sábado, 9 de abril de 2016

Ciência e tecnologia para o Desenvolvimento Sustentável Brasileiro

Ciência e tecnologia para o Desenvolvimento Sustentável Brasileiro

Eduardo Baumgratz Viotti
A herança de um estilo de desenvolvimento:
  • O desenvolvimento foi a idéia força que mobilizou as nações capitalistas pobres no pós-guerra. A grande maioria das políticas e teorias de desenvolvimento identificaram a industrialização como a via da superação da pobreza e do subdesenvolvimento. 
Tal identificação é resultado do entendimento de que a industrialização era o veículo da incorporação acelerada do progresso técnico ao processo produtivo e, portanto, da contínua elevação da produtividade do trabalho e da renda. 
  • O esforço de uma nação para industrializar-se no início do processo de surgimento e consolidação da indústria no mundo é, contudo, completamente diferente daquele por que passa uma nação quando já existem outras competindo nos mercados mundiais de produtos industriais. 
O Brasil é um desses casos de industrialização retardatária, ou seja, é uma economia cujo processo de industrialização ocorre em um momento em que existe um setor industrial consolidado em outras partes do mundo, o qual atende às necessidades de manufaturas dos mercados internacionais, inclusive de seu mercado doméstico. 
  • Essa característica marca profundamente a natureza de seu processo de mudança técnica e seu próprio estilo de desenvolvimento. Contrariamente ao que ocorreu nas economias hoje industrializadas, o Brasil não pôde e não pode contar com a vantagem de competir nos mercados (nacionais e internacionais) com produtos inovadores (e que, por isso, não têm concorrentes) ou produzidos por tecnologias inovadoras (e, portanto, mais produtivas ou eficientes do que as utilizadas pelos concorrentes). 
A competitividade das economias industrializadas é baseada no emprego de tecnologias inovadoras e, por isso, essas economias são adequadamente caracterizadas como Sistemas Nacionais de Inovação. Economias retardatárias como a do Brasil, no entanto, baseiam seu sistema de mudança técnica na absorção e no aperfeiçoamento de inovações geradas nas economias industrializadas e, por isso, são melhor caracterizadas como Sistemas Nacionais de Aprendizado Tecnológico (Viotti: 1997). 
  • O fato de os processos de mudança técnica das economias retardatárias serem basicamente restritos ao aprendizado tecnológico limita profundamente a competitividade de seus produtos industriais. Essa condição estrutural obriga as economias retardatárias a recorrer a formas especiais de compensação pela inferioridade das tecnologias que empregam em seu esforço de industrialização. 
Em outras palavras, para viabilizar seus processos de industrialização, tais economias necessitam encontrar mecanismos que compensem a falta de competitividade tecnológica de seus produtos manufaturados.
  • A competitividade inicial dos produtos industriais das economias retardatárias pode basear-se nos baixos preços locais de mão-de-obra e de matérias-primas, na exploração (predatória ou não) de seus recursos naturais e, ainda, na proteção ou subsídio estatal. Contudo, essas vantagens comparativas não são suficientes para assegurar o avanço do processo de industrialização, assim como não o são para garantir uma verdadeira e sustentada competitividade. 
A vantagem representada pela abundância relativa de matérias-primas é, em certo sentido, ilusória. Só será efetiva se as matérias-primas forem vendidas para a indústria local a preços mais baixos do que os predominantes no mercado internacional. Isso somente ocorre quando seus produtores são induzidos pelo Estado a fazê-lo. 
  • Apesar de os baixos salários representarem uma vantagem comparativa no início do processo de industrialização, a competitividade das economias retardatárias, a longo prazo, jamais poderá estar apoiada simplesmente nessa vantagem. Quatro razões fundamentais suportam essa conclusão. A primeira é que os salários tendem a subir com o avanço do processo de industrialização. 
A segunda é que o natural avanço tecnológico, nos demais países, certamente elevará a produtividade do trabalho naquelas economias, reduzindo ou eliminando assim a vantagem representada pelos baixos salários. A terceira razão é que as indústrias intensivas em mão-de-obra estão sempre se deslocando para países com salários mais baixos. 
  • A última e mais importante é que não vale a pena (ou seja, não contribui para o desenvolvimento) participar de uma competição que será vencida pelo país que pagar os mais baixos salários. Em síntese, ter uma estratégia de competitividade que se baseia essencialmente em baixos salários é competir pela miséria, não pelo desenvolvimento. 
