sexta-feira, 10 de junho de 2016

Mudanças climáticas e o Brasil :Contextualização

Mudanças climáticas e o Brasil – Contextualização

Carlos A. Nobre
Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe)
  • Em comparação a outros países em desenvolvimento, o Brasil e a América Latina não estão, de modo geral, no grupo dos países ou regiões mais vulneráveis do mundo às mudanças climáticas. 
Nessa categoria estão quase todos os países da África e do sul da Ásia, além das pequenas ilhas oceânicas e as principais vulnerabilidades desses países neste século decorrerão (já decorrem numa certa medida) do acesso à água e a susceptibilidade a inundações. 
  • Entretanto, isto não torna o Brasil um país “a prova das mudanças climáticas”. Assim, uma pergunta fundamental é saber até que ponto o Brasil é vulnerável às mudanças climáticas. A economia brasileira tem forte dependência de recursos naturais renováveis e mais de 50% do PIB estão associados a esses, principalmente por intermédio da agricultura, hidroeletricidade, biocombustíveis, bio-energia, energia eólica, energia solar, entre outros. 
Portanto, a economia brasileira é potencialmente vulnerável a mudanças climáticas que possam eventualmente diminuir a utilização de recursos naturais renováveis, tanto aqueles presentemente utilizados como principalmente o uso futuro destes e de novas fontes destes recursos. 
  • Em segundo lugar, deve-se destacar que as mudanças climáticas, assim como a variabilidade climática atual com seus extremos, acentuam a vulnerabilidade social dos mais pobres, pelo simples fato de que estes têm dificuldades estruturais de fazer frente a elas e aumentar sua capacidade adaptativa. 
O estágio de desenvolvimento do país ainda apresenta grande desigualdade social e regional e mais de 50% da população pode ser considerada pobre, tornando-se particularmente vulnerável às mudanças climáticas que se projetam, especialmente as populações rurais do semi-árido do Nordeste e os habitantes pobres das periferias das cidades brasileiras e das áreas costeiras com baixas elevações. 
  • E, finalmente, no aspecto ambiental e ecológico, considerando a nossa característica de país tropical mega-diverso e a relativamente pequena elasticidade de adaptação das espécies da fauna e da flora a mudanças ambientais abruptas, pode-se inferir que nosso patrimônio biológico possa ser muito vulnerável as mudanças climáticas. 
Em resumo, o país pode apresentar vulnerabilidade socioeconômica e ambiental significativa às mudanças climáticas. Torna-se um imperativo estratégico, portanto, o conhecimento científico dos possíveis impactos das mudanças climáticas projetadas para ocorrer neste século em todos os setores, sistemas e regiões do país, especialmente sobre a agricultura, recursos hídricos, energias renováveis, saúde humana, ecossistemas e biodiversidade, zonas costeiras, cidades e indústria. 
  • A partir desse conhecimento, podem-se identificar nossas principais vulnerabilidades às mudanças climáticas, elaborar e implementar políticas públicas para redução dessas e aumento da capacidade adaptativa da população, da economia e, na medida do possível, dos ecossistemas. 
A partir da repercussão mundial do Quarto Relatório de Avaliação do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), publicado em partes durante 2007, também o Brasil parece ter despertado para a questão ambiental sem precedentes da história da humanidade. Uma série de iniciativas nacionais está em curso. 
  • No terreno científico, destaca-se a criação pelo Ministério da Ciência e Tecnologia da “Rede Brasileira de Pesquisas sobre Mudanças Climáticas” (Rede Clima), voltada a gerar informações científicas que ajudem o país a responder aos desafios das mudanças ambientais globais. Programas de pesquisa para tratar do tema florescem em vários Estados brasileiros. 
No âmbito das políticas públicas, encontra-se em processo de elaboração e aprovação a Política e o Plano Nacional de Mudanças Climáticas, idealmente constituindo-se em marcos legais para guiar as ações brasileiras para mitigar as mudanças climáticas e para aumentar a capacidade adaptativa. 
  • Os artigos que seguem este capítulo inicial apresentam o panorama atual do conhecimento sobre as mudanças climáticas globais para setores chave ao desenvolvimento sustentável e que podem ser substancialmente afetados e trazem à discussão, em especial, as vulnerabilidades de cada setor e ações de adaptação necessárias. 
