de forma a garantir uma renda mais estável para o produtor o ano inteiro. Basicamente é isso, o CAE é uma ONG de assessoria para a tecnologia, de agricultura ecológica e coisas afins (Guazelli, CAE).
O CNS (Conselho Nacional dos Seringueiros) se insere na luta dos seringueiros por uma condição de vida melhor e pela defesa dos recursos naturais, dentro de um movimento social forte. Segundo seu secretário executivo,
o Conselho Nacional dos Seringueiros surge como todos os movimentos de Chico Mendes no Acre, em Xapuri, na defesa das condições de vida dos seringueiros, que começam a ser vistos como protetores da natureza.
Quando passam a defender a manutenção das florestas, recebem o apoio internacional e são vistos como guardiões da natureza, mas na verdade o que defendem é a própria vida. De forma que a proteção das florestas e da vida concilia-se, o que resulta na defesa da Floresta Amazônica.
Por outro lado, lançam uma proposta que é a criação da reserva extrativista, que é mais ou menos a idéia de uma reserva indígena, e também querem áreas onde possam trabalhar no extrativismo, que não cortem a floresta. [...] surge como uma forma de manter seu esquema de vida, manter as populações tradicionais (Rueda, CNS).
Existem ONGs mais relacionadas com pesquisa e assessoria a parlamentares na discussão de temas de natureza sócio-econômico política, e outras voltadas para o campo das políticas públicas.
As ONGs apresentam uma grande produção de material didático — cadernos, folhetos, livros, cartilhas —, incluindo nesse material uma ampla produção de vídeos que serviu como apoio para a realização deste trabalho, mas que não será diretamente analisado.

ONGs ambientalistas:
  • Os ambientalistas constituem um grupo variado, com idéias e agendas de ação que vão desde os conservacionistas “puros” até os que enxergam a questão ambiental mais ligada aos problemas socioeconômicos.
Durante muitas décadas, foi dominante no movimento conservacionista a perspectiva de que homens e mulheres tinham interesses irreconciliáveis com a natureza, e que as características humanas levavam inevitavelmente a uma atitude destrutiva e dominadora. Essa visão fica muito clara quando se discute as unidades de conservação:
As organizações de conservação tinham a visão de que havia que conservar, não se podia desmatar nada, as pessoas não eram vistas, tinham que ir embora dos lugares e o máximo que se pensava era pagar uma indenização para as pessoas saírem da reserva (Fonseca, UNESCO/EPD).
Foi o reconhecimento de que existem relações entre os problemas ambientais e a realidade social, econômica, política e cultural que conduziu a um novo enfoque, diferente da visão anterior, visto que relaciona princípios ecológicos e humanitários, constituindo-se o ser humano como eixo principal da conservação.
Pode-se inferir, como afirma Fonseca (UNESCO/EPD), “que não existe mais conservacionistas puros. Mesmo a UICN (World Conservation Union), que nessa área de meio ambiente é muito conservadora, chegou à conclusão da necessidade de uma alternativa econômica.”
Para UICN, PNUMA, WWF (1991), os três pontos principais da estratégia de conservação são:
  1. Viver de maneira distinta da que se vive atualmente, para conseguir uma vida satisfatória.
  2. A deterioração dos recursos tem uma recuperação direta na satisfação das nossas necessidades.
O desenvolvimento tem de ser mais justo e equitativo:
  • O ambientalismo, assim como as organizações de desenvolvimento e o feminismo, surge na década de 1970, emergente das lutas pela democratização do país, buscando modelos alternativos para uma sociedade mais justa e equilibrada. Esse é um fator que em determinado momento pode ter aproximado os dois movimentos.
Outro fator foi a ECO-92, que mostrou a relevância do tema e abriu o debate sobre a importância da participação política nesse tipo de evento. Esse ponto será retomado no caso das feministas, na abordagem sobre as ONGs do movimento de mulheres.
  • A origem comum dos ambientalistas e dos desenvolvimentistas pode provocar uma aproximação que vem se dando de forma contundente, de um lado pelas ONGs ambientalistas, cada vez mais preocupadas com os problemas sociais, e de outro pelas ONGs de desenvolvimento, mais interessadas nas questões ambientais.
Aos poucos os temas ambientais começam a ter mais relevância em diferentes cenários, como na política, mídia, envolvendo seringueiros, comunidades, e passam a ser uma questão do dia-a-dia da sociedade civil.
  • É evidente que esse processo não deixa de ser difícil e contraditório, pois de um lado começa a fluir uma relação entre as ONGs, e de outro “algumas entidades ecológicas vêem uma concorrência desleal, em termos de financiamento, com as grandes ONGs de desenvolvimento, que já tinham outras fontes” (Minc, deputado estadual do Rio de Janeiro). 
As disputas e diferentes visões são mostradas nos depoimentos a seguir. Na ECO-92 foi muito difícil articular as ONGs de desenvolvimento e as ambientalistas, o que demandou muita negociação:
As ONGs de desenvolvimento têm uma tradição de esquerda que as de meio ambiente também têm, só que as ONGs históricas surgiram em nome da luta contra a ditadura, e por muito tempo se tinha uma visão de que o pessoal de meio ambiente não estava preocupado com as questões sociais, estava preocupado com “cosmético”. É uma rixa histórica (Minc, deputado estadual).
A maior parte das organizações trabalha a questão social, mas existe uma corrente conservacionista, minoritária, menos comprometida com as questões sociais. Entre elas há uma clara disputa de recursos:
O dinheiro para as ONGs de desenvolvimento era maior do que para as de meio ambiente, e a partir de 92 nenhuma ONG de desenvolvimento pode ter um projeto sem ter o mínimo da questão ambiental.Isso é uma demanda das agências (Maia, Fórum, ONGs, Meio Ambiente e Desenvolvimento).No caso de outras instituições, foi a necessidade de trabalhar o ambiental e o social que levou a “[...] compartir a idéia de trabalhar a questão indígena com a questão ambiental” (Kahn, ISA — Instituto Socioambiental).
Várias ONGs têm relação direta com a ecologia e quase todas se referem aos principais problemas ambientais ligados, por exemplo, ao cuidado com os parques, como a reserva da Biosfera da Mata Atlântica, como afirma Ana Lúcia Formigli, do CEASB — Centro de Educação Ambiental São Bartolomeu. O GAMBÁ (Grupo Ambientalista da Bahia) trabalha com crianças e adolescentes, abordando a educação ambiental, a preservação da Mata Atlântica, e com o projeto Reflorar. 
“Há pouca sensibilidade por parte da população; [...] trabalham com pequenos e médios agricultores e proprietários rurais, estimulando o desenvolvimento ecológico sustentado” (Cintra, GAMBÁ).
O ECOAR capta recursos de consumidores de produtos florestais e aplica esses recursos, por intermédio de agricultores, no plantio, que tem majoritariamente uma função energética de fornecer árvores, mas também se volta para a conservação da natureza. Essa instituição dá as mudas para os produtores rurais e assistência técnica e acompanhamento no plantio:
Por outro lado, [...] atuam no replantio de espécies nativas em áreas degradadas e desmatadas ao longo dos rios e vêm incrementando convênios com a indústria, que contrata para reflorestamento e educação ambiental, e para replantio de espécies para sequestro de CO2 da atmosfera (Sorrentino & Trajber, ECOAR).
