sábado, 21 de maio de 2016

Políticas públicas e manejo comunitário de recursos naturais na Amazônia

Políticas públicas e manejo comunitário de recursos naturais na Amazônia

José Heder Benatti
Advogado, doutor em Ciências Desenvolvimento Socioambiental, professor de Direito do Centro de Ciências Jurídicas da Universidade Federal do Pará (UFPA), pesquisador associado do Núcleo de Altos Estudos Amazônicos/UFPA, Coordenador de Pesquisa do Instituto de Pesquisa da Amazônia
David G. McGrathI
Geógrafo, doutor em geografia, professor do Núcleo de Altos Estudos Amazônicos da Universidade Federal do Pará, Coordenador de Pesquisa do Instituto de Pesquisa da Amazônia
Ana Cristina Mendes de Oliveira
Bióloga, doutora em Ciências Desenvolvimento Socioambiental, professora do curso de biologia da Universidade Federal do Pará, pesquisadora associada do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia

  • Este texto pretende descrever os principais resultados da pesquisa realizada no âmbito dos Projetos de Pesquisa Dirigida do Subprograma de Ciência e Tecnologia - SPC&T, Programa Piloto para a Proteção das Florestas Tropicais do Brasil - PPG7, entre fevereiro de 2000 a junho de 2003. 
O trabalho contou com o apoio do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia, como instituição executora.
  • A pesquisa buscou contribuir para o estabelecimento de diretrizes e políticas públicas ambientais, relativas às práticas de manejo comunitário dos recursos naturais, nas áreas de várzea e terra firme. Através do estudo de iniciativas de manejo em andamento, promissoras ou não, foi possível fornecer subsídios para o reconhecimento destas experiências no âmbito das políticas públicas. 
Desta forma, espera-se estar contribuindo para o estabelecimento de uma relação menos conflituosa entre as necessidades de desenvolvimento local e a conservação ambiental da região.
  • O conceito de manejo comunitário de recursos naturais apareceu com maior intensidade a partir da década de 80, quando cientistas naturais e sociais insistiam em demonstrar a relação entre degradação ambiental e questões de justiça social, empobrecimento rural e direitos indígenas. 
Este conceito traz consigo as práticas de gestão participativa disseminadas na Amazônia no final do século passado, quando vários grupos de produtores familiares rurais se envolveram em iniciativas de manejo comunitário, em resposta às diversas pressões sobre os recursos naturais comuns de que dependiam. 
  • Estas iniciativas têm sido caracterizadas pelo importante papel desempenhado por mediadores (Igrejas, ONGs e financiadores), pela diversidade de arranjos institucionais envolvidos (Cunha, 2002) e pelas diferentes estratégias de usos em função das características dos recursos manejados (Oliveira, 2002). 
Os programas de manejo comunitário que vêm sendo implementados na Amazônia nas últimas décadas partem da premissa de que as comunidades locais envolvidas apresentam maior interesse na sustentabilidade de seus recursos do que o governo ou instituições distantes destas comunidades. Além disto, possuem maior conhecimento dos processos ecológicos e das práticas tradicionais de manejo de recursos naturais.
  • Nos últimos dez anos, a política de gestão ambiental do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (IBAMA) tem passado por uma transformação profunda. Durante esse período, o IBAMA introduziu uma série de medidas para descentralizar a gestão dos recursos naturais e aumentar o grau de participação de grupos de usuários locais. 
Através desse processo de descentralização, o órgão ambiental federal está institucionalizando as iniciativas de manejo comunitário, o qual vem sendo implantado na região através de dois projetos: o Provárzea e o Promanejo, na busca de promover a co-gestão dos recursos naturais na região amazônica.
  • O desenvolvimento desse novo sistema de gestão enfrenta uma série de dificuldades. De um lado, a organização comunitária continua bastante frágil, sendo que não há uma sistematização adequada dos fatores que influenciam no desempenho desta organização, o que, por sua vez, dificulta a elaboração de políticas que favoreçam o processo de fortalecimento social. 
Do outro lado, a implantação de um sistema de co-gestão implica em mudanças profundas na legislação de gestão ambiental e na criação de novas instituições para implementar essas políticas.
  • Foram analisadas algumas iniciativas de manejo comunitário, sendo a maioria implementada com base no processo de co-gestão. Essa análise objetivou identificar os fatores que facilitam ou dificultam a participação efetiva das populações tradicionais na gestão dos recursos naturais, e estudou a relação entre os agentes do governo e os usuários locais dos recursos.
