sexta-feira, 8 de abril de 2016

Segurança Humana, Educação e Sustentabilidade

Ciência, Ética e Sustentabilidade 

Argemiro Procópio
Edições UNESCO Brasil

Desordenamento ético:
  • Com a natureza dando sinais de esgotamento e a desordem ecológico-social longe do seu fim, resta, na periferia mundial, pouquíssimo como elemento de troca nas relações com os países centrais. 
Por tal razão, drogas ilícitas e espécies nobres roubadas das florestas tropicais constituem a derradeira e sólida moeda de expressivo valor no intercâmbio entre os países globalizados e globalizadores. Quanto mais lucrativo o negócio, maior o número de pessoas interessadas nele! Nada reverte esta lógica capitalista. 
  • A ausência da educação como garantia do desenvolvimento sustentável, a presença do poder judiciário tal como ele se apresenta no Brasil permite, pela morosidade de seus juízes, o avanço da corrupção. Coze para a sociedade um caldo político extremamente indigesto e danoso. Fragilizados os valores éticos, a cultura da corrupção corrói tanto o Estado quanto a segurança humana. 
Destarte, a articulação apresentada nesta análise entre a falta de segurança, falta de educação com ética e crescimento sem sustentabilidade. É preciso diferenciar ética de moral. 
Para Srour, 
“ética não se confunde com moral como induzem erroneamente as expressões consagradas ‘ética católica’, ‘ética protestante’, ‘ética liberal’, ‘ética nazista’, ‘ética socialista’. Enquanto a moral tem uma base histórica, o estatuto da ética é retórico, corresponde a uma generalidade abstrata e formal. A ética estuda as morais e as moralidades, analisa as escolhas que os agentes fazem em situações concretas, verifica se as opções se conformam aos padrões sociais. Fica no mesmo plano ocupado pelas chamadas disciplinas sistemáticas. [...] Como disciplina teórica, a ética sempre fez parte da filosofia e sempre definiu seu objeto de estudo como sendo a moral, o dever fazer, a qualificação do bem e do mal, a melhor forma de agir coletivamente. A ética avalia então os costumes, aceita-os ou reprova-os, diz quais ações sociais são moralmente válidas e quais não são”1 .
Fenômenos como os da exclusão social e da insustentabilidade do desenvolvimento põem em xeque ações e o próprio papel do Estado na sua obrigação histórica de zelar pela segurança humana, pela educação e pelos direitos da cidadania. 
  • Nesta reflexão, ações como essas transpassam caminhos atípicos: somatório dialógico entre valores como a ética, a justiça e a questão ambiental, amarrando possibilidades para um presente sustentável. Isto significa navegar em busca de riquezas explicativas novas, não apenas necessárias à exegese da fenomenologia dos porquês da desordem social e da desordem ecológica, mas também para saber o como as coisas acontecem dentro e fora da globalização. 
Nas idiossincrasias da ordem internacional, observa-se que a violência contra o homem e contra a natureza atinge com distintos impactos populações dos países que globalizam e dos que são globalizados. 
  • Por exemplo, a maior potência mundial, os Estados Unidos da América, pelo consumismo de sua população é o país que, ecologicamente falando, mais custa ao mundo. Nações da periferia mundial, amarradas pelas burocracias que deixam de incrementar as conhecidas alternativas de sustentabilidade, correm igualmente perigo. 
No caso brasileiro, os privilégios de suas elites, a generalizada corrupção e a perversa distribuição da renda sob o patrocínio do próprio Estado, proporcionalmente tinge de sangue, mais que noutros países, a natureza e o tecido social da nação. 
  • Daí a degradação ambiental associada à baixíssima qualidade de vida do povo. Daí também a violência. Tudo isso significa ameaça à democracia e à paz, porque fragiliza a unidade nacional, notadamente na região amazônica. 
Fere a histórica força simbólica desta região por causa da monumental negligência para com o social que, por toda parte, mina as estruturas na qual estão assentadas as bases do Estado-Nação. No calendário dos infortúnios da comunidade das nações, destacam-se as brutais desigualdades sociais, a falta de educação libertadora, o generalizado desrespeito aos direitos humanos, a degradação ambiental global e o narcotráfico, sustentado, em parte, pelo hedonismo e pelo consumismo. 
  • Os caminhos da busca do prazer a qualquer preço são cúmplices da degradação ambiental, podendo levar também ao abuso das drogas ilícitas. A clandestinidade, robustecendo os negócios da economia das sombras, transforma o comércio ilegal de drogas e de produtos roubados das florestas tropicais em instrumento de enorme capacidade de destruição social e ecológica. 
Fere e ameaça, inclusive, a ética do pacto social, em que se troca a liberdade pela segurança, razão de ser do Estado moderno. Significa desafio crucial para as democracias hodiernas, em que até o acesso à justiça já é privilégio.2
  • A academia percebeu que o fortalecimento do ambientalismo e sua transformação em movimento histórico mundial causa profundas ressonâncias nas relações internacionais. Todavia, com o consumismo sempre a querer mais, multiplica-se o descontentamento dos povos sob o jugo hedonístico desta civilização. 
O panem et circenses, pão e circo de ontem, traduz-se, hoje, por drogas, descaso para com as verdadeiras causas da devastação ecológica e paixão pelo poder. É bom relembrar que os grupos sociais, com histórica prática de acumulação de bens e riquezas, são extremamente hedonistas. 
  • No contexto do desordenamento ético, inclusive os direitos humanos são invocados para justificar decisões politicamente incorretas. Falta indignação pelas causas de infortúnio que assolam o mundo, inclusive a fome. 
Nessa trama de desgaste moral e ético, o combate às substâncias alucinógenas e a luta por um ambientalismo sadio transformam-se em cruzadas que, graças ao monumental poder de corrupção das elites, costumam terminar menos servindo aos fins e mais aos meios. 
  • Que se considere, por exemplo, a alarmante indústria da guerra às drogas e a não menos pérfida indústria exploradora da desgraça ambiental. 
O direito da ingerência:
  • Tanto a “luta” contra as drogas quanto as indústrias transformadoras do caos ecológico em lucrativos negócios apresentam-se oportunas no exercício da hegemonia política nas relações internacionais. 