Definições: 
  • Para o fim dos estudos sobre mudanças climáticas que seguem este capítulo introdutório, adotam-se as seguintes definições para mudança climática, impactos, vulnerabilidade, adaptação, capacidade de adaptação, e mitigação, baseadas nas definições do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC). Mudança climática: refere-se a qualquer mudança do clima que ocorra ao longo do tempo em decorrência da variabilidade natural ou da atividade humana. 
Esse uso difere da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, em que “mudança do clima” se refere a uma mudança do clima que possa ser atribuída direta ou indiretamente à atividade humana e que altere a composição da atmosfera global, sendo adicional à variabilidade climática natural observada ao longo de períodos comparáveis de tempo. Impactos: referem-se aos efeitos das mudanças climáticas nos sistemas naturais e humanos. 
  • Dependendo do nível de adaptação, podem-se distinguir dois tipos de impactos: Impacto potencial: todos os impactos que podem ocorrer devido às mudanças projetadas, sem considerar a adaptação. Impacto residual: os impactos das mudanças climáticas que podem ocorrer após a adaptação. Vulnerabilidade: é o grau de susceptibilidade ou incapacidade de um sistema para lidar com os efeitos adversos da mudança do clima, inclusive a variabilidade climática e os eventos extremos de tempo e clima. 
A vulnerabilidade é uma função do caráter, magnitude e ritmo da mudança climática e da variação a que um sistema está exposto, sua sensibilidade e sua capacidade de adaptação. Adaptação: refere-se ao ajustamento de sistemas naturais ou humanos, em resposta às mudanças climáticas reais ou esperadas, ou seus efeitos, o qual regula ou explora oportunidades benéficas. 
  • Alguns tipos de adaptação podem ser distinguidos: Adaptação antecipatória: é a adaptação que ocorre antes que os impactos das mudanças climáticas sejam observados. Também referida como adaptação pró-ativa. Adaptação autônoma: trata-se da adaptação que não se constitui numa resposta consciente aos estímulos climáticos, mas é desencadeada por mudanças ecológicas nos sistemas naturais e por mudanças no mercado e no bem-estar nos sistemas humanos. 
Também referida como adaptação espontânea. Adaptação planejada: refere-se à adaptação que é resultado de decisões e políticas deliberadas, baseadas na consciência de que ocorreram mudanças ou que essas mudanças podem vir a ocorrer e a ação é necessária para que o estado desejado das coisas retorne ou se mantenha. 
  • Capacidade de adaptação: é a capacidade de um sistema de se ajustar à mudança climática (inclusive à variabilidade climática e aos eventos extremos de tempo e clima), moderando possíveis danos, tirando vantagem das oportunidades ou lidando com as conseqüências. 
Mitigação: refere-se a uma intervenção antropogênica para reduzir a própria forçante antropogênica no sistema climático. Incluem-se estratégias para redução das fontes de emissões de gases do efeito estufa e também para o aumento dos sumidouros desses mesmos gases.

Emissões do Brasil:
E Potencial de Mitigação:
  • No quadro das emissões brasileiras de gases de efeito estufa (principalmente CO2 , CH4 e N2 O), 55% dessas são provenientes das alterações da vegetação, principalmente os desmatamentos na Amazônia e no Cerrado e 25%, da agricultura, principalmente metano emitido por ruminantes. 
Essa configuração diferencia enormemente o Brasil dos outros países desenvolvidos e mesmo de economias emergentes como China e Índia: enquanto nesses a queima de combustíveis fósseis é responsável por entre 60% e 80% das emissões, no Brasil, ao contrário, 80% das emissões são resultantes direta ou indiretamente da agricultura (desmatamento para abrir novas áreas para a agricultura ou diretamente da agricultura) e apenas 17% são provenientes da queima de petróleo, carvão e gás natural. 
  • Sem considerar as emissões provenientes das mudanças dos usos da terra, a emissão de CO2 per capita do brasileiro estaria em torno de 0,5 tonelada de carbono por ano, bastante baixa em nível mundial, comparável àquelas da Índia, e bem abaixo daquelas dos países industrializados, tipicamente entre 2,7 e mais de 5 (EUA) toneladas de carbono por habitante por ano. Isto se deve à nossa matriz energética relativamente “limpa”. 
