quarta-feira, 6 de abril de 2016

A Ciência Normal e a Educação são Tendências opostas ?

Ciência, Ética e Sustentabilidade

Jenner Barretto Bastos Filho
Edições UNESCO Brasil
Colocação do problema:
  • Perguntamos se a ciência normal (Kuhn: 1975), por um lado, e a educação genuína, (Freire: 1999) por outro, se constituem ou não em propensões antitéticas. 
A motivação para este questionamento é que, para a primeira, o cerne seria o dogma, enquanto para a segunda, seria a crítica. Argumentamos que a superação deste difícil dilema passa, necessariamente, pela questão da autonomia, entendida nas suas dimensões epistemológica, ética e política. Somos conduzidos à conclusão segundo a qual a conquista da autonomia constitui enorme desafio, pois requer radical reforma tanto do pensamento quanto de atitudes éticas.
  • Em trabalho anterior (Bastos Filho: 2000a), discutimos a crítica popperiana (Popper: 1979) ao pensamento de Kuhn e propusemos uma solução conciliatória sobre alguns aspectos do desenvolvimento da ciência, que tanto aceitasse quanto recusasse, parcialmente, as duas teses. Em outras palavras, tratava-se de uma solução conciliatória, na qual se reconhecia, em ambas, apenas parte da razão.
No presente trabalho, levantamos uma série de outros questionamentos, entre os quais, e principalmente, o que constitui a pergunta do título. De fato, se concebermos a ciência normal kuhniana como aquela praticada por uma comunidade que se atém a um paradigma que fornece soluções exemplares de problemas do tipo quebra-cabeça, essa comunidade se concentrará dogmaticamente em problemas que somente a falta de destreza de seus praticantes impediria de que alcançassem resultados que contribuíssem para o acréscimo do conhecimento (normal, é claro). 
  • Então, seria forçoso concluir que, para a ciência normal kuhniana, tal como muito bem colocou Lakatos, crítica seria maldição (Lakatos: 1979).
Por outro lado, se tomarmos o conjunto das tendências expressas pela LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação), pelos PCN (Parâmetros Curriculares Nacionais) e por um autor emblemático como Paulo Freire, podemos resumir que, grosso modo, o que se tem em mente é uma educação crítica, uma educação cidadã, em que as pessoas não sejam simplesmente decoradoras de fórmulas matemáticas, nem meras repetidoras de cronologia sem a história correspondente, nem reprodutoras de conhecimentos sem o suficiente conhecimento de causa. Importa que sejam pessoas críticas, que saibam tomar iniciativa e propor soluções perante circunstâncias novas e diferentes daquelas às quais se haviam habituados. Enfim, que sejam pessoas para as quais a maldição não seria mais a crítica e sim o dogma. 
  • O conflito, então, está posto. A ciência normal se apegaria ao dogma, ou seja, à aderência estrita e praticamente exclusiva ao paradigma dominante. A educação, por outro lado, se for genuína e não mero adestramento nem treinamento, tem de ser necessariamente crítica.
Obviamente, alguém que, no seu processo educacional, tenha sofrido ambas as influências, ou seja, por um lado, uma concepção muito radical de ciência normal meramente como operação de limpeza, e, por outro, uma concepção de abertura e de estímulo à crítica, é forçoso concluir que esse indivíduo vive um grande conflito. 
  • Se for muito prático e pragmático, poderá optar por uma inserção na ciência normal sem grande drama de consciência. Mas se tiver uma vocação transversal e, além disso, considerar a crítica como o apanágio de qualquer atividade intelectual (ainda que reconheça que a divisão rigorosa de trabalho é uma espécie de mal necessário para a eficiência do processo de acumulação), então, sem dúvida, o conflito será agudo.
No curso do presente trabalho, argumentamos que a solução do conflito ciência normal versus educação passa, necessariamente, pela questão da autonomia. Trataremos desta importante questão segundo as dimensões epistemológica, ética e política.
  • Conflitos de saberes têm sido examinados criticamente por diversos autores e sob diversos aspectos. Citaríamos duas abordagens recentes: a primeira delas está exposta num artigo recente (Mamone Capria: 1999), que trata do conflito de saberes entre médicos e pacientes, o qual se manifesta, por exemplo, na solicitação a esses últimos termos de consentimento livre e esclarecido em função de grave enfermidade; a segunda, (Danhoni Neves: 1999). 
É exposta em um livro que traz uma crítica afiada ao ensino que apresenta os conteúdos científicos como destituídos de história e artificialmente linearizados, procedimento esse que leva os estudantes a uma gravíssima distorção da real prática histórica da ciência. O conflito se revela com todas as letras, pois é necessário manifestar o que realmente desejamos: 
  • (1) se queremos uma linearização extrema que, com o pretexto didático de simplificar, produz os efeitos negativos de desconsiderar a história, fazer apologia triunfalista da genialidade e restringir severamente o pensamento, apostando, assim, apenas na lógica da divisão de trabalho, a qual prepara mais rapidamente os estudantes para uma prática trivial de ciência normal; 
(2) ou, em lugar disso, se queremos a educação realmente genuína, que prepara não apenas o cidadão, mas o ser humano integral. No entanto, não queremos reduzir as possibilidades eventuais de soluções do conflito apenas às duas alternativas acima expostas. 
  • No caso do ensino de ciências, somos cônscios da possibilidade de uma gama de soluções intermediárias, nas quais o movimento dialético conflito/conciliação esteja presente. Em outras palavras, há muitas nuances, consubstanciadas pelas diferentes doses de comparecimento concomitante das alternativas (1) e (2).
O presente trabalho tem como objetivo tratar de alguns aspectos desse importante dilema. Temos consciência da abrangência e das dificuldades suscitadas.  Perguntaríamos, então, se seria possível e, em caso afirmativo, em que medida uma solução conciliatória de um dilema tão dilacerador para um espírito cognoscente.

Aspectos do conflito:
  • Comecemos a colocação de um dos aspectos do conflito entre as concepções de Kuhn e Popper com uma bela citação de Lakatos:
“O seu [de Kuhn] principal problema também é a revolução científica. Mas ao passo que, de acordo com Popper, a ciência é ‘revolução permanente’ e a crítica é o cerne do empreendimento científico, de acordo com Kuhn a revolução é excepcional e, na verdade, extracientífica, e a crítica em épocas ‘normais’, é maldição” (Lakatos, 1979: 111).
Como se pode facilmente notar daquilo que acima foi argumentado, parece haver entre Kuhn e Popper um conflito, de alguma maneira, análogo ao que existe entre aquela visão radical de ciência normal e a educação. Mas a situação é muito mais complexa do que sonha a nossa vã filosofia, pois se seguirmos ao pé da letra o relato de Kuhn para o desenvolvimento da ciência, como poderíamos acreditar que os cientistas praticantes da ciência normal, acostumados ao dogma e à aderência restrita ao paradigma dominante, fossem capazes de, durante a crise causada por uma série de anomalias de que o paradigma dominante não pode dar conta, passar a exercer a crítica? 
  • Em outras palavras, como poderia alguém (e até mesmo uma comunidade) sempre acostumado a trabalhar com dogmas passar, de uma hora para outra, a exercer a crítica? Popper reconhece que, infelizmente, a ciência normal de Kuhn existe, mas deve ser combatida.