A transnacionalidade do caráter dessas políticas, engolindo continentes inteiros, por exemplo, a ação da Drug Enforcement Administration (DEA), surgida em 1973 no lugar do Federal Bureau of Narcotics, e espalhando-se por quase toda a periferia mundial, rende frutos amargos. Aqui no Brasil, são colhidos no quintal da casa aberta da política, que subordina o Brasil aos ditames da peleja antinarcótica globalizada sob a tutela dos Estados Unidos da América.
  • Eivado de ambiguidades, o relançamento da discussão sobre a questão das drogas ilícitas ocorreu também em 1971, quando a Organização das Nações Unidas promoveu, em Viena, a Conferência sobre Substâncias Psicotrópicas, no apagar das luzes da guerra fria. Acompanhando o processo de coexistência pacífica, distensão ou deténte, a política internacional de repressão às drogas e as expressas preocupações dos países centrais, em relação à desordem ambiental da periferia, cresceram. Infelizmente, em nada aliviaram o peso do fardo do atrelamento dos povos latino-americanos ao desigual sistema mundial de poder. 
Na falta de um sistema educacional emancipador e criativo, a costura do figurino usado no cenário da luta contra os alucinógenos segue, à risca, o velho modelo de segurança hemisférica dos norte-americanos, cerzido pelas mãos preguiçosas da Organização dos Estados Americanos. 
  • Alinhava, principalmente, os países latino-americanos na terceirização da guerra contra as drogas segundo os ditames de Washington. Tem faltado aos Estados Nacionais visão da força do lucro gerado pelos negócios do narcotráfico e da natureza capitalista da devastação ecológica transnacional que transformaram a Amazônia no que é hoje. Há carência de perspicácia política e de conhecimento acerca da realidade dos povos, das manifestações materiais de suas atividades, inclusive da corrupção. Urge também construir uma espécie de etnografia da destruição pertinente ao desrespeito à natureza e ao abuso das drogas. 
Tão grave quanto os péssimos resultados da acalentada militarização da luta contra os narcóticos é a morosidade na construção do processo educativo, junto aos programas ambientais, para conter o avanço da poluição urbana e da carbonização das florestas. 
  • Com o advento do direito de ingerência, do direito sem fronteiras, estilhaçando como nunca o princípio da soberania, segmentos da sociedade, notadamente as Forças Armadas e a diplomacia dos Estados Nacionais do subcontinente, ocultam a gravidade do perigo da degradação ambiental e do narcotráfico como ameaças à segurança e à independência nacional.3 
Desnorteados, perdidos num mundo onde falta a ética, os Estados tampouco dão-se conta do formidável vetor da integração paralela das drogas em dimensão hemisférica. Fala-se muito e faz-se nada, seja para barrar a expansão das áreas devastadas, seja para impedir o fortalecimento do narcotráfico nas estruturas do poder político. 
  • A comunidade das nações, em face do insucesso, seja da sustentabilidade das políticas públicas voltadas para o meio ambiente, seja do fiasco das estratégias antidrogas, sente, indefesa, os sintomas de suas fraquezas. Por conseqüência, políticas dos Estados Nacionais, esquecidas da importância do significado da educação como prevenção, dobram-se diante da impotência da contenção da devastação ambiental no meio urbano e rural e do alastramento do consumo abusivo de psicotrópicos. 
O risco da contravenção vem tanto de dentro quanto de fora. A ameaça corrosiva da corrupção nas Américas age celeremente. As respostas do banditismo, em matéria de dinamismo, causam inveja às políticas oficiais de integração, mesmo porque, historicamente, as drogas mostraram-se eficiente instrumento e vetor de integração. 
  • Na ilegalidade, a droga proibida transformou-se instrumento da dominação, nunca deixando de manipular as armas da corrupção. A história do papel da coca, da cocaína e do contrabando das riquezas encontradas nas florestas ainda hoje permanece ignorada pelos estudiosos da integração. 
A coca, na historiografia andina pré-colombiana, antecede realidades hoje presenciadas do processo de integração continental. Principalmente nas últimas três décadas do século XX, o comércio ilegal das pedras preciosas, do ouro, das madeiras nobres, de variados produtos do extrativismo vegetal e das drogas alucinógenas soube engordar as oligarquias, principalmente por meio da sustentação do custo de suas campanhas políticas e da caça aos votos conquistados pelo dinheiro fraudulento, em busca da tão cobiçada imunidade parlamentar. 
  • Os movimentos de integração se, em certo sentido, como no caso da União Européia e do Mercosul, contribuíram para o alargamento das fronteiras do mundo dos narcóticos, poderiam, da mesma forma, criar instrumentos coletivos a favor da educação, com ações concertadas de melhor proteção à natureza e de eficaz combate às drogas. Infelizmente, não é isso o que se nota. 
Vitalidade da corrupção:
  • O banditismo formal, e parte expressiva dos herdeiros da oligarquia política latino-americana emergente, ainda vivendo do contrabando e dos frutos da desastrosa exploração dos recursos naturais, possuem em suas mãos parte importante dos negócios das drogas. 
A globalização dos negócios relacionados à depredação da natureza e também ao comércio de narcóticos leva a consensos e a estratégias comuns. Obrigou numerosos donos do poder a arquivar tradicionais disputas e rivalidades em prol da ampliação de territórios. 
  • Curvou-os diante da convergência de irreversível realidade: a da integração paralela das sociedades americanas por meio dos negócios ilícitos. Diante dessa verdade, nenhum governo nega que o contrabando de drogas e das riquezas retiradas ilegalmente da terra e dos rios provocam indimensionável circulação de dinheiro e de pessoas. 
Entre as três Américas, estima-se serem tais negócios responsáveis pelo fluxo de somas bilionárias. Entre outros exemplos, a movimentação de capitais, o emprego de estratégias montadas pelo contrabando de madeira e pelo narcotráfico, principalmente por meio da lavagem de dinheiro, incrementam o setor industrial, turístico, agropecuário, comercial, financeiro e da construção civil. 
  • Esses setores testemunham vivamente os ilícitos atuando como vetor de integração econômica, com base no seguinte tripé: corrupção, violência e lucro. Trabalham atrelados a uma economia informal de extrema vitalidade. Branqueiam como ninguém o cobiçado dinheiro protegido pelo Estado por meio das suas instituições bancárias. 