Porém, ao considerar que aproximadamente 75% das emissões brasileiras de gás carbônico – o principal gás de efeito estufa – provém dos desmatamentos, as emissões per capita ultrapassam 1,5 toneladas por ano, a mais alta emissão per capita de um país em desenvolvimento e acima da emissão per capita da China de aproximadamente 1,1 tonelada de carbono por ano, e que vem crescendo rapidamente nos últimos anos.
  • Para mitigar as emissões no Brasil é necessário e urgente reduzir os desmatamentos. Afinal, a maior parte das emissões brasileiras de gases de efeito estufa resulta do desmatamento e da queima das florestas para dar lugar principalmente à pecuária. 
As atividades econômicas associadas à mudança dos usos da terra na Amazônia e nos Cerrados responsáveis pelas emissões – pecuária, soja, madeira, etc. – e praticadas na totalidade das áreas já alteradas nos biomas floresta tropical Amazônica e Cerrado, respondem por aproximadamente 1% do PIB brasileiro. 
  • Se computarmos as atividades econômicas diretamente vinculadas à expansão da fronteira agrícola num determinado ano, esta relação se reduz para uma insignificante fração do PIB, tornando a relação emissões por desmatamentos e queimadas/ PIB gerado nas áreas desmatadas muito desfavorável. 
Sob essa ótica, grande parte das emissões brasileiras está dissociada de real crescimento econômico, ao contrário de China e Índia, por exemplo, e similar ao padrão de emissões de outras nações tropicais como Indonésia. 
  • As metas de redução global de emissões requerem a contribuição do Brasil ao esforço mundial de mitigação do aquecimento global, o que nos coloca de frente com a obrigatoriedade de reduzir as emissões dos desmatamentos. 
Para reduzir consideravelmente os desmatamentos da floresta Amazônica a valores próximos de zero, deve-se levar em conta, primeiro, que existe um grande estoque de áreas já desmatadas, degradadas ou abandonadas no Brasil. Estima-se em mais de 150 mil km2 de áreas degradadas ou abandonadas somente na Amazônia. 
  • Essas áreas devem servir prioritariamente ao crescimento da cadeia de produção agropecuária, da agricultura familiar ao agronegócio, porém utilizando modernas técnicas agronômicas. Outra vertente de grande potencial vem dos serviços ambientais dos ecossistemas amazônicos, especialmente da grande capacidade biológica de armazenamento de carbono na biomassa. 
O clima tropical também favorece o rápido crescimento das plantas, o que recomenda reflorestamentos em grande escala nas áreas desmatadas para retirar gás carbônico da atmosfera através da fotossíntese e contribuir para a mitigação das emissões. 
  • Projetos de reflorestamento constituindo-se em Mecanismos de Desenvolvimento Limpo (MDL) do Protocolo de Quioto, ainda que o país apresente o maior potencial mundial presente e futuro deste tipo de projeto de aumento dos sumidouros de gás carbônico, têm sido pouco utilizados.
Até o presente, a motivação ambiental não tem sido suficiente para mudança de comportamento com respeito à Amazônia. Porém, o valor dos serviços ambientais da floresta tropical em pé começa a receber grande atenção, pelo potencial valor econômico a eles associados através de novo mecanismo em análise no âmbito da Convenção Climática, mecanismo este conhecido como REDD (Reduction of Emissions from Deforestation and Degradation). 
  • Baseado nos levantamentos Inpe, a área total desmatada em 2004 foi de aproximadamente 27 mil km² na Amazônia brasileira. Entre 2005 e 2007 foi registrada uma redução do desmatamento da ordem de 60%. 
Com isso, 17 mil km² de floresta deixaram de ser derrubados, em relação à média histórica de 20.000 km2 anuais de desmatamentos, o que equivale à emissão evitada de cerca de 220 milhões de toneladas de carbono para a atmosfera. 