A necessária concessão de proteção ou subsídio à indústria nascente pelo Estado tampouco será eficaz ou sustentável a longo prazo se a absorção de capacidade de produção industrial não estiver associada a um eficaz esforço tecnológico que assegure a progressiva elevação da produtividade da indústria local. 
  • As formas de compensação da falta de competitividade tecnológica dos produtos industriais das economias retardatárias analisadas acima asseguram, de forma direta, apenas a competitividade espúria a esses produtos. 
Ganhos de competitividade são considerados espúrios quando são alcançados à custa da redução das condições de vida da população (atual ou futura) ou da exploração predatória dos recursos naturais. Somente a competitividade autêntica é compatível com o efetivo desenvolvimento a médio e longo prazos. Ganhos de competitividade autêntica só podem ser obtidos por intermédio da efetiva elevação da produtividade ou da qualidade da produção nacional.1 
  • A única forma de assegurar ganhos de competitividade autêntica é o desenvolvimento de um esforço tecnológico eficaz por parte das economias retardatárias. O esforço tecnológico dessas economias é, contudo, limitado pela natureza de seus sistemas nacionais de mudança técnica. 
Existem três formas básicas de mudança técnica: a inovação, a absorção de inovações e o aperfeiçoamento de inovações (as quais, na perspectiva neo-schumpeteriana convencional, corresponderiam de maneira imprecisa aos conceitos de inovação, difusão e inovação incremental). 
  • Os sistemas nacionais de mudança técnica característicos das economias industrializadas — os Sistemas Nacionais de Inovação — incorporam, além da simples capacitação para produzir (isto é, da capacidade de absorver tecnologias preexistentes necessárias para produzir), as capacitações tecnológicas para aperfeiçoar as tecnologias absorvidas e para inovar criando novas tecnologias. Essas nações seguem uma estratégia tecnológica que conjuga o esforço de dominar o processo de produção com um esforço deliberado e bem sucedido de domínio sobre o processo de produção de tecnologias. 
As economias retardatárias, contudo, seguem uma estratégia tecnológica que objetiva essencialmente a absorção de capacitação para produzir produtos manufaturados. Inicialmente, seus sistemas de mudança técnica — Sistemas Nacionais de Aprendizado Tecnológico — desenvolvem apenas a capacitação para absorver tecnologias geradas em outros países. 
  • Essa capacitação é melhorada, de forma natural, com simples aquisição de experiência (em termos de tempo e volume) de produção — learning-by-doing. Contudo, o desenvolvimento de uma efetiva capacitação de aperfeiçoamento das tecnologias absorvidas só é adquirida como resultado de um esforço tecnológico deliberado. 
As economias retardatárias que desenvolveram simplesmente a capacitação tecnológica para produzir podem ser caracterizadas como Sistemas Nacionais de Aprendizado Tecnológico Passivo. Sua reprodução econômica depende essencialmente de mecanismos que proporcionem ganhos de competitividade não-tecnológicos (espúrios) para seus produtos. 
  • As economias retardatárias que conseguem conjugar seu esforço de capacitação para produzir com um esforço deliberado e bem-sucedido para dominar e aperfeiçoar a tecnologia de produção absorvida são mais bem caracterizadas como Sistemas Nacionais de Aprendizado Tecnológico Ativo. Tais economias podem reduzir significativamente sua dependência de mecanismos que assegurem competitividade espúria para seus produtos. 
A incorporação, pelos sistemas de aprendizado tecnológico, de capacitação para aperfeiçoar as tecnologias absorvidas representa um passo decisivo de economias retardatárias em direção à redução de sua dependência de mecanismos que asseguram ganhos espúrios de competitividade. 
  • A competitividade das economias retardatárias, cujos sistemas de mudança técnica limitam-se ao simples aprendizado passivo depende permanentemente dos baixos ou declinantes salários reais de seus trabalhadores, da exploração predatória de seus recursos naturais ou dos mecanismos de proteção ou subsídio estatal. 
Assim, uma importante parte das condições particularmente perversas — pobreza, miséria, desigualdade e degradação ambiental —, características da maioria dos processos de desenvolvimento de economias retardatárias, é conseqüência da falta de um sistema de mudança técnica que assegure uma competitividade autêntica para seus produtos. 