Para os países consumidores ricos direciona-se o fluxo final do dinheiro das drogas e das transnacionais. Estas últimas com maestria comercializam e transformam os produtos que brotam no corpo carbonizado das florestas e dos cerrados. A soja é um exemplo entre tantos outros.4 
  • A vitalidade da corrupção percebe-se em países onde valores éticos e morais esmorecem e onde a cumplicidade das elites no poder com o crime organizado sente-se de forma clara na poderosa economia informal, frutificando na ineficiência da burocracia dos órgãos oficiais. Corrompe juízes, elege vereadores, deputados e senadores. 
O crime organizado soube criar estruturas de poder dentro do Estado, e parte das engrenagens da máquina estatal passou a ser também sua. No esquema da dualidade do bem e do mal, recria-se o bode expiatório dos males hodiernos. Graças a isso, o narcotráfico e a devastação ambiental nas relações internacionais transformaram-se em disputados joguetes dos instrumentos de poder. 
  • Ninguém duvida de que o baixo preço pago aos tradicionais produtos oriundos do extrativismo vegetal levou, por exemplo, a população rural amazônica a procurar novas opções. A mineração de prata e estanho no Peru e Bolívia, bem como a garimpagem do ouro em vários países da hiléia, souberam fazer crescer por anos uma mão de obra para, finalmente, desová-la em etapas distintas do narcotráfico. No Peru, na Venezuela e no Brasil, os garimpos de ouro, depois de anos de desordenada exploração, mostram-se exauridos. 
O contrabando de madeira, o cultivo, processamento e tráfico de drogas significaram, de uma forma ou outra, redentora opção para alguns segmentos dessas sociedades atormentadas pelo desemprego. 
  • A contravenção, na extremamente ativa economia informal, ilude no que toca à democratização das chances no mercado de trabalho para a população de baixa renda. O contrabando de produtos atrelados ao comércio das drogas penaliza a sustentabilidade e as políticas públicas voltadas para a questão ambiental, porque a indústria do ilegal no Brasil, possivelmente a mais modernizada e eficiente do Ocidente, fere e lanceta as veias do Estado Nacional. 
Com a democratização, o fosso social, inclusive aquele em torno das concepções éticas, não diminuiu. Continua abismal. Aumenta igualmente graças ao admirável gigantismo da economia clandestina, da corrupção política e do narcotráfico. As elites, transformando os ganhos dos negócios paralelos em lucros seus, ao concentrar substantivo volume de riquezas fazem da exploração da natureza e da ruína do homem pelas drogas sua lógica de poder. 
  • Os negócios dos ilícitos, entrelaçados aos da devastação ambiental, são perversidades do cotidiano do capitalismo globalizado. Na degradação humana, empurrada pela violência e pela corrupção generalizada, o narcotráfico tem o mesmo sangue de outros negócios extremamente prejudiciais à sociedade. 
Todos, por sua força e penetração, indiretamente amparam e desmoralizam o Estado. Dentre as variadas formas de fragilização da sociedade pelos entorpecentes, a utilização dos menores é das mais cruéis.5 
  • O desprezo para com os bons costumes e para com valores éticos que se perpetuam na solidariedade humana; o descaso para com a educação; a degradação da natureza, que fere a qualidade de vida obstruindo virtudes de cidadania; a mania de responsabilizar o Estado esquecendo-se de que o Estado somos todos nós; o “venha a nós e nunca ao vosso reino” jogam sociedades inteiras na solidão acompanhada da cultura do vazio. Típica dessa civilização dos esmorecidos valores éticos, a cultura do vazio transforma o homem em carrasco e vítima do destino comum sem futuro. 
Negligência para com a educação:
  • O narcotráfico recruta, notadamente no Brasil, expressivo contingente de adolescentes. Subverte a ordem internacional vigente eliminadora da mão-de-obra do menor, que ousa competir com a adulta no cenário de desemprego crônico do capitalismo da pós-modernidade. Em todo o país, alteia o consumo de drogas entre menores. 
Desgraçadamente, em nenhuma outra nação a distribuição de drogas tornou-se rotineira e descaradamente presente em mãos de adolescentes. Isso explica parte dos porquês das cruéis estatísticas de assassinatos dos meninos e meninas. 
  • A sociedade, negligente para com a vida, igualmente negligencia a educação para o cidadão. Precisamente na terra conhecida pelos especialistas por seu Estatuto da Criança e do Adolescente a favor da proteção dos menores, o crime ceifa vidas de crianças. 
Há de se ressaltar que as drogas ilícitas e a degradação dos costumes sustentados pela ética da solidariedade socializaram o universo de suas vítimas. Atualmente, crianças tanto pobres e desamparadas, quanto ricas e bem alimentadas, respiram o mesmo ar poluído. Ambas podem cair no inferno dos entorpecentes. As análises do fenômeno dessas desgraças implicam a decomposição das diferenças. O descaso para com a educação, o desrespeito ao meio ambiente, a sede pelo lucro imediato explicam o descuido pela segurança humana. 
  • O menosprezo para com o bem comum corta o ethos da ligação homem-natureza. O menino de rua, encarnando a figura do bandido, é equívoco estudado no livro Narcotráfico e segurança humana 6 denuncia-se o envolvimento da juventude abastada em crimes relacionados às drogas. 
O uso de drogas e a degradação ambiental são conseqüências de políticas corruptoras ligadas à luta pelo controle do poder e de outras realidades. No mundo das políticas públicas voltadas para o meio ambiente, a distância entre as leis e a realidade é inconfundível. 
  • Sem perceber as contradições sociais, perde-se a interpretação das causas da degradação ambiental e humana. Tampouco se alcança o entendimento da razão das coisas. Crianças e adultos entram nas gangues introduzindo-se nos negócios do narcotráfico, principalmente pelo dinheiro que significa status. Sentimentos de responsabilidade e de autoridade são atribuídos aos só- cios dessa seara do submundo do crime. 
A droga distribuída rende prestígio. Resumindo, droga na mão acaba com qualquer sentimento de exclusão. Possuir droga significa força para o infrator. Tal poder nas ruas é marcado pela covardia das armas, cuja abundância transformou assassinatos e assaltos em rotina. 
  • Aí o cidadão, alvo fácil da violência, passa a ignorar a democracia e o Estado, que lhe nega a proteção e a educação para a vida. A ausência do pacto social a favor da segurança humana é meio caminho em direção à volta aos sistemas totalitários, de triste memória, hoje equivocadamente tidos como regimes da ordem e do progresso. 