Numa interessante passagem, Popper escreve:
“A ciência ‘normal’, no sentido de Kuhn, existe. É a atividade do profissional não-revolucionário, ou melhor, não muito crítico: do estudioso da ciência que aceita o dogma dominante do dia; que não deseja contestá-lo; e que só aceita uma nova teoria revolucionária quando quase toda a gente está pronta para aceitá-la — quando ela passa a estar na moda, como uma candidatura antecipadamente vitoriosa a que todos, ou quase todos, aderem.  Resistir a uma nova moda exige talvez tanta coragem quanto criar uma. Vocês talvez digam que, ao descrever desta maneira a ciência ‘normal’ de Kuhn, eu o estou criticando implícita e sub-repticiamente. Afiançarei, portanto, mais uma vez que o que Kuhn descreveu existe, e precisa ser levado em consideração pelos historiadores da ciência. O fato de tratar-se de um fenômeno de que não gosto (porque o considero perigoso para a ciência), ao passo que Kuhn, aparentemente, não desgosta dele (porque o considera ‘normal’) é outro assunto; assunto, aliás, muitíssimo importante” [O grifo é nosso] (Popper, 1979: 64-65).
A citação continua com uma série de críticas importantes. Cremos que é de bom alvitre ainda citar algumas passagens instrutivas para os nossos propósitos neste trabalho. Popper continua a sua crítica e escreve:
“A meu ver, o cientista ‘normal’ tal como Kuhn o descreve, é uma pessoa da qual devemos ter pena. [...] O cientista ‘normal’, a meu juízo, foi um mal ensinado. Acredito, e muita gente acredita como eu, que todo o ensino de nível universitário (e se possível de nível inferior) devia consistir em educar e estimular o aluno a utilizar o pensamento crítico. O cientista “normal’, descrito por Kuhn, foi mal ensinado. Foi ensinado com espírito dogmático: é uma vítima da doutrinação. Aprendeu uma técnica que se pode aplicar sem que seja preciso perguntar a razão pela qual pode ser aplicada (sobretudo na mecânica quântica). [...] Para usarmos a expressão de Kuhn, ele se contenta em resolver ‘enigmas’. A escolha desse termo parece indicar que Kuhn deseja destacar que não é um problema realmente fundamental o que o cientista ‘normal’ está preparado para enfrentar; é, antes, um problema de rotina, um problema de aplicação do que se aprendeu” (Popper, 1979: 65).
As duas citações imediatamente acima são bastante claras, e a leitura que delas podemos fazer é quase direta. Passemos, pois, a tecer algumas considerações sobre a citação anterior de Lakatos. O que ele tem em mente, quando interpreta a concepção de Popper sobre o desenvolvimento da ciência como uma tal do tipo revolução permanente, é que essa permanência se baseia na necessidade de que sempre surjam, no processo do fazer ciência, conjecturas ousadas e audazes, necessariamente acompanhadas de refutações austeras (ou tentativas de refutações), e tudo isso em nome de uma rigorosa honestidade intelectual na qual nenhum compromisso deve ser mantido a não ser aquele da busca austera e incessante no caminho da verdade. 
  • Segundo Popper, marxistas e psicanalistas ao tentarem, por meio de evasivas ad hoc, salvar as suas teorias, mostraram não possuir a suficiente austeridade e, por conseguinte, isso denotaria o caráter não-científico de seus postulados. Popper considera que, para psicanalistas e marxistas, os compromissos menores e pouco nobres se sobrepujaram em relação ao único compromisso aceitável, que é o da busca austera e incessante da verdade, ainda que nunca se possa saber ao certo se essa foi ou não alcançada. Daí o caráter eternamente conjectural das nossas teorias. Assim, Lakatos inferiu que, para Popper, compromisso seria crime.
Não é preciso dizer que uma opinião assim tão radical suscitou um grande número de críticas, pois com tal relato a atividade científica (que evidentemente não é aquela dos cientistas mal-ensinados da ciência normal kuhniana) pode ser quase identificada com a prática ou, pelo menos, com uma das possíveis práticas, a da honestidade intelectual.
  • — Ora, mas por que os cientistas, mais do que os outros mortais comuns, praticariam conjecturas ousadas e refutações austeras com tanta honestidade intelectual? Em um livro recentemente publicado (Bastos Filho: 1999a), analisamos o problema sob um de seus possíveis aspectos. 
Na nossa opinião, esse tipo de “falseacionismo” (critério de refutabilidade) — o “falseacionismo” ingênuo — não é aplicável, pelo menos em larga escala, pois há as irremovíveis vicissitudes humanas que sempre levam o cientista a acreditar no aspecto eternamente válido de suas caras teorias; isso tem lugar por razões tanto internas quanto externas, principalmente quando a exposição, de peito aberto, à crítica (rigorosa austeridade das refutações) seria uma tendência oposta à necessária competição no seio do establishment, a fim de que o cientista não se deixe sucumbir.
  • Mas voltemos à questão segundo a qual, uma vez admitido o relato kuhniano, como seria possível a uma comunidade acostumada com o dogma passar a exercer a crítica, em vista do surgimento de um número insuportavelmente grande de anomalias. 
Ora, Popper reconhece que a ciência normal existe e que ela é praticada por gente dogmática, mal-ensinada, em relação à qual devemos ter pena devido à sua enorme pobreza de espírito. Trata-se, outrossim, de um fenômeno tanto perigoso quanto deprimente. No entanto, e felizmente, não existe apenas esse tipo de gente. Por isso,

Popper escreve:
“Afirmo que entre o ‘cientista normal’ de Kuhn e o seu ‘cientista extraordinário’ há muitas gradações e é preciso que haja. Tome-se Boltzmann, por exemplo; haverá poucos cientistas maiores do que ele. Dificilmente, porém, se pode dizer que sua grandeza consiste em haver ele preparado uma revolução importante porque era, em extensão considerável, seguidor de Maxwell. Mas estava tão longe de ser um ‘cientista normal’ quanto se pode estar; lutador corajoso, resistiu à moda imperante de seu tempo — moda que, a propósito, só imperou no continente e teve pouco seguidores, naquela época, na Inglaterra.” (Popper, 1979: 67)
Popper critica a divisão kuhniana entre “ciência normal” (dogmática) e “ciência extraordinária” (crítica) e aduz o exemplo emblemático de Boltzmann, que não se adaptaria a uma divisão estrita entre essas duas categorias
kuhnianas. Mais adiante, Popper, argumenta que o relato “kuhniano” de períodos normais regidos por um paradigma, seguido de outro de revoluções excepcionais, se adaptaria à astronomia mas não à evolução da teoria da matéria nem à evolução da teoria das ciências biológicas a partir de Darwin e de Pasteur. 
Argumenta, ainda, Popper, e como um contraexemplo ao relato de Kuhn sobre o desenvolvimento da ciência, que desde a antigüidade coexistiram sempre três tipos de teorias dominantes, que historicamente competiram entre si, a saber, as teorias atômicas, as teorias da continuidade e, ainda, as teorias que tentavam combinar e conciliar as teorias dos dois primeiros tipos. 