  • Em outras palavras, essas economias não conseguiriam sobreviver se não pudessem extrair competitividade da exploração predatória de seus recursos naturais e humanos. O aprendizado passivo e a competitividade espúria podem não ser, contudo, mera fatalidade dos processos de industrialização retardatária. Podem constituir-se, na verdade, em uma etapa inicial de um processo mais longo de transformação de sistemas nacionais de mudança técnica. 
Para isso, essa etapa inicial precisa ser sucedida por uma trajetória de aprendizado tecnológico ativo. Na verdade, é essa lógica que justifica políticas de proteção e apoio à indústria nascente. Assim, a superação das condições perversas associadas à competitividade espúria característica da maioria dos processos de desenvolvimento retardatário inicia-se com a construção de um deliberado e consistente esforço tecnológico, voltado para a superação dos limites do aprendizado passivo. 
  • Esse primeiro passo — a adoção de uma estratégia tecnológica de aprendizado ativo — constitui-se, também, em um passo necessário (mas não suficiente) para alcançar uma estratégia efetivamente inovadora, que é a única que efetivamente assegura o predomínio da competitividade autêntica. 
O Sistema Nacional de Aprendizado Tecnológico brasileiro é, de forma geral, um caso claro de sistema de aprendizado passivo e, por isso, não é capaz de assegurar um mínimo de competitividade tecnológica para a maioria de seus produtos. 
  • Por isso, precisa continuar a basear grande parte de sua competitividade em salários aviltados, na proteção ou subsídio estatal e na exploração predatória de seus recursos naturais. Isso porque carece do vetor de dinamismo representado pela capacitação tecnológica para aperfeiçoar as inovações absorvidas, além da óbvia carência da capacitação para inovar. 
Vale a pena chamar a atenção, aqui, para um fato estreitamente relacionado à natureza passiva de nosso sistema de aprendizado tecnológico: os baixíssimos níveis médios de educação dos trabalhadores brasileiros. 
  • Tais níveis educacionais certamente constituem uma das causas da passividade de nosso sistema de mudança técnica. Foram, contudo, também funcionais para um sistema de mudança técnica que conseguia viabilizar a reprodução da economia com a simples absorção da capacidade de produzir. Nessas condições, um padrão elevado de educação da massa dos trabalhadores é supérfluo. 
Um elevado nível educacional dos trabalhadores é de vital importância, contudo, para sistemas ativos de aprendizado tecnológico, como o de algumas economias do leste asiático. Nesse caso, o nível educacional dos operários é fator-chave da economia, na medida em que esses sistemas também dependem do aperfeiçoamento das inovações absorvidas. 
  • Grande parte desse aperfeiçoamento deriva diretamente do que ocorre no “chão das fábricas”, onde a qualificação dos operários é vital para a capacidade de o sistema aperfeiçoar as tecnologias de produção absorvidas. 
Ao lado do baixo nível educacional médio da população brasileira, outra característica estrutural do sistema de mudança técnica brasileiro merece ser destacada aqui: a qualificação relativamente elevada de seu subsistema de produção de conhecimento científico. 
  • A base de recursos humanos e laboratoriais para pesquisa e desenvolvimento existente no Brasil é relativamente boa, mas parece funcionar de maneira desvinculada das necessidades do processo produtivo
Tabela: Participação Percentual de Países Selecionados no Total Mundial de Artigos Científicos e no Número de Patentes Concedidas nos EUA 1993

                         Brasil  EUA  R. Unido  Alem  França  Itália   Israel  Coréia Japão 
Publicações*(A)    1.2     33.6   7.5          6.7       5.2      2.93     1.0     1.0      88 
Patentes
Concedidas**(B)  0.06    54.13  2.33     7.01     2.96    1.31    0.32    0.79     22.67 
A/B                   20.00      0.62    3.22    0.96      1.76     2.22    3.13   1.26       0.39
  • Fontes: Science Citation Index e Science and Engineering Indicators, 1996, National Science Board (US Government Printing Office, 1996), citado em CCT Atividades, MCT/CCT, Brasília, 1998. 
  • Notas: (*) Percentagem do número total de artigos publicados em periódicos indexados pelo Science Citation Index que são de autores do país correspondente. (**) Percentagem do número total de patentes concedidas pelo US Patent Office a residentes do país correspondente.
A natureza excepcional da desvinculação indicada acima pode ser percebida pela análise dos dados que aparecem na Tabela. 
