terça-feira, 28 de junho de 2016

Educar para a sustentabilidade

Educar para a sustentabilidade

Moacir Gadotti 
Doutorado em educação. 
University of Génève (UNIGE), Suíça. 
E-mail: gadotti@paulofreire. org
  • Os dados divulgados, entre 2006 e 2008, pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas das Nações Unidas, conhecido pela sua sigla em inglês IPCC, provocaram debates em todo o mundo. Não há hoje tema tão preocupante como o do aquecimento global e consequentes mudanças climáticas. Mas ele não é novo. 
Alertas foram dados pelos ecologistas desde os anos 60 do século passado. Na Rio-92, 173 chefes de Estado e de governo aprovaram um documento, a Agenda 21, para colocar o mundo na rota do "desenvolvimento sustentável", um compromisso com as futuras gerações. 
  • O Fórum Global, na mesma ocasião, aprovou dois importantes e complementares documentos para uma "sociedade sustentável": a Carta da Terra e o Tratado da Educação Ambiental para as Sociedades Sustentáveis e a Responsabilidade Global. 
Em 2002, as Nações Unidas lançaram a Década da Educação para o Desenvolvimento Sustentável (2005-2014). O mundo está se mobilizando, de diferentes maneiras, para evitar o pior. Contudo, as preocupações persistem e os grandes desafios ainda não foram superados:
  • O que a educação pode fazer nesse contexto? 
  • Esta é a questão que enfrentei no livro lançado recentemente pela Editora e Livraria Instituto Paulo Freire: Educar para a sustentabilidade. 
Sustentabilidade e Bem viver: 

Para mim, a sustentabilidade é o sonho de bem viver. Sustentabilidade é equilíbrio dinâmico com o outro e com o meio ambiente, é harmonia entre os diferentes. 
  • Por que prefiro falar em educação para a vida sustentável ou simplesmente educação para a sustentabilidade? 
  • Porque educar para o desenvolvimento sustentável me parece um conceito limitado e limitador da educação. 
Não tem a abrangência necessária para se constituir numa concepção organizadora da educação. Quando falamos em vida sustentável, a entendemos como um modo de vida de bem-estar e de bem viver para todos, em harmonia (equilíbrio dinâmico) com o meio ambiente: um modo de vida justo, produtivo e sustentável. 
  • Hoje, tomamos consciência de que o sentido das nossas vidas não está separado do sentido que construímos do próprio planeta. Diante da degradação das nossas vidas no planeta, chegamos a uma verdadeira encruzilhada entre um caminho tecnozóico, que coloca toda a fé na capacidade da tecnologia de nos tirar da crise ambiental sem mudar nosso estilo poluidor e consumista de vida, e um caminho ecozoico, fundado numa nova relação saudável com o planeta, reconhecendo que somos parte do mundo natural, vivendo em harmonia com o universo, caracterizado pelas atuais preocupações ecológicas. 
Mesmo com essas ambiguidades, o conceito de desenvolvimento sustentável, visto de forma crítica, tem um componente educativo formidável: a preservação do meio ambiente depende de uma consciência ecológica e a formação da consciência depende da educação. 
  • É aqui que entra em cena a Pedagogia da Terra, a ecopedagogia. Ela é uma pedagogia para a promoção da aprendizagem do sentido das coisas a partir da vida cotidiana, uma pedagogia biófila que promove a vida e respeita todas as formas de vida. Encontramos o sentido ao caminhar, vivenciando o contexto e o processo de abrir novos caminhos. É, por isso, uma pedagogia democrática e solidária.