  • Quanto ao aspecto do dogmatismo, Kuhn e Popper têm diferentes versões a respeito do mérito da questão. 
Enquanto, para Kuhn, dogma é apanágio da ciência normal, pois somente assim os seus praticantes se ateriam com a devida fé à disciplina paradigmática em prol do acúmulo do conhecimento normal, para Popper, embora a atividade científica genuína seja necessariamente crítica, devemos nos ater a uma pequena dose de dogmatismo, a fim de que não venhamos a nos entregar com demasiada facilidade aos argumentos daqueles que defendem teorias rivais em relação às nossas: 
“Se nos sujeitarmos à crítica com demasiada facilidade, nunca descobriremos onde está a verdadeira força das nossas teorias”.
Vemos, portanto que, enquanto para Kuhn, o dogma é o cerne da ciência normal, para Popper é necessária uma pequena dose de dogma, apenas como um mínimo de convicção necessária para o enfrentamento. Neste estágio, é interessante que o nosso estudo não se restrinja ao debate apenas no viés dos autores acima. É pois possível identificar, antes de Kuhn, pareceres muito críticos sobre a comunidade científica e suas práticas. O parecer do filósofo espanhol Ortega y Gasset, o qual chamou bastante a atenção do físico Schrödinger, nos parece relevante no contexto da presente discussão.

Sobre um parecer de Ortega y Gasset:
  • Algumas décadas antes de Kuhn, o filósofo espanhol Ortega y Gasset — o filósofo da razão vital — escreveu um livro intitulado La rebelión de las masas, no qual encontra-se um primeiro capítulo de título sugestivo La barbarie del “especialismo”, cujo conteúdo revela-se muito crítico em relação a uma atitude alienante que colocaria em perigo a sobrevivência da verdadeira civilização. 
Vejamos, pois, as suas palavras; Ortega descreve um “tipo de cientista sem precedentes na história”:
“Ele é uma pessoa que, de todas as coisas que alguém verdadeiramente educado deve saber, é familiar apenas com uma ciência particular e mesmo assim, desta ciência, apenas uma pequena parte é conhecida por ele, a qual é a que ele próprio se encontra pesquisando. Ele chega ao ponto de proclamar como virtude o fato de não levar em conta tudo aquilo que se encontra fora do estreito domínio por ele cultivado, e acusa como diletantismo a curiosidade que tem por objeto a síntese de todo o conhecimento. Isso chega a passar a idéia de que ele, isolado na estreiteza de seu campo de visão, realmente é bem-sucedido na atividade de descobrir fatos novos e promover sua ciência (a qual ele dificilmente sabe) na direção do pensamento humano integrado — o qual ele próprio ignora com total determinação. — Como algo assim foi possível e como isso continua a ser possível? Nós deveremos sublinhar com ênfase o inusitado deste irrecusável fato:a ciência experimental tem progredido, em considerável extensão, pelo trabalho de pessoas extraordinariamente medíocres e, até mesmo, abaixo da mediocridade” (Ortega y Gasset apud Schrödinger, 1996: 110-111).
Vejamos algumas considerações sobre esta passagem de Ortega y Gasset. Ora, tendo em vista que La rebelión de las masas foi publicado pela primeira vez em 1930, é de se supor que o cientista a que Ortega se refere seja o daquela época.
  • No entanto, tendo em vista o exponencial crescimento numérico das comunidades científicas dos países tanto centrais quanto periféricos, a situação parece ter se agravado sobremaneira, principalmente no período posterior ao da segunda guerra mundial. 
A proliferação, até certo ponto desenfreada, de comunidades científicas em todas as partes do mundo (tanto centrais quanto periféricas) nos coloca diante de severas perplexidades, principalmente se compararmos a situação de então com a situação do século XVII, e mesmo com a situação do século XIX, em que o número de cientistas era significativamente menor. 
  • Cremos que a democratização da atividade científica seja uma boa coisa, mas não a sua banalização, no sentido de uma radical degradação do pensamento. 
Assistimos perplexos a duas propensões antitéticas: de um lado, uma proliferação diversificadora de comunidades científicas, o que é uma coisa salutar, pois enriquece e complexifica os problemas e com eles o próprio pensamento; mas, de outro lado, assistimos a um fechamento e a uma banalização de procedimentos e atitudes, que parecem não caminhar para um bom termo, na medida em que contribuem para que partes e subpartes do saber não se comuniquem entre si. O texto de Ortega suscita problemas muito importantes como:
  • Seriam os cientistas estreitíssimos, tais como os descritos por Ortega, aqueles que integrariam o conhecimento?
  • Em caso afirmativo, como isso seria possível?
  • Seriam, pelo contrário, os cientistas extraordinários aqueles que o fariam, com base na acumulação legada pelos cientistas estreitos?
  • Não seriam os cientistas extraordinários capazes de superar a mera acumulação, realizar a crítica e dar o salto de qualidade?
  • Ou seria, ainda, uma “mão invisível” ordenadora, tal como a tão persuadida “mão invisível” do mercado dos neoliberais?
Claro está que estas questões suscitam os problemas das características sobre o desenvolvimento da ciência, ou seja, remetem para, entre outros, os estudos de história e de filosofia da ciência. Em alguma medida, essa tarefa continuará a ser tratada nas próximas seções.
  • Das gradações entre o normal e o extraordinário Admitamos, muito provisória e meramente, a título de exercício de reflexão, a fórmula super simplificadora e altamente reducionista:
D + C = 1
em que D denota dogma e C denota crítica. Uma adoção desse tipo parte do pressuposto de que dogma e crítica sejam categorias perfeitamente definíveis e identificáveis, tais como o são cara e coroa numa moeda. 
  • Para moedas não viciadas, as possibilidades são igualmente prováveis e, assim, a probabilidade “a priori” de que, em uma dada jogada, venhamos a obter a possibilidade cara é de ˚, ou seja, de 50%, que é a mesma probabilidade “a priori” de que venhamos obter, em uma dada jogada, a possibilidade coroa. 
A probabilidade “a priori” de que venhamos, numa dada jogada, obter indistintamente cara ou coroa é de ˚ + ˚ = 1, ou seja, de 100%, uma vez que todo o universo de possibilidades se encontra contemplado. Aqui, naturalmente, não estamos considerando como integrante desse universo a hipótese remotíssima de, numa dada jogada, a moeda cair em pé. 
  • Evidentemente, no caso da fórmula considerada, as duas “possibilidades” não são, necessariamente, igualmente prováveis. Em outras palavras, há infinitos pares de valores {D, C} obedecendo à fórmula. Aqui, 0 ≤ D ≤ 1 e 0 ≤ C ≤ 1. 
No caso de nossa fórmula acima, D e C não são categorias fáceis de se discernir no mesmo nível em que podemos fazer para cara e coroa, logo o pressuposto em que a fórmula se baseia já se encontra em dificuldades; mas vamos esquecer, por enquanto, essa debilidade. 
  • Suponhamos grosseiramente que a ‘probabilidade’ de uma certa atitude científica, por exemplo, obedeça à fórmula acima. Se {D = 0,01 e C = 0,99} (caso I), teremos o caso de alta probabilidade de atitude crítica e, por conseguinte, de baixa probabilidade de atitude dogmática. Se {D = 0,99 e C = 0,01} (caso II), teremos, pelo contrário, uma alta probabilidade de atitude dogmática e, conseqüentemente, uma baixa probabilidade de atitude crítica.