O estudo demonstrou que ocorreram mudanças nas políticas e nas instituições de gestão de recursos naturais, aumentando a participação dos usuários na gestão local. Também foram identificados fatores importantes no desempenho dos sistemas de manejo comunitário e elementos específicos das políticas de gestão que devem ser reavaliados.
  • Para exemplificar essas mudanças iremos descrever, resumidamente, os principais casos analisados na pesquisa.
O Manejo de lago na Região de Tefé:
  • Entre dezembro de 1999 a janeiro de 2001, foram estudadas 12 comunidades na região do Médio Solimões, que realizam manejo de lagos desde a década de 80 e em mais 6 comunidades que não desenvolvem esta prática. 
O modelo de manejo consiste na definição de lagos de procriação, onde a atividade de pesca é proibida; lagos de manutenção, onde apenas a pesca comercial é permitida e os lagos livres, onde qualquer tipo de pesca é permitido.
  • Durante o estudo foram coletados dados gerais – sobre a ecologia política da região e fatores externos que influenciaram nos resultados do manejo –, e dados específicos – sobre os impactos ecológicos e socioeconômicos do manejo de recursos naturais em cada comunidade. 
Foram detectados resultados diferenciados quando comparado as comunidades com e sem manejo, o que permitiu levantar pontos positivos e negativos sobre o processo de manejo de recursos naturais nesta região.
Os resultados alcançados em relação ao manejo comunitário dos lagos foram analisados em relação às seguintes variáveis: 
  • As características dos ecossistemas locais em que as comunidades estão assentadas, ou seja, áreas de várzea e terra firme; 
  • As estratégias econômicas das famílias; 
  • O grau de influência da Igreja Católica (tomada como principal mediadora externa) em cada uma das comunidades; 
  • O nível da organização comunitária em cada grupo social.
O êxito das iniciativas locais foi medido a partir das percepções dos próprios usuários em relação à qualidade e quantidade dos estoques pesqueiros e à situação dos demais recursos naturais existentes nas áreas das comunidades. 
  • Estas percepções foram comparadas com as percepções das famílias residentes nas comunidades que nunca estiveram envolvidas com o manejo, cujas estratégias econômicas também foram analisadas. 
As iniciativas de preservação de lagos foram mais bem sucedidas nas comunidades localizadas nas áreas de várzea que nas áreas de terra firme, ainda que os arranjos institucionais inicialmente adotados não tenham variado muito. 
  • Dois fatores podem explicar este fato: a maior importância da agricultura nas estratégias econômicas das comunidades de terra firme e a melhor adaptação das regras de manejo aos lagos da várzea que aos de terra firme. 
Por outro lado, comunidades em que a influência da Igreja Católica é maior (seja na várzea, seja na terra firme) apresentaram melhores resultados em suas iniciativas de controle dos lagos, e os arranjos institucionais são mais complexos do que os inicialmente adotados e sem interferência externa. 
  • Os efeitos positivos do manejo só foram percebidos nas comunidades envolvidas com o movimento de preservação, e em maior grau nas comunidades onde os arranjos institucionais estão mais consolidados.
Os resultados da pesquisa indicam que os arranjos institucionais são importantes para o sucesso das iniciativas de manejo comunitário de recursos naturais, mas outras variáveis também influenciam significativamente nos resultados alcançados por grupos de usuários envolvidos em ações coletivas para regular o acesso e uso a recursos comuns na Amazônia brasileira, tais como: os mediadores, as diferenças ecológicas e as estratégias econômicas.
  • A maior influência da mediação externa, no caso da Igreja Católica, está presente no fortalecimento da organização social que, por sua vez, favoreceu o processo de gestão dos recursos. Esta iniciativa exemplifica uma gestão na qual o governo busca informar os comunitários, não caracterizando um sistema de co-gestão, uma vez que as decisões e estratégias de manejo foram determinadas pelos próprios usuários dos recursos. 
Neste caso, optamos por definir este modelo de gestão como local-autônomo, pois está baseado nos conhecimentos locais e no senso comum sobre a ecologia dos recursos ou do ecossistema e possui uma menor dependência em relação a recursos financeiros externos. 