Educar para a sustentabilidade

Educar para uma vida Sustentável:
  • A sustentabilidade é maior do que o desenvolvimento sustentável. Enquanto o modelo de desenvolvimento dominante hoje no planeta aponta para a insustentabilidade planetária, o conceito de desenvolvimento sustentável aponta para a sustentabilidade planetária. 
Aqui se encontra a força mobilizadora desse conceito. O desafio é mudar de rota e caminhar em direção à sustentabilidade por uma outra globalização, por uma alterglobalização. Podemos desdobrar a sustentabilidade em dois eixos, o primeiro relativo à natureza e o segundo relativo à sociedade:
  1. Sustentabilidade ecológica, ambiental e demográfica (recursos naturais e ecossistemas), que se refere à base física do processo de desenvolvimento e com a capacidade da natureza suportar a ação humana, com vistas à sua reprodução e aos limites das taxas de crescimento populacional; 
  2. Sustentabilidade cultural, social e política, que se refere à manutenção da diversidade e das identidades, diretamente relacionada com a qualidade de vida das pessoas, da justiça distributiva e ao processo de construção da cidadania e da participação das pessoas no processo de desenvolvimento.
Educar para a sustentabilidade é, essencialmente, educar para uma vida sustentável, que significa, entre outras coisas, educar para a simplicidade voluntária e para a quietude. Nossas vidas precisam ser guiadas por novos valores: simplicidade, austeridade, paz, serenidade, saber escutar, saber viver juntos, compartir, descobrir e fazer juntos. 
  • Precisamos escolher entre um mundo mais responsável diante da cultura dominante, que é a cultura de guerra, e passar de uma responsabilidade diluída a uma ação concreta, compartilhada, praticando a sustentabilidade na vida diária, na família, no trabalho, na escola, na rua. 
A simplicidade tem de ser voluntária como a mudança de nossos hábitos de consumo, reduzindo nossas demandas. A quietude é uma virtude, conquistada com a paz interior, e não pelo silêncio imposto. A quietude tem a ver com ouvir, escutar, conhecer, aprender com o outro. Diferente do chegar falando, com o discurso pronto, ditando normas, impondo o discurso único. 
  • Quietude tem a ver com criar condições para muitas narrativas hoje silenciadas ganharem vida. O conceito de sustentabilidade na educação pode ter um impacto positivo não só no que se refere aos indivíduos, mas também nas necessárias mudanças do sistema educacional. 
Assim, podemos falar de um impacto no nível legal, reformas educacionais, curriculum, conteúdos, e no nível pessoal do compromisso, do engajando numa vida mais sustentável. Educar para a sustentabilidade implica mudar o sistema, implica o respeito à vida, o cuidado diário com o planeta e cuidado com toda a comunidade da vida, da qual a vida humana é um capítulo. 
  • Isso significa compartilhar valores fundamentais, princípios éticos e conhecimentos como respeito à terra e a toda a diversidade da vida; cuidar da comunidade da vida com compreensão, compaixão e amor; construção de sociedades democráticas que sejam justas, participativas, sustentáveis e pacíficas. A sustentabilidade é um conceito central de um sistema educacional voltado para o futuro.
Uma oportunidade para os sistemas Educacionais: 
  • O sistema formal de educação, em geral, é baseado em princípios predatórios, em uma racionalidade instrumental, reproduzindo valores insustentáveis. Para introduzir uma cultura da sustentabilidade nos sistemas educacionais, nós precisamos reeducar o sistema: ele faz parte tanto do problema, como também faz parte da solução. 
Estou convencido de que a sustentabilidade é um conceito poderoso, uma oportunidade para que a educação renove seus velhos sistemas, fundados em princípios e valores competitivos. Introduzir uma cultura da sustentabilidade e da paz nas comunidades escolares é essencial para que elas sejam mais cooperativas e menos competitivas. 
  • Mas, para isso, será necessário adaptar esse conceito às diferentes realidades. Há diferentes formas de aplicação deste conceito, dependendo do contexto: nós temos diferentes compreensões, por exemplo, na Europa, na África, no Iraque, no Afeganistão. Os riscos, a vulnerabilidade, são globais, mas as soluções são locais e regionais. 
Sabemos que nós podemos reduzir, mas não podemos eliminar os riscos. Aprender a viver com o risco é uma exigência do conceito de sustentabilidade. Precisamos reforçar a idéia de que não existe um modelo universal de sustentabilidade. Conseqüentemente, podemos ter diferentes abordagens, diferentes pedagogias e métodos para traduzir esta visão no nível local. 
  • Hoje sabemos que podemos destruir toda a vida no planeta, como vêm mostrando os relatórios do IPCC. Por isso, além de nossa ação local, uma ação conjunta global é necessária, um movimento como grande obra civilizatória de todos e de todas é indispensável para realizarmos essa outra globalização, essa planetarização, fundamentada em outros princípios éticos que não os que nos conduziram à exploração econômica, à dominação política e à exclusão social. 
O modo pelo qual vamos produzir nossa existência neste pequeno planeta decidirá sobre a sua vida ou a sua morte, e a de todos os seus filhos e filhas. A Terra deixou de ser um fenômeno puramente geográfico para se tornar um fenômeno histórico.

Considerações Finais: 
  • Os paradigmas clássicos, fundados numa visão industrialista predatória, antropocêntrica e desenvolvimentista, estão se esgotando, não dando conta de explicar o momento presente e de responder às necessidades futuras. Necessitamos de outros paradigmas, fundados numa visão sustentável do planeta Terra. O globalismo é essencialmente insustentável. 
Ele atende primeiro às necessidades do capital e depois às necessidades humanas. E muitas das necessidades humanas a que ele atende tornaram-se “humanas” apenas porque foram produzidas como tais para servirem ao capital. Educar para a sustentabilidade é educar para viver no cosmos – educação planetária, cósmica e cosmológica – ampliando nossa compreensão da Terra e do universo. É educar para ter uma perspectiva cósmica. 
  • Só assim poderemos entender mais amplamente os problemas da desertificação, do desflorestamento, do aquecimento da Terra e dos problemas que atingem humanos e não-humanos. Os paradigmas clássicos não têm suficiente abrangência para explicar essa realidade cósmica. 
Por não terem essa visão holística, não conseguiram dar nenhuma resposta para tirar o planeta da rota do extermínio e do rumo da cruel diferença entre ricos e pobres. Educar para a sustentabilidade supõe um novo paradigma, um paradigma holístico.

Referencias: 

BOFF, Leonardo. Ecologia, mundialização, espiritualidade: a emergência de um novo paradigma. Petrópolis: Vozes, 1996. 
GADOTTI, Moacir. Pedagogia da Terra. São Paulo: Peirópolis, 2001. 
_________. Educar para a sustentabilidade. São Paulo: Instituto Paulo Freire, 2008. 
SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. São Paulo: Record, 2000. 
UNESCO. Educação para um futuro sustentável: uma visão transdisciplinar para uma ação compartilhada. Brasília, 1999. 
_________. Década das Nações Unidas da educação para o desenvolvimento sustentável (2005-2014). Brasília, 2005.

Educar para a sustentabilidade