A tremenda despreocupação para com o social e para com o ambiental, a falta de uma ética da solidariedade, a falta do acesso à educação e a perversa repartição da renda constituem a causa mortis das democracias periféricas, em que a vocação das elites do tudo para ter esquece a ética do ser. Aí aniquila-se, também por meio do consumismo, a qualidade ambiental para o viver das massas. Tirar do papel, aplicar verdadeiras políticas públicas, primeiramente para a educação e para a sustentabilidade da qualidade de vida, funciona como o antídoto contra a delinquência e, por extensão, contra as drogas ilícitas. 
  • A violência do cotidiano mostra, como sempre, a parcialidade na aplicação do rigor das leis. Se a democracia no Brasil for estimada pelos resultados concretos até agora alcançados a favor da paz e da segurança pelo país afora, se comprovará que aqui ela é mais miragem no deserto dos bons desejos e das boas intenções do que realidade apalpável. 
Prejuízos éticos: 
  • Políticas antidrogas comparadas, por exemplo, às aplicadas nos países islâmicos e nos Estados Unidos da América, angariam variadas convergências.
Apesar das ciladas das diferenças, em todos eles a “diabolização” dos entorpecentes encontra-se no cerne da estratégia de luta contra as drogas. Ambos tratam com castigos os estrangeiros pegos com substâncias ilícitas dentro de seus territórios. 
  • Pelo fato de a cultura árabe ser berço do uso de algumas drogas alucinógenas, o Ocidente precisa aprender com as sociedades islâmicas seu ardor religioso contra o álcool, de todas as drogas a mais assassina. A divulgação de estereótipos em nada auxilia. 
No islamismo, crianças e adolescentes não são vítimas do erotismo e nem das drogas com a intensidade e freqüência conhecidos no Ocidente. O descuido para com a educação nas escolas e fora delas desacredita a possibilidade de convivência pacífica com as drogas, que existem há muito tempo, porém sem a dominação delas com a intensidade de hoje. 
  • Se poucos povos conseguiram escapar da poderosíssima influência cultural do capitalismo das drogas, nenhum deles é tão vítima da violência do narcotráfico como os países amazônicos. Entre estes, notadamente o Brasil e a Colômbia. Nesse contexto, anda quase impossível ter fé nas suas políticas governamentais antidrogas. Urge, então, alinhavar essas questões no estudo da cooperação nas relações internacionais. 
Há que ferir a hipocrisia impedidora do diálogo franco sobre os temas da descriminalização ou da legalização, que soam quase como blasfêmia. Sem o amplo uso do exercício da cidadania no debate sobre a degradação ambiental e sobre as drogas, ele se transforma em discussão epistemológica pobre, porque não consegue ir além da visão do meramente convencionado entre o legal e o ilegal. 
  • A crise dos paradigmas envolvendo o esquecimento da importância da educação, a falta de misericórdia ativa entre os povos, a inexistência de indignação ética, a competição em lugar da solidariedade, tudo aumenta a sede pelos narcóticos e pela degradação ambiental. 
Deixa claro o grande equívoco de declarar guerra às drogas antes de declarar guerra às causas que levam ao consumo. Nas relações internacionais, os debates sobre as substâncias ilícitas, alimentados pela paranoica utopia da visão do mundo sem entorpecentes, acompanham as péssimas novidades dos resultados da fraquíssima cooperação internacional e das mal aplicadas políticas nacionais antidrogas. 
  • A sistemática teimosia pela recusa do diálogo sobre a descriminalização ou não dos alucinógenos fecha portas a outras oportunidades; impede ataque frontal ao tipo de capital que, em última instância, se beneficia dos negócios ilícitos mantidos na clandestinidade, incluindo aí os relacionados à exploração predatória dos recursos naturais não renováveis. 
As perversas forças do narcotráfico e a impiedosa devastação da natureza destroem o homem, porque o capital, alimentado por elas, coloca o lucro antes dos valores e dos apelos à vida. A natureza hierarquizada da utilização dos ganhos imediatos com a devastação florestal e com os entorpecentes bem como a imperfeição das estratégias de combate ao narcotráfico expõem a debilidade das políticas públicas, principalmente daquelas voltadas para a educação. O capitalismo das drogas adapta-se aos diferentes regimes presentes no mundo globalizado das finanças. 
  • Constata-se, ao final, que a globalização forçosamente rouba a vitalidade do Estado Nacional porque, de certa forma, entre muitíssimas outras causas, igualmente beneficia-se do comércio dos ilícitos. O aumento vertiginoso do consumo de entorpecentes debita à conta da sociedade pesados prejuízos de ordem, inclusive, ética e moral. 
Cartéis, máfias e gangues ditam as ordens, e suas leis são as acatadas. Na sociedade acostumada com a violência e com a corrupção, poucos corajosos mostram a ineficiência do proibitivo. Quase ninguém denuncia a impotência das políticas de criminalização das drogas. 
  • Desacompanhadas de cuidados especiais com a equitativa distribuição da renda, com a moral e a ética social, as políticas para o meio ambiente bem como aquelas para o combate às drogas, na maioria dos Estados Nacionais, frutificam bichadas. 
Em tal contexto, pode-se perfeitamente reconhecer a necessidade da consciência coletiva na busca da desobediência civil contra a ordem sustentadora da perversa distribuição da renda patrocinada pelo Estado, controlado pelas elites corruptas. 
  • A denúncia do insucesso da repressão capitalista subdesenvolvida, abatendo pobres e inocentando ricos, deve atrelar-se à permanente mobilização comunitária a favor dos direitos humanos como forma de defesa contra a violência das drogas e do acúmulo ilícito de riquezas. 
O comprometimento, o envolvimento democrático e consciente da ciência e, principalmente, da educação na luta contra o narcotráfico, contra a injusta distribuição da renda e pela sustentabilidade das políticas ambientais poderão então deixar de ser um mero amontoado normativo de boas intenções. 
  • Ser contra a corrupção é saber trazer também respostas ao controle sobre o tráfico de entorpecentes. Nascidas de uma interdependência de análises, críticas e observações, não se entende a degradação da educação e dos valores éticos sem sua inter-relação com o poder corruptivo das imunidades e dos privilégios. 
O contrabando, o tráfico de armas, a corrupção política, a indústria da pirataria dos recursos naturais não renováveis e a lavagem de dinheiro associam-se a variadas dimensões da economia e da vida política. Servem como exemplo o mercado informal, a sonegação fiscal, a banalização da corrupção e, inclusive, os altos salários em conhecidos segmentos do serviço público no Brasil. 