  • Se o mercado mundial de carbono já valorasse a redução das emissões por desmatamento evitado, isso equivaleria a cerca de US$ 2,2 bilhões de divisas, caso a base de remuneração fosse US$ 10,00/tonelada de carbono. Esse potencial deve definir o controle do desmatamento como a primeira estratégia do Brasil para mitigar emissões e o recém-criado Fundo Amazônia, o qual já recebeu aporte substancial da Noruega – US$ 140 milhões iniciais, chegando até US$ 1 bilhão até 2015 se o Brasil demonstrar reduções de desmatamentos continuados – já é uma demonstração do alcance desse caminho. 
Outro importante fator de mitigação são os biocombustíveis e a bioenergia, porém deve-se evitar que a expansão da produção brasileira de biocombustíveis signifique um vetor a mais de desmatamento da floresta tropical. 
  • Para substituir cerca de 10% do consumo mundial de gasolina, mais de 25 milhões de hectares devem ser convertidos para cana de açúcar. Ainda que haja suficiente área de pastagens pouco produtivas para sustentar este potencial crescimento fora da Amazônia, se tal potencial for de fato realizado, pode pressionar a pecuária ainda mais para áreas de floresta, principalmente através do deslocamento de atividades pecuárias do Cerrado para a Amazônia. 
Ainda que seja imperativo mitigar as emissões como a única solução aceitável moralmente no longo prazo, a inevitabilidade de que algum grau de mudança climática acontecerá de qualquer maneira faz com que igual ênfase deve ser dada tanto à redução acelerada das emissões globais nas próximas décadas como à necessidade de adaptação às mudanças climáticas que já se tornaram inevitáveis. Poderá o Brasil atuar, com liderança, nestas duas frentes?

É possível escolher entre mitigação e adaptação?
  • Na melhor das hipóteses, mesmo que as emissões globais forem reduzidas em 80% até 2050, em relação a 1990; mesmo que o pico de emissões aconteça até, no máximo, 2015 e a partir daí comece a diminuir após; ainda assim, um grau de aquecimento global e de mudanças climáticas já se tornou inevitável e a temperatura subiria quase 2 ºC até o final do século, conforme previsto pelo IPCC. 
A atitude lógica que nos cabe é a adaptação, associada às ações para mitigação, pelo menos para fazer frente ao que já se tornou inevitável. Mitigar as mudanças climáticas é fundamental e cabe às atuais gerações a responsabilidade de transformar atitudes e comportamentos. 
  • Se isso não for alcançado num prazo de 30 a 40 anos, corremos o risco de assistir o cenário mais pessimista se concretizar, onde o aumento da temperatura pode passar de 4 graus até o final deste século. 
Adaptar é a alternativa para o risco que não se pode mais eliminar. Se o conhecimento que temos hoje sobre o funcionamento do sistema climático global estivesse disponível para as gerações anteriores, de nossos pais ou avós, e uma reação tivesse ocorrido, talvez houvesse tempo de evitar a maior parte das mudanças climáticas. O ponto de reação para evitar o rápido crescimento das emissões teria sido o período do pós-guerra. 
  • Mas, ao contrário, um espírito de otimismo tomou conta do planeta após o final da Segunda Grande Guerra, a apropriação de energia cresceu exponencialmente para atender ao crescimento populacional sem precedentes e a reconstrução da Europa, do Japão e de várias outras regiões. 
Não se imaginava o que poderia acontecer como efeito colateral. A diferença entre aquela geração e a atual está na posse do conhecimento. E por isso a responsabilidade maior de quem está construindo agora o planeta que será deixado para nossos descendentes. 
  • Se a trajetória não for alterada, a experiência humana relegará às gerações futuras um planeta num grau incomparavelmente maior de crise ambiental em relação às condições ambientais que recebemos de nossos pais.
O Brasil é responsável atualmente por 3% a 4% das emissões globais. A classe média brasileira tem um padrão de emissões que não difere muito da média de emissões dos habitantes dos países europeus. 
  • Como lá, o padrão de consumo daqui se exemplifica por conduzir um veículo de duas toneladas para transportar apenas uma pessoa – 96% da energia utilizada são para mover a estrutura e não o passageiro. Esse caminho é completamente insustentável se todos os habitantes do planeta buscarem esse padrão de consumo de energia e põe o futuro em risco. 