Se {D = 0,50 e C = 0,50 } (caso III), teremos iguais probabilidades de atitude crítica e de atitude dogmática. Além dos três casos listados acima, teremos uma gama infinita de possibilidades, tais como {D = 0,77 e C = 0,23}, {D = 0,14 e C = 0,86} etc.
  • Ora, se tentarmos, grosso modo, interpretar essa gama infinita de possibilidades como as possíveis gradações entre o normal e o extraordinário, diríamos que, a despeito dessa enorme simplificação que encontra debilidades de origem, o caso I seria mais afeito ao cientista extraordinário e o caso II seria mais afeito ao cientista normal de baixa qualidade.
Dir-se-ia, ainda seguindo esta lógica tosca, que o caso III seria o de um cientista, talvez, normal, de qualidade intermediária, o qual conjugaria, em iguais doses, crítica e dogma. Ora, é fácil de ver que um esquema como o descrito acima não pode se sustentar. Vejamos por que. Tomemos o caso III. 
  • Ora, em lugar de classificarmos um cientista deste perfil como um cientista normal, de qualidade razoável, poderíamos dizer que este perfil também se adapta a um cientista extraordinário, que tanto reúna doses relativamente altas de dogmatismo (alta convicção de seu programa de pesquisa científico a despeito de percalços), como doses relativamente altas de crítica. 
A questão é que, em uma fórmula super simplificadora como a que estamos considerando, não entram formidáveis ingredientes, como a imaginação e a criatividade. Decerto que a crítica ajuda tanto a imaginação quanto a criatividade; no entanto, crítica apenas não basta. Para a atividade científica, notadamente para aquela de boa qualidade, talvez imaginação e criatividade sejam mais importantes do que crítica, o que não implica dizer que o papel da crítica não seja fundamental.
  • Mas vejamos o caso I. À primeira vista, tal como acima nos referimos, este caso se adaptaria a um cientista extraordinário, dado o alto valor para C (C = 0,99). Mas novamente aqui nos encontramos em uma situação ambígua, pois este caso pode se aplicar a um cientista “normal” (não tão kuhniano assim) que seria dotado de alta capacidade crítica e de baixíssima capacidade dogmática, mas que, por limitações pessoais de imaginação e de criatividade, não pudesse dar o salto que caracterizaria o trabalho extraordinário.
A discussão, até aqui, levou-nos ao resultado segundo o qual as variáveis imaginação e criatividade devem, necessariamente, ser levadas em conta.

Agora, vamos nos concentrar na seguinte questão:
  • Se, no contexto de uma fórmula super simplificadora como a escrita acima, já nos deparamos com a dificuldade de identificar uma linha demarcatória clara entre dogma e crítica, o que diríamos se introduzíssemos imaginação e criatividade no cômputo da “equação”?
Tudo indica que esse caminho não nos vai levar a muito longe. Mas essa discussão serviu para mostrar que as diversas gradações que, segundo Popper, devem existir entre os cientistas normal e extraordinário de Kuhn, precisam ser vistas com maior abrangência, fazendo entrar em consideração categorias fundamentais, como imaginação e criatividade.
  • Outro argumento em prol da existência dessa gradação é encontrada nos próprios perfis dos membros que compõem a comunidade científica. De fato, no seio da comunidade científica são encontrados cientistas de praticamente todos os perfis. 
Vejamos alguns deles:
[P1] Há aqueles que, por decisão programática de carreira, concentram-se no uso exclusivo de técnicas experimentais ou teóricas. No curso de suas respectivas atividades, jamais aparecem questionamentos sobre as bases conceituais em que essas técnicas repousam, nem algum princípio subjacente a essas técnicas. Com maior razão, cientistas desse perfil, com grande probabilidade, a não ser em certos casos cada vez mais raros de temperamento pessoal cordial, envidarão esforços que redundem em ações hostis em relação àqueles que se interessem por questões políticas, educacionais, históricas e epistemológicas. Cientistas desse perfil produzem um grande número de papers em série e se orgulham de maneira apologética de suas respectivas especializações.
[P2] Há um segundo tipo de cientista, cujo perfil é intermediário: admite a crítica e também é susceptível de considerar questões mais abrangentes, transversais, multidisciplinares e epistemológicas. No entanto, todo esse tipo de atividade é relegada ao estatuto de hobby, passatempo, ou então é deixada para o período que sucederá a aposentadoria, no qual as pressões de carreira terão se diluído sobremaneira. O cientista deste perfil também se concentra, por decisão programática de carreira, em resultados super especializados, mas a qualidade de seu trabalho está modulada por alguma dose de crítica, o que o distingue do cientista de perfil [P1], que apresenta comportamento absoluta e rigorosamente acrítico.
[P3] Há um terceiro tipo de cientista que combina crítica aguda e altamente qualificada (às vezes até heresia de boa qualidade) com interesses de carreira, sendo esta, via de regra, profundamente conturbada por conflitos de ordens diversas.
Ainda que o talento de um cientista desse perfil possa variar muitíssimo, um valor moral intrínseco, caracterizado por uma coragem singular, o distinguirá dos demais descritos acima. Embora o valor intelectual de um cientista desse perfil seja muito variado, o que garantirá o seu sucesso não se reduz simplesmente ao seu estrito mérito acadêmico nem à força de seus argumentos.
As alianças e correlações políticas poderão lhe ser favoráveis, contrárias ou, ainda, equilibradas, e isso terá papel fundamental na consecução de seus objetivos.
[P4] Há o cientista criterioso (crítico), que trabalha seriamente em questões bem mais restritas à sua ciência específica e que tem abertura para questões de outro viés, mas que, por decisão programática de carreira, não se ocupa de questões epistemológicas.  É possível encontrar indivíduos deste perfil com simpatias veladas ou, até mesmo, um pouco mais do que simplesmente discretas, por questões epistemológicas. É possível, ainda, encontrar nesse perfil atitudes não tão simpáticas em relação aos colegas que adotaram tratar seriamente dos problemas filosóficos suscitados pela ciência, mas as eventuais hostilidades em relação aos cientistas/filósofos são, via de regra, muito menos intensas do que aquelas dirigida aos cientistas/filósofos pelos cientistas de perfil [P1]. Esta constatação é relevante, mas há exceções.
[P5] Há o cientista extraordinário. Criativo, imaginativo, revolucionário. Lança novas luzes e contribui decisivamente para o conhecimento. É uma categoria muitíssimo mais rara, mas de grande importância.
Poderíamos, ainda, listar uma série de outros perfis que combinem valor intelectual, correlação política, penetração e participação nos órgãos financiadores, fator de sinergia ao agrupar quadros e formar pessoas para o ensino e para a pesquisa, lideranças de vários tipos, fator desagregador, competição de programas de pesquisa, luta hegemônica, etc.
  • No entanto, os perfis já listados até então nos satisfazem, no sentido de mostrar que essas gradações, de fato, necessariamente existem. Ademais, a situação ainda se torna mais complexa quando nos lembramos de que há diversas comunidades científicas de diferentes vocações, interesses e teores que têm padrões muito específicos de avaliação do prestígio acadêmico. 
