quarta-feira, 25 de maio de 2016

Geração e Composição de Lodo em Sistemas de Tratamento de Esgotos Sanitários

Geração e Composição de Lodo em Sistemas de Tratamento de Esgotos Sanitários

Adrianus van Haandel
Paula Frassinetti Feitosa Cavalcanti

  • Uma das finalidades do tratamento de esgoto doméstico é a remoção do material orgânico, que, quase invariavelmente, é feita por meio de processos biológicos, por serem estes naturais e, portanto, mais baratos e mais confiáveis do que outros. 
Em sistemas biológicos de tratamento de esgoto, normalmente as bactérias são as responsáveis pela degradação ou estabilização da matéria orgânica, sendo, em sua maioria, heterotróficas, o que significa que usam o material orgânico tanto como fonte material quanto, também, como fonte de energia. Quando a bactéria usa o material orgânico como fonte material, este é transformado em massa celular, num processo chamado de anabolismo ou assimilação. 
  • O anabolismo não ocorre espontaneamente: seu desenvolvimento depende da disponibilidade de energia química para a bactéria. Essa energia é liberada quando a bactéria transforma material orgânico em produtos estabilizados. A natureza dos produtos estabilizados depende do tipo de bactéria e do ambiente prevalecente no sistema de tratamento. 
A transformação do material orgânico em produtos é chamada de catabolismo ou desassimilação. Quanto ao catabolismo, distinguem-se dois processos fundamentalmente diferentes: o processo oxidativo e o fermentativo. 
  • No primeiro, o material orgânico é oxidado por um oxidante extracelular presente no sistema de tratamento. Os produtos da oxidação do material orgânico são compostos inorgânicos estáveis, sendo o dióxido de carbono e a água os mais importantes. 
Os oxidantes naturalmente encontrados em sistemas biológicos de tratamento de esgotos são oxigênio, nitrato e sulfato. 
  • Para representar a equação da reação desse processo – equação redox – imagina-se um composto orgânico com composição Cx H y Oz . A reação de oxidação deste composto pelo oxigênio é dada por:
CxHyOz + 1/4 (4x + Y -2z ) O2 - XCO2 + Y/2 + H2O
  • O catabolismo fermentativo pode ser interpretado como um processo que resulta na transferência intramolecular de elétrons (ao contrário da transferência intermolecular observada no catabolismo oxidativo), de tal maneira que o composto catabolizado se decompõe em pelo menos duas partes. 
Se os produtos resultantes do catabolismo forem diferentes, um será mais oxidado e outro, mais reduzido do que o composto original. Dentre os processos fermentativos, a digestão anaeróbia é o de maior interesse para a engenharia sanitária e ambiental, tendo como produtos finais o metano e o dióxido de carbono. 
  • O metano não pode ser mais reduzido e o dióxido de carbono não pode ser mais oxidado. Neste sentido, a digestão anaeróbia pode ser considerada a última fermentação: os produtos da digestão anaeróbia são estáveis e não mais suscetíveis a outras fermentações. Para a fórmula geral Cx H y Oz , a digestão anaeróbia pode ser expressa como:
CxHyOz +(4x- Y - 2Z) H2O/4 - (4X -Y + 2Z ) CO2/8 + (4X+Y .2Z) CH4/8
A proporção entre a massa de material orgânico utilizada nos processos anabólico e catabólico depende da quantidade de energia liberada no catabolismo. 
  • O efeito energético do catabolismo oxidativo é muito mais expressivo do que o do catabolismo fermentativo, porque, neste último, grande parte da energia química originalmente presente no material orgânico fermentado permanece contida no metano. Por essa razão, a energia disponível para o processo anabólico é maior para as bactérias que usam o catabolismo oxidativo do que para as bactérias fermentativas. 
A fim de que se possa fazer um balanço de massa (por exemplo, de DQO), nessa figura considera-se o decaimento bacteriano, em que uma parte da própria massa celular serve como fonte de material orgânico para o metabolismo bacteriano, ocorrendo, portanto, perda de massa celular. 
  • No metabolismo aeróbio, a oxidação da massa celular se chama respiração endógena, distinguindo-se da oxidação de material orgânico extracelular, que se chama respiração exógena. A parte da massa bacteriana decaída que não é biodegradável (e, portanto, não é oxidada) se chama resíduo endógeno, acumulando-se no sistema de tratamento.
Aspectos Estequiométricos do Metabolismo Bacteriano:
  • É importante observar que os processos metabólicos de utilização do material orgânico, em princípio, causam efeitos mensuráveis. O anabolismo causa um aumento da massa bacteriana que, normalmente em sistemas biológicos, está presente como uma suspensão de flocos macroscópicos ou biofilme – o lodo biológico. 
Se o catabolismo é oxidativo, a massa de material orgânico catabolizada ou oxidada pode ser determinada pela massa de oxidante consumido: por definição, para oxidar 1 g de DQO é necessário 1 g de oxigênio, independente da natureza do material orgânico. 
  • Semelhantemente, no caso de digestão anaeróbia (catabolismo fermentativo), como não há somente transformação e não remoção do material orgânico, a DQO do metano produzido é igual à DQO do material orgânico digerido. 
Como a DQO de metano é de 4 g DQO/g CH4 (vide Equação 1.1, em que, para metano, x = 1, y = 4 e z = 0), conclui-se que para gerar 1 g de metano são digeridos 4 g de DQO. Vê-se,Que para quantificar o metabolismo oxidativo e fermentativo é necessário responder às seguintes questões: 
  1. Qual é a proporção entre o anabolismo e o catabolismo? 
  2. Qual é a relação entre a massa de lodo biológico produzida em um sistema de tratamento e a massa de DQO metabolizada para esta produção? 
  3. No caso do catabolismo oxidativo: qual é o consumo de oxigênio? 
  4. No caso do catabolismo fermentativo: qual é a produção de metano? 
Essas questões devem ser respondidas nos parágrafos que se seguem. Para avaliar a proporção entre anabolismo e catabolismo é necessário determinar quantitativamente os efeitos dos dois processos: o anabolismo que causa aumento da massa de lodo (ou bacteriana) e o catabolismo que causa consumo de oxigênio, no caso do mecanismo oxidativo, e produção de metano, no caso de digestão anaeróbia.
  • O anabolismo pode ser medido diretamente pelo aumento da massa bacteriana, comumente expressa em termos de sólidos voláteis em suspensão (SVS). 
Vários pesquisadores estabeleceram que há uma proporcionalidade entre a massa de lodo gerada e a massa de DQO metabolizada, dada pela razão representada na Equação : 
v met X Y S ∆ = ∆ (1.3) 
em que: 
  • Y = coeficiente de rendimento; 
  • ∆Xv = massa bacteriana gerada (massa de lodo volátil); e 
  • ∆Smet = massa de DQO (matéria orgânica ou substrato) metabolizada. 