  • A contribuição brasileira para a produção científica mundial (inferida pelo número de publicações de brasileiros indexadas no Science Citation Index) é vinte vezes superior a sua contribuição para a produção tecnológica mundial (inferida pelo número de patentes concedidas nos EUA a residentes no Brasil). 
A situação brasileira não encontra paralelo em nenhum dos outros oito países que aparecem naquela tabela. A relação existente entre os percentuais de publicações e o de patentes é, no caso brasileiro, doze vezes mais elevada do que a média da mesma relação para os demais países. 
  • Essa situação de desequilíbrio indica a ocorrência de um certo grau de alienação entre a capacidade brasileira de produzir conhecimentos científicos e as necessidades de conhecimentos tecnológicas requeridas pelo processo produtivo. 
O fato de a base científica brasileira, de qualidade relativamente elevada, corresponder a uma produção tecnológica relativamente insignificante, está, também, relacionado às características básicas do sistema de mudança técnica brasileiro.
  • A primeira característica básica é a de que a inovação (a forma de mudança técnica que maior potencial tem para beneficiar-se do avanço do conhecimento científico) é um fenômeno essencialmente estranho a esse sistema. Em outras palavras, o sistema brasileiro é, como anteriormente indicado, essencialmente um sistema de aprendizado tecnológico, e não um sistema de inovação. 
A segunda característica é a de que esse sistema de aprendizado tecnológico é basicamente de natureza passiva, isto é, o esforço tecnológico da maioria das empresas líderes concentrou-se basicamente na simples assimilação de capacitação para produzir. 
  • Com exceção de algumas poucas empresas líderes (especialmente empresas de origem estatal) que têm estratégia ativa de aprendizado tecnológico, e algumas, raras, que chegam a ser inovadoras, a maioria das empresas não necessitou realizar, durante o período de industrialização, um esforço tecnológico significativo para assegurar sua competitividade. 
O Brasil é um caso de economia retardatária que teve um grande êxito em seu processo de absorção de capacidade de produzir manufaturas. Conseguiu implantar um enorme parque industrial, que conta com um nível de diversificação, complexidade e integração alcançado por pouquíssimos paí- ses no mundo. Esse processo de industrialização foi o principal responsável pelo fato de o Brasil ter sido o país que mais cresceu em todo o mundo entre 1900 e 1980. 
  • Contudo, esse expressivo processo de industrialização foi insuficiente para assegurar o desenvolvimento econômico como previam as antigas teorias de desenvolvimento. Fracassou em seu objetivo de assegurar níveis relativamente igualitários de um padrão de vida elevado e crescente para sua população. 
Mostrou-se incapaz de manter seu dinamismo, isto é, seu crescimento, a partir de fins da década de 70. Não reduziu, antes agravou, a desigualdade da distribuição da renda nacional, além de não ter sido capaz de eliminar a miséria. Mostrou-se, ademais, pouco responsável do ponto de vista ambiental.
  • Um conjunto complexo de fatores está relacionado a essa herança do estilo brasileiro de desenvolvimento. No entanto, a incapacidade de gerar uma dinâmica própria de desenvolvimento tecnológico e, conseqüentemente, de elevação da produtividade e competitividade (autêntica) dos bens e serviços brasileiros, está na raiz de muitos daqueles problemas. 
Durante os anos 1990, o Brasil abandonou as políticas desenvolvimentistas ou industrializantes que foram, em parte, responsáveis pelos problemas referidos acima. Desmontaram-se as políticas industrial e tecnológica.2 Passou-se a buscar, de acordo com a nova doutrina neoliberal hegemônica, a abertura e a desregulamentação dos mercados internos e externos. 
  • Com isso, esperava-se, entre outras coisas, fazer com que a pressão competitiva, aumentada pela abertura do mercado interno para produtos e capitais externos, mudasse o padrão tecnológico das empresas e a própria natureza do sistema de mudança técnica brasileiro. 
A expectativa de sucesso dessa estratégia parte do pressuposto de que, em paralelo à globalização dos mercados de produtos e capitais, estaria ocorrendo um processo de globalização tecnológica, isto é, uma dispersão internacional do processo de produção e emprego de inovações. 
  • Por isso, a abertura dos mercados brasileiros criaria as condições necessárias para que o país pudesse beneficiar-se desse processo de redução das diferenças dos sistemas nacionais de mudança técnica. As melhores evidências, contudo, não corroboram a suposição da existência de um fenômeno generalizado de globalização tecnológica. 3 
Parecem indicar até mesmo a probabilidade da ocorrência do contrário, isto é, da existência de um processo de especialização e diferenciação crescentes dos sistemas de mudança técnica das nações, conseqüência do processo de globalização em geral. 