A instituição da ciência bem como a própria comunidade que a produz constituem-se em fenômenos por demais complexos, os quais não parecem ser dóceis a esquematizações super simplificadoras. O surgimento de nomes seminais e extraordinários é fruto de uma confluência de fatores, e o termo, talvez, mais adequado para expressar esta confluência seja complexidade.

Alguns aspectos da questão da autonomia:
  • Do que foi discutido na seção passada, tivemos uma idéia bastante panorâmica de alguns perfis possíveis de cientistas.
Embora tenhamos traçado um quadro muito incompleto e esquemático, ficou claro que, daquilo que pudemos depreender da descrição sobre possíveis gradações de perfis científicos, não podemos aceitar que o dogma tenha de ser necessariamente apanágio no seio do establishment científico.
  • No entanto, Kuhn não deixa de ter parte da razão. De fato, os cientistas de perfil [P1] da seção passada constituem o grupo que mais se adapta à categoria de ciência normal de baixa qualidade. Esse grupo é numerosíssimo, talvez a grande maioria dos cientistas. 
Não obstante o fato de que esses cientistas sejam “necessários” numa lógica perversa de mera acumulação e trabalho duro, eles, sem dúvida, constituem um perigo para a atividade racional sadia, no sentido de que, independentemente, apontaram e deram ênfase intelectuais como Ortega y Gasset e Popper.
  • Gostaríamos, agora, de deslocar o foco de nossa discussão para o problema, necessariamente complexo, da autonomia. A título de mote, alguém uma vez nos disse que a estrutura da instituição científica hodierna, bem como de várias outras instâncias congêneres, é fortemente embasada numa rígida hierarquia. 
Essa pessoa descreveu essa hierarquia em termos bem-humorados, e até mesmo em forma anedótica, da seguinte maneira: os grandes chefes são aqueles que “dão esporro” nos chefes; os chefes são aqueles que “dão esporro” nos chefes menores; os chefes menores são aqueles que “dão esporro” nos pós-doutores, que, por sua vez, “dão esporro” nos doutores, que por seu turno “dão esporro” nos doutorandos, os quais “dão esporro” nos mestres, que “dão esporro” nos mestrandos, que por sua vez “dão esporro” nos bacharéis, que “dão esporro” nos licenciados ... e assim por diante. 
  • Note a ideologia subjacente do establishment: a primazia conferida à pesquisa em relação ao ensino, a qual será contextualizada no final da seção 6.
Este relato bem-humorado combina muitíssimo bem com uma charge que tivemos oportunidade de ver afixada em um mural de uma importante universidade brasileira.
  • Tratava-se de alguns poucos búfalos que corriam desenfreadamente, seguidos cegamente por um número maior, seguidos cegamente por um número ainda mais numeroso, e assim sucessivamente. Os búfalos do pequeníssimo grupo da linha de frente perguntavam entre si: Será que eles sabem que nós não temos a mínima idéia de para onde vamos?”
A turma da linha de frente era indicada na charge como “orientadores”, o grupo intermediário como “doutorandos” e o grupo majoritário como “mestrandos”.
  • Se levarmos em conta tais descrições, ainda que anedóticas, mas nem por isso desprezíveis, diríamos que a estrutura hierárquica a que estão submetidas as comunidades científicas de diferentes teores e índoles é tal que os critérios de liderança subjacentes, e que aqui transparecem com nitidez, são, em considerável medida, profundamente políticos e, de uma forma específica, de política consubstanciada pela capacidade de “dar esporro” e de coagir e compelir subordinados a fim de que sejam asseclas empedernidos e sequazes cegos. 
A propósito, não convém esquecer de que a política trata de poderes e de suas correlações. Em outras palavras, o critério de liderança política (capacidade de “dar esporro”) suplantaria a capacidade intelectual. Evidentemente, a expressão “dar esporro” deve ser encarada metaforicamente,

mesmo porque se assim não fosse pessoas dignas

e dotadas de auto-estima e que não queiram nem dar nem levar esporro de quem quer que seja já estariam definitivamente inaptas para a prática da ciência, pelo menos dentro de sua institucionalização. 
  • Tudo isso é especialmente instrutivo para mostrar que uma grande confluência de fatores de diversos teores, e não apenas o mérito científico restrito, entram no cômputo desta complexa malha que definirá as lideranças e a estrutura hierárquica dentro de uma dada comunidade científica.
No intuito de ilustrar a questão com o exemplo de um cientista extraordinário, tão extraordinário quanto os melhores cientistas puderam ser, citaríamos Einstein. Vejamos se Einstein pode ser visto como um grande chefe em um perfil de liderança que seja, a um só tempo, científico e político. David Lindley emitiu a esse respeito o seguinte parecer:
“Em virtude de seus interesses terem divergido largamente da corrente principal da física, Einstein não gerou uma linha de seguidores intelectuais. Ele é reverenciado, mas diferentemente de Niels Bohr, Wolfgang Pauli, Werner Heisenberg e outros fundadores da física do século XX, ele nunca foi uma figura de orientador para pesquisadores de uma nova geração” (Lindley, 1993: 3-4).
Isso combina com um parecer do próprio Einstein. A despeito da grande e merecida admiração que praticamente todas as pessoas sensatas tinham por ele, e da justa reverência que lhe prestavam, Einstein afirmou: “Aqui em Princeton me consideram um velho maluco” (Born apud Selleri, 1986: 26)3.
  • Parte da marginalização sofrida por Einstein, por mais paradoxal que este termo soe aos menos avisados, deveu-se à sua crítica afiada à Escola de Copenhagen (Selleri: 1990).
Numa carta escrita no dia 10 de abril de 1938 a seu amigo Solovine, Einstein critica severamente a atitude acrítica (dogmática) de grande parte da comunidade científica, a qual, a fim de estar sempre na moda, engoliria as maiores barbaridades. Em relação à atitude modista daqueles que aceitaram dogmaticamente coisas como a “dissolução da realidade”, (Bastos Filho: 1999b), Einstein chegou a compará-los com cavalos. Vejamos, a propósito, o texto de Einstein:
“A necessidade de conceber a natureza como realidade objetiva era tida como um preconceito obsoleto, enquanto a recusa de tal necessidade era declarada virtude pelos teóricos dos quanta. Os homens se mostravam mais susceptíveis de serem influenciados do que cavalos, e cada época é dominada por uma moda, resultando disso que muitos não se dão conta do tirano que os domina” (Einstein, 1993: 85)4
É exatamente contra uma tirania parecida que se manifestaram Pascal (Pascal, 1988: 123-124) e Kant (Kant apud Popper, 1982: 204-205). 
  • Pascal, quando argumentou que a dignidade do homem reside no pensamento, e Kant, quando interpretou o espírito do Iluminismo como aquele do Sapere Aude. Kant (Kant apud Popper, 1982: 209) foi ainda mais longe, quando reivindicou a necessidade da autonomia até em uma situação extrema (Kant praticou aqui um exercício de ficção para levar adiante o seu raciocínio) em que o próprio Deus, em pessoa, aparecesse; ainda assim, segundo Kant, isso não dispensaria a quem quer que seja da decisão livre e autônoma (sentido kantiano) e digna (sentido pascaliano). 