  • A única influência do governo no processo de manejo comunitário está ligada à emissão de portarias para o uso de determinado lagos manejados pela comunidades. Ironicamente, os lagos que possuíam portarias eram os mais invadidos por pessoas não pertencentes à comunidade, pois esta acreditava que o controle destes lagos estariam sob responsabilidade do IBAMA.
A falta de suporte técnico científico característico de um modelo local autônomo de gestão foi um ponto negativo nesta iniciativa, uma vez que as estratégias de manejo definidas pelos usuários eram inadequadas para as comunidades que dependiam comercialmente do recurso manejado (lagos e seus recursos pesqueiros), sendo adotado apenas por comunidades onde a agricultura era a principal atividade comercial, ou seja, o manejo de lagos de Tefé favorecia apenas as estratégias de subsistência, desestimulando a adesão dos verdadeiros grupos de usuários ao sistema de manejo. 
  • Outro ponto negativo, com relação à falta de suporte técnico, foi a inadequação das estratégias de manejo dos lagos de terra firme, prejudicando os grupos de usuários alocados nestas regiões. 
É importante lembrar que, num sistema de co-gestão, o suporte técnico científico é uma das contrapartidas da mediação externa, seja do governo ou de outra instituição.
  • Em relação aos pontos positivos, podemos dizer que no estudo de caso de manejo de lagos desenvolvidos na região de Tefé, o modelo autônomo de gestão fortaleceu a organização comunitária e favoreceu o cumprimento das estratégias de manejo.
Estudo sobre a pesquisa participativa:
Como estratégia para desenvolver sistemas de manejo comunitário do pirarucu:
  • Essa é uma experiência que está sendo realizada como componente do Projeto Várzea do IPAM. O projeto é inovador por vários motivos. Primeiro, o pirarucu é uma das espécies mais promissoras para o manejo comunitário dos lagos devido ao seu alto valor comercial e seus hábitos sedentários. 
Segundo, a metodologia visa envolver os pescadores na realização das pesquisas (rádio telemetria, monitoramento da atividade pesqueira e um censo participativo das populações de pirarucus), o que que levará ao desenvolvimento de um plano de manejo.
  • O projeto está sendo realizado em parceria com uma empresa de beneficiamento de pescado, com o objetivo de desenvolver um mercado para o pescado de lagos manejados. Foram capacitados 54 pescadores de cinco comunidades para monitorar populações locais de pirarucu através da metodologia desenvolvida pelo projeto. 
A partir desse processo de monitoramento e avaliação dos estoques locais de pirarucu, os pescadores estão gerando informações importantes sobre as populações de pirarucu em vários lagos da região e seu comportamento espacial ao longo do ano.
  • Um dos resultados preliminares do projeto foi a divulgação do relatório avaliando as políticas de manejo para a espécie nos diferentes países amazônicos, e a construção de propostas novas para o manejo do pirarucu na Amazônia brasileira. 
Acreditamos que essas medidas são mais compatíveis com o estado atual das experiências de manejo comunitário. As recomendações foram enviadas ao IBAMA para subsidiar a elaboração de medidas de manejo do pirarucu.
  • Outro resultado foi a decisão de os comunitários criarem uma associação de pescadores de pirarucu da região. A organização social será responsável pelo monitoramento da população regional de pirarucu e pelo desenvolvimento e implementação de planos de manejo para os principais lagos da região. 
Essa ação tem como resultado positivo a iniciativa dos pescadores em assumirem a responsabilidade pelo projeto. Esse modelo de manejo do pirarucu será divulgado em outras regiões do Brasil e do exterior. Com esse intuito já está articulada a assessoria para grupos na Ilha do Bananal e no Peru.

Experiência de implantação de um de um sistema de co-manejo: 
Na regão de Santarém-PA, através do pró-várzea:
  • Uma das experiências mais importantes para o desenvolvimento de um sistema de co-manejo está sendo realizado na região de Santarém. Essa experiência é um excelente laboratório para estudar a interação entre o IBAMA, outras agências governamentais federais, estaduais e municipais, como por exemplo o Ministério Público Federal, a Secretaria de Ciência, Tecnologia e Meio Ambiente do Estado do Pará (SECTAM), o Instituto Socioambiental do Município de Santarém (ISAM), associações comunitárias e organizações não-governamentais. 
O grupo objetiva desenvolver normas e estruturas para a gestão participativa dos recursos naturais na região. O sistema que se pretende implantar consiste dos seguintes elementos: Conselhos Regionais de Pesca, acordos de pesca e agentes ambientais voluntários. 