No caso de metabolismo em um ambiente aeróbio, os dados experimentais de muitos pesquisadores indicam que o valor do coeficiente de rendimento, com boa aproximação, é uma constante e não depende da natureza do material orgânico. 
  • Com base em pesquisas próprias e resultados de outros pesquisadores, Marais & Ekama (1976) sugeriram um valor para o coeficiente de rendimento em ambiente aeróbio (Yae) de Yae = 0,45 g SVS/g DQOmet. 
Em contraste, o valor do coeficiente de rendimento em ambiente anaeróbio (Yan) depende da natureza do material orgânico. Isto porque a digestão anaeróbia é um processo complexo, desenvolvido em etapas e com várias populações de bactérias envolvidas. 
  • Se o material orgânico a ser digerido é particulado (macromoléculas), ele será inicialmente solubilizado em um processo denominado de hidrólise, por intermédio da ação de enzimas excretadas por bactérias. O material hidrolizado será então transformado em substâncias intermediárias (propionato, valerato, álcoois etc.) pela ação de bactérias denominadas acidogênicas. 
Essas substâncias intermediárias serão convertidas pelas bactérias acetogênicas em acetato e hidrogênio, os quais formarão o metano segundo reações mediadas, respectivamente, pelas bactérias metanogênicas acetotróficas e hidrogenotróficas. 
  • Durante a digestão haverá formação de compostos mineralizados como gás carbônico, metano, amônia e gás sulfídrico, os quais, juntamente com o metano, irão compor o biogás. Na maioria das águas residuárias, em particular os esgotos sanitários, o material orgânico é uma mistura: uma parte (geralmente pequena) está presente como acetato, outra parte, como substâncias solúveis e o restante, como material particulado. 
Por essa razão, no caso da digestão anaeróbia, pode-se distinguir dois extremos: 
  • Se o material orgânico na água residuária se compõe apenas de acetato, haverá um aumento da população de bactérias metanogênicas, contudo, a um coeficiente de rendimento baixo: Yan,min = 0,02 g SVS/g DQOmet; 
  • Mas se o material orgânico se compõe de macromoléculas, todas as quatro populações (hidrolítica, acidogênica, acetogênica e metanogênica) irão se desenvolver, sendo o coeficiente de rendimento muito maior: Yan,max = 0,12 g SVS/g DQOmet (Henze & Harremoes, 1983). 
No caso específico de esgoto doméstico, vários pesquisadores encontraram, para o coeficiente de rendimento em ambiente anaeróbio, valores de Yan = 0,04 a 0,06 g SVS/g DQOmet, adotando-se Yan = 0,05 g SVS/g DQOmet como uma média.
  • A massa de lodo anabolizada, em um sistema de tratamento, não fornece diretamente o valor da massa de material orgânico afluente anabolizada. Contudo, existe uma proporção entre a massa de sólidos voláteis em suspensão em um lodo biológico e sua DQO (Marais & Ekama, 1976). 
Essa proporção foi denominada de fator de conversão da massa de lodo volátil em DQO do lodo (fcv). 
  • Foi determinado experimentalmente que o fator de conversão variava entre 1,3 e 1,7, podendo ser considerado um valor médio de aproximadamente fcv = 1,5 kg DQO do lodo/kg SVS. Portanto, a DQO de um lodo é um fator 1,5 vez maior que a massa expressa como SVS. 
  • Dessa forma, pode-se concluir que, no ambiente aeróbio, uma fração de fcv . 
  • Y = 1,5 kg DQO do lodo/kg SVS * 0,45 kg SVS/kg 
  • DQOmet = 0,67 do material orgânico metabolizado é anabolizada, isto é, convertida em massa bacteriana, 
  • sendo (1 – fcv . Y) = 1 – 0,67 = 0,33 a fração do material orgânico metabolizado que é catabolizada. No caso de digestão anaeróbia, a fração anabolizada varia entre um mínimo de fcv . 
  • Ymin = 1,5 * 0,02 = 0,03 e um máximo de fcv . 
  • Ymax = 1,5 * 0,12 = 0,18, adotando-se como média fcv . 
  • Y = 1,5 * 0,05 = 0,07 (a fração média catabolizada é, portanto, igual a 0,93).
Tendo-se estabelecido as frações anabolizada e catabolizada por via oxidativa aeróbia (com utilização de oxigênio) e via fermentativa de digestão, pode-se calcular, com facilidade, o consumo de oxigênio no caso do catabolismo oxidativo e a produção de metano no caso de digestão anaeróbia. 
  • Por via aeróbia, o consumo de oxigênio para destruição de 0,33 kg de DQO será de 0,33 kg O2/kg DQOmet. No caso de digestão anaeróbia, o equivalente em metano produzido a 0,935 kg de DQO destruída será 0,935/4 = 0,23 kg CH4/g DQOmet
Aspectos da Cinética do Metabolismo Bacteriano:
  • Para estimar a produção de lodo em sistemas de tratamento é de grande importância o conhecimento de dois aspectos cinéticos referentes à velocidade: (1) decaimento da massa bacteriana e (2) metabolismo pela massa bacteriana. 
A cinética do decaimento bacteriano pode ser determinada experimentalmente observando-se o comportamento de uma batelada de lodo biológico (massa bacteriana viva, ou seja, ativa) quando este não é alimentado. 
  • No caso de lodo aeróbio, o decaimento pode ser determinado pelo consumo de oxigênio, associado à oxidação de massa celular ou à diminuição da própria concentração de sólidos voláteis em suspensão. Van Haandel & Marais (1999) apresentaram um modelo em que a taxa de decaimento é um processo de primeira ordem, sendo que uma grande parte da massa decaída é oxidada para produtos minerais, enquanto uma fração “f” do material decaído permanece como um sólido volátil não biodegradável: o resíduo endógeno. 
Assim, tem-se: 
  • ( ) a ba d dX dt k X = (1.4) e ( ) e a 
  • ba ( )d dX dt f dX dt fk X =− = (1.5) 
em que: 
  • (dXa /dt)d = taxa de decaimento do lodo ativo, em mg SVS.l–1.dia–1; 
  • (dXe /dt) = taxa de aumento do resíduo endógeno, em mg SVS.l–1.dia–1; 
  • Xa = concentração de massa bacteriana ativa, em mg SVS.l–1; 
  • Xe = concentração do resíduo endógeno, em mg SVS.l–1; 
  • kb = constante de decaimento, em dia–1; e f = fração da massa bacteriana ativa que, ao decair, se transforma em resíduo endógeno. 