  • O ISPN (Instituto Sociedade, População e Natureza) atua nas áreas de meio ambiente, população, saúde, desenvolvimento regional, desenvolvimento social. Trata-se de uma organização de meio ambiente que foi se envolvendo cada vez mais com os movimentos sociais, interconectando a questão ambiental com a de geração de renda em projetos sustentáveis junto à população que trabalha.
Os projetos desenvolvidos visam o lado ambiental e social, no caso, a biodiversidade, o efeito estufa: na medida em que se evita o desmatamento, simultaneamente se está conservando a biodiversidade e o carbono. 
  • Mas esses projetos contribuem também para os meios de vida sustentável das populações locais, gerando renda, aumentando o bem-estar das populações, em consonância com a preservação ambiental. São projetos de uso sustentável da biodiversidade. O ISPN está fazendo, por intermédio de pessoas da própria região, o levantamento socioeconômico da reserva extrativista Chico Mendes, entre outros levantamentos.
Outra experiência interessante de trabalho com o social e o ambiental é a do ISA (Instituto Socioambiental). O componente ambiental nasceu a partir do compartilhamento da idéia de trabalhar a questão indígena com a questão ambiental, porque a questão ambiental passou a incorporar a necessidade de se ter gente agregada a esses projetos. 
  • O conceito de trabalho é junto às bacias hidrográficas, dentro da perspectiva de que as bacias requerem um conjunto de relações do ecossistema que precisam ser cuidadosamente plantadas, não só do ponto de vista do aspecto ambiental, mas também porque os índios têm uma territorialidade própria.
O ISA veio do CEDI numa época em que os movimentos sociais funcionavam no contexto do regime militar, com vários programas, inclusive com os povos indígenas, abrindo as fronteiras do Brasil na Amazônia:
[...] com um discurso de que nós precisávamos defender as nossas fronteiras e uma visão de segurança nacional, a ocupação da Amazônia virou um mote das políticas econômicas do governo militar (Kahn, ISA).
Segundo Kahn, o Xingu e o trabalho na Mata Atlântica, com a bacia do rio Negro, prioriza o trabalho acumulado de integração dos índios de 500 aldeias, a sociedade brasileira e a educação formal. Continua muito forte a caracterização da região como indígena. 
Os índios foram moldados no modelo missionário, indo atrás de escolas para os seus filhos, e por toda parte a auto-sustentação foi comprometida. Agora estão preocupados em retornar às suas aldeias com esquemas econômicos de geração de renda.
  • Até quinze anos atrás, as crianças eram mandadas para os internatos e os pais ficavam nas aldeias. Esses internatos foram desativados e as crianças voltaram para suas aldeias, obrigando os pais a irem para a cidade, na falta de alternativa. Os pais vão e voltam, constituem núcleos urbanos na cidade, numa situação de pobreza, mas com familiares que garantiam alimentos.
Amigos da Terra é uma organização que desenvolve campanhas contra as queimadas no campo, a campanha “Ciclovia Já”, o monitoramento em áreas da Mata Atlântica, denuncia problemas ambientais às comissões de meio ambiente etc.
  • O GTA (Grupo de Trabalho Amazônico) é uma rede de entidades, ONGs, cooperativas, associações, que trabalham com todo o tipo de população da Amazônia. Um exemplo é o trabalho feito com as quebradeiras de coco e seus problemas de assistência técnica e comercialização dos produtos, em especial do óleo de babaçu. É preciso um frigorífico para guardar o estoque a ser comercializado, mas nem todos os grupos de produção o possuem. 
Em alguns seringais onde existem projetos de melhoramento da produção, além de consumirem parte da produção, vendem o excedente, investindo na própria casa. Há uma mudança significativa na forma de viver. Outra questão é poder se manter dentro da floresta com dignidade, apesar da ausência de uma política para o preço da borracha e de outros produtos extrativistas, como o açaí.
  • Segundo Júlia Feitosa, do GTA, muitas pessoas, quando saem da floresta, chegam a passar fome por não terem uma cultura que as leve a manter uma horta ou um pomar; são coisas inovadoras na vida dos habitantes da floresta.
Talvez os mais jovens comecem a gostar de frutas e verduras, não só para fins econômicos, mas para poder ter outros tipos de alimentos e enriquecimento nutricional. O GTA possibilitou, nessa imensidão que é a Amazônia, que as pessoas que vivem isoladas pudessem conhecer os projetos possíveis de serem executados. A troca de experiências tem sido um grande salto qualitativo nas relações entre as comunidades.
  • Se compararmos os projetos e programas das ONGs de desenvolvimento com os das ONGs ambientalistas, não vamos encontrar diferenças substantivas nem contradições quanto à visão de trabalho ligado ao meio ambiente e ao desenvolvimento sustentável. É evidente que as ONGs de desenvolvimento possuem uma linguagem mais voltada à cidadania, aos direitos e ao desenvolvimento sustentável, enquanto as ambientalistas são mais específicas em relação aos problemas ambientais.
A maior parte das pessoas do ECOAR vem de movimentos ecológicos, ambientalistas, de ação, de luta por áreas verdes, contra a poluição, de melhoria da qualidade de vida, convicção que é compartilhada por grande parte do movimento ambientalista hoje:
[...] a entrada das pessoas e entidades no movimento ambientalista ocorre por diferentes portas, alguns para proteger a vida das borboletas, outros das baleias, outros por causa da poluição da fábrica ao lado. Mas por todas essas portas de entrada acaba se encontrando um veio de convergência que é a questão da cidadania, da participação, da melhoria da qualidade de vida, que tem a ver com geração de renda, com educação, com muitas coisas que as entidades de desenvolvimento trabalhavam (Sorrentino & Trajber, ECOAR).
Sem deixar de lado a proteção e a preservação da espécie, as ONGs levam em conta a interação entre o ser humano e o meio ambiente. É justamente a utilização prática do conceito de desenvolvimento sustentável que gera mudança nas estratégias de conservação, criando a necessidade, por parte dos ambientalistas, de uma compreensão maior dos impactos socioculturais nas estratégias ambientais.
  • Em contrapartida, essa não é uma questão totalmente resolvida, principalmente por parte das políticas governamentais. Como afirma Kahn, do Instituto Socioambiental, existem questões no Brasil que ainda não foram suficientemente discutidas, como o trabalho com o meio ambiente em relação à população.
Há um debate sobre o sistema de unidade de conservação para discutir o quanto é possível ou não ter a presença humana, envolvendo determinadas atividades produtivas. Este é um debate sério e mal resolvido. Trata-se de uma questão entre os que defendem a dignidade das sociedades humanas, no seu local de moradia. 
  • Existe uma pré-conceitualização do Ibama, que tem uma visão muito tradicionalista do que seja a preservação das unidades de conservação sem a atuação do homem. A questão indígena se defronta com sérios problemas.