Ainda assim, é a mesma classe média que tem maior capacidade de adaptação, de resistência e transformação. Ela pode buscar e incorporar as soluções à vida num mundo mais quente e com mudanças climáticas. O problema do Brasil está nos dois terços da população que não têm essa capacidade, aumentando a vulnerabilidade do país com relação à adaptação necessária. Mas adaptar a quê? 
  • Em primeiro lugar, necessitamos de cenários climáticos confiáveis. Em nível global, os cenários climáticos futuros ainda apresentam considerável incerteza, principalmente nas projeções do ciclo hidrológico, nas particularidades do clima regional e na determinação de como os extremos climáticos poderão mudar. 
Isto dificulta se estudar os impactos e, portanto, identificar vulnerabilidades. Para fornecer tais respostas, a ciência brasileira começa a dar os primeiros passos, ainda que com dificuldades. Um dos primeiros obstáculos a vencer é expandir enormemente a base de conhecimentos de como o clima está mudando no país: praticamente não há qualquer sítio observacional com estudos de longa duração de como sistemas físicos e biológicos estão respondendo às mudanças climáticas que já estão ocorrendo. 
  • Igualmente, são pouquíssimos os pontos com tais estudos no mundo em desenvolvimento. Além dos registros de que as temperaturas à superfície subiram cerca de 0,75ºC no país nos últimos 50 anos e que as chuvas estão mais abundantes no Sul, pouco mais se sabe de como o clima está mudando no Brasil e quais podem já ser as conseqüências destas mudanças. 
Ainda que o desafio de gerar novos conhecimentos sobre como o clima está mudando e sobre impactos e vulnerabilidades, os últimos dois anos foram especialmente frutíferos e promissores para quebra a inércia e iniciar o preenchimento destas lacunas. 
  • Por um lado, tornaram-se disponíveis no país cenários climáticos regionais de alta resolução espacial até o final do século 21 (MARENGO et a;., 2007 e AMBRIZZI et al., 2007), cenários estes que permitiram iniciar estudos de impactos em diversos setores: agricultura, energias renováveis, ecossistemas, saúde humana, bacias de drenagem, economia, mega-cidades, região semi-árida, além de outros estudos sobre impactos nas zonas costeiras e na biodiversidade dos principais biomas brasileiros. 
Os resultados iniciais desses estudos de impactos estão sumarizados nos capítulos que se seguem, mas, de modo geral, permitem antever que a sociedade, a economia e o ambiente apresentam claros indícios de serem vulneráveis em vários graus às mudanças climáticas, e a maioria dos impactos são negativos e requerem políticas de adaptação.

Considerações Finais:
  • A crise financeira global que se abateu sobre o mundo no final de 2008 pode levar a uma recessão econômica de contornos incertos. 
Por um lado, ela pode significar uma redução do crescimento acelerado dos últimos anos e conseqüente diminuição na taxa de crescimento da emissão atmosférica de gases de efeito estufa, lembrando que o aumento médio das emissões de CO2 de origem fóssil foi de 3,5% ao ano no período de 2000 a 2007, um crescimento completamente insustentável em vista da necessidade de estabilização das concentrações atmosféricas dos gases de efeito estufa. 
  • Por outro lado, a preocupação das nações com questões econômicas de curto prazo pode diminuir o foco e atenção e mesmo a vontade política de se chegar a compromissos de reduções significativas das emissões, no âmbito da Convenção-Quadro das Nações Unidas para a Mudança do Clima, para o período pós-Quioto (pós-2012), compromissos estes que devem ser atingidos até a Conferência das Partes da Convenção, a ser realizada em dezembro de 2009, em Copenhague (Dinamarca). 
Ainda que seja virtualmente impossível prever a evolução de complexos sistemas sociais, é possível imaginar que a humanidade encontra-se perante uma grande encruzilhada. Pode seguir o curso que embasou o modelo de desenvolvimento dos séculos 19 e 20 de energia fóssil barata, mas com externalidades ambientais crescentes – por exemplo, o aquecimento global – e cujos impactos tornaram-se inevitáveis ou pode escolher um caminho menos trilhado, mas talvez o único a levar a um porto seguro para a sustentabilidade da vida na Terra. 