  • Há indicações de que a globalização esteja, particularmente no que se refere ao processo de inovação estrito senso, contribuindo para a consolidação de ilhas nacionais de competência, cercadas por oceanos de nações sem competência para inovar. Portanto, não é possível crer que a simples inserção da economia brasileira nos mercados internacionais globalizados representará uma solução natural para o problema de seu baixo nível de desenvolvimento tecnológico. 
A pressão competitiva dos mercados abertos não parece ser, isoladamente, suficiente para mudar a natureza do sistema de mudança técnica brasileiro. Obviamente, também não é possível sustentar a visão ingenuamente otimista de que a liberalização da economia poderá ser responsável pela superação do padrão perverso de distribuição de renda característico do Brasil. 
  • Apesar de essa política poder contribuir para a redução da iniquidade na distribuição de renda pelo combate à inflação e ao protecionismo, existem sérias razões para crer que outros vetores do processo de concentração estejam sendo introduzidos ou reforçados por ela. 
Um forte indício é o fato de as políticas neoliberais estarem contribuindo para o aumento das desigualdades sociais até mesmo em países como os Estados Unidos e o Reino Unido. Portanto, não há razão para continuar a crer que a melhor política é a não-política, como propõe a doutrina econômica hoje dominante. 
  • Muito tempo já foi perdido na fé de que a solução dos problemas brasileiros viria do simples desmonte das políticas desenvolvimentistas e da conseqüente liberação das forças e potencialidades do livre mercado.

Ciência e tecnologia para o Desenvolvimento Sustentável Brasileiro

C&T para o desenvolvimento sustentável brasileiro:
  • O desenvolvimento que se almejou durante grande parte do século XX não foi alcançado pelo Brasil, como tampouco o foi pela maior parte das outras nações pobres. Tomou-se consciência, ademais, da insustentabilidade do estilo de desenvolvimento das nações ricas e da impossibilidade de sua universalização. 
Nesse contexto, surge, nos fins do século XX, uma nova idéia força que está progressivamente mobilizando as nações: o desenvolvimento sustentável. Um novo estilo de desenvolvimento que tem como meta a busca da sustentabilidade social e humana capaz de ser solidária com a biosfera. 
  • A sociedade brasileira, em consonância com esse movimento universal, também busca construir esse novo estilo de desenvolvimento. O antigo estilo de desenvolvimento brasileiro já se encontrava comprometido pelas enormes limitações de nosso processo de geração e absorção de conhecimentos científicos e tecnológicos. 
A meta muito mais ambiciosa, representada pelo desenvolvimento sustentável, reforça de maneira mais profunda a necessidade de transformação daquele processo. Tal transformação deverá ser o objeto de uma nova e também ambiciosa política de ciência e tecnologia. 
  • A construção dessa nova política precisa não só superar as limitações que a herança do velho estilo de desenvolvimento nos deixou como, também, construir as bases técnicas e científicas necessárias à sustentabilidade social, ecológica, econômica, espacial, política e cultural. 
A construção de um novo sistema nacional de mudança técnica que viabilize processos produtivos cada vez mais adequados a todas aquelas dimensões da sustentabilidade deve ser o principal objetivo da nova política de C&T. 
  • A eficácia da política voltada para a construção desse novo sistema de mudança técnica depende do reconhecimento de que o Brasil é atualmente um Sistema Nacional de Aprendizado Tecnológico Passivo e que, portanto, a ênfase inicial da política tecnológica deve ser voltada para a mudança da natureza desse aprendizado. 
Em outras palavras, há um enorme esforço inicial a ser empreendido para melhorar nossa capacitação para absorver e aperfeiçoar tecnologias.
  • A generalização de uma estratégia ativa de aprendizado tecnológico é uma base necessária, mas não suficiente, para a criação de condições férteis para que a inovação (isto é, a fabricação de produtos ou o emprego de processos que sejam novos em termos mundiais) assuma a liderança do processo de mudança técnica das empresas brasileiras. 
Apesar disso, a inovação pode vir a assumir um papel relevante — em determinadas áreas, setores ou empresas — antes da criação daquela base. Por isso, a inovação — em determinadas áreas, setores ou empresas — deve ser buscada em paralelo ao esforço de generalização da estratégia de aprendizado ativo. 