  • No mar da violência e miséria, representarão conjunto de peças explicativas da penetração da contravenção e da covardia civil no tecido social. Redução de danos como parte de políticas públicas voltadas para a educação não se limita a arranjos cosméticos. Equivale a uma larga compreensão sobre a noção do valor da ética. Implica arquitetar o pacto social enquanto ainda há tempo.

Ciência, Ética e Sustentabilidade

Pacto social: 
  • Em termos hobbesianos, o pacto é a troca da liberdade pela garantia de se poder viver em paz. Ninguém desmente a falta de segurança aportada pelo consumo abusivo das drogas ilícitas, que arrasa milhares e milhares de seres humanos. 
O Estado passa a imagem de fracasso se a educação ignorar como lidar com o fenômeno. A construção em torno da frase Homo homini lupus7 — o homem lobo do homem — não tem como ser desígnio de realidade peremptória. 
  • A sociedade solidária, sem exclusão, transcende e desfaz a fantasmagoria da perversidade inata do homem. O mesmo se dá com a devastação ambiental, com o caos educacional e com a problemática das drogas ilícitas, desventuras perfeitamente superáveis porque o instinto de sobrevivência humana é, por natureza, forte. 
Na sabedoria da verdadeira solidariedade, residem a educação libertadora com capacidade para o diálogo,8 atitudes positivas e meios para a construção do pacto social com soluções definitivas contra o abuso de drogas nocivas e contra a depredação dos recursos naturais. Recursos estes indispensáveis à sobrevivência da espécie. 
  • Ao se falar sobre o pacto social proposto por Hobbes, vale relembrar a formação de sua nova razão ética. Para o jesuíta Henrique C. de Lima Vaz,
“as racionalidades éticas na modernidade conhecem, no seu ponto de partida, uma revolução epistemológica tão profunda quanto aquela da qual procederam as racionalidades científicas, vindo ambas a caracterizar os episódios iniciais na formação da razão moderna no século XVII e mostrando entre si uma homologia de estrutura que as torna reconhecíveis com aspectos de um mesmo grande processo de transformação da razão ocidental. Assim como Galileu foi o primeiro artífice reconhecido da nova razão científica, assim T. Hobbes o foi da nova razão ética. Fiel aos princípios do materialismo mecanicista, Hobbes rejeita a teleologia do Bem, sobre a qual se fundava a Ética antiga, ao mesmo tempo em que o seu nominalismo tornava inassimilável pelo seu pensamento o conceito de ‘natureza’. Desta sorte, a Ética hobbesiana é estritamente egoísta e utilitária, não sendo mais do que a transcrição, no ‘pacto de sociedade’, do estado original do homem como indivíduo animal guiado pelos instintos da autoconservação e do domínio limitado apenas, no exercício do seu egoísmo fundamental, pelo temor da morte. A concepção hobbesiana da Ética reveste-se de uma significação emblemática na gênese das nacionalidades éticas modernas, na medida em que mostra com inconfundível nitidez o cará- ter poético ou fabricador do conhecimento no domínio dos valores éticos: Hobbes, com efeito, reconhece, como única originalidade do homem, o ser o artífice da própria humanidade. Por outro lado, reafirma-se em Hobbes a primazia do pólo lógico na estrutura da razão, ao propor ele a explicação do agir ético pelo método hipotético-dedutivo, segundo o modelo da geometria euclidiana. Assim, do mesmo modo como a ciência moderna é galileiana na sua raiz, da qual nascem seus numerosos ramos, assim as racionalidades éticas modernas prendem-se à raiz hobbesiana, da qual procedem suas duas ramificações maiores: o racionalismo e o empirismo.”9
Na sociedade hodierna, encarar as contravenções sociais com seriedade proporcional às desgraças por elas aportadas fere injustos direitos adquiridos pelas elites no poder. Incomoda interesses econômicos e burocracias que, seguidas vezes, obstruem a sustentabilidade das políticas públicas. 
  • Por exemplo, a indústria da guerra às drogas e as indústrias do ambientalismo existem, no mundo inteiro, com milhares de organizações governamentais e não-governamentais vivendo do dinheiro público e privado, sem dar respostas satisfatórias. Isso demonstra a convivência permissiva de burocracias com a ineficiência, ocasionando perdas irreversíveis. 
O proselitismo e o oportunismo castram a capacidade criadora da educação. Alargam as fronteiras da geopolítica da contravenção, da degradação humana e da desgraça ambiental. 

Educação na linha de frente:
  • Em razão de constituir expressiva atividade de caráter transnacional, por seu enfrentamento ser objeto de políticas em nível de relações exteriores, a cooperação internacional antidrogas deveria ser ativa e propositiva. 
No âmbito das relações internacionais, sua análise política reclama pesquisas sobre o papel das drogas no processo da integração paralela. A comunidade científica, os educadores, os serviços de inteligência e a diplomacia têm como dar atenção a este fenômeno. 
  • O recurso aos prolegômenos históricos da contravenção e do contrabando lança luzes nos estudos sobre os passos do narcotráfico e suas estratégias. A globalização da guerra contra as drogas, até o momento, só tem feito a periferia sentir o efeito dos prejuízos e nada dos benefícios. 
Os mentores da política interna e externa de combate ao narcotráfico não enxergam isso. Fica, assim, difícil acreditar no sucesso das leis repressivas contra o consumo dos ilícitos. A toxicomania é tão velha quanto o homem. 
  • Todavia, desde as inacabadas revoluções sociais dos anos 60, com o fortalecimento do hedonismo e do consumismo, a sociedade internacional assiste passiva ao recrudescimento das drogas e aos atentados contra o meio ambiente em diversos tabuleiros por todo o mundo. 
Nos países amazônicos, a degradação ambiental e a concentração de riquezas preparou o terreno às atividades do narcotráfico, presente, em escalas variadas, em todos segmentos sociais. Em razão das crescentes pressões e implicações do narcotráfico no plano da política externa, sucessivos governos ensaiam demonstrar maior preocupação. 
  • Isto se faz tradicional e equivocadamente por meio da criação de novas leis, novos órgãos, novos cabides de emprego, novos tratados e convenções internacionais. Até agora o Estado nem mostrou como usar a educação, em todas as frentes de batalha, para enfrentar o desafio de formular um pensamento estratégico condizente com a dupla e simultânea tendência de interiorização e internacionalização do narcotráfico. 