A partir da análise realizada, percebemos que a introdução da variável gênero nas organizações de desenvolvimento e nas ambientalistas não pode ser pensada de maneira automática. Trabalhar a relação entre gênero e desenvolvimento sustentável não é fácil, nem no plano teórico, nem no plano metodológico, nem na prática.
  • As iniciativas para conjugar gênero e meio ambiente demonstraram que a intenção de trabalhar esses dois conceitos é complexa e requer pesquisas, trabalhos de campo e novas produções teóricas.No caso de se realizar uma revisão sobre os principais temas discutidos nos últimos anos, a questão da mulher e do meio ambiente surge, internacionalmente, como um tema importante. Essas discussões estão diretamente ligadas à preocupação da participação de mulher no processo de desenvolvimento (Abramovay, 1994). 
Nas entrevistas realizadas aparecem essas preocupações e, de maneira indireta, as posições que tratam de explicar essa questão. Existe uma visão essencialista sobre mulher e meio ambiente. Donald Sawyer, do ISPN, diz que existem pessoas que acham que a mulher, por natureza, teria mais ligações com certas questões ambientais, mas prefere pensar em termos mais universais:
Na prática, são as mulheres que recebem mais imediatamente alguns impactos ambientais, que cuidam mais das crianças e podem sofrer mais com problemas como o saneamento. São elas que têm mais potencial de educar as novas gerações e um potencial maior de reivindicação (Sawyer, ISPN).
Alguns entrevistados se referem à importância que teve o Planeta Fêmea na divulgação de questões relacionadas com a mulher e o meio ambiente (ver sobre Planeta Fêmea na abordagem das ONGs do movimento de mulheres).
O Planeta Fêmea destacou a relação entre gênero e meio ambiente, ou seja, como a mulher é a mais atingida, como são contaminadas no trabalho; são elas que cuidam das crianças. Frisa-se que, na ECO-92, as pessoas que mais falavam da contaminação das crianças eram mulheres, preocupadas com os seus filhos e os de todos. Carlos Minc, deputado estadual, afirma que foram desenvolvidas leis de proteção ao meio ambiente, mas que sua fiscalização e implementação deixam a desejar. Segundo Minc:
A relação entre gênero e meio ambiente é uma coisa mais sofisticada que meio ambiente. No Rio de Janeiro, trabalhando com a despoluição das empresas, as mulheres procuram e falam da questão das doenças causadas por trabalhos repetitivos, que atingem bancárias, digitadoras, telefonistas etc. O Rio de Janeiro é o único estado que tem essa lei. 
A lei sobre LER (lesões por esforços repetitivos) destaca que as pessoas expostas a esforço repetitivo não podem exceder seis horas de trabalho. A cada cinqüenta minutos, têm direito a dez de intervalo, com alternância de funções. Vimos líderes sindicais aleijadas. As mulheres estão brigando para que a lei seja cumprida.
  • O termo RISMO surgiu de uma comparação que fiz quando contava a história do Prestes. Como na época em que ele estava preso não existia a questão dos direitos humanos, seu advogado usou a lei de proteção do animal para que ele tivesse melhores condições. 
Eu usei o seguinte argumento: existe RIMO (Relatório de Impacto do Meio Ambiente). Alguém, para cortar dez árvores numa encosta, deve fazer o RIMO. Mas para botar 1000 mulheres de cobaia do Norplant, das quais 300 ficaram avariadas, tem que se adotar, no mínimo, os mesmos procedimentos usados com as árvores.
[...] a idéia da dupla poluição, intoxicação na fábrica e em casa. Toda essa discussão vai para as associações de moradores, mas quem cuida da casa, do alimento, do filho, é a mulher. Elas não cuidam na condição de feministas conscientes, com a bandeira da ecologia, cuidam na condição de mulheres preocupadas com a saúde do filho e da família. Para efeito prático é a mesma coisa, não há o discurso integrado ligando feminismo com ecologia, mas na prática quem se preocupa é a mulher.
A aproximação das organizações feministas com o tema ambiental parece ser bastante restrita. As organizações de mulheres também não têm historicamente uma forte aproximação com as questões ambientais, com honrosas exceções. A questão do gênero está presente no período de 1992, tendo nas mulheres suas maiores defensoras. A experiência de 1992 apresentou alguns problemas, visto que as organizações ficaram mais voltadas para seu mundo, o Planeta Fêmea, do que para uma integração do conjunto. O movimento de mulheres
[...] ficou com o Fórum até 92 para realizar o Planeta Fêmea. Depois houve um distanciamento, que não é de responsabilidade só do movimento de mulheres, o qual seguiu sua agenda. Estamos recuperando essa interrupção agora (Maia Drager, Fórum, ONGs, Meio Ambiente e Desenvolvimento). 
Experiências e representações sobre gênero e meio ambiente:

ONGs de desenvolvimento:
Mulheres indígenas:
  • É interessante analisar de que maneira uma organização ligada à pesquisa e trabalhando com a população indígena, o INESC (Instituto de Estudos Socioeconômicos), representa o trabalho com as mulheres e critica uma posição, freqüentemente encontrada, de não interferência e neutralidade diante dessas populações.
Iara Pietricovsky, do INESC, ressalta que existe uma série de carências no processo de pesquisa:
[...] problema que nem a antropologia resolveu, porque muito complexo. É a questão da mulher indígena e da criança. Os antropólogos têm visão organicista, como um corpo único, e não se pode hoje prescindir dessa visão, ter um olhar de gênero, porque efetivamente essas mulheres estão sendo contaminadas pela AIDS, não participam do processo organizacional indígena, ficam fora da capacidade de participar dos processos decisórios, de colocar situações pertinentes a esse setor específico, assim como as crianças e os adolescentes.
Iara Pietricovsky afirma:
Em conversa com alguns antropólogos, a primeira visão é de ter cuidado ao entrar num sistema que não é seu, com conceitos diferentes, um olhar que tem uma lógica diferente, podendo incorrer em certos erros de análise e de incompreensão da situação. 
Por exemplo, quando uma mulher apanha do marido, isso pode representar a sistemática do grupo, cabendo entender a lógica que leva a esse comportamento. Mas no raciocínio da não-interferência nos grupos, devemos aceitar que tirem o clitóris das mulheres? São questões que precisam ser repensadas. 
  • As populações indígenas não podem ser olhadas como organismos isolados, pois pertencem ao mundo e querem se relacionar com ele. O mundo de hoje vem estabelecendo conceitos universais que valem para todos. Se existem aspectos positivos da globalização, entre eles este é um. 
As modificações são realizadas, as alterações são feitas e a cultura vai obviamente se recolocar, reordenar-se na nova situação. Na estrutura tradicional indígena, essa mulher tem realmente um sentido, a relação é mais ou menos equilibrada. 
  • Mas o homem, em contato com o mundo dos brancos, se relaciona com ele, absorve seus valores, vai para as áreas de prostituição, para as estruturas de poder e vai refazer-se, reordenar-se politicamente dentro do grupo. Vai estabelecer e fortalecer, pelo padrão tradicional, a relação com os homens.
Na realidade são elas que sustentam a cultura, a língua, todo o processo desses grupos. Então, tem que ter cuidado, porque na realidade são elas que mantêm a cultura viva, na sua relação, a educação, a criação dos indivíduos naquela cultura, mas ela não pode ficar alheia ao processo de modificação que está se dando em todas as partes. É notória a importância da mulher indígena na cultura tradicional.