  • Os Conselhos são compostos de representantes de todas as comunidades localizadas em torno de um sistema de lagos. Os Conselhos se reúnem mensalmente e são responsáveis pela elaboração e implementação dos acordos de pesca. Os acordos de pesca são acordos intercomunitários que definem as regras para a pesca nos lagos na área de sua abrangência. 
Recentemente o IBAMA definiu critérios para a transformação dos acordos de pesca em portarias. Uma vez que o acordo seja transformado em portaria, o IBAMA treina os agentes ambientais voluntários para organizar a fiscalização dos lagos, com o apoio dos fiscais do IBAMA. 
  • Os agentes ambientais são credenciados pelo IBAMA e são os responsáveis pela fiscalização dos lagos.
O sistema está em funcionamento e é possível agora fazer uma avaliação inicial do desempenho do sistema. De modo geral, o IBAMA conseguiu seu principal objetivo, que é a incorporação das iniciativas locais de manejo comunitário na nova estrutura institucional de gestão participativa. 
  • Como a pesquisa citada anteriormente confirmou, o sistema está tendo um impacto positivo sobre a pesca e os recursos pesqueiros nos lagos manejados. No entanto, vários problemas têm sido identificados. Primeiro, os critérios para a legalização dos acordos permitem que as comunidades restrinjam os apetrechos que podem ser utilizados nos lagos, mas não têm o poder de proibir que pessoas de fora da comunidade pesquem nos lagos manejados. 
Essa limitação faz com que os grupos locais que investem no manejo de lagos não tenham acesso exclusivo aos benefícios gerados pelos seus esforços. Essa regra pode desestimular o interesse pelo manejo, já que o esforço é de um grupo, mas os benefícios advindos desse esforço podem ser usufruídos por quem não participou.
  • Segundo, os poderes dos agentes ambientais são limitados à constatação; logo, os agentes comunitários dependem do apoio dos fiscais do IBAMA para autuar os infratores, o que limita de forma significativa o poder de fiscalização dos agentes voluntários. 
Terceiro, os agentes ambientais têm encontrado bastante resistência da parte dos fiscais do IBAMA que, freqüentemente, não dão o apoio necessário para a fiscalização dos acordos de pesca e para a autuação dos infratores. 
  • Essa falta de apoio acaba enfraquecendo a credibilidade dos fiscais frente às comunidades e aos infratores em potencial. Finalmente, os Conselhos de Pesca não recebem recursos do IBAMA para custear seus gastos com reuniões mensais e com a fiscalização dos lagos. 
Na prática, com a implantação deste sistema, o IBAMA está repassando para as comunidades o ônus financeiro da fiscalização dos lagos. Os altos custos do sistema combinado com a falta de apoio e a impossibilidade de compensar os que participam do trabalho, criam uma situação que provavelmente não será sustentável a médio prazo. 
  • Estes aspectos do sistema terão que ser revistos para assegurar a sustentabilidade do novo sistema de gestão participativa.
Estudo comparativo dos Sistemas de Manejo comunitário florestal:
  • Nos últimos cinco anos foram iniciados pelo menos 14 projetos de manejo comunitário florestal na região amazônica. A grande maioria desses projetos nada mais é que uma adaptação do modelo empresarial de manejo florestal, ou seja, a madeira da área manejada abastece uma serraria que produz madeira serrada. 
Essa abordagem segue o mesmo modelo de projetos já empregado anteriormente e desenvolvido em outros países amazônicos, como por exemplo a Bolívia e o Peru. 
  • Nestes países, os projetos foram considerados um fracasso devido à dificuldade que as organizações comunitárias possuem para administrar empreendimentos de uma escala, complexidade e cultura organizacional tão diferentes da experiência já existente nos grupos sociais envolvidos. Infelizmente, esse mesmo modelo foi adotado na Amazônia brasileira sem uma avaliação crítica das experiências anteriores. 
Boa parte dos projetos é coordenada por engenheiros florestais, e os projetos possuem um alto grau de complexidade tecnológica e administrativa. Envolvem grandes investimentos financeiros e até agora não estão se mostrando rentáveis. 
  • Um grupo de trabalho foi formado e se reúne uma ou duas vezes por ano para trocar experiências e resolver os problemas identificados no desenvolvimento dos projetos de manejo comunitário florestal. 