A preocupação com a questão das substâncias alucinógenas internamente parece menor que a preocupação com seus desdobramentos nas relações internacionais. Idem para a questão ambiental. Por exemplo, de 1986 a 1998, o Brasil passou a ser signatário de acordos internacionais bilaterais sobre entorpecentes com 17 países: Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia, Cuba, Guiana, México, Peru, Paraguai, Suriname, Uruguai, Venezuela, Estados Unidos da América, Itália, Portugal, Reino Unido e Rússia. As razões da ausência de três continentes inteiros nesta lista, África, Ásia e Oceania, não são fortuitas. 
  • Ou comprovam as limitações da dimensão internacional da diplomacia antidrogas do Itamarati, extremamente atrelada ao eixo Estados Unidos — Europa, ou o resto do mundo economiza seu tempo, sabedor da distância entre o conteúdo de tais acordos internacionais e sua prática.
As drogas e a questão ambiental, ambas centro de preocupação de extensos segmentos da população, levaram os Estados Unidos da América a encarar a questão como um desafio global e a desenvolver estratégias, forçando os aliados a uma tomada de posição. Todavia, sem a ajuda da educação e da ética, a condenação pura e simples das drogas ilícitas não resolve o problema. 
  • No enfrentamento do narcotráfico e da devastação das florestas, nota-se que os esforços diplomáticos e os termos operacionais encontrados pelo Estado brasileiro até hoje não se configuram em nenhum tipo de instrumento efetivo para reversão ou alteração significativa do caos ecológico e do abuso das drogas ilícitas no Brasil. Isso prova o profundo enraizamento do hábito do consumo de drogas espelhando o descuido para com o homem.
Não se combate a destruição do homem e da natureza com discursos. Desacompanhados de ação, caem no esquecimento, inclusive aqueles proferidos, seja na Rio-92, seja na Primeira Reunião entre os Chefes de Estado e de Governo da América Latina e Caribe e da União Européia, com participação do Presidente da Comissão Européia, no Rio de Janeiro, em finais de junho de 1999.
  • Nesta Cimeira todos expressaram o desejo de cumprir e de acompanhar os acordos da XX Sessão Extraordinária da Assembléia das Nações Unidas sobre Medidas Conjuntas para Enfrentar o Problema das Drogas. 
Comprometeram-se a promover e a proteger todos os direitos humanos e liberdades fundamentais. Fortalecer a liberdade individual, congregar esforços para combater todas as formas de crime transnacional e atividades afins, como lavagem de dinheiro, tráfico de mulheres, de crianças e de migrantes, a fabricação e o comércio ilícito de armas de fogo, munições e materiais conexos.

A desigual repartição do pão:
  • Pontos focais da política interna e externa de expressivo número de países, nem por isso se enfrenta o problema global do narcotráfico e da degradação ambiental com a seriedade e o rigor que merecem, porque nas democracias da periferia as drogas e o contrabando de riquezas naturais transformam-se em instrumento de poder ao corromper importantíssimos segmentos do judiciário, do executivo e do legislativo. 
Vale repetir que a deterioração dos valores sociais, a banalização da violência e da exclusão, a fome pelo lucro fácil, o desleixo para com a educação, os intocáveis privilégios das elites, o menos cabao ético e o hedonismo fragilizam a sociedade. 
  • Contribuem para o crescimento da erva daninha do crime organizado, que atua tanto nos negócios das drogas quanto nos da devastação florestal. Não menos importante, o testemunho da negligência e da inoperância do Estado aniquila o cumprimento de suas funções básicas, em matéria de educação, de distribuição de renda e de segurança. A desigual repartição do pão, patrocinada pelo próprio Estado, germinou a semente da banalização da corrupção. 
O aprendizado forçado, levando a sociedade a conviver em meio ambiente poluído e degradado, cheio de corrupção e de violência, é o mais grave de tudo. Enquanto o homem não estiver livre da algema dessa trama criminosa, a conjunção desses fatores gera condições propícias ao adensamento de problemas relativos ao desrespeito aos direitos humanos, ao consumo de substâncias ilícitas e à gravíssima depleção dos recursos naturais. 
  • Nos espaços sociais em que a mão do narcotráfico ocupa o lugar do Estado, distribuindo emprego e favores como pagamento por enterros, remédios, material escolar, comida, roupas e promovendo o lazer, apoucam-se as chances de a sociedade libertar-se dos grilhões do crime organizado. Agora pode-se dizer o mesmo em relação à corrupção: onde ela existe, o Estado definha. Quanto maior a corrupção, menor a indignação refletida no número de denúncias contra irregularidades e descuidos ambientais. 
O não envolvimento da educação com todas as suas potencialidades na política antidrogas dificulta a associação do debate sobre o narcotráfico com realidades igualmente importantes. 
  • Esconde os elos do mencionado fenômeno soldados a questões como a fragilidade democrática, a exclusão social, a desordem, a corrupção política, a má distribuição de renda, a violência, o desrespeito aos direitos humanos, o crescimento sem sustentabilidade, a ingovernabilidade, a degradação da justiça, o caos ambiental, o nepotismo e a corrupção. 
Enquanto esse somatório de irregularidades permanecer tolerado, enquanto a discussão conservar-se restrita a níveis normativos, guiados por políticas epidérmicas, tudo continuará de mal a pior.
  • Tradicionalmente, não apenas o narcotráfico, mas também a degradação ambiental, com insistência são trabalhados em termos elementares, ou seja, como questão de responsabilidade apenas estatal. Daí o oneroso equívoco das autoridades governamentais ao perpetuar as rédeas do combate nacional às drogas e à destruição ambiental, em mãos de uma burocracia estatal pouco operativa. 
Em decorrência, os tribunais, as casernas e as secretarias para o meio ambiente acreditam ser os principais — senão exclusivos — instrumentos do Estado na resolução de problemas vinculados às drogas e ao meio ambiente. O resultado disso todos conhecemos.
  • A legislação brasileira consagrou, nos anos 1970, um enfoque pautado na criminalização do consumo, com pouquíssima ênfase à prevenção e à contenção do tráfico interno. As conseqüências disso ainda perduram. Pior é a constatação da inexistência, em todo esse período, de aplicação de políticas públicas articuladas, e o desuso da educação no enfrentamento do consumo abusivo das drogas ilícitas. 