A partir de resultados experimentais, vários pesquisadores apresentaram valores para as constantes kb e f. Para lodo gerado em um ambiente aeróbio, Van Haandel & Marais (1999) apresentaram as seguintes equações: 
  • ( )( ) t 20 1 bae k 0,24 1,04 (dia ) − − = (1.6ª) e 
  • f = 0 2, (1.6b) 
Segundo a Equação 1.6ª, para uma temperatura de 20º C, o valor da constante é 0,24 por dia ou 0,01 por hora, ou seja, a massa bacteriana decai 1% por hora 
  • No caso de lodo anaeróbio, a taxa de decaimento é muito menor: lodo anaeróbio mantém sua capacidade metabólica mesmo após longos períodos (meses ou até anos) sem alimentação de material orgânico. Desta maneira, para efeitos práticos, o decaimento de lodo ativo anaeróbio em sistemas de tratamento pode ser considerado insignificante, mesmo sabendo-se que, nesses sistemas, a idade de lodo é longa (50 a 150 dias). 
Com boa aproximação, na prática, pode-se adotar: 
  • 1 ban k 0,00d− ≈ (1.6c) em que: t = temperatura em o 
  • C; kbae = constante de decaimento de lodo aeróbio; e 
  • kban = constante de decaimento de lodo anaeróbio. 
A eficiência na remoção do material orgânico, pelo metabolismo bacteriano, em sistemas de tratamento depende essencialmente da cinética do metabolismo bacteriano. Esta cinética é muito complexa, especialmente no caso da digestão anaeróbia, em que há várias populações interdependentes atuantes no processo metabólico. 
  • O estudo da cinética do metabolismo bacteriano está fora do escopo do presente texto. Todavia, nas próximas seções, são apresentadas equações empíricas que permitem calcular qual a eficiência de remoção do material orgânico pelo metabolismo bacteriano e a produção de lodo em sistemas de tratamento aeróbio e anaeróbio. A eficiência da remoção do material orgânico é determinada, em parte, pelas características do lodo expressas nas constantes cinéticas. 
Todavia, uma outra variável também é importante: a massa de lodo disponível para o metabolismo ou, mais precisamente, a proporção entre o material orgânico biodegradável e a massa bacteriana presente no sistema de tratamento. Essa proporção é determinada pela principal variável operacional do sistema: a idade de lodo. A idade de lodo é o tempo de permanência médio de sólidos no sistema de tratamento, podendo ser determinada pela razão entre a massa de lodo presente no sistema e a massa de lodo dele descarregada diariamente, seja voluntária ou involuntariamente. 
  • Rs vv v = = mX mE ME (1.7) em que: 
  • Rs = idade de lodo (dia); 
  • mXv = massa de lodo volátil (SVS) presente no sistema por unidade de massa de DQO aplicada diariamente; e 
  • mEv = massa de lodo volátil (SVS) descarregada diariamente do sistema por unidade de massa de DQO aplicada também diariamente. 
Quanto maior a idade de lodo, maior será a população de bactérias atuantes no processo metabólico de utilização da matéria orgânica e, portanto, maior será a eficiência de remoção do material biodegradável. Por outro lado, quanto maior custo de investimento. 
  • A essência da otimização de projetos de reatores biológicos de tratamento de águas residuárias é a escolha de uma idade de lodo que, ao mesmo tempo, permita uma remoção eficiente do material orgânico e tenha um baixo custo de construção.

Micrografia de um floco bacteriano em um sistema de Lodo 
Ativado. As regiões escuras indicam altas concentrações de bactérias 
no interior do floco.
(Fonte: The Biological Basis of Wastewater Treatment)

Produção e Composição de Lodo: 
Em Sistemas de Tratamento Anaeróbio:
  • Para estimar a produção e a composição de lodo biológico em sistemas de tratamento de águas residuárias é necessário avaliar a interação que se estabelece, no sistema, entre a massa bacteriana e o material orgânico afluente.
Na maioria das águas residuárias, o material orgânico presente no afluente é uma mistura de muitos compostos que podem ser classificados em duas categorias principais: material biodegradável, que engloba os compostos que podem ser utilizados pela massa bacteriana, e material não biodegradável, que é formado de compostos que não são afetados pela ação bioquímica das bactérias no período de permanência no sistema de tratamento. 
  • Cada uma dessas frações pode ser subdividida em uma fração solúvel, compreendendo os compostos dissolvidos e, portanto, de fácil acesso para o metabolismo bacteriano, e uma fração particulada, composta de material coloidal e macroscópico que precisa ser hidrolisado antes de ser utilizado. 
Deste modo, distinguem-se as seguintes quatro frações (Van Haandel & Marais, 1999): fus ou fração solúvel e não biodegradável (± 10% em esgoto bruto); f up ou fração particulada e não biodegradável (± 8% em esgoto bruto); fbs ou fração solúvel e biodegradável (± 20% em esgoto bruto); e fbp que é a fração particulada e biodegradável (± 62% em esgoto bruto). 
  • Independente da atividade biológica do lodo, há uma importante ação físico-química do meio sobre o lodo: na maioria dos sistemas de tratamento, o intenso contato entre os flocos de lodo e as partículas de material orgânico do afluente faz com que essas partículas sejam floculadas e passem a fazer parte da fase sólida (o lodo), sendo posteriormente utilizadas pelas bactérias se forem biodegradáveis. 
As partículas não biodegradáveis irão se acumular no reator, formando a fração inerte do lodo, até que sejam descartadas como lodo de excesso. Desconsiderando-se o decaimento da massa bacteriana, por ser um processo muito lento em sistemas de tratamento anaeróbio, tem-se que o lodo volátil se compõe de três frações: 
  1. A massa bacteriana propriamente dita ou o lodo ativo, que é gerado a partir do metabolismo (anabolismo) do material orgânico afluente; 
  2. O lodo inerte, que tem sua origem na floculação de material orgânico não biodegradável e particulado; e 
  3. O substrato particulado ou material orgânico biodegradável ainda não hidrolizado. 
A proporção entre as três frações básicas do lodo depende da composição do material orgânico do afluente (notadamente, da fração não biodegradável e particulada que forma o lodo inerte) e do tempo de permanência dos sólidos em suspensão ou da idade de lodo. Mostra-se que, em um sistema ideal de tratamento anaeróbio, no qual há remoção completa do material biodegradável, o material orgânico afluente pode sair do sistema de três formas diferentes: 
  1. Como material solúvel e não biodegradável no efluente, 
  2. Como lodo (inerte ou ativo) ou 
  3. Como gás, após convertido em metano. 
Observa-se a divisão, no reator biológico, do material orgânico afluente nessas três frações. 