No âmbito da pesquisa, acompanhamos esses encontros, entrevistamos os participantes sobre o andamento de seus projetos e fizemos uma visita de campo para conhecer o projeto Cautário na Reserva Extrativista de Rondônia. Na visita, foram constatadas as dificuldades acima citadas. 
  • O grupo tinha desistido de operar a serraria e estava terceirizando a extração da madeira. Mesmo assim, estava enfrentando dificuldades para alcançar as metas anuais de renda. A situação de outros projetos não é muito melhor e os financiadores estão decepcionados com os resultados de seus investimentos no manejo comunitário.
Para servir de contraponto, foi visitado o Projeto Oficinas Caboclas do Tapajós (OCT) do IPAM, que tem uma abordagem bem diferente. Nesse projeto, grupos de quatro comunidades foram formados para produzir móveis rústicos de madeira, utilizando ferramentas manuais simples e conhecidas pelos comunitários. 
  • Os grupos começaram trabalhando com madeira morta e comercializando a produção em feiras regionais. O projeto é coordenado por um sociólogo e especialista na capacitação de grupos comunitários. 
O componente de manejo florestal está sob a responsabilidade de um consultor, especialista em manejo comunitário florestal, que está estruturando o componente de manejo florestal em conjunto com os grupos comunitários. 
  • A escala do empreendimento foi definida para ser compatível com a capacidade e o conhecimento do grupo, e o desenvolvimento do projeto é ajustado à capacidade de desenvolvimento dos grupos. Assim, o grupo tem sempre o controle do processo de desenvolvimento do projeto. 
O consumo de madeira é de pequena escala, apenas 4 metros cúbicos por ano. Logo, o consumo é menor do que a quantidade de madeira disponível nas áreas demarcadas para o manejo florestal, garantindo uma abundância da matéria-prima para os projetos. 
  • Com a venda dos produtos em feiras locais, o grupo começou a receber um retorno financeiro pequeno logo nos primeiros meses de comercialização.
Atualmente, a OCT está comercializando a produção em todo o território nacional, e possui um grande número de encomendas. Embora o retorno financeiro ainda não seja grande, os participantes estão conseguindo aumentar em 50% a sua renda mensal trabalhando apenas 1 ou 2 semanas por mês na Oficina. 
  • Esse modelo, que prioriza a capacitação dos grupos comunitários, utiliza uma tecnologia simples e acessível, cujo desenvolvimento é ajustado à capacidade do grupo, nos parece muito mais apropriado para a situação em que se encontra a grande maioria das comunidades de pequenos produtores da Amazônia.
Contribuições para Políticas de Manejo Comunitário:
  • Baseado nas iniciativas estudadas, podemos apontar algumas contribuições para o desenvolvimento de políticas mais eficazes para o manejo comunitário dos recursos naturais na Amazônia, seja o manejo da pesca ou para o manejo florestal.
Manejo da pesca na várzea:
  • Um dos pontos mais problemáticos no processo de implantação de um sistema de co-gestão da pesca nos lagos de várzea é a restrição do acesso aos lagos comunitários. Seguindo o Código das Águas de 1930, o IBAMA se recusa a reconhecer o direito às comunidades de fechar seus lagos e não permitir a pesca a outros pescadores que vêm de outras comunidades. 
Esse critério de acesso livre dificulta e pode até inviabilizar o manejo comunitário dos lagos, porque viola um princípio básico do manejo de recursos comuns: somente os que trabalham para criar o sistema devem ter o uso exclusivo do benefício gerado pelo seu trabalho. Caso contrário não existe incentivo para investir na manutenção do sistema de manejo.
  • O problema central aqui é que a lei confunde o direito de livre navegação com o direito de livre acesso aos peixes que estão na água. O recurso pesqueiro é considerado pelo Poder Público como resnullis, ou seja, um recurso aberto e que pertence ao primeiro que se apropriar. 
Necessário reconhecer que o peixe é um recurso independente da água, da mesma forma que os animais na floresta são independentes da floresta. Logo, o tratamento jurídico e administrativo deveria ser distinto entre os dois recursos naturais: água e peixe.
  • Essa limitação na compreensão da distinção existente entre o recurso hídrico e o da fauna vai além de inviabilizar o manejo comunitário. A experiência em diversas regiões do mundo tem demonstrado que os sistemas de gestão que não limitam o número de pescadores, mas apenas estabelecem restrições gerais, não conseguem evitar o esgotamento dos recursos pesqueiros regionais.