  • Esse caminho exige, no que concerne à redução do risco do aquecimento global, uma radical descarbonização dos sistemas de produção e consumo em escala mundial e um crescente uso de recursos naturais renováveis. Este caminho oferece desafios e oportunidades ao Brasil. 
Em primeiro lugar, devemos enfocar a redução de emissões de todos os setores do país, mas especialmente visando frear a expansão da fronteira agrícola sobre a floresta tropical e sobre os cerrados como forma de reduzir a menos da metade as emissões brasileiras. 
  • Políticas públicas guiadas por conhecimento científico e tecnológico moderno em agronomia devem maximizar e intensificar o uso de áreas já alteradas destes dois biomas, aliadas a políticas de agregação de valor, via industrialização, aos produtos agrícolas ou florestais primários. 
Isso permitiria se ganhar tempo para o desenvolvimento de um novo paradigma econômico para a Amazônia, com base na floresta em pé e na exploração do potencial econômico e social da extraordinária biodiversidade dos ecossistemas tropicais. 
  • A ausência de outros modelos de desenvolvimento econômico e social baseado em recursos da biodiversidade e serviços dos ecossistemas em qualquer outro país tropical mega-diverso do mundo para serem copiados pelo Brasil dificulta a quebra do modelo atual. 
Não há outra saída do que a de inventar um novo modelo, baseado em C,T&I, expandido as atuais e criando novas unidades de pesquisa básica e aplicada e fixação maciça de pesquisadores e engenheiros nestas instituições. Poderá o Brasil, no século 21, tornar-se uma “potência ambiental” ou, ainda, o primeiro país tropical desenvolvido? 
  • O desafio de uma geração é inventar um novo paradigma de desenvolvimento para o Brasil, baseado em C,T&I, reconhecendo que os usos racionais dos abundantes recursos naturais renováveis e da biodiversidade podem ser a grande alavanca para o desenvolvimento sustentável, no qual o país não somente tornar-se-ia uma das nações com o menor índice de emissões per capita, mas também um modelo de desenvolvimento para os países tropicais.

Mudanças climáticas ameaçam extinguir 1 em 6 espécies

A pecuária em sistemas integrados e as mudanças climáticas:

Patricia Perondi Anchão Oliveira
Pesquisadora da Embrapa Pecuária de Corte - Sudeste
  • O efeito estufa é um fenômeno natural importante que ocorre no planeta Terra e possibilita a manutenção da temperatura global num ponto de equilíbrio para garantir a vida terrestre tal como conhecemos. 
Entretanto, quando ocorre aumento da emissão de gases de efeito estufa (GEE) de maneira descontrolada por ações antrópicas, especialmente pela queima de combustíveis fósseis e desmatamento, há formação de uma camada de poluentes que funcionam como um isolante térmico retendo a temperatura, intensificando o efeito estufa e provocando o aquecimento global no planeta. 
  • Como consequência desse processo, temos as mudanças climáticas, caracterizadas pelos desastres climáticos, como derretimento das camadas polares, aumento do nível do mar, secas, enchentes, tempestades, tornados, tufões, maremotos. Isso tudo pode afetar os ecossistemas, causar a extinção de plantas e animais e, ainda, afetar negativamente a produção agropecuária. 
Vale ressaltar que as mudanças climáticas não respeitam as fronteiras entre os países, o que torna o fenômeno de responsabilidade mundial. A pecuária é considerada uma das fontes de emissão de gases de efeito estufa porque os animais ruminantes (bovinos, ovinos, caprinos, bubalinos, entre outros), durante seu processo digestório, produzem, de forma natural, o gás metano, além de seus dejetos poderem emitir gases de efeito estufa. 
  • Importante ressaltar que o sistema digestório dos ruminantes garante a esses animais alimentarem-se das pastagens, não consumidas por seres humanos, evitando competição por alimento entre as duas espécies. 
Esse fato também confere ao rebanho brasileiro, criado a pasto em sua maioria, grande conforto, visto que vivem em seu hábitat, evitando o estresse do confinamento. Já para a pecuária de animais monogástricos, as emissões de GEE ocorrem, em sua maioria, pelas emissões de seus dejetos. 