Está ocorrendo, todavia, uma “integração”, por parte dos homens, ao “mundo dos brancos”, e existe o perigo de que a mulher indígena não acompanhe criticamente esse processo, ficando sem acesso a outros códigos. 
  • Ao mesmo tempo, dentro dos grupos indígenas, não se pode levar as mesmas concepções e os mesmos formatos com os quais se trabalha em outros grupos de mulheres, porque, segundo Iara Pietricovsky, “não existe o conceito de liderança feminina”.
Catadoras de materiais recicláveis:
  • No grupo das Catadoras de Materiais Recicláveis, a relação entre gênero e meio ambiente ocorre no cotidiano, reforçando o seu papel de trabalhadoras, adquirindo um sentido de cidadania e autonomia, valorizando o seu trabalho como mulheres que aportam para a subsistência. 
Elas foram se desembaraçando nas relações de família, criando autonomia, como mães e responsáveis pela casa, quando não é mais o homem que traz a comida, como era o costume. É uma autonomia que se faz representar primeiro pela aquisição de documentos, ao se perceberem como pessoas, e pela constatação de sua própria “existência”, como proprietárias de um espaço social antes não ocupado:
Elas têm consciência de que estão fazendo um trabalho em ecologia, porque aprenderam que o papel é tirado da árvore, e então não se precisa cortar mais árvores. A limpeza da cidade produz o lixo, que é enterrado e jogado, gerador de poluição, de coisa venenosa. Por coisas bem simples assim, elas não têm vergonha de catar lixo (Sanchet, Catadoras).
É evidente que nesse caso as mulheres, com a sua experiência no trabalho cotidiano e uma interação diária e próxima com a reciclagem do lixo, têm efetivamente uma relação com o meio ambiente que não é natural, senão social.

Ongs de Desenvolvimento e Ambientalistas

Seringueiros e seringueiras:
  • Outro exemplo no qual a relação gênero e recursos naturais se dá de forma social é o trabalho junto aos seringueiros. As mulheres realizam tarefas que as involucram numa interação diária e próxima do meio ambiente. Elas têm um tipo de responsabilidade que as faz ao mesmo tempo dependentes e defensoras dos recursos naturais.
Há mulheres seringueiras. Apesar de que cortam na floresta, elas têm também a responsabilidade de trabalhar na roça, na pesca, então a família divide o trabalho. A mulher fica mais na roça e ajuda na borracha. [...] tem dois produtos básicos, a borracha e a castanha.
  • Com a castanha trabalham ativamente, e com o coco de babaçu também (Rueda, CNS). O CNS vem desenvolvendo algumas ações para a mudança das relações de gênero, como a Secretaria da Mulher Trabalhadora Rural, realizando um grande esforço para que as mulheres participem de forma mais igualitária nas instâncias de poder e que as discussões sejam feitas conjuntamente entre homens e mulheres. O problema é que nessa área a mentalidade é bastante machista. No caso da reserva, a mulher exerce muita liderança. Mas não se pode trabalhar só com mulheres. 
O ideal é que, no trabalho, sejam discutidos assuntos de gênero entre homens e mulheres, porque os homens, sobretudo na área rural, têm enorme resistência a que sua mulher saia de casa, não permitem que ela vá a reuniões (Rueda, CNS).
  • A AS-PTA vem trabalhando a perspectiva de como abordar as especificidades entre homens e mulheres, considerando a ação produtiva da mulher como trabalho. Destacam o desenvolvimento sustentável como uma área de atuação de homens e mulheres.
Nas áreas de concentração, que são algumas comunidades, nota-se nitidamente uma alteração na concepção, por exemplo, da forma de fazer agricultura, o que implica baixar custos. A própria questão do trabalho com as mulheres aparece nessas comunidades com bastante força, quer dizer, há uma valorização do trabalho da mulher.
Andersen do AS-PTA, considera:
A questão é potencializar e valorizar o que já é específico no trabalho da mulher. No caso da semente do feijão, os homens se envolvem, mas as mulheres têm tido um papel preponderante, no sentido de que existem o feijão do comércio e o feijão do autoconsumo. Este, as mulheres que decidem: variedades, gosto, cozinha, seleção. 
Pela própria vocação, pelo tipo de papel que ela já exerce dentro da família, a questão de hortas familiares exige certa concentração das atenções, quer dizer, produção de sementes de oleria. Na verdade, como a gente está atuando na forma de desenvolvimento sustentável, o desenvolvimento é pra todos, não é para o homem, ou para os pequenos.
  • O CAE reforça que o papel do reconhecimento produtivo da mulher permite que ela possa mudar, possuir um grau maior de autoestima e fazer o seu trabalho rentável. 
No momento de ligar meio ambiente e gênero, surgem princípios gerais sobre o equilíbrio e a natureza, e quando as mulheres frequentam os cursos sobre ecologia, aparece uma clara diferenciação de gênero: as mulheres estão mais preocupadas com questões ligadas ao mundo doméstico — atualização de detergente, de inseticidas domésticos, da qualidade de alimentação, de nutrição. 
  • Nos cursos para os homens, aparece mais tecnologia.Trabalha-se com as mulheres não só a questão da produção, mas da comercialização dos produtos agroindustrializados, o que traz um retorno muito grande. 
Havia casos nos quais o trabalho da mulher estava rendendo mais dinheiro que o trabalho do homem, o que repercutiu na família. Foi necessário desenvolver a questão, de tal forma que hoje existem homens trabalhando em processamento na cozinha:
Mudou muito a valorização, e mudou muito a auto-estima das mulheres, e o tratamento que as mulheres dão aos homens e a si mesmas também é diferente. Rompeu-se aquela coisa de 100% de dependência, parece que a identidade está mais bem formada (Surita & Pegglow, CAPA).
Capacitação:
  • A FASE, o IBASE e outras ONGs tiveram um processo de capacitação sobre gênero, o que sensibilizou de uma forma ou de outra seus técnicos. 
Dessa maneira, começou a se prestar mais atenção na participação das mulheres nos cursos de capacitação, já que estes eram realizados em horários impossíveis de ser frequentados por elas. Ao mesmo tempo, apesar de os cursos de apicultura serem oferecidos para os homens, as mulheres é que eram encontradas trabalhando com as abelhas. A FASE está levando um trabalho etnográfico para conhecer como se dá o trabalho da mulher na agricultura e discutir a questão do crédito para as mulheres.
  • Para a FASE, o conceito de meio ambiente incorpora dois componentes-chave para o debate: de um lado, associar a idéia de desenvolvimento sustentável à questão democrática — não há produção de novas alternativas sem a mediação de sujeitos políticos organizados —; de outro, não há mudanças se a questão ambiental não sair do ponto de vista das políticas públicas, como se fosse uma questão que diz respeito ao Ministério do Meio Ambiente.
A sustentabilidade tem que ser pensada do ponto de vista social, ambiental, democrático, e perpassar os vários campos das várias políticas, porque, do contrário, vamos ter o seguinte: vem um grande projeto, devasta, expropria, outro recompõe, tenta reconstituir.