Outro problema está relacionado à interpretação da legislação que regulamenta os acordos de pesca, pois não permite a cobrança de taxas pelos Conselhos de Acordo de Pesca. Assim, os Conselhos não têm como gerar recursos da própria pesca para financiar as suas atividades. 
  • Para superar essa limitação, os conselhos têm que organizar eventos, festas, campeonatos de futebol, rifas e bingos para arrecadar fundos. Com o desenvolvimento destas atividades, é possível sustentar precariamente os conselhos, mas sem uma ligação direta com a atividade pesqueira.
Um terceiro problema é o poder limitado dos agentes ambientais. Além de terem uma atuação limitada, inicialmente os agentes ambientais não tinham o poder de apreender os apetrechos de infratores, o que dificultava ainda mais seus trabalhos. 
  • Devido à pressão dos Conselhos de pesca, a regulamentação foi modificada e agora os agentes ambientais podem apreender os apetrechos e o pescado dos infratores. Entretanto, conforme já foi citado anteriormente, continuam sem respaldo legal para autuar os infratores, pois devem submeter os autos de constatação aos fiscais do IBAMA que decidem se lavram um auto contra essas pessoas. 
Essa situação enfraquece a posição dos agentes ambientais frente às suas comunidades e, freqüentemente, torna o processo excessivamente demorado e burocrático, deixando as comunidades com a sensação de terem perdido o controle sobre os recursos naturais que manejam.


Em resumo, três modificações importantes precisam ser feitas para viabilizar o novo modelo de gestão participativa:
  • Redefinição das normas jurídicas, com o intuito de possibilitarem aos grupos comunitários o desenvolvimento de projetos de manejo de lagos e a proibição da pesca em determinados lagos por pessoas que não fazem parte do grupo responsável pelo projeto de manejo;
  • Permitir a cobrança de uma taxa sobre a captura de peixes nos lagos manejados, a fim de gerar fundos para custear as atividades dos Conselhos e dos agentes ambientais;
  • Dar aos agentes ambientais, devidamente treinados e supervisionados, o poder de autuação na fiscalização dos lagos dentro da área de abrangência do acordo de pesca.
Manejo florestal comunitário:
  • O atual modelo de manejo florestal comunitário está baseado nos sistemas de manejo florestal industrial: envolvendo inventários florestais de 100% e o manejo intensivo da floresta para produzir madeira serrada. Esse modelo implica sofisticação tecnológica, escala e nível de organização social muito além da capacidade da grande maioria das organizações comunitárias. 
É necessário flexibilizar as políticas de manejo comunitário para reconhecer outras formas de uso do recurso florestal, envolvendo inventários baseados em amostras de 10 a 20% e uma exploração menos intensiva da floresta, a fim de possibilitar a utilização de tecnologias mais simples e numa escala menor. 
  • Nessa linha, as comunidades têm demonstrado a capacidade de produzir artefatos de maior valor por unidade de madeira utilizada.
Outra crítica geral que apresentamos é quanto à metodologia empregada para regular as atividades de manejo e uso do solo pelas comunidades. A legislação busca regular a atividade – a agricultura, a pecuária, o extrativismo e o manejo florestal –, e os casos analisados na pesquisa apontam que a regulação deve ocorrer a partir das condições básicas do processo de produção camponesa, ou seja, agricultura e manejo florestal como unidade produtiva e interdependente, assunto que aprofundaremos abaixo, ao discutir a gestão do imóvel rural.

Políticas públicas e manejo comunitário de recursos naturais na Amazônia

Gestão do Imóvel Rural:
A regulamentação do uso e exploração do solo e dos recursos naturais renováveis existentes dentro dos imóveis rurais precisa ser vista de uma forma holística, ou seja, é necessário analisar a regulação do uso agrícola e do manejo florestal, tendo como princípios orientadores a função social da propriedade da terra, o aproveitamento racional e adequado do imóvel rural, a utilização apropriada dos recursos naturais disponíveis e a preservação do meio ambiente (Artigo 186 da Constituição Federal).
A compreensão da administração pública de que precisa de duas instruções normativas (a Instrução Normativa – IN – nº 3, de 4/3/2002, que trata dos procedimentos de conversão de uso do solo através de autorização de desmatamento nos imóveis e propriedades rurais na Amazônia Legal, que é uma reedição da anterior. 