Em colaboração com Erinalva Medeiros (Medeiros et al., 1999), mostramos tanto esses quanto outros aspectos da autonomia, inclusive aquele segundo o qual tudo isso não pode se reduzir a decisões puramente egocêntricas, pois o homem é livre e autônomo na medida em que interage e se solidariza com os outros e, por conseguinte, a autonomia somente pode ser vista nessa interação.
  • A autonomia constitui-se numa importante categoria conceitual e tem de ser vista em conjunto com uma participação solidária, com a liberdade de expressão, com o exercício da auto-estima, com a educação e com a ética. 
A autonomia é um requisito ético fundamental para quem quer que seja: o professor, o pesquisador, o cidadão, a esposa, o esposo, os filhos..., etc. De outra maneira, crítica e liberdade seriam termos sem sentido. Argumentando nesta linha, Paulo Freire escreveu o livro Pedagogia da autonomia com o subtítulo Saberes necessários à prática educativa. No capítulo 2, intitulado Ensinar não é transferir conhecimento, Freire escreve:
“Saber que ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção. Quando entro em uma sala de aula, devo estar sendo um ser aberto a indagações, à curiosidade, às perguntas dos alunos, a suas inibições; um ser crítico e inquiridor, inquieto em face da tarefa que tenho — a de ensinar e não a de transferir conhecimento” (Freire, 1999: 52).
O que Freire pretendeu ressaltar com isso é que a prática do ensinar jamais poderá ser reduzida a uma mera transferência similar a de um registro de água que pode ser aberto ou fechado a qualquer tempo. Essa crítica se assemelha àquela que é feita aos empiristas empedernidos, que reduzem o conhecimento às impressões registradas em uma tabula rasa. 
  • O ensino autêntico requer concepções de mundo, requer idéias tanto a priori quanto a posteriori, requer respeito mútuo, liberdade de expressão, preservação e cultivo da auto-estima de todos os envolvidos no processo educacional e princípios éticos que rejam a autonomia de cada um e de todo o grupo envolvido.
E, mais adiante, Freire escreve:
“O professor que desrespeita a curiosidade do educando, o seu gosto estético, a sua inquietude, a sua linguagem, mais precisamente, a sua sintaxe e a sua prosódia; o professor que ironiza o aluno, que o minimiza, que manda que “ele se ponha em seu lugar” ao mais tênue sinal de rebeldia legítima, tanto quanto o professor que se exime do cumprimento de seu dever de propor limites à liberdade do aluno, que se furta ao dever de ensinar, de estar respeitosamente presente à experiência formadora do educando, transgride os princípios fundamentais éticos de nossa existência” (Freire, 1999: 66).
Independentemente de a qual ensino Freire tenha se referido (superior, médio ou primário), repare que tudo isso contrasta flagrantemente com a camisa-de-força que restringe gravemente a concepção de mundo do cientista normal kuhniano. E, mais uma vez, o conflito se manifesta com todas as letras.

Ciência, Ética e Sustentabilidade

Aspectos éticos e políticos da questão da autonomia:
  • Poucas evidências empíricas são tão consensuais quanto as discriminações que o ser humano tem exercido em relação ao próprio semelhante, que, nos casos mais dramáticos e também nos mais trágicos, chegam ao cúmulo de fazer com que o semelhante seja visto como dessemelhante, como estranho à sua própria espécie. Trata-se de um problema gravíssimo. Houve épocas, contudo, em que se acreditou que a força da razão mudaria drasticamente essa perversa tradição.
No plano político, ou seja, no plano dos poderes e de suas correlações, à vontade absoluta do monarca (absolutismo), que se tornou emblemática por meio da expressão l’état c’est moi, foi contraposta uma nova correlação de poderes na qual se propugnava, programaticamente, uma sociedade livre, fraterna e igualitária. 
  • No plano do espírito, a liberação das forças criativas da razão, interpretada por Kant como o Sapere Aude, se constituía na própria e genuína autonomia intelectual das pessoas. Evidentemente, a autonomia intelectual e também a autonomia política não requerem, nem podem requerer, a ausência de qualquer influência. Sem a tradição e, em certo sentido, sem a influência de várias tradições, nada somos e nada seremos. Portanto, a autonomia não se constitui na recusa em ser tocado pela tradição, mesmo porque trata-se de uma coisa impossível. 
A autonomia passa, sim, pela faculdade de adotar a tradição no que ela tiver de justo ou de recusá-la, e principalmente de modificá-la no que ela tiver de injusto. Mahatma Gandhi parece ter captado esse espírito ao afiançar:
“Eu não quero que minha casa seja fechada com paredes por todos os lados, e que minhas janelas fiquem trancadas. Eu quero que as culturas de todos os lugares soprem sobre minha casa da forma mais livre possível. Mas eu também me recuso a ser carregado por qualquer uma delas” (Gandhi apud Perez de Cuéllar, 1997: 98).
Se o otimismo iluminista do final do século XVIII gerou tanto a esperança depositada no poder da ciência durante o século XIX, quanto a esperança otimista de transformação do ser humano por ocasião da revolução socialista russa na segunda década do século XX, agora, já na entrada do século XXI, essa esperança parece diluir-se.
  • Apesar de tudo, é necessário manter acesa a chama da utopia, pois a função desta não é a sua plena realização — se assim fosse, não seria utopia —, mas sim prover condições de espírito para trabalharmos incessantemente, com ânimo sempre novo, por um mundo menos pior. Voltemos ao quadro de gravidade. As duas grandes Guerras Mundiais ocorridas no século XX, um sem-número de crimes hediondos, como massacres, torturas, chacinas, campos de concentração, racismo, guerras étnicas, guerras high tech, guerras neocolonialistas e imperialistas, entre outras mazelas, transformaram o século que ora finda em, talvez, o mais sangrento de todos. 
Acrescente-se a isso a tendência a uma globalização perversa, caracterizada por uma interdependência das economias nacionais, por uma forte e crescente hegemonia do capital financeiro, por um avanço tecnológico altamente informatizado e robotizado que dispensa grandes contingentes de mão de obra. 
Disso resulta uma acentuada tendência ao desemprego; uma crescente concentração de renda em praticamente todo o mundo;
  • a marginalização de um continente quase inteiro (como é o caso da África); a escravidão dos povos subdesenvolvidos pelos serviços da dívida externa; o enfraquecimento dos Estados nacionais; o aumento da pobreza e da miséria; o possível aumento das desigualdades regionais; a debilitação dos vínculos federativos por causa da necessidade imposta pelo modelo econômico perverso, adotado no sentido de estimular exportações em lugar de manter a solidariedade federativa por meio do mercado interno; o desprezo pela educação e pela saúde; o desprezo pelos interesses dos pobres, etc. 
Pode-se acrescentar, ainda, o consumo intensivo dos recursos naturais solicitados por um modelo econômico dominante dos países ricos e a enorme degradação causada aos meios de sustentação da vida (qualidade do ar, das águas, das terras), o que acarreta enorme degradação ambiental. 
  • Se compararmos esse espantoso quadro de horror com aquele descrito pelos relatos de Frei Bartolomeu de las Casas (Bartolomeu de las Casas: 1996) e do próprio Cortez (Cortez, 1997), por ocasião da conquista da América espanhola na primeira metade do século XVI, podemos ver que, embora as formas de praticar a opressão sejam diferentes, o espírito exterminador de povos e do futuro das crianças continua sendo o mesmo. 