A proporção entre as três frações pode ser facilmente estabelecida, considerando-se um sistema ideal: a fração do material orgânico não biodegradável no efluente se iguala à fração fus; a fração convertida em biogás, ou seja, a fração digerida, será (1 – fcvYan) da fração do material orgânico biodegradável; e, finalmente, a fração no lodo será igual à fração do material orgânico particulado e não biodegradável “f up” (lodo inerte) mais a fração anabolizada (lodo ativo) fcvYan da fração biodegradável. Assim, adotando-se, por exemplo, fus = 0,1, fup = 0,08, Y = 0,05 kg SVS/kg DQOmet e fcv = 1,5 kg DQO/kg SVS, pode-se escrever: mS f 0,1 e us = = (1.8a) CH cv an us up 4 mS (1 f Y )*(1 f f ) (1 1,5*0,05)*(1 0,1 0,08) 0,94*0,82 0,77 =− − − =− − − = = (1.8b) mS f f Y f f xv up cv us up = + −− = + = ( ) , , *, , 1 01 007 082 016 (1.8c) em que: mSe = fração da DQO afluente descarregada no efluente; mSCH4 = fração da DQO afluente convertida em metano; mSxv = fração da DQO afluente convertida em lodo; e (1 – fus– f up) = fração do material orgânico biodegradável (Van Haandel & Marais, 1999).
As frações mSe , mSCH4 e mSxv, calculadas anteriormente, também podem ser determinadas experimentalmente a partir da DQO do efluente, da produção de metano e da produção de lodo, respectivamente. Todavia, quando se observam mSe , mSCH4 e mSxv na prática, verifica-se que estas frações não são constantes quando varia a idade de lodo, como fica implícito nas expressões teóricas das Equações
  • Isto se deve ao fato de a remoção do material orgânico biodegradável em sistemas reais não ser total. Desta maneira, tem-se tanto material orgânico biodegradável no efluente (solúvel ou coloidal) como no lodo (particulado). 
A fração de material biodegradável no lodo de excesso produzido em sistemas de tratamento anaeróbio pode ser estimada da seguinte maneira: no metabolismo, a proporção entre a massa anabolizada e catabolizada é de fcvY/(1 – fcvY). 
  • Portanto, se as frações de material orgânico descarregadas no efluente e no lodo são mSe e mSxv, então, a fração catabolizada é: mS mS mS CH e xv 4 =− − 1 (1.9) e, portanto, a fração anabolizada é: 
mS f Y f Y mS mS xa cv cv e xv = − −− / ( )*( ) 1 1 (1.10)
Usando-se a Equação 1.10, que a fração da DQO do afluente se transforma em massa bacteriana, mSxa, em função da idade de lodo. A fração da DQO transformada em lodo inerte, mSxi, é constante e também está indicada.
  • Observa-se, ainda, que, para os valores escolhidos de fus, fup e Y, a soma das frações mSxa + mSxi é praticamente idêntica à fração que se converte em lodo no sistema, mSxv, quando a idade de lodo é longa. Mas, na medida que a idade de lodo diminui, a fração mSxa também diminui, como indica a Equação, porque a fração do material orgânico metabolizado diminui, uma vez que a massa anabolizada é proporcional à massa metabolizada.. 
Por outro lado, a fração mSxv aumenta progressivamente quando a idade de lodo diminui, por causa da presença de material biodegradável não metabolizado, mSbpe. Pode-se estimar a fração de material biodegradável no lodo a partir da Figura 1.4b, calculando-se: 
f mS mS mS mS mS mS xb bpe xv xv xi xa xv / ( )/ (1.11) 
Observa-se o valor da fração biodegradável no lodo fxb em função da idade de lodo. Por outro lado, também é possível estimar a fração de material biodegradável no efluente: da fração de material orgânico do afluente que é descarregada no efluente, mSe , uma parte, igual a fus, é não biodegradável e o restante, mSeb = mSe – fus, é biodegradável. Portanto, a fração de material biodegradável no efluente é dada por:
f mS mS mS f mS eb eb = =− e e us e / ( )/ (1.12)
Observa-se que a fração fxb do material orgânico biodegradável no lodo permanece baixa (< 15%), enquanto a idade de lodo é maior que 50-60 dias. Para valores menores que 50 dias, a fração fxb, com boa aproximação, aumenta exponencialmente (a escala da abscissa é logarítmica). 
  • Sabe-se que, quanto maior a fração volátil no lodo, menor é seu grau de estabilidade e maior seu potencial de atrair vetores disseminadores de doenças. Também aumenta a dificuldade em separar a água dos sólidos. 
Para disposição de lodo no solo, embora a EPA (1979) não regulamente o teor de SVS no lodo, ela estabelece que não deve haver mais que 38% de material biodegradável no lodo, isto é, em um teste de digestão (15 dias, a uma temperatura de 35° C), a perda de sólidos voláteis de uma amostra de lodo não deve exceder os 38%. 

  • A fração biodegradável no lodo de excesso seria menor que 40% para idades de lodo acima de 20 dias. Por esta razão, indicou-se esse valor como a idade de lodo mínima que deve ser aplicada em sistemas de tratamento anaeróbio. 
Qualitativamente, a curva da fração do material orgânico biodegradável no efluente feb se comporta semelhantemente à do material biodegradável no lodo “fxb” o valor é inversamente exponencial à idade de lodo, aproximadamente, para uma temperatura de 25o C.

  • O comportamento de sistemas de tratamento anaeróbio, na prática, desvia-se bastante do comportamento de um sistema ideal, no qual todo o material biodegradável é transformado em biogás. Tanto no efluente como no lodo de excesso há uma fração de material biodegradável bastante expressiva. 
A presença desse material biodegradável no efluente e no lodo de excesso é inevitável e não decorre apenas de eventuais falhas no projeto do sistema de tratamento anaeróbio; é resultado, também, da cinética da digestão anaeróbia, que resulta em processos metabólicos relativamente lentos e incompletos. O aumento nos valores das frações mSe e mSxv é indesejável por várias razões: 
  1. A fração da DQO do afluente no efluente deve ser a mínima possível, uma vez que a remoção do material orgânico é justamente o objetivo principal de sistemas de tratamento anaeróbio; quanto maior a concentração de material biodegradável no afluente, maior será o custo de uma unidade de pós-tratamento. 
  2. O aumento de mSxv é prejudicial porque leva automaticamente a um aumento no custo de tratamento e disposição final do lodo (normalmente, o lodo de excesso de reatores anaeróbios já sai estabilizado; uma diminuição da idade de lodo leva a uma diminuição de seu grau de estabilização). 