Equivocadamente, pensam os formuladores de políticas ser possível combater o quadro de devastação ambiental e de proliferação do abuso de drogas, criando novas burocracias. A falta de vontade nacional e de coragem civil na luta em prol de educação para uma sociedade menos injusta e ambientalmente mais saudável favoreceu, sem dúvida, a penetração do narcotráfico e da degradação da natureza. 
  • No Brasil, a carência de moralidade leva o legislativo, o executivo e o judiciário a desmoronar sob o peso das regalias de várias castas dos seus servidores. Quando o exemplo não vem de cima, a democracia passa a ser aviltada e avacalhada. 
Um mundo para todos:
  • A geopolítica das drogas e a preocupação de um mundo para todos coadjuvou o morticínio do princípio da soberania, transfigurando as fronteiras nacionais mais em símbolo cartográfico do que realidade política. 
A integração promovida pelo banditismo desde seu nascedouro ignora o princípio da soberania bem como limites e marcos divisórios. A saída ilegal das riquezas, a poluição mercurial e o histórico contrabando na América Latina brindam a transnacionalidade com ambientes extremamente propícios à contravenção. 
  • O contrabando, alimenta secularmente, elites e gerações de políticos no continente. Aí, com certeza, plantaram-se as raízes históricas da tolerância para com a degradação ambiental e do envolvimento das elites nos negócios do narcotráfico. Não importa onde, se na Europa, na América Latina ou nos Estados Unidos da América. 
Em quase todas as nações, inclusive naquelas em que a legislação ambiental aplica-se com determinação, os resultados não são de todo satisfatórios. Na questão da política antidrogas, costuma-se ter a cópia de experiências desastradas de outros lugares.
  • Isso basta na argumentação para a busca de soluções pró- prias. Por infortúnio, o Brasil está entre os últimos do mundo no campo da distribuição de renda, da segurança e de justiça. Neste país, por exemplo, justiça social ainda é sinônimo de distribuição de renda, o que aliás, entre nós sequer começou. 
Na Europa e Ásia, o conceito de justiça social e de direitos humanos é profundamente mais radical: significa segurança, educação, saúde, qualidade de vida, do ar, da água, dos alimentos, acesso ao conhecimento, à informação, etc. Falta, aqui e alhures, a visão do conceito da inclusão em seu sentido abrangente, aumentando o espaço de manobra dos Direitos de Terceira Geração e, com isso, usando a arma da cidadania, a arma da ética e a arma da educação em políticas públicas contra as drogas ilícitas e em prol da sustentabilidade de atividades econômicas que possam substituir a lucratividade do narcotráfico. 
  • A questão ambiental, os direitos humanos e o narcotráfico inscreveram-se, com prioridade, na agenda diplomá- tica brasileira, defasados quase um quarto de século em relação à pauta diplomática dos países centrais. Em um país onde privilégios injustos são garantidos pela própria Carta Magna, não sobram recursos para estender às maiorias o acesso à educação, à saúde e ao direito de viver em segurança num meio ambiente limpo e seguro. 
O desiderato de cadeira, como único representante latino-americano no Conselho de Segurança da ONU, desacompanhado dos cuidados necessários em prol de imediatas e radicais reformas a favor da justiça social, dos direitos humanos pode não passar de sonho. Nada é tão urgente quanto o acesso da população aos benefícios da verdadeira democracia. 
  • A segurança, a educação e a distribuição da renda são três deles. Isso, além de fomentar a respeitabilidade internacional pelo país, diminuiria o ritmo instável da existência nacional nas desigualdades. O narcotráfico à solta, os direitos humanos violados e o meio ambiente degradado, pela teoria do direito de ingerência ou da soberania relativa, essa trilogia constitui espécie de rachadura profunda nas bases do Estado soberano e independente. 
Vale como conclamação por soluções que violam as fronteiras nacionais e os princípios clássicos da soberania nacional. Sabedores de que as tormentas de hoje, a favor da violabilidade fronteiriça bafejam fortes, países como o Brasil, em lugar de contramurar suas posições implementando políticas públicas eficientes em prol da sustentabilidade ambiental e em prol da sinergia de recursos na luta contra as drogas, acomodam-se na ilusão conformista de que a criação de novas burocracias resolverá o problema. 
  • A ação policial-militar internacional antidrogas passou da teoria para a prática princípios intervencionistas gradativamente incorporados ao direito internacional. O mesmo poderá ocorrer na Amazônia e seu meio ambiente. 
Por tal razão, a aplicação universal dos princípios dos direitos humanos, a preservação das florestas tropicais e a guerra sem fronteiras contra o narcotráfico se sobrepõe à soberania dos Estados Nacionais. Conscientes disso, o poder castrense e a diplomacia brasileira seguidas vezes sentem-se desamparados no seu relacionamento internacional. 

Reconfiguração das políticas educacionais: 
  • O narcotráfico e o meio ambiente vistos como questão supranacional obrigam o poder executivo no Brasil a atrelar sua política externa a interesses dos Estados Unidos da América. Leva o Estado a mostrar presença com os países amazônicos e parceiros do Mercosul. 
Lembra a urgência do tratamento de duas questões: a das drogas nos espaços sociais transfronteiriços e a da questão da destruição das florestas tropicais na Amazônia. Em respeito a isso, merece particular atenção o Tratado de Cooperação Amazônica (TCA), firmado em Brasília em julho de 1978 pelos representantes dos governos da Bolívia, do Brasil, da Colômbia, do Equador, da Guiana, do Peru, do Suriname e da Venezuela. 
  • O TCA assistiu de braços cruzados ao abalo pelo narcotráfico, pela devastação florestal da mútua confiança entre seus membros. 
A segurança e a confiança significaram, no passado, a base maior de apoio da convivência entre os países amazônicos. O mencionado tratado prestou-se a praticamente nada, nem mesmo a uma política de resultados para conter a poluição dos rios amazônicos, as queimadas ou fomentar política de cooperação ao combate dos ilícitos nos espaços sociais transfronteiriços amazônicos. 
  • Por isso, uma cova rasa espera o caixão desta iniciativa diplomática natimorta. O Tratado de Cooperação Amazônica é exemplo, nas relações internacionais, a ser evitado. Em sua substituição, estuda-se a criação da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica, prevendo secretaria permanente com funcionamento em Brasília. 
Essa futura organização terá força simbólica de ser o primeiro organismo internacional com sede na capital brasileira. Seu perigo, antes mesmo de nascer, é o de não se transformar de fato em uma agência de desenvolvimento, integração e cooperação entre os seus membros. 