  • Sem trabalhar com conceitos, o que marca a entrada da FASE é sua história de trabalhar a ação dos sujeitos, a ligação com a sociedade protagonizada (Lisboa, FASE).
Concluímos que as ONGs de desenvolvimento têm em seus quadros, pessoas sensíveis à perspectiva de gênero. As organizações que estão trabalhando com agroecologia atuam junto às mulheres e em certa medida por meio de cursos de capacitação, realizando-se uma ponte ou uma entrada para o tema. No entanto, ainda não existe suficiente trabalho prático e de pesquisa que realize essas aproximações. Nas principais correntes que trabalham com desenvolvimento sustentável, desenvolvimento rural, agroecologia, a mulher não está presente. 
  • O homem é ausente nas discussões sobre a mulher e o desenvolvimento sustentável. Dessa maneira ocultam-se essas duas perspectivas, que se constituem em parte importante da sustentabilidade. Por outro lado, falta também a presença visível e ampla da mulher na gestão e elaboração dos projetos. 
Além do mais, os contatos entre as ONGs feministas e de desenvolvimento são tênues, pouco sistemáticos. Alguns trabalhos articulados acontecem, principalmente por meio de fóruns.

Experiências e Representações: 
Sobre gênero e meio ambiente: ONGs ambientalistas
  • Em relação ao trabalho com as mulheres indígenas, a posição do ISA difere totalmente do depoimento dado pela representante do INESC. Segundo Kahn, a representante do INESC concilia a visão de gênero com a problemática dos indígenas, o que parece ser contraditório, pois pode significar uma ingerência na cultura local: 
“É preciso intervir no que diz respeito ao sofrimento da mulher e não no que pertença ao campo de valores e costumes”.
Kahn afirma que, na problemática do horizonte indígena, a questão de gênero não é prioritária, não é a primeira questão que aflora, quando se está mobilizado para resolver problemas concretos.
Considera que tal problemática geralmente se volta à sustentabilidade econômica, saúde e educação: 
“A questão da mulher até vem à tona, mas é complicado querer conciliar a questão de gênero, tal como a vemos (como nós do Ocidente construímos a questão de gênero), com as questões que mobilizam as sociedades indígenas”.
E exemplifica referindo-se ao Xikrin, que é uma área de exploração do mogno:
Uma antropóloga do ISA começou a trabalhar com os índios a possibilidade de eles não permitirem a entrada de madeireiros, apresentando algumas soluções de manejo. Eles precisavam se constituir em uma figura jurídica, e as mulheres tiveram uma presença fundamental nesse processo de discussão, pois foram chamadas para definir se era ou não importante essa proposta de trabalho, se deveria ou não haver a suspensão da atividade legal da madeira. 
Elas são consideradas extremamente imediatistas, e de fato necessitam de bens, mas as mulheres tiveram um papel importante para dizer que gostariam que o território fosse de seus filhos, das gerações futuras (Kahn, ISA). No Parque do Xingu, o ISA realiza um amplo trabalho de formação de professores índios:
Isto acontece para resistir ao modelo que vem sendo implantado, que é o de colocar os professores brancos trabalhando com índios.Geralmente, são selecionados homens, porque querem a escola para aprender como os brancos se comunicam, e isso depende de relações públicas, de relações políticas, e quem faz isso são os homens. Colocar as mulheres nesse papel, que é tradicionalmente masculino, seria uma ingerência (Kahn, ISA).
No Alto Rio Negro, existe uma demanda das mulheres, que é a valorização do artesanato, pois elas detêm todo o conhecimento do fabrico de várias peças. São ações que compõem o cotidiano das mulheres, o que permite uma atração mais apropriada por parte dos membros do ISA, segundo o relato de Kahn.

Dificuldades do trabalho com as mulheres:
  • Se em alguns lugares encontram-se mulheres combativas e organizadas, em outros elas estão ausentes dos sindicatos, das associações, e nos lugares de menor prestígio e poder. Segundo Sawyer, do ISPN:
As mudanças são muito difíceis para as mulheres. Elas têm de aceitar o que os companheiros impõem, mas foram as mulheres brasileiras que limitaram a sua fecundidade: houve uma queda muito rápida da fecundidade a partir dos anos 60.
  • Sawyer pondera que houve algumas mudanças no cenário geral, como a Previdência Social, que antes não existia, por intermédio do Funrural, que é a fonte principal de renda para a população de alguns municípios.
Mulheres e Liderança:
  • As mulheres, em algumas partes, estão mostrando um papel de liderança, principalmente em ações relacionadas à cidadania e à qualidade de vida. Isso porque questões como a falta de água, o problema dos esgotos e a saúde fazem parte de uma problemática ligada às suas necessidades básicas: 
“As mulheres estão mais ligadas à manutenção e à qualidade da vida — problema de lixo, problema de enchente, a primeira voz que se levanta é a da mulher” (Sorrentino & Trajber, ECOAR).
Repercussão de Programas: 
Das conferências internacionais das Nações Unidas:
  • De maneira geral, as ONGs consideradas relacionadas ao desenvolvimento e ao meio ambiente tiveram grande participação nas Conferências Internacionais das Nações Unidas. A referência diz respeito à ECO-92 e à de Beijing, em que as opiniões foram críticas sobre as ações do Governo relacionadas às várias convenções assinadas e à conversão das propostas em políticas.
Ponto de vista das ONGs de desenvolvimento:
  • Pietricovsky, do INESC, declara que, na ECO-92, os compromissos fundamentais assinados pelo Brasil resultaram na Agenda 21, na Convenção do Clima e no Tratado de Biodiversidade. 
Mas o Brasil não fez praticamente nada, nem sequer instalou a comissão de desenvolvimento sustentável, que era um dos indicativos da Agenda 21 para os governos. Existe uma comissão interministerial que nunca foi instalada, e em nenhuma das propostas do Governo que apareceram houve envolvimento da sociedade civil e a possibilidade de participação. 
  • Recentemente, levou-se a proposta de uma Comissão de Desenvolvimento Sustentável que não está ainda aprovada, mas há um conflito bastante grande entre aquilo que o Ministério do Meio Ambiente está propondo e negociando com o fórum brasileiro de ONGs e os movimentos sociais. 
Mas as ONGs não foram envolvidas, e isso está gerando um conflito de difícil trato político. O fórum elaborou um grande documento, que é a posição do fórum brasileiro sobre diferentes temáticas, como governabilidade, conjuntura política internacional e nacional.
  • Sobre Beijing, Pietricovsky afirma haver políticas que foram implementadas, mas tem a sensação de que são ações epidérmicas, não vão ao fulcro da questão, no processo educacional, desde a base de formação dos indivíduos, consolidando conceitos, mudando comportamentos.
Não se percebe a socialização, a incorporação dos conteúdos discutidos em Beijing. O documento feito pelas mulheres indígenas é absolutamente generalista, não traz aportes para quem está na discussão, nem provoca aprofundamento. E para quem não está, ele é simplesmente alienado do processo. Tem um gap que não se consegue romper:
[...] a ação da política pública, a ação de um Governo, tem que ser assim, muito mais contundente, iniciada inclusive no processo educacional, onde você forma conceitos no indivíduo. É importante existir uma discussão para que as propostas sejam absorvidas e transformadas em políticas que mudem, em benefício público, coletivo, que contemplem a diversidade, que façam com que os indivíduos percebam o outro como diferente, mas parte do processo mais objetivo (Pietricovsky, INESC).