  3. O objetivo de sistemas anaeróbios é maximizar a digestão anaeróbia do material biodegradável, visando à produção de biogás que, ao menos em princípio, pode ser usado como combustível. Infelizmente, ainda não se dispõe de expressões gerais relacionando valores de mSe e mSxv aos fatores que têm influência sobre esses parâmetros. 
Os dados da Figura 1.4b, obtidos na UFPb em um programa de pesquisa (PROSAB) sobre obtenção de parâmetros operacionais e de dimensionamento de reatores anaeróbios tipo UASB, limitam-se ao caso de tratamento anaeróbio de esgoto bruto a uma temperatura de 25o C. 
  • Os fatores mais importantes que têm influência sobre os valores de mSe e mSxv estão relacionados a: Natureza do material orgânico biodegradável do afluente. A composição do material orgânico depende da origem da água residuária: se houver uma fração elevada de material particulado, então, haverá uma tendência a ter mais material biodegradável e particulado no lodo, aumentando a produção de lodo e a fração de material biodegradável neste. 
Parâmetros ambientais do sistema. A temperatura é importante porque influencia diretamente a taxa de todos os processos biológicos que se desenvolvem, tendo-se uma taxa máxima na faixa de 30 a 37º C, sendo, porém, possível operar sistemas anaeróbios para temperaturas acima de 18º C.
  • Quando a temperatura é menor que a ótima, os processos metabólicos se desenvolvem mais lentamente, particularmente a hidrólise do material particulado. Sem a hidrólise, o material particulado se acumula no lodo, o que é indesejável. Até certo ponto, pode-se influenciar a temperatura do sistema de tratamento mediante o uso da energia química do metano gerado. 
Van Haandel & Lettinga (1994) mostraram que, no caso de esgotos municipais, a concentração de matéria orgânica é insuficiente para gerar energia em quantidade suficiente para elevar significativamente a temperatura do reator. O pH deve ficar na faixa neutra para que a metanogênese não seja prejudicada. 
  • Van Haandel & Lettinga (1994) mostraram ainda que, quando se aplica a digestão anaeróbia a águas residuárias de baixa concentração de material orgânico (águas diluídas) como esgoto, normalmente a capacidade de tamponação do pH é suficiente para manter um pH estável na faixa do neutro no sistema de tratamento. Águas residuárias industriais muitas vezes precisam de adição de alcalinidade e/ou remoção de acidez para manter o pH na faixa desejada. 
A idade de lodo. Quanto maior a idade de lodo, mais completa é a remoção do material orgânico biodegradável, como está bem indicado na Figura 1.4b. Todavia, uma idade longa de lodo significa que a massa de lodo acumulada terá de ser grande, e isto só pode ser realizado em um sistema com um dispositivo eficiente de retenção de lodo e um volume grande para acumulação do lodo retido. Portanto, a eficiência de retenção de lodo é um fator de primordial importância no projeto de sistemas de tratamento. 
  • Contato entre o lodo e o material orgânico do afluente. Independente da idade de lodo, é importante que haja uma boa intensidade de contato entre o material orgânico afluente e a massa bacteriana no sistema de tratamento, a fim de que o metabolismo possa de fato ocorrer. Embora esta condição pareça muito óbvia, na prática há muitos sistemas em que este contato é limitado (tanque séptico, lagoa anaeróbia) ou até mesmo impossível (tanque Imhoff). 
Para que um sistema de tratamento anaeróbio real se aproxime o máximo possível a situação ideal é necessário que se criem as condições favoráveis para o metabolismo, maximizando-se a eficiência de remoção do material biodegradável. 
  • Todavia, analisando-se os quatro fatores básicos que influenciam a eficiência e a remoção do material orgânico biodegradável, conclui-se que, na realidade, as opções de interferência são limitadas. 
No entanto, podem ser dadas algumas regras básicas, como será visto a seguir. A composição do material orgânico do afluente, em princípio, é uma variável cujo valor é determinado principalmente pelos costumes da população (em especial hábitos alimentares, que determinam a fração de material particulado e principalmente a concentração de óleos e graxas). 
  • No futuro é esperado que se apliquem enzimas para acelerar a solubilização de material particulado, usando a rede de esgoto como o reator para tal processo. Neste caso, o esgoto chegaria ao sistema de tratamento com uma alta fração de material rapidamente biodegradável, o que poderia aumentar sensivelmente a eficiência do sistema de tratamento. 
Quanto à massa de lodo disponível para o tratamento e o contato entre a massa de lodo e o material orgânico afluente, estes são fatores que dependem basicamente da qualidade do projeto do sistema de tratamento. O contato entre o material orgânico do afluente e o lodo é um pré-requisito necessário para o funcionamento do sistema, que é favorecido em sistema de fluxo ascendente. 
  • Em adição, deve-se ter um mecanismo eficiente para retenção do lodo a fim de maximizar sua massa no sistema, isto é, a idade de lodo deve ser maximizada. Por outro lado, a massa de lodo no sistema de tratamento é limitada, porque o próprio tamanho físico do sistema de tratamento é limitado por considerações econômicas. 
Assim, é preciso decidir qual é a melhor idade de lodo, ponderando-se que, por um lado, uma idade de lodo longa favorece uma maior eficiência de remoção do material orgânico e, por outro lado, uma idade de lodo curta viabiliza um volume pequeno do reator e, portanto, reduz o custo de construção do sistema de tratamento. 
  • A idade de lodo de 20 dias corresponde em boa aproximação ao valor mínimo estabelecido para digestores de lodo por vários pesquisadores (Lin et al., 1987; McCarty, 1964; WPCF, 1979). Van Haandel & Marais (1999), com base nos resultados desses pesquisadores, propuseram uma idade mínima de lodo, “Rdi”, em sistemas anaeróbios de tratamento de lodo igual a: 
Rdi t = + − 20 11 5 20 *(, )( ) (1.13) 
Na ausência de dados específicos sobre a idade mínima de lodo em sistemas de tratamento anaeróbio, pode-se adotar a expressão empírica da Equação 1.13. 
  • Na prática, a tendência será sempre de aplicar uma idade de lodo maior que o valor mínimo e, assim, reduzir a presença de material biodegradável no efluente e no lodo de excesso. 
O valor a ser adotado dependerá de um processo de otimização, tendo-se, por um lado, o custo do sistema, que aumenta com o aumento da idade de lodo, e, por outro, o aumento da eficiência, que também tem seu valor incrementado quando aumenta a idade de lodo.
  • A cinética do tratamento anaeróbio, para substratos complexos como o esgoto, não é desenvolvida o suficiente para permitir uma estimativa teórica da relação entre a idade de lodo e a eficiência de tratamento, de maneira que é preciso recorrer ao empirismo.