Quanto à ciência e à tecnologia, podemos dizer que, se elas realmente contribuíram para aliviar a canseira humana para aquele contingente de incluídos socialmente, que utiliza aviões e carros particulares, elas não foram capazes de contribuir decisivamente para a erradicação da fome e da exclusão social no mundo. 
  • Muito pelo contrário, a alta tecnologia de hoje constitui um dos fatores de aumento do desemprego e da concentração de renda, acarretando, por conseguinte, um aumento da exclusão social. Evidentemente, isso não implica que a alta tecnologia não deva ser usada nem que ela não possa desempenhar um papel importante em um programa de erradicação da pobreza, uma vez alteradas radicalmente as prioridades sociais e o modelo econômico adotado. 
Este, certamente, é o caso do programa de erradicação da pobreza liderado por Cristovam Buarque (Buarque: 1999), o qual é baseado na bolsa escola. Esse programa inverte a lógica economicista do modelo econômico dominante em curso. Em lugar de perguntar qual é o custo da erradicação da pobreza, dever-se-á perguntar pelo custo da manutenção dos privilégios. 
  • Trata-se de um programa viável, que requer uma coalizão ética, necessariamente suprapartidária, e que implique pilares para assegurar a sua continuidade e sustentação, pois provavelmente demanda mais de uma década ininterrupta de esforços. 
É um projeto que, caso seja implantado, e esperamos que o seja, custará na ordem de 2% de um PIB como o brasileiro, hoje em torno de 900 bilhões de dólares, o que é perfeitamente compatível com as dimensões da economia brasileira, principalmente tendo em vista os seus relevantes efeitos sociais.
  • Mas vejamos agora como o establishment científico do final do século XX responde ao programa iluminista de liberação de suas potencialidades criativas e ao exercício de sua autonomia intelectual. 
A propósito, citaremos um texto de um livro, publicado em 1956, sobre a situação dos Estados Unidos. Embora seja o relato de um livro publicado há 44 anos, e os números atuais sejam diferentes, a atualidade de seu teor qualitativo continua, aparentemente, a mesma.
Seja, pois, o seguinte texto:
“Dos 4 bilhões de dólares que no momento se gastam com pesquisas pelo governo, indústrias e universidades, somente 150 milhões — menos de 4% — se destinam ao trabalho criador. A maioria absoluta das pessoas envolvidas na pesquisa, além disso, deve trabalhar em equipes nas quais não possuem autonomia alguma, e somente uma fração insignificante está em condições de fazer trabalho independente. Das 600.000 pessoas engajadas em trabalho científico, calcula-se que não mais que 5.000 tenham a liberdade de escolher os seus próprios problemas” (White Jr. apud Alves, 1987: 196).
Se já sabemos que a ciência, por si só, não é capaz de contribuir decisivamente para o programa de felicidade dos povos, deveremos, a julgar por este quadro deprimente descrito por White Jr., ser forçados a concluir que a instituição da ciência não propicia sequer a autonomia intelectual para mais de 99% do establishment. Em outras palavras, somente um contingente que representa menos de 1% pode escolher os seus próprios temas, o que leva a crer que a instituição ciência está repleta de cientistas normais do perfil [P1] descrito na seção 4. Mas não convém perder o equilíbrio e emitir pareceres extremistas. 
  • A ciência alcança, apesar dos pesares, conquistas cognitivas de extraordinário valor. A situação da segunda metade do século XX parece indicar, no entanto, que, em larga medida, os procedimentos e atitudes da grande maioria de cientistas se distancia sobremaneira daquilo que se considera como a desejável e genuína atitude do educador. 
Em artigo recente (Bastos Filho: 2000b), argumentamos que uma luta conseqüente por um mundo sustentável e justo deve afastar-se, igualmente, de duas atitudes extremistas caracterizadas, por um lado, pela reação neo-romântica que representa uma hostilidade radical à ciência e, por outro, na apologia triunfalista e cega da ciência.
  • No primeiro caso, e na sua forma mais radical, essa hostilidade vai até o ponto de negar, inclusive, o valor do pensamento científico. 
No segundo caso, essa apologia pode favorecer o obscurecimento da crítica levando à reprodução de valores que podem guardar uma semelhança com algo muito próximo da lógica subjacente ao modelo de desenvolvimento dominante caracterizado pela American way of life, claramente insustentável, principalmente se concebermos um caso hipotético em que tal modelo fosse generalizado para todo o mundo. 
  • E não esqueçamos que esse modelo é mantido devido à sustentação que lhe dá um aparato militar gigantesco, prática agressiva aos meios de sustentação da vida em vários níveis, desde a enorme utilização de indústrias altamente consumidoras de energia até o seu poderio destruidor no sentido estrito do termo. Tudo isso remete, mais uma vez, à questão da autonomia.
Vejamos um exemplo significativo para os nossos propósitos. Celso Furtado (Furtado: 2000) nos conta que, em meados do século XX, o paradigma econômico dominante no Brasil era cultivado por pessoas em torno da liderança de Eugênio Gudim, o qual propugnava o pensamento econômico inglês que seguia a ortodoxia liberal. 
  • Em 1947 foi fundada a Revista Brasileira de Economia, da Fundação Getúlio Vargas, no Rio de Janeiro, sob a direção de Eugênio Gudim e que basicamente se mantinha graças a traduções anglo-americanas. O pensamento rebelde, autônomo e herético (estamos falando de heresia de boa qualidade) encontrava sérias dificuldades para se afirmar, pois a validação que asseguraria o seu reconhecimento dependia de critérios que não o favoreciam, tais como a aceitação dos artigos correspondentes em revistas “classe A”. Muito provavelmente, os referees dessas revistas não estavam minimamente propensos a dar aval e credibilidade a teorias econômicas rivais em relação àquelas afeitas ao paradigma dominante.
Em 1950, Celso Furtado e colaboradores fundam a publicação Econômica Brasileira. Este evento, e talvez ainda com maior razão a CEPAL, constituíram marcos iniciais de formação de um pensamento econômico autônomo no Brasil e nos outros países da América Latina. Mas demos a palavra ao próprio Furtado:
“Cedo percebi que se me atrevesse a usar a imaginação, conflitaria com o establishment do saber econômico da época. [...] Que tenhamos nos revoltado e começado a usar a imaginação para pensar por conta própria é algo que não é fácil de explicar. Mas a verdade é que isso ocorreu no âmbito da América Latina: passamos a identificar os nossos problemas e a elaborar um tratamento teórico dos mesmos. Havia uma realidade histórica latino-americana, e mais particularmente brasileira a captar. A confiança em nós mesmos para dar esse salto tornou-se possível graças à emergência da CEPAL no imediato pós-guerra. Mas não basta armar-se de instrumentos eficazes. Para atuar de forma consistente no plano político, portanto, assumir a responsabilidade de interferir num processo histórico, impõe-se ter compromissos éticos” (Furtado, 2000: 10).
E, mais adiante: “Nenhuma sociedade consegue livrar-se completamente da ação de heréticos, e nada tem mais importância na história da humanidade do que a heresia” (Furtado, 2000: 12).