  • Na pecuária, existe possibilidade de mitigação das emissões de GEE pela redução da emissão do metano e do óxido nitroso. A melhoria dos índices zootécnicos e o manejo adequado das pastagens são importantes ações de mitigação e ainda tornam os sistemas de produção menos dependentes de área para produção de alimentos (pode-se produzir mais na mesma área), o que reduz a pressão sobre a floresta, evitando o desmatamento. 
Apesar da grande ênfase dada aos aspectos envolvendo a emissão de metano entérico pelos ruminantes e suas formas de mitigação, o maior potencial de mitigação está no sequestro de carbono. 
A pecuária, ao contrário da queima de combustíveis fósseis e do desmatamento, não é apenas uma emissora de gases de efeito estufa, pois há, no seu ciclo, o sequestro de carbono – uma forma de retirar da atmosfera o gás carbônico por meio do processo de fotossíntese das plantas (que servem de alimento para os animais) e armazená-lo no sistema solo- -planta como carbono. 
  • Então, o que passa a ser importante é o balanço entre as emissões de gases de efeito estufa e os sumidouros (sequestro) de carbono de uma atividade. É possível haver situações em que a retirada de poluentes pelo sequestro de carbono seja maior que a emissão de GEE num determinado sistema de produção.
A partir da adoção de sistemas integrados (Integração Lavoura-Pecuária, Integração Lavoura-Pecuária- -Floresta e silvipastoril), é possível reduzir a emissão de GEE e aumentar o sequestro de carbono, quando utilizamos o plantio direto e introduzimos a floresta plantada nos sistemas de produção. 
  • A introdução do componente arbóreo pode dobrar a quantidade de abatimento das emissões de GEE em relação aos sistemas que não têm árvores, além de embutir no sistema todas as vantagens relacionadas à arborização das pastagens (preservação da água, conforto térmico aos animais, produção de produtos como frutos, óleos essenciais e madeira, tornando-se fonte alternativa de renda, entre outras). 
Técnicas de manejo, dentro dos sistemas de iLPF, também podem contribuir para a melhoria dessa questão. Toda tecnologia que traga eficiência aos sistemas de produção, diminuindo perdas, leva à melhoria das questões ambientais, porque toda perda é um potencial impacto ambiental negativo. 
  • Como exemplos, podemos citar o uso de aditivos para diminuir a emissão de metano, o uso racional de corretivos e fertilizantes, o melhoramento genético com vistas a tornar mais eficiente o uso de alimentos pelos animais associado à menor emissão de metano entérico, além de várias outras técnicas. 
Sendo assim, além do empilhamento tecnológico inerente ao sistema de iLPF, onde o produtor rural necessita de habilidades de pecuarista, agricultor e silvicultor, ainda ele necessitará de conhecimento de técnicas de manejo para mitigar as emissões de GEE. 
  • O atendimento desses requisitos tornam os sistemas de produção bastante complexos e exige mão de obra qualificada, o que consiste em um grande desafio ao País. Para um sistema de produção como o iLPF ser sustentá- vel, não basta apenas atender a questões ambientais, é necessário que haja retorno econômico ao produtor. 
Além do sustento da sua própria família, ele precisa ter condições financeiras de realizar contribuições sociais, como o pagamento dos impostos, dos encargos trabalhistas, o atendimento às normas de boas práticas na produção dos alimentos, enfim, todos os requisitos exigidos pela sociedade para a sustentabilidade da pecuária. 
  • Além disso, estudos mostram que a adoção das tecnologias que promovem a mitigação das emissões de gases de efeito estufa depende mais de questões econômicas do que da viabilidade técnica das ações de mitigação propostas. 
Tendo em vista todo o benefício ambiental (inclusas as questões de emissão de GEE) da introdução do componente arbóreo nos sistemas de produção pecuários brasileiros e da possibilidade de diversificação da renda do produtor, a pecuária brasileira não pode perder a oportunidade de se consolidar como um importante player da silvicultura. 
  • Entretanto, para isso, é necessária ampla discussão sobre as questões econômicas dos sistemas de iLPF, especialmente quando se considera o alto montante financeiro exigido para o investimento inicial, com fluxos de caixa comprometidos nos primeiros anos de adoção da tecnologia e um forte programa de capacitação técnica do setor produtivo e da extensão rural, dada a sua complexidade.

Mudanças climáticas e o Brasil