Vê-se, ainda, que há uma idade de lodo mínima, abaixo da qual os processos metabólicos não se podem desenvolver porque a taxa de retirada de lodo é maior que sua taxa máxima de crescimento. Essa idade de lodo mínima depende essencialmente da temperatura.
  • Observa-se, a partir da extrapolação dos dados experimentais, que a idade de lodo mínima da digestão anaeróbia de esgoto é de aproximadamente 6 a 7 dias para a temperatura de 25o C. Para uma idade de lodo menor que a mínima, o sistema entra em colapso: não há mais digestão anaeróbia e o material orgânico se divide entre uma fração no lodo (sem massa bacteriana) e uma no efluente. 
Isto significa que não se pode retirar mais que 1/6 a 1/7 (14% a 17%) do lodo por dia, porque esta é a taxa de crescimento máxima do lodo: uma descarga maior que a máxima fatalmente resultará no desaparecimento da massa bacteriana do reator, inviabilizando o sistema de tratamento. 
  • Na prática, a idade de lodo terá de ser bem maior que a mínima, uma vez que o objetivo é a transformação eficiente do material orgânico biodegradável em biogás e, ao mesmo tempo, a obtenção de um lodo bem estabilizado. 
Quanto à temperatura, há, em princípio, a possibilidade de aumentá-la por meio da utilização da energia química do material orgânico digerido, queimando-se o metano e transferindo-se o calor de combustão para a água residuária. 
  • Todavia, Van Haandel & Lettinga (1993) demonstraram que, no caso de esgoto, o aumento da temperatura é pouco expressivo (< 1ºC), porque a energia disponível no metano gerado é limitada. Conclui-se que, no caso de esgoto, esta opção não é realista. 
O esgoto deve ser tratado à temperatura à qual ele chega ao sistema de tratamento. Isso limita severamente a aplicabilidade da digestão anaeróbia em regiões de clima frio e temperado. Todavia, no Brasil, a experiência da Sanepar é que, mesmo na região Sul, a temperatura mínima de esgoto é suficiente para efetuar o tratamento anaeróbio com êxito e que os resultados médios no inverno e no verão são muito parecidos. 
  • O controle do pH pode ser estabelecido com facilidade e deve ser implementado sempre que a capacidade de tamponação do sistema não for suficiente para manter um pH adequado, pois é vital que se estabeleça um valor de pH próximo à faixa neutra. 
Em contraste, em sistemas anaeróbios de tratamento de esgoto, a capacidade natural de tamponação da água assegura automaticamente o estabelecimento de um valor do pH na faixa ótima, de modo que não há necessidade de implantação de um sistema de controle. 
  • Pelo exposto anteriormente, percebe-se que um ponto fundamental na otimização de sistemas anaeróbios de tratamento é a escolha da idade de lodo: esta deve ser longa o suficiente para que se tenha uma eficiência de remoção do material biodegradável essencialmente completa, mas, ao mesmo tempo, curta o suficiente para não haver custos excessivos de investimento. Os sistemas de tratamento anaeróbio são projetados, normalmente, usando-se o tempo de permanência hidráulico como parâmetro fundamental e não a idade de lodo. 
Os dois parâmetros estão relacionados de forma indireta, como se mostra a seguir: à medida que o tempo de detenção hidráulica (TDH) aumenta, o volume disponível para armazenamento do lodo também aumenta, permitindo um aumento da idade de lodo. 
  • Todavia, a idade de lodo, além do volume, também depende da eficiência de retenção de lodo no sistema, que, por sua vez, depende do projeto físico do dispositivo de retenção.
Exemplo 1.1:
  • Como exemplo de dimensionamento, determinam-se a produção e a composição de lodo de um sistema de tratamento anaeróbio para uma cidade com 50 mil habitantes, pressupondo-se uma contribuição per capita de 100 g DQO/dia e um volume de 120 L.hab–1.dia–1, e ainda frações de material não biodegradável de fus = 0,10 e fup = 0,08,
Pede-se uma avaliação para duas idades de lodo: 20 e 50 dias. A Figura 1.4b mostra os valores das frações de material orgânico (no efluente, mSe , no lodo, mSxv, e digerida, mSCH4) em função da idade de lodo.
  • No efluente: mSe 0,26 0,18 No lodo: mSxv 0,21 0,15 Digeridas: mSCH4 0,53 0,67 Composição do lodo Fração biodegradável 0,43 0,15 Fração biológica 0,038 0,048 Fração volátil 0,64 0,56 Produção de lodo Volátil per capita (g SVS.hab–1 dia–1) 14 10 Fixo per capita (g SFS.hab–1 dia–1)8 8 Total per capita (g STS.hab–1 dia–1) 22 18 Volátil (kg SVS/dia) 700 500 Fixo (kg SFS/dia) 400 400 Total (kg STS/dia) 1100 900 
Quanto à composição do lodo, pode se calcular a fração de material orgânico transformado em material celular da massa bacteriana com auxílio da Equação 1.12. mSxa = fcvY/(1 – fcvY) * (1 – mSe – mSxv) = = 1,5 * 0,045/(1 – 1,5 * 0,045) * (1 – mSe – mSxv) 
  • Para Rs = 20 d, calcula-se: mSxa = 0,072 * 0,53 = 0,038, enquanto para Rs = 50 d: mSxa = 0,048. fração de material biodegradável no lodo é calculada com auxílio da Equação 1.11: fxb = mSbpe /mSxv = (mSxv – mSxi – mSxa)/mSxv = = (0,21 – 0,08 – 0,038)/0,21 = 0,43 para Rs = 20 dias e = (0,15 – 0,08 – 0,048)/0,15 = 0,15 para Rs = 50 dias 
A massa de lodo volátil é calculada como o produto da fração da DQO convertida em lodo (mSxv) pela carga orgânica, que, por sua vez, é o produto da população contribuinte pela contribuição diária per capita, dividido pelo fator de conversão fcv: PXx = mSxv * Nhab * Shab /fcv Para Rs = 20 dias: PXv = 0,21 * 50.000 * 0,1/1,5 = 700 kg SVS/dia ou 700/50.000 = = 14 g SVS . hab–1 dia–1 
  • Para Rs = 50 dias: PXv = 0,15 * 50.000 * 0,1/1,5 = 500 kg SVS/dia ou 500/50.000 = = 10 g SVS . hab–1 dia–1 
Para estimar a fração de lodo volátil no lodo é necessário conhecer a massa de lodo fixo. Esta massa depende da origem do esgoto (fração industrial), mas principalmente da natureza (separador ou não) e do estado de manutenção da rede de esgoto. 
  • Para efeito de cálculo, adota-se aqui uma massa de lodo fixo por habitante de 8 g/dia, ou seja, 8/120 = 67 mg/L (uma proporção entre 8 g/dia de sólidos fixos em suspensão e 100 g/dia de material orgânico por habitante em esgoto bruto podem ser consideradas normais). 