Existem outros pontos de vista mais positivos com relação às conferências. Algumas ONGs se referem à importância do intercâmbio, em razão dos desafios comuns encontrados entre os países. 
A ECO-92 foi, para alguns dos entrevistados, um elo facilitador para as ONGs, movimentos sociais e ONGs ambientalistas, juntando pela primeira vez os diferentes atores para um diálogo, embora todas as ONGs insistam que as ações não estão sendo implementadas:
[...] a Agenda 21 criou uma agenda social, ambiental, num processo muito novo, olhando tudo o que aconteceu com a ONU. 
A discussão de um novo papel nas Nações Unidas, chamando atores relevantes, propiciou uma discussão para dentro dos países para potencializar local e regionalmente as realidades vivenciadas (Grimberg, PÓLIS). E Grimberg segue em sua reflexão, afirmando:
A Rio-92 foi o ato mais forte disso tudo. Depois, acrescentaram-se alguns aspectos, com a conferência de população, segurança alimentar, desenvolvimento social e hábitat. Mas o que deu a definição e realizou um marco nesse sentido foi a de 92, abrindo diálogos importantes.
A Rio-92 cumpriu um papel forte, trazendo para o debate nacional e regional temas relevantes: mulher, população, desenvolvimento ambiental, hábitat.
Outras opiniões se colocam, como a liderança dos grupos mais ligados a um trabalho de base, que acabaram não depositando tanta importância à ECO-92, pela “[...] dificuldade de descer às bases. Ela ficou em um nível mais alto” (Sanchet, Catadoras).
Segundo Lisboa, da FASE, a ECO aparece também como influência aos movimentos sociais na implementação da Agenda 21, chamando para dentro dos sindicatos o tema ambiental. Além do mais, foram as conferências que facilitaram o diálogo entre organizações ambientalistas e ONGs de desenvolvimento. A ECO difundiu mais alguns temas e modificou a agenda política na sociedade. Numa leitura “por dentro” de cada movimento específico, nota-se que a percepção é diferenciada. 
  • O movimento sindical, como o Grito da Terra, vai ter um pouco da incorporação daquela Plataforma da Agenda 21, porém, quando o movimento sindical se articula e discute junto com o Conselho dos Seringueiros, movimento de mulheres, nota-se, em alguma medida, a mudança. Já entre as ONGs de desenvolvimento e as ambientalistas, produz-se uma relação.
Na questão da certificação florestal, fomos vistos como a organização que provoca o debate do ponto de vista social, não por nossa competência sobre a questão florestal, mas pela discussão social. Isso faz com que a FASE se aproxime de entidades ambientalistas (Lisboa, FASE).
  • É interessante notar que as organizações mais voltadas para um trabalho relacionado com a agroecologia citam como parâmetro a ECO-92, o que é explicável primeiro porque ela ocorreu no Brasil e depois porque o tema está mais relacionado com a sua prática diária. Sobre a repercussão da ECO 92, nota Andersen, da AS-PTA:
Em termos de comprometimento, aconteceu muita coisa. Do ponto de vista de efetivação, de colocar na prática os compromissos, pouco foi feito. Do ponto de vista da sociedade civil, da opinião pública, essas conferências, sobretudo a ECO, que ocorreu no Brasil, mexeu, sacudiu um pouco, e existe a necessidade da busca de novos padrões de desenvolvimento, de defesa do meio ambiente. No entanto, não existe um projeto da sociedade civil em torno dessa questão.

Pontos de vista de ONGs ambientalistas:
  • Representantes das ONGs ambientalistas tiveram um papel preponderante no transcorrer da ECO-92. Na opinião do Instituto ECOAR, houve uma “popularização” da questão ambiental, como ponto de união de vários dos grupos sociais existentes. O movimento sofreu um refluxo após a conferência e nesse momento está buscando uma nova identidade.
Houve uma crise de identidade, na medida em que os empresários e o Governo assumiram o discurso dos militantes. Algumas entidades fecharam — e a crise econômica tem um papel importante nisso — e muito do trabalho voluntário deixou de ser feito porque as pessoas passaram a ter de lutar mais para sobreviver:
[...] eu acho que há qualidade de participação e possibilidade das associações estarem se reestruturando no sentido de contemplarem a participação diferenciada de antigos militantes e de novos militantes (Sorrentino & Trajber, ECOAR).
Em geral, as ONGs ambientalistas são unânimes em apontar as vantagens e conseqüências positivas das conferências, explicando que estimularam um maior contato entre elas e, ainda, a formação de redes provocando impacto no trabalho.Existe um esforço de algumas ONGs, ISPN, por exemplo, de entender, a partir das conferências, as dificuldades das relações entre feministas e ambientalistas.
  • Segundo Donald Sawyer (ISPN), as dificuldades na relação gênero e sustentabilidade têm muito a ver com o medo do malthusianismo. Os movimentos de mulheres estavam resistindo ao controle da natalidade e achavam que o ambientalismo seria a nova roupagem para o argumento malthusiano, que limita o crescimento da população, achando que o ambientalismo seria uma ingerência no corpo da mulher, uma imposição. 
Existe uma longa tradição nesse sentido desde a década de 1960, com os controlistas de um lado e os anticontrolistas de outro, incluindo esquerda, intelectuais, Igreja, que por motivos diferentes resistiam ao controle.
  • Espero que o conceito de saúde reprodutiva, que foi consagrado na Conferência do Cairo, venha a superar impasses. Basicamente, resolveu-se o impasse, porque todos estão de acordo que os indivíduos devem decidir livremente sobre o número de filhos que vão ter ou não vão ter. Talvez com isto seja possível uma aproximação maior entre os movimentos feministas e ambientalistas. [...] existe possibilidade de apoio mútuo, de diálogo e, no fundo, ambos estão buscando a equidade, o equilíbrio. É uma visão de mundo diferente (Sawyer, ISPN).
Outras ONGs alertaram para o fato de que, apesar dos avanços, do trabalho realizado com prefeituras e municípios, sabem que podem sofrer pressões internacionais. A situação, tanto nacional como internacional, continua sendo dramática, em razão do nível de consumo dos países desenvolvidos, e o Brasil incorpora como avanço e modernização hábitos de Primeiro Mundo, a começar pelas embalagens e uso da água. “Não se tem programas de educação ambiental junto com políticas de educação ambiental, [...] água nesse país é muito barato” (Kahn, ISA).
  • Alguns ecologistas são mais críticos em relação à ECO-92 e às políticas ambientalistas, principalmente as relacionadas com a biodiversidade e a sustentabilidade do país. Magda Rener, dos Amigos da Terra, lembra que da ECO-92 para cá houve um retrocesso de cinqüenta anos. Promoveu-se o neoliberalismo, que é absolutamente destrutivo da natureza e de todos os ecossistemas. 