  • Estes depoimentos primorosos dizem respeito a uma dupla procura de autonomia. A autonomia legítima do intelectual que pensa com a própria cabeça, no dizer que Furtado atribui a Prebisch, (Furtado, 2000: 15) e a autonomia como um compromisso com o Brasil e com a América Latina. 
Ambos rigorosamente éticos. Essa, sem dúvida, não era uma tarefa de pouca monta. Havia o confronto com interesses poderosos, que defendiam idéias como a da economia “reflexa”, da “vocação” essencialmente e exclusivamente agrícola, da manutenção de nossa dependência do mercado externo pela exportação de produtos primários, às quais se contrapunham idéias diferentes, como a da defesa da industrialização, do desenvolvimento do mercado interno, de uma explicação causal diversa para o fenômeno do subdesenvolvimento, etc. 
  • Contextualizando os nossos argumentos, podemos dizer, em suma, que as discriminações de gênero, raça, opção sexual, condição periférica, condição regional que alguém possa vir a sofrer, seguem todas uma lógica dominante perversa que, no fundo, é a mesma que afeta o trabalho científico e o trabalho intelectual de maneira geral. 
A rebeldia contra os ditames do FMI, e a conseqüente adoção de um modelo autônomo, obedecem aos mesmos princípios unitários das rebeldias à la Gandhi, à la Furtado, à la Buarque, à la Einstein, à la Freire e à moda de todos aqueles que querem ser donos de seu próprio destino. Consubstanciaríamos esta tese com mais dois argumentos: o manifesto-proposta de Buarque requer uma mudança ética que aceitasse a regra da violação da isonomia nas escolas em função da realidade do mercado de trabalho (Buarque, 1999: 73), uma valorização e priorização das licenciaturas (Buarque, 1999: 82) e uma mudança ética na Universidade brasileira que implicasse uma reorientação de seu esforço (Buarque, 1999: 81). 
  • Isso significa que o combate à pobreza requer uma valorização da educação que vai na direção contrária ao atual recrutamento acrítico de quadros para alimentar a ciência normal, consubstanciada na atual primazia do bacharelado sobre a licenciatura. Isso, em outras palavras, significa reorientar, de maneira drasticamente inversa, os mecanismos de prestígio do trabalho acadêmico, o que, por sua vez, significa enorme desafio. 
A Educação autêntica e uma ciência crítica e imaginativa constituem o bom caminho tanto para a eliminação da pobreza quanto para a conquista da autonomia.  Os desafios são enormes, e não podemos dispensar as utopias. Faz-se mister uma grande reforma tanto da Universidade quanto do pensamento, no sentido apontado por Morin (Morin: 1999).

Observações finais e conclusões:
  • Do que discutimos aqui, transparece como notório o fato de alguém que tenha sofrido influências que constituem tendências opostas vive, ou pode viver, um conflito. Este conflito pode ser resolvido de três maneiras: por uma opção traumática e corajosa, por acomodação, subserviente ou não, ou por uma espécie de convivência com o dilema correspondente.
O conflito se manifesta quando as pessoas são solicitadas a responder a situações que tanto envolvam críticas quanto fortes convicções dogmáticas. Argumentamos que a questão passa, necessariamente, pelo exercício da autonomia.
  • Não obstante a genialidade existir, o que pode ser consubstanciado por formidáveis, admiráveis e extraordinários feitos que enaltecem o espírito humano, a apologia triunfalista e cega da genialidade, presente no ensino anti-histórico e artificialmente adulterado por linearizações grosseiras, constitui manobra política que tem muito a ver com a força e a eficiência da ciência normal, principalmente daquela do tipo bem rasteiro que denotamos por [P1]. Caracterizando o sistema dominante, há ingredientes externos e internos e razões que podem ser explícitas, implícitas e até mesmo subliminares. 
Se nos for permitido dar a palavra a um sujeito indeterminado que represente o sistema dominante, poderíamos ouvir algo assim: “Cientistas extraordinários como Galileu, Newton, Maxwell, Einstein, Pasteur, Darwin e Euclides são raríssimos, e somente gente desse nível pode realizar contribuições de grande imaginação e criatividade seminais e fundamentais a ponto de caracterizar trabalho extraordinário. 
  • Você é qualquer um, logo, ‘ponha-se no seu lugar’ e procure inserir-se na ciência normal, simplesmente sendo um operário do saber. Contente-se em ser apenas mais um”. Mas, como é fácil de ver, um parecer como o acima emitido pelo sujeito indeterminado que representa o establishment dominante, que provê a formação de quadros para o ensino e para a pesquisa, não seria o mesmo que emitiriam, por exemplo, Einstein, Pascal, Kant, Paulo Freire, entre muitos outros. Einstein consideraria deprimente ser mais susceptível a sugestões modistas do que os cavalos;
Paulo Freire consideraria contrária à ética a castração do outro, subjacente à própria prática rasteira de ciência normal;
  • Pascal consideraria indigno constranger o caniço pensante a renunciar, justamente, ao próprio apanágio de sua dignidade, que é o seu pensamento; Kant, não dispensaria o uso autônomo do pensamento nem mesmo no caso extremo em que Deus aparecesse em pessoa e se revelasse.
Mas o sujeito indeterminado poderia, ainda, contra-atacar e dizer: “Há uma enorme distância entre a prática e a prédica e Einstein é Einstein. Ele pode fazer o trabalho extraordinário, mas de nada adiantariam os seus conselhos para quem não fosse capaz de realizar o trabalho extraordinário”.
  • Neste exato momento, a manobra política do establishment dominante se manifesta com toda a sua opressão e perfídia. Mas, felizmente, há um erro fundamental nas conclusões do sujeito indeterminado. Esse erro tem conseqüências perversas. Felizmente, pode ser apontado com toda precisão. Vejamos como. Efetivamente, ser autônomo e crítico não significa fazer o mesmo que Einstein, ou fazer algo do mesmo nível de Einstein e de outros cientistas extraordinários.
Autonomia requer, necessariamente, a autonomia de cada um, o que significa a liberação das potencialidades críticas, imaginativas e criativas de cada pessoa individualmente e/ou de grupos de pessoas em sinergia umas com as outras.
  • O que se reivindica é a autonomia com respeito às potencialidades. E se o universo de possibilidades se encontra obstruído, que sejam envidados esforços para a sua desobstrução.
Se não admitirmos isso, estaremos assinando embaixo o atestado de que, com exceção de figuras extraordinárias, ninguém mais poderia ser crítico, imaginativo e criativo; não seria possível emitir juízos de valor sobre questões complexas nem ter aspirações legítimas de cidadania. Pensar e ser feliz é mais promissor do que simplesmente ser eficiente, principalmente se a lógica da eficiência é perversa.

Agradecimentos:
Agradecemos ao Professor Fernando Lang da Silveira (UFRGS) pelo envio do livro A crítica e o desenvolvimento da ciência e à Professora Paula Yone Stroh (PRODEMA/UFAL) que, além da sugestão do livro de Morin, também nos sugeriu que enviássemos o presente trabalho ao Prof. Marcel Bursztyn (CDS/UNB).
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Ciência, Ética e Sustentabilidade