Neste caso, calcula-se uma fração volátil de 14/(14 + 8) = 64% para Rs = 20 dias e 10/(10 + 18) = 56% para Rs = 50 dias. 
  • Essas frações estão na faixa usualmente encontrada no lodo de sistemas anaeróbios tratando esgoto bruto. Para a idade de lodo de 20 dias, a massa de lodo a ser contida no sistema seria MXv = 700 * 20 = 14 t SVS ou 14/0,64 = 22 t STS. 
No caso de Rs = 50 dias, a massa de lodo seria 500 * 50 = 25 t SVS ou 25/0,56 = 45 t STS. No caso do reator UASB, a concentração média de lodo está na faixa de 20 a 35 g STS/L, dependendo da qualidade dos dispositivos de retenção de lodo e de sua sedimentabilidade. 
  • Para um valor conservador de 20 g STS/L, calcula-se um volume de 22.000 kg STS/20 kg STS/m3 = 1.100 m3 ou 22 L/hab no caso da idade de lodo de 20 dias. No caso da idade de lodo de 50 dias, o volume do reator UASB seria estimado em 45.000/20 = 2.250 m3 ou 45 L/hab. 
O tempo de permanência para o volume estimado de 120 L.hab–1 dia–1 seria 4,4 horas para uma idade de lodo de 20 dias e 8,8 horas para uma idade de lodo de 50 dias. Conclui-se que, para manter a idade de lodo longa (50 dias), o volume do reator UASB teria de ser praticamente o dobro do valor para uma idade de lodo curta.
  • Na prática, pode-se considerar curto um tempo de permanência de 4,4 horas em um reator UASB, enquanto um valor de 8,8 horas pode ser considerado longo. A conclusão básica do exemplo é que a idade de lodo é o parâmetro fundamental que determina o desempenho de reatores aeróbios e anaeróbios. 
O tempo de permanência do líquido em si não tem importância, mas ele sempre tem de ser suficiente para que a idade de lodo mantenha o valor adequado, em outras palavras, o tempo de permanência tem de ser suficiente para evitar carreamento excessivo de lodo.

Produção e composição do lodo:
Em sistemas de tratamento aeróbico:

As considerações sobre produção e composição de lodo são bem mais complicadas em sistemas de tratamento aeróbio devido a três fatores: 
  1. O decaimento de lodo é expressivo, de maneira que têm de ser levadas em consideração a demanda de oxigênio para respiração endógena e a geração de resíduo endógeno no sistema de tratamento. 
  2. O lodo ativo é instável, morrendo pouco tempo depois de se interromper a aeração. Na prática, o lodo produzido em um sistema aeróbio é introduzido em um digestor (geralmente anaeróbio) para redução da massa bacteriana aeróbia. 
  3. São produzidos lodos de naturezas diferentes. 
Para diminuir a carga orgânica devido ao material particulado no reator aerado, muitas vezes se aplica sedimentação primária, obtendo-se lodo que recebe a denominação de lodo fresco ou primário, que será posteriormente levado para a unidade de estabilização (digestor de lodo). O lodo produzido no reator biológico é denominado lodo secundário ou biológico. 
  • Comparando diferenças importantes: (1) no processo catabólico há oxidação do material orgânico em vez de digestão anaeróbia e (2) o decaimento de lodo é mais rápido e, por esta razão, forma-se uma quantidade significativa de resíduo endógeno, havendo, ao mesmo tempo, consumo expressivo de oxigênio para atender à demanda da respiração endógena. 
Van Haandel & Marais (1999) derivaram expressões para as frações de material orgânico nas três formas que se apresentam (inerte, mSxi, ativo, mSxa, e resíduo endógeno, mSxe) em sistemas de tratamento aeróbio:
mS f xi up =
mS fk R mS xe = bae s xa
mS f f f Y k R xa us up cv =− − + bae s 
A fração da DQO afluente, que não é descarregada no efluente (mSe ) e não está no lodo (mSxv), é oxidada (mSo ) no sistema de tratamento aeróbio, podendo-se escrever: 
mS mS mS f f f Y k f f YR k R o xv e us up cv bae cv s ae s =− − =− − − + − + 1 ( )( ( )* * /( ) 11 1 1 
A Equação 1.18 também pode ser escrita em termos da fração da DQO afluente, que é oxidada durante a respiração exógena (catálise), mSex, e da fração da DQO afluente oxidada durante a respiração endógena, mSend , ou durante o decaimento bacteriano:
mS mS mS o e = − x en (1.18b) 
Observam-se as frações do material orgânico transformadas em lodo aeróbio, oxidadas ou descarregadas no efluente, em função da idade de lodo, em um sistema ideal, em que o metabolismo do material biodegradável é completo. Na mesma figura, indica-se, ainda, a fração oxidada pelos processos de respiração exógena e endógena. 
  • Observa-se, a importância do decaimento do lodo ativo aumenta quando aumenta a idade de lodo: a demanda de oxigênio para a respiração endógena tende a exceder aquela para a respiração exógena. Para uma idade de lodo longa (maior que 20 dias), a massa do resíduo endógeno excede aquela do lodo ativo.
A  divisão do material orgânico em sistemas aeróbios ideais. Contudo, na prática, não se observa uma remoção de 100% do material orgânico biodegradável. Todavia, diferentemente de sistemas de tratamento anaeróbio, em sistemas de tratamento aeróbio há uma boa compreensão sobre a cinética do metabolismo bacteriano, o que permite calcular a eficiência de remoção do material biodegradável em função da idade de lodo. 
  • Van Haandel & Marais (1999) mostraram que, com boa aproximação, a remoção de material orgânico biodegradável pode ser considerada completa, a não ser que a idade de lodo seja muito curta (menos de 2 dias a 20ºC). 
Isso se deve ao fato de a capacidade metabólica de utilização do material orgânico ser maior no lodo aeróbio do que no lodo anaeróbio, resultando em uma maior eficiência de remoção ou utilização do material orgânico. 
  • Na Figura 1.7b, observa-se a simulação do valor das frações de material orgânico em função da idade de lodo, usando-se a cinética metabólica de lodo aeróbio apresentada por Van Haandel & Marais (1999). Observa-se que a Figura 1.7b é praticamente idêntica à figura do sistema ideal (Figura 1.7a), exceto para a faixa de idade de lodo muito curta. 
Na prática, nunca se operam sistemas de lodo ativo com idade de lodo muito curta, de modo que, com boa aproximação, a remoção do material orgânico pode ser considerada completa e as Equações 1.14 a 1.17 podem ser usadas para calcular as frações do material orgânico e a produção e composição de lodo aeróbio. 