  • A Instrução Normativa nº 4, de 4/3/2002, que trata da exploração das florestas primitivas da bacia amazônica sob a forma de manejo florestal sustentável de uso múltiplo, que substitui a IN nº 15, de 31/8/2001), cada uma regulando uma atividade, demonstra claramente a metodologia empregada para regulamentar distintamente o uso da terra e o manejo florestal no imóvel rural, independentemente da inter-relação que possa haver entre essas duas atividades agrárias. 
Ao nosso ver, essa divisão demonstra a fragilidade da política governamental, que não consegue entender as condições básicas do processo de produção camponesa, que envolve a relação mútua existente entre agricultura e extrativismo, tanto sob o aspecto econômico como na organização familiar para a exploração dos recursos naturais.
  • Portanto, mais importante do que exigir autorizações distintas para o manejo florestal e para o desmatamento na propriedade familiar e comum, é necessário orientar para uma ação de gestão que envolva o uso dos recursos florestais e agrícolas, ou seja, que estimule o manejo integrado dos recursos naturais (solo, cobertura vegetal e água). 
Por isso, na Amazônia, as propriedades familiares e comuns seriam mais bem classificadas se fossem compreendidas como módulos de produção agroextrativistas, cada uma possuindo suas especificidades sociais, culturais e econômicas (Benatti, 2001a).

Manejo Sustentável dos Recursos Naturais Renováveis:
  • É um planejamento que busca o aproveitamento econômico simultâneo à preservação dos recursos florestais e aquáticos, visando à perpetuação da sua cobertura vegetal, à conservação da biodiversidade e ao desenvolvimento social. Para realizar o manejo dos recursos naturais é preciso ter autorização do órgão competente, ou seja, do IBAMA.
O processo de manejo sustentável deve levar em conta algumas premissas básicas:
  1. A diversidade de ambientes na várzea em terra firme (solo, cobertura florestal e recursos hídricos).
  2. O respeito à estratégia de apossamento e uso diversificado dos recursos naturais da economia familiar e comunitária, o que envolve: agricultura, pesca, extrativismo florestal, criação de pequeno animais domésticos, pecuária e caça de subsistência.
  3. As regras internas de uso dos recursos naturais, as quais não podem contrariar a legislação ambiental em vigor; parte da legislação ambiental que regula o manejo florestal precisa ser revista para conciliar os princípios básicos da organização coletiva e de manejo de recursos locais.
  4. As regras do plano de manejo devem ser flexíveis e revistas periodicamente para se adequarem à realidade socioambiental.
  5. A complexidade do empreendimento deve ser compatível com a capacidade organizacional do grupo comunitário responsável pelo projeto, e seu desenvolvimento deve acompanhar o desenvolvimento da capacidade do grupo.
  6. Em sistemas de co-gestão é essencial que o governo conceda às comunidades o poder de definir as regras do sistema, mecanismos para arrecadar fundos para custear as despesas com o sistema de manejo e o direito de excluir pessoas que não são membros do grupo responsável pelo sistema de manejo e, portanto não contribuem para a manutenção do sistema.
  7. Devem ser revistas as normas administrativas de manejo, com o intuito de estimular o manejo integral e a não regulamentação das atividades estanques, ou seja, unificar em um único processo as normas administrativas que regulam o manejo florestal e o desmatamento no imóvel rural na Amazônia brasileira.
  8. O objetivo principal da proteção ambiental, ou seja, do manejo comunitário, deve ser a manutenção dos serviços ecológicos dos recursos naturais.
Regularização  Fundiária da várzea e da terra firme:
  • A regularização fundiária destina-se a concretizar o domínio e a posse do Estado (quando tratar de Unidade de Conservação ou terreno de marinha) e privado sobre as terras inseridas nos limites da área a ser regulamentada. 
Através da regularização fundiária são resolvidas dúvidas com relação à efetiva propriedade da terra e o uso dos recursos naturais. No caso particular das populações tradicionais está regularizando um apossamento preexistente. Atualmente temos três processos distintos de regularização fundiária para o apossamento das populações tradicionais, o qual denominamos de posse agroecológica (Benatti, 2003):
  • A criação de Unidade de Conservação de Uso Sustentável (Reserva Extrativista, Reserva de Desenvolvimento Sustentável e Florestas Nacionais). Por se tratar de propriedade pública, a regularização ocorrerá com o contrato de concessão de direito real de uso comunitário.