O Brasil não cumpriu nenhum dos seus compromissos. Há um documento do Fórum Brasileiro para a ECO e agora a Rio+5. Apesar disso, não se protegeu a biodiversidade.

Globalização e exclusão:
Pontos de vista de ONGs de desenvolvimento:
  • Os grupos que trabalham mais diretamente com o desenvolvimento rural e a agroecologia consideram que as políticas econômicas atuais vêm causando empobrecimento da população, na medida em que sair do campo para a cidade já não é uma alternativa, principalmente no sul do país. As feiras de produtos agroecológicos se apresentam como alternativa e meio de subsistência, principalmente para as mulheres, cuja produção nesse setor vem gradativamente aumentando.
O agricultor está com todos os produtos em casa, feijão, batatinha, não tem quem compre, ninguém compra, não tem para quem vender. As feiras, esses espaços locais, são os únicos que a gente está vendo. E são poucos. Mesmo o espaço alternativo, agroecológico, daquele consumidor consciente, tem flutuado (Surita & Pegglow, CAPA).Para alguns grupos, a globalização foi apontada com certo caráter positivo. 
“A longo prazo, creio que isso afete negativamente, mas a curto prazo, por enquanto, a gente não tem sentido, nesse nicho que nós estamos” (Guazelli, CAE).
Para outros, como o grupo de seringueiros, a globalização representa uma queda do preço no mercado:
A nossa base é a borracha e não existe política que proteja a borracha nativa. Nós temos agora 10% da produção que tínhamos há onze anos. Os países globalizam mas são altamente protecionistas, os sistemas de cultivo na Indonésia saem muito mais baratos, pois os custos sociais no Brasil são muito altos (Rueda, CNS)
Pontos de vista de ONGs ambientalistas:
  • As críticas ao processo de globalização se dão em virtude do patenteamento dos organismos vivos. No caso do Brasil, tais críticas deram-se por causa das pressões por parte dos Estados Unidos e das concessões de isenção de impostos para as multinacionais. Rener, dos Amigos da Terra, analisa que o Brasil não tinha esse patenteamento, não admitia que plantas e animais fossem patenteados.
Os Estados Unidos começaram a pressionar porque queriam que as patentes feitas no seu país valessem de forma globalizada, e o governo aceitou. O que vemos é que toda a sociedade está cansada de um escândalo após o outro, tanto que alguns grupos às vezes nem reagem mais.
  • A limitação de recursos voltados para o meio ambiente é considerada parte das mudanças globais que vêm ocorrendo, assim como as mudanças relacionadas com o Mercosul. As críticas ao neoliberalismo e à abertura de mercados em nível internacional, com a redução da função do Estado, ocorrem de maneira contundente.
O Estado e as ONGs:
  • Neste item não será realizada uma análise das políticas ambientalistas relacionadas com o Ministério do Meio Ambiente e com o Ibama, pelo fato de esses dois órgãos estarem em processo de reestruturação,o que é interpretado oficialmente de forma positiva. 
Acredita-se que tal reestruturação [...] vai permitir o efetivo atendimento dos requerimentos de consistência institucional e organizacional, em face da complexidade e da dinâmica da questão ambiental (INFORMA, Ministério do Meio Ambiente, dos Recursos Hídricos e da Amazônia Legal, fevereiro de 1997).
As pessoas entrevistadas, em particular os representantes das  ONGs que se referem ao Ministério do Meio Ambiente, sublinham que o tema meio ambiente não é fundamental para o atual governo, em decorrência das muitas dificuldades apontadas pelas ONGs.
  • A coordenadora do Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento expressa claramente a percepção geral sobre o ministério, criticando a falta de uma política mais global.
Em seu depoimento, diz que o Ministério é um órgão muito grande, de difícil operacionalização, com uma estrutura que precisa ser modernizada. Quando se tem um esvaziamento do órgão que deveria traçar as políticas, começa-se a ter ações localizadas no Ministério, ações emergenciais sem uma política mais global. 
  • Não há uma política que trata do conjunto, e sim políticas emergenciais que tratam dos assuntos de acordo com as necessidades ou com a boa vontade das pessoas do ministério, na área de biodiversidade. 
Em lugar de uma política, existe uma comissão que está emperrada e não consegue andar. Há ações pontuais importantes, interessantes, mas no conjunto a situação não é o que se esperaria de um Ministério do Meio Ambiente.
  • Além do que, não é uma área importante para o conjunto do governo, é uma área marginal. O corte de orçamento é grande, ao que parece 95% do orçamento do Ministério é para irrigação, demonstrando a falta de interesse do governo para com a área ambiental. A avaliação é pessimista (Maia Drager, Fórum, ONGs, Meio Ambiente e Desenvolvimento).
Se por um lado há opiniões muito críticas quanto à atuação do governo, por outro as ONGs acreditam que existem iniciativas importantes, principalmente no que se refere ao financiamento e ao apoio a atividades da sociedade civil.
  • Pode parecer que o governo tenha essa preocupação, porque tem um pouco mais de recursos. Contudo, há o projeto de transposição do São Francisco, e pouca ação com relação às madeireiras atuando na Amazônia. 
Deve-se reconhecer que o governo tocou em algo fundamental: o Fundo Nacional do Meio Ambiente Transparente, com participação da sociedade civil e financiamento de ONGs. O governo não atribui a si um papel exclusivo na proteção ambiental; 
isso é importante. É muito burocrático, mas funciona: eles aplicam as mesmas regras para qualquer financiamento (Garcia Filho, PROTER).
Para o deputado estadual Carlos Minc, a questão ambiental não é uma prioridade do Governo Federal, mais preocupado com alguns setores que se encontram na mira das denúncias internacionais, como os índios, as ONGs, a questão da demarcação da terra, e denúncia à impunidade dos que agridem diretamente o meio ambiente.
  • Além do mais, o Ibama é fraco politicamente, tecnicamente tem poucos recursos, atua em convênio com os órgãos ambientais, que também estão fracos. A justiça pouco atuante leva à impunidade. 
A justiça adverte que quem agride o meio ambiente tem de pagar, é o princípio da responsabilidade objetiva.
  • Nos últimos nove anos, no Sul, os ambientalistas e os Ministérios entraram com cerca de 800 ações contra empresas que de alguma forma destruíram alguma lagoa ou algum manguezal. Apenas duas tiveram que pagar alguma coisa, como dispõe a Constituição, mesmo assim estão recorrendo. Isso é um convite à impunidade (Carlos Minc, deputado estadual do Rio de Janeiro).
Mesmo dentro das ONGs, existem diferentes opiniões a respeito do papel da Agenda 21, fazendo com que as divergências de opiniões se tornem um ponto importante no debate sobre o meio ambiente. A secretária executiva do MMA (Ministério do Meio Ambiente) também aponta algumas dificuldades na implementação da Agenda:
“O Brasil, de norte a sul, engajou-se no processo; no entanto, devemos reconhecer que as experiências bem-sucedidas tenderam ao isolamento.” (Camargo, in: Desenvolvimento sustentável: 100 experiências brasileiras, Consulta Nacional, Agenda 21).