  • O debate sobre a questão ambiental e as drogas no espaço amazônico cedo ou tarde levará à importantíssima reconfiguração contemporânea das formas das políticas educacionais e do significado da segurança democrática hemisférica. 
Sabe-se ser impossível a proteção do meio ambiente, da democracia bem como a luta contra os cartéis das drogas em países cheios de desigualdades sociais, amparadas na corrupção dos privilégios adquiridos, que deseducam a sociedade e são protegidas por leis injustas, criadas pelas elites no poder em seu próprio benefício. 
  • Os conceitos de sustentabilidade e de segurança humana fabricados pelo capitalismo desenvolvido, depois da queda do muro de Berlim, recordam fraquezas das antigas doutrinas de contenção nestes novos tempos em que os inimigos famosos são as drogas ilícitas, o terrorismo e a destruição ambiental. Mostra perfeitamente as limitações da educação para o desenvolvimento nos tempos do globalismo. Expõe a incompetência transnacionalizada das políticas antidrogas. A globalização da ilegalidade das drogas caminha paralelamente à globalização do crime organizado. 
Os países globalizados arcam com os danos e com o ônus do fiasco da guerra às drogas terceirizada pelos globalizadores. O paradoxal é que as políticas antidrogas e as políticas de proteção ambiental, pela Terra inteira, constituem patrimônio do monopólio dos Estados Nacionais. 
  • São encaradas como razão de Estado e de segurança nacional. Arquitetam-se sob as luzes do que existe de mais arcaico dentro do realismo, mesmo sendo fenômenos brisantes da globalização. Daí os seus equívocos. 
O hibridismo da interpretação globalista com os tropeços explicativos em face do velho que não morreu e do novo que não nasceu, considerando a larga tradição transnacional das drogas e dos problemas ambientais, pena em suas promessas elucidativas. 
  • Em termos de políticas ambientais e antidrogas, nenhuma desvencilhou-se totalmente do oneroso fardo da influência do Estado. Neste sentido, é necessário aplaudir a ajuda conceitual da teoria marxista, que recusa ver o Estado Nacional como ator principal da sociedade. Para Marx, o Estado é marionete, fantoche nas mãos de grupos dominantes. 
Sendo assim, o narcotráfico e a devastação florestal, que abrem, com as queimadas, espaço para a pecuária de corte e para as monoculturas de exportação, precisam ser vistos também como Marktpreise und Marktewert, Surplusprofit. 
Em resumo, mercado de preço, de valor e mais-valia. Sabe-se que o fim da bipolaridade, por certo tempo, precipitou principalmente a academia a dar as costas para as interpretações marxistas. 
  • Os holofotes da opinião pública internacional centraram-se em novos temas, como o desrespeito aos direitos humanos, a degradação ambiental e o narcotráfico. Infelizmente, a educação continuou esquecida e a experiência de todos estes anos evidencia que o dinheiro do contribuinte é jogado fora na compra de remédios falsos contra a degradação ambiental e o narcotráfico. 
A chave do sucesso do crime organizado, amparado pela omissão do Estado operando contra o meio ambiente ou com as drogas ilícitas, consiste em acompanhar com rapidez a sagacidade do capitalismo, misturando os negócios ilícitos à economia formal. 
  • Os laboratórios para o refino de drogas, não importa onde, comprovam a esperteza sem limites dos narcotraficantes. A transnacionalização das economias, a globalização aportada pelos países globalizadores e o desemprego misturaram gente especializada local à que chega de fora, recriando conhecimentos necessários a praticamente todas as etapas do narcotráfico. 
As estratégias mostradas pelo comércio de drogas no sentido de impedir o desabastecimento necessário nas etapas de refino e a logística do contrabando de madeira nobres são exemplares. Os insumos químicos essenciais à elaboração da heroína, quase os mesmos destinados à fabricação da cocaína, processam-se menos em indústrias localizadas nas cidades brasileiras e mais no exterior, em quase metade nos Estados Unidos. 
  • Atualmente, parte do refino da cocaína e da heroína desloca-se para dentro de conglomerados urbanos, gerando situações novas. Paradoxalmente, também os produtos, como a madeira e a soja, extraídos da Amazônia com enormes e irreparáveis custos ambientais, terminam nos países centrais, notadamente entre os que mais expressam preocupações para com os problemas do meio ambiente na periferia mundial. Isso significa que poucas esperanças restarão se profundas reformas não forem efetuadas nas relações de troca entre os desenvolvidos e os subdesenvolvidos.10 
Durante décadas, as velhas doutrinas de defensão impregnaram-se de vícios políticos e sociais. Todo esse arcabouço impede desmentir o caráter epidérmico das preocupações para com a educação, a ética e a segurança humana. O divórcio do crescimento econômico com a justiça ampara a perversa distribuição da renda. 
  • O deixar de mobilizar os recursos educacionais em todas as regiões numa constante vigília cívica contra as desigualdades e contra a destruição da vida comprova o quão distante ainda está a opção pela sustentabilidade por meio de educação e da ética.
Referências bibliográficas:

BOBBIO, Norberto. Locke e direito natural. Brasília, UnB, 1997. 
FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. 4. ed. Rio de Janeiro, Graal, 1984. 
FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Porto, Afrontamento, 1975. 
HOBBES, Thomas. O Leviatã, ou Matéria, forma de poder de um Estado eclesiástico e civil. São Paulo, Nova Cultural, 1988. 
PROCÓPIO, Argemiro. Amazônia: ecologia e degradação social. São Paulo, Alfa-Ômega, 1992. 
______. (org.). Narcotráfico e segurança humana. São Paulo, LTr, 1999.
______. O Brasil no mundo das drogas. 2. ed. Petrópolis, Vozes, 1999. 
SROUR, Robert Henry. Poder, cultura e ética nas organizações. Rio de Janeiro, Campus, 1998, p. 270-1. VAZ, Henrique Cláudio de Lima: Ética e a razão moderna. In.: Ética na virada do milênio: busca do sentido da vida. 2. ed. São Paulo, LTr, 1999, p. 81-2. 
WEBER, Max. Sobre a teoria das ciências sociais. Tradução de Carlos Grifo Babo. 3. ed. Lisboa, Presença, 1973.

Com seus inúmeros avanços tecnológicos, o homem passa 
a se tornar vítima de suas próprias criações.