  • O reconhecimento do apossamento das comunidades de remanescentes de quilombo. Trata-se de um reconhecimento de direito assegurado constitucionalmente e é uma propriedade privada. Nesse caso, as comunidades de quilombolas receberão o título definitivo da terra.
  • Apossamento de áreas de várzea. Esse processo ainda está em construção pelo Pro-Várzea a fim de elaborar formas mais práticas e seguras para as populações tradicionais.
Independentemente do processo a ser seguido, a regularização fundiária deve levar em conta duas premissas básicas:
  • A diversidade de ambientes na várzea e terra firme (solo, cobertura florestal e recursos hídricos).
  • Os diferentes padrões de agricultura e manejo da floresta, ou seja, a forma de apossamento e uso dos recursos.
Sugestões gerais da Pesquisa:
  • O processo de implementação dos sistemas de co-gestão está ainda em curso. No período da pesquisa (fevereiro de 2000 a junho de 2003), identificamos alguns pontos críticos dos atuais modelos. 
Agora, é necessário dar continuidade à pesquisa acompanhando e analisando o processo e estudando novos modelos que estão surgindo. Como recomendação à continuação da pesquisa, pelo menos quatro áreas podem ser aprofundadas:
a) Novos modelos de co-gestão dos recursos aquáticos. O estado do Amazonas está desenvolvendo um novo modelo de manejo dos lagos, possibilitando às comunidades o controle desses lagos. Esse modelo pode ajudar a superar um dos principais limitantes identificados em nossa pesquisa, que é a não aceitação pelo poder público, à regra que dispõe: somente os que trabalham para criar o sistema devem ter o uso exclusivo do benefício gerado pelo seu trabalho. Entretanto, existem grandes questões a serem aprofundadas sobre a legitimidade jurídica do mecanismo utilizado pela Superintendência do IBAMA para justificar essa nova regra.
b) Um segundo modelo foi identificado por pesquisadores do IPAM que envolve parcerias entre as comunidades de pequenos produtores e as empresas madeireiras. Em geral a relação entre madeireiras e comunidades tem sido altamente conflituosa e danosa ao meio ambiente e aos trabalhadores rurais. Mas esse quadro é possível de ser alterado, pois é o que está ocorrendo na região da Transamazônica, no Estado do Pará, onde uma empresa está desenvolvendo um novo modelo de relação entre madeireiros e comunidades rurais. Essa experiência pode oferecer uma nova possibilidade de dividir de forma mais eqüitativa os benefícios do recurso e, ao mesmo tempo, possibilitar o manejo sustentável da floresta remanescente. É necessário aprofundar a pesquisa sobre esse modelo, as condições e mecanismos para sua difusão em outras regiões da Amazônia.
c) Gestão das Reservas extrativistas. As Reservas extrativistas até agora não conseguiram deslanchar como uma proposta economicamente viável. Boa parte dessas unidades de conservação está na fase de desenvolvimento e implementação dos planos de manejo, buscando alcançar um aproveitamento mais sistemático de seus recursos naturais e estruturar um controle mais efetivo do uso dos recursos naturais pela população residente. É necessário realizar estudos sobre as experiências de gestão das reservas, em termos de sua estrutura organizacional, participação da população residente, geração de renda e emprego, sustentabilidade econômica, social e ambiental. O estudo ganha relevância porque a tendência do governo federal é de criar mais reservas extrativistas nos próximos anos. Logo, é urgente a necessidade da superação das incertezas existentes sobre como deve funcionar a gestão da unidade de conservação e qual é a metodologia mais adequada para a elaboração dos planos de manejo.
d) Pesquisa participativa para o manejo dos recursos naturais. Existe muita discussão sobre a importância da pesquisa participativa, mas poucos exemplos demonstrando como as pesquisas participativas estão funcionando e o que leva ao desenvolvimento de sistemas de manejo coletivo eficientes. Uma das nossas idéias é estudar alguns casos para identificar elementos e modelos para a pesquisa participativa, tendo como exemplos de análise situações nas quais as comunidades e as entidades de pesquisa estejam desenvolvendo sistemas de manejo.
Bibliografia:

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Políticas públicas e manejo comunitário de recursos naturais na Amazônia