  • Nesta parte do trabalho foram apresentadas brevemente as características fundamentais do processo de mudança técnica predominante no Brasil, além dos novos requerimentos impostos pelo projeto de desenvolvimento sustentável. 
Com base na compreensão daquelas características estruturais e desses requerimentos, é possível destacar algumas diretrizes básicas que devem orientar a construção da nova política tecnológica brasileira. 
  • O objetivo maior da política é transformar o processo de mudança técnica das empresas (isto é, instituições — públicas, privadas e não-governamentais — que produzem bens e serviços). O estímulo à realização de esforço tecnológico diretamente, por parte das empresas, e em cooperação com elas é a chave dessa transformação. 
  • O estímulo à constituição de grandes grupos empresariais nacionais, com massa crítica para desenvolver e coordenar esforços tecnológicos e para transformarem-se em global players, é condição importante para a viabilização de bases para um esforço verdadeiramente inovador. 
  • A concessão de estímulos ao esforço tecnológico das empresas deve exigir contrapartidas efetivas em termos de performance tecnológica de produtividade, qualidade, competitividade, impacto ambiental e social. A ênfase dos critérios de seleção de empresas ou projetos a serem apoiados deve ser deslocada dos simples critérios de enquadramento a priori, para as contrapartidas, os resultados. O sistemas de avaliação devem ser rigorosos e ter como objetivo, além de informar a política, servir de base para a punição ou o estímulo das empresas ou instituições apoiadas. 
  • A concessão de benefícios vinculados às demais políticas (inclusive as concessões de serviços públicos) também deve requerer contrapartidas de esforços tecnológicos que elevem o grau de sustentabilidade dos empreendimentos. 
  • A construção de sistemas ou programas de extensão tecnológica voltada para a elevação do padrão tecnológico médio e para a redução de sua heterogeneidade e, em particular, para a elevação da eficiência energética e ecológica das empresas, deve passar a constituir uma das prioridades da política de C&T. 
  • A existência de políticas industrial, agrícola, comercial e regional articuladas com a política tecnológica é requisito vital para a eficácia desta última. 
  • As enormes diferenças existentes entre as tecnologias, as bases técnicas dos setores produtivos e das regiões, ao lado da limitação de recursos disponíveis, impõem a necessidade de que a política tecnológica seja seletiva e defina prioridades claras de intervenção por temática tecnológica, por setores produtivos e por regiões. 
  • Um esforço de reconversão das bases de competitividade dos setores com maior competitividade é necessário. Produtos como soja, óleo de soja, café, suco de laranja, papel e celulose, minério de ferro, alumínio e produtos siderúrgicos competem nos mercados internacionais basicamente como commodities. São produtos que, de uma maneira geral, agregam pouco valor, a base de sua competitividade é o preço e, por isso, os custos salariais precisam ser reduzidos. São também muito vulnerá- veis às flutuações dos mercados e geralmente geram grande stress ambiental. É preciso desenvolver um esforço coordenado de desenvolvimento de nichos de mercado para a superação dessas limitações típicas das commodities, transformando-as em specialties. 
  • A universalização, com qualidade, do ensino de primeiro e segundo graus, em conjunto com a concessão de estímulos ao treinamento on the job associado à redução da rotatividade da mão-de-obra, é de vital importância. O esforço educacional precisa, contudo, estar articulado com políticas que gerem empregos qualificados. Na ausência de mercado de trabalho, os investimentos em educação podem ser desperdiçados e o país pode transformar-se em exportador líquido de mão-de-obra educada, como demonstra a história de alguns países e de algumas classes de profissionais brasileiros. 
  • A preservação, o aperfeiçoamento e o estímulo à integração das instituições de pesquisa e desenvolvimento e de formação de recursos humanos, especialmente das universidades, no esforço de desenvolvimento sustentável é fundamental.
Referências bibliográficas: 

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______. A globalização e o papel das políticas de desenvolvimento industrial e tecnológico. Brasília, IPEA, outubro de 1997. (Texto Para Discussão n. 519). 
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VIOTTI, Eduardo B. Passive and Active National Learning Systems. 1997. (Dissertação de PhD defendida na New School For Social Research). 
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Masdar City pretende ser a cidade mais sustentável do mundo
A cidade é ancorada pelo Instituto Masdar de Ciência e Tecnologia