  • A massa de lodo volátil produzida por unidade de massa de DQO aplicada pode ser facilmente determinada, dividindo-se a fração de material orgânico convertido em lodo pelo fator de conversão fcv: mE mS f f f Y fk R Y k R f f xv xv cv us up = =− − + + + bae s bae s us cv / // d i 11 1 b gb g (1.19) 
Para calcular a produção de lodo total é necessário ainda que se adicione o lodo mineral: 
mE mE mE f f R Y k R ff f xt xv m us up s bae s us cv m = + =− − + + + + d i 1 1 Y 1 fk b gb g bae / / (1.20) A fração de lodo volátil no lodo de excesso agora pode ser expressa em termos da fração de lodo volátil ou de lodo total.
Exemplo 1.2:
  • Como exemplo de dimensionamento determinam-se a produção e a composição de lodo de um sistema de tratamento aeróbio para uma cidade com 50 mil habitantes, pressupondo-se uma contribuição per capita de 100 g DQO/dia, um volume de 120 L.hab–1 dia–1 e, ainda, frações de material não biodegradável de fus= 0,14 e fup = 0,06, conforme a Figura 1.6. Pede-se uma avaliação para um sistema de lodo ativo de alta taxa (idade de lodo de 4 dias) e um de baixa taxa (idade de lodo de 20 dias). 
A Tabela 1.2 fornece os valores numéricos para idades de lodo de 4 e 20 dias.
Para Rs = 4 dias tem-se: mSxi = f up = 0,06 mSxa = (1 – 0,14 – 0,06)
* 1,5
* 0,45/(1 + 4 * 0,3) = 0,25 mSxe = 0,2
* 0,3
* 4
* 0,25 = 0,06 mSxv = 0,06 + 0,25 + 0,06 = 0,37 Portanto, a fração da DQO oxidada será: mSo = 1 – mSe – mSxv = 1 – 0,14 – 0,37 = 0,49 Semelhantemente, para uma idade de lodo longa de Rs = 20 dias, calcula-se: mSxi = 0,06 mSxa = (1 – 0,14 – 0,06)
* 1,5
* 0,45/(1 + 20 * 0,3) = 0,077 mSxe = 0,2
* 0,3
* 20
* 0,077 = 0,092 mSxv = 0,06 + 0,077 + 0,092 = 0,23 mSo = 1 – 0,14 – 0,23 = 0,63
A fração de lodo ativo é calculada com facilidade como: fav = mSxa/mSxv 
Tabela 1.2 Valores numéricos das frações de material orgânico no efluente, mSe , no lodo, mSxv, e digerida, mSo , e da composição e produção de lodo para idades de lodo de 4 e 20 dias. Rs = 4 dias Rs = 20 dias Frações do material orgânico No efluente: mSe 0,14 0,14 
  • No lodo: mSxv 0,37 0,23 Oxidadas: mSo 0,49 0,63 Composição do lodo Fração ativa fa 0,67 0,33 Fração volátil fv 0,76 0,66 Produção de lodo Volátil per capita (g SVS.hab–1 dia–1) 25 15 Fixo per capita (g SFS.hab–1 dia–1)8 8 Total per capita (g STS.hab–1 dia–1) 33 23 Volátil (kg SVS/dia) 1250 750 Fixo (kg SFS/dia) 400 400 Total (kg STS/dia) 1650 1150
Os valores calculados para Rs = 4 dias e para Rs = 20 dias são de fav = 0,25/ 0,37 = 0,67 e fav = 0,077/0,23 = 0,33, respectivamente. Para estimar a fração de lodo volátil é preciso saber a massa de lodo fixo que o sistema de tratamento produz. Adotando-se novamente 8 g SFS.hab–1 dia–1 ou 67 mg SFS/L como no exemplo anterior e sabendo-se que para a idade de lodo de 4 dias a produção per capita de lodo volátil é de 0,37 
  • 100/1,5 = 25 g SVS.hab–1 dia–1, calcula-se uma produção total de 25 + 8 = 33 g STS.hab–1 dia–1 e, portanto, uma fração volátil de 25/33 = 76%. Semelhantemente, determina-se a fração volátil em 66% no caso da idade de lodo de 20 dias. 
No caso da idade de lodo de 4 dias, a massa do lodo a ser contida no sistema seria mXv = 1250 
  •  4 = 5 t SVS ou 5/0,76 = 6,6 t STS.   
No caso de Rs = 20 dias, a massa de lodo seria 750
  •  20 = 15 t SVS ou 15/0,66 = 23 t STS.
No sistema de lodo ativo, a concentração de lodo geralmente está na faixa de 2 a 5 g STS/L, dependendo da sedimentabilidade do lodo e da taxa de recirculação. Para um valor conservador de 3 g STS/L, calcula-se um volume de 6.600 kg STS/3 kg STS/m3 = 2.200 m3, ou 44 L/hab, no caso da idade de lodo de 4 dias.
  • No caso da idade de lodo de 20 dias, o volume do reator de lodo ativo seria estimado em 23.000/3 = 7.600 m3 ou 150 L/hab. O tempo de permanência para o volume estimado de 120 L.hab–1 dia–1 seria 8,8 horas para uma idade de lodo de 4 dias e 1,25 dias para uma idade de lodo de 20 dias. 
Quando se comparam os resultados dos cálculos nos Exemplos 1.1 e 1.2, observa-se que, no que concerne à produção de lodo, os sistemas anaeróbios têm importantes vantagens em comparação aos sistemas aeróbios de tratamento: 
  1.  A produção de sólidos voláteis é nitidamente inferior e, por isso, as unidades de processamento do lodo de excesso podem ser menores 
  2. No caso do reator UASB ou semelhante, a concentração do lodo é muito maior, uma vez que os sistemas anaeróbios operam com uma concentração de lodo bem mais elevada do que os sistemas de tratamento aeróbio. 
  3.  A fração de material biodegradável no lodo aeróbio é muito maior, uma vez que o próprio lodo ativo (a massa bacteriana aeróbia) é putrescível. 
Em contraste, o material biodegradável no lodo de excesso de sistemas anaeróbios é resultado do material orgânico do afluente que ainda não foi metabolizado. A conseqüência da alta fração de material biodegradável em lodo aeróbio é que há a necessidade de aplicar um sistema de estabilização de lodo. 
  • No próximo capítulo, a estabilização de lodo aeróbio será discutida com mais profundidade. Na prática, o sistema de estabilização freqüentemente será um digestor anaeróbio, um reator fechado no qual a população de bactérias aeróbias é metabolizada por bactérias anaeróbias.
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Geração e Composição de Lodo em 
Sistemas de Tratamento de Esgotos Sanitários