  • O Fórum Brasileiro das ONGs aponta um problema básico conceitual com a Agenda 21, que é um dos grandes embates. Foi feito o levantamento das melhores práticas e isso está sendo chamado de Agenda 21, mas não é. Agenda 21 é um projeto estratégico que se constrói com os setores, tanto em nível nacional como local/ estadual. 
Assim, a Agenda 21 não é uma série de ações do Ministério, ela é um pacto entre movimentos sociais, empresários, ONGs, governo, universidades, para ver quais são as prioridades, qual é o país que queremos para os próximos vinte ou trinta anos, quais são as ações emergenciais, quais os problemas e como vamos resolver isso entre nós.
  • A Agenda 21 não é uma questão exclusivamente ambiental, nem tem de tratar de política de investimento, de política fiscal. “Ela só existe porque houve uma constatação sobre a finitude dos recursos naturais. Se ela for a bandeira da área ambiental, perde a capacidade estratégica” (Maia Drager, Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento).
Algumas ONGs apresentam uma visão crítica em termos das políticas levadas pelo Ministério da Agricultura e o do Meio Ambiente, mostrando que existe falta de coordenação entre eles e a política comum.
  • Andersen, do SPTA, entende que o governo deve discutir reforma agrária, como um componente essencial para reformular o modelo de desenvolvimento em todo o país. É preciso fazer reforma agrária, por causa do grande número de desempregados, inchamento das cidades, violência e necessidade de muitos agricultores sem terra, possibilitando que as pessoas se instalem com um projeto econômico.
É necessário uma efetiva reforma que reformule a estrutura agrária do país, em que se discuta a questão da produção alimentar, da segurança alimentar:
Quando se vê a política ambiental e a política agrícola do governo, cada uma aponta para um lado, completamente contraditórios, sendo que a agricultura, hoje, é um dos principais causadores de danos ambientais. Então, não se tem muito clara a ligação entre um projeto social, econômico e ambiental. São coisas muito fragmentadas (Andersen, SPTA).
Parece que, efetivamente, o tema do meio ambiente não é uma prioridade do Governo Federal, e quando se tenta aproximar o tema de gênero das políticas do ministério, também não se encontra essa perspectiva, o que fica claro no depoimento a seguir:
O tema de gênero não é uma questão prioritária, existem prioridades para a sociedade brasileira, tais como: derrubada da inflação, segurança das cidades, geração de renda, mas a questão de gênero não tem aparecido como prioridade. Há alguns grupos que se dedicam ao tema, mas não é evidente (Lemos, MMA).
Essa posição entra em contradição com uma pesquisa de 1997, apresentada pelo MMA, a respeito do que o brasileiro pensa sobre o meio ambiente, onde o tema aparece como prioritário, privilegiando o meio ambiente em relação ao emprego: 47% dos entrevistados responderam que o meio ambiente deve ter prioridade sobre o crescimento econômico, o que demonstra preocupação e sensibilidade com o tema.
  • Não se pode perder de vista que os problemas ambientais não existem por si mesmos, desacompanhados da análise das desigualdades e da iniquidade existente em nossa sociedade. O combate à pobreza e a incorporação da plena cidadania fazem parte da demanda de muitas das ONGs. 
O que é esquecido por elas quando falam, criticam e reivindicam políticas ambientais mais participativas, é que essas têm de ser consideradas dentro de uma estratégia que também incorpore a perspectiva de gênero. Sem isso nunca chegaremos a uma proposta séria de sustentabilidade econômica, social, política e cultural da sociedade.

Identificação de experiências locais:
  • Algumas experiências locais citadas pelas ONGs entrevistadas mostram como a concepção de meio ambiente varia, passando pela saúde, alimentação, qualidade de vida. As ONGs falam também de suas experiências bem-sucedidas e de seus projetos que, de alguma maneira, incorporam gênero com a questão ambiental, no trabalho com as Unidades de Conservação. 
Grimberg & Costa, do PÓLIS, vivenciaram uma das iniciativas mais bem-sucedidas como alternativa alimentar. É a chamada “multimistura”, concebida pela dra. Clara Brandão para complementar a alimentação que as pessoas já dispõem dentro de sua cultura alimentar e em suas condições econômicas. 
  • A metodologia se propõe a combater o desperdício por meio da utilização de talos, cascas, farelos, sementes etc. Essa alimentação vem sendo adotada pelos grupos ligados à Igreja e começa a estender-se por alguns municípios, atingindo quase dois milhões de famílias no país. 
A preparação desse alimento tem significado uma alternativa de geração de emprego e renda para pequenos produtores.
  • A multimistura é uma solução nutritiva e barata para combater a fome no país. Os complementos são produzidos com tecnologia simples e universal: selecionar, moer, tostar e peneirar os ingredientes compostos por farelo de trigo tostado, folha de mandioca, batata doce, abóbora, sementes, podendo tirar as crianças da subnutrição.
O que impressionou foi o contexto de estar fazendo a farinha, aprender a confeccionar e a apresentar o produto. Mulheres aprendem a não apenas ter o que a televisão oferece como alimento, ou o que o médico receita:
Nós estamos preocupadas com o corpo, o cuidado do corpo, a consciência do corpo, como um todo maior, e ampliando essa lente do nível micro, a gente pode ver o planeta. Como foi detonada a cultura regional, a deterioração dos alimentos, por que aconteceu isso? 
Porque a terra está esgotada, a terra erosada, porque a castanha não pode ser utilizada para a sobrevivência etc. A partir de um nível micro, como o cuidado com o corpo, a medicalização, os convênios, como tudo isso foi afastando a vida cotidiana da mulher do seu sentido maior, gerando a neurose etc. (Grimberg & Costa, PÓLIS).
  • Guazelli, do Centro de Apoio Tecnológico — IPÊ, apresentou um trabalho realizado com meninas, filhas de agricultores que participam da associação de agricultores ecologistas. No ano de 1997, a pedido delas, houve um trabalho muito interessante com uma psicóloga e pedagoga sobre sexualidade. Foram três dias de atividades, e as meninas pediram que esse mesmo trabalho fosse estendido aos pais. Tal trabalho envolve desde o conhecimento do corpo, até elementos emocionais, tabus.
Há integrantes das associações de agricultores que estão cursando a universidade e continuam a trabalhar no campo, não saindo para morar na cidade. Isso já ocorre com os rapazes, e com as meninas o projeto começou um pouco mais tarde. Garcia Filho, do PROTER, relata uma experiência com populações que desconheciam aspectos básicos da legislação.  O primeiro trabalho, ainda sem recursos, foi ajudar algumas comunidades a discutir essa questão. 
  • Havia um movimento, muito ativo, que tinha se mobilizado contra a estação ecológica. Com várias comunidades da região, a questão se ampliou e se criou uma comissão de moradores de Unidades de Conservação. 
Hoje, há uma articulação dos movimentos, sindicatos, dos atingidos pelas barragens, que se unem para enfrentar essa discussão. A população começou a se mobilizar numa negociação concreta com o governo, tentando um pacto de convivência.

Mulheres indígenas da etnia Kayapo assistiam ao festival Internacional da Cultura 
Indígena. em Palmas com um acessório da bandeira do Brasil