sexta-feira, 29 de julho de 2016

Carbono do solo e a Mitigação da Mudança Climática Global

Carbono do solo e a Mitigação da Mudança Climática Global

Pedro L. O. de A. Machado
Embrapa Solos, Rua Jardim Botânico, 1024, 22460-000 Rio de Janeiro - RJ
  • O sistema climático é interativo e constituído por cinco grandes componentes, atmosfera, hidrosfera, criosfera, superfície terrestre e biosfera, influenciados por vários mecanismos externos no qual o Sol é o mais importante. 
Além disto, os efeitos diretos das atividades humanas no sistema climático são considerados como mecanismo externo. A atmosfera seca da Terra é consistida principalmente de nitrogênio (N2 ; 78,1% do volume), oxigênio (O2 ; 20,9% do volume) e argônio (Ar; 0,93% do volume). Estes gases possuem limitada interação com a radiação emitida pelo Sol e não interagem com a radiação infravermelha emitida pela Terra. 
  • Entretanto, há uma série de gases traços como dióxido de carbono (CO2 ), metano (CH4 ), óxido nitroso (N2 O) e ozônio (O3 ) que absorvem e emitem radiação infravermelha. Estes gases traços, também denominados gases de efeito estufa, ocupam menos que 0,1% do volume da atmosfera e possuem relevante papel no balanço energético da Terra. A atmosfera contém também vapor d’água (H2 O; aproximadamente 1% do volume) que é também um gás de efeito estufa natural. 
A Terra recebe radiação solar (342 Wm-2) e os diferentes gases traços presentes na atmosfera, particularmente na troposfera, absorvem a radiação infravermelha emitida pela Terra e, por sua vez, emitem esta radiação para cima e para baixo. Este processo de absorção e emissão de radiação infravermelha gera aumento na temperatura próxima à superfície da Terra (média de 14 °C) resultando num efeito estufa natural e importante para o surgimento e a manutenção da vida no planeta. 
  • Se não houvesse este efeito estufa natural, a temperatura na superfície da Terra seria 33 °C mais fria. Os seres humanos sempre influenciaram o meio ambiente. Entretanto, foi somente após o início da Revolução Industrial, em meados do século XVIII, que o impacto das atividades humanas tomou proporções em escalas continentais e até mesmo globais. 
Atividades humanas, principalmente aquelas envolvendo a queima de combustíveis fósseis para uso industrial e residencial e queima da biomassa (desmatamento seguido de queimadas), produzem gases de efeito estufa que afetam a composição da atmosfera . Embora o gás metano e o óxido nitroso apresentem potencial de aquecimento maior que o gás carbônico (CH4 = 23 vezes o CO2 e; N2 O = 296 vezes o CO2 ), o CO2 é emitido em maiores quantidades devido à queima de combustíveis fósseis e desmatamento ou queimada. O CH4 é relevante em áreas onde se produz arroz inundado (ex. sudoeste da Ásia). 
  • O óxido nitroso (N2 O) que se acumula na atmosfera provem principalmente da superfície terrestre, mas as incertezas com relação à magnitude das fontes e drenos de N2 O impedem que se consiga uma quantificação precisa, e os dados atualmente existentes sobre fluxos de N2 O dos solos e oceanos são insuficientes para quantificá-los em detalhes. 
A mudança no uso da terra, causada pela conversão de florestas em áreas de agricultura ou pecuária, afeta as propriedades físicas e biológicas da superfície terrestre e estes efeitos possuem impacto potencial no clima regional e globa. 
  • O objetivo deste trabalho é demonstrar o papel do carbono do solo na mitigação da mudança climática. Ênfase será dada às alterações no uso da terra no Brasil, especialmente a agricultura para produção de grãos (abrangendo 50 milhões de hectares; 1 ha = 10000 m2 ) e como a agricultura conservacionista, ou seja, o sistema de plantio direto, que hoje ocupa 17 milhões de ha no Brasil, pode contribuir eficazmente para o aumento do sequestro de carbono no solo. 
Finalmente, no âmbito da Química Ambiental, será feita uma apresentação dos métodos de análise de carbono dos solos no Brasil, seus problemas quanto à quantificação dos estoques de carbono do solo (em megagrama de carbono por ha ou Mg C ha-1) e a necessidade de métodos alternativos.

Ciclo do Carbono:
  • Os quatro principais compartimentos de carbono na Terra são: oceanos, atmosfera, formações geológicas contendo carbono fóssil e mineral e ecossistemas terrestres (biota + solo). Observa-se uma representação esquemática dos diferentes compartimentos de carbono na Terra com seus estoques e respectivos fluxos.
Constata-se que o maior compartimento de carbono na Terra é aquele presente no oceano (38000 Pg C), seguido do compartimento presente nas formações geológicas (5000 Pg C). O carbono das formações geológicas consiste de 4000 Pg C presentes no carvão, 500 Pg C no petróleo e 500 Pg C no gás natural. 
  • O compartimento de carbono do solo (2500 Pg C) é o maior nos ecossistemas terrestres (aproximadamente 4 vezes o compartimento de C da vegetação e 3,3 vezes o carbono da atmosfera) e é constituído pelo carbono orgânico (1500 Pg C) e mineral (1000 Pg C). 
O carbono orgânico representa o equilíbrio entre o carbono adicionado ao solo pela vegetação e o perdido para as águas profundas e, finalmente, para os oceanos via lixiviação como carbono orgânico dissolvido (0,4 Pg C) ou para a atmosfera via atividade microbiana como dióxido de carbono em solos aerados ou metano em solos saturados com água. Entretanto, pouco se sabe sobre valores precisos de perdas de carbono do solo para a atmosfera

Efeito Estufa Antropogênico: 
E suas consequências:
  • O interesse em estudar o ciclo do carbono e o impacto do dióxido de carbono (CO2 ) e do metano (CH4 ) antropogênicos no regime climático, especialmente na temperatura, já havia sido iniciado no século passado. 
Durante os anos 80 e principalmente desde a primeira conferência do Comitê Assessor Científico do Programa Internacional Geosfera-Biosfera (IGBP), realizada em Estocolmo em 1988, modelos de circulação global e vários trabalhos locais e regionais surgiram com ênfase no efeito estufa de gases traços como CO2 , CH4 e N2 O5. 
  • Naquela época, já havia demonstração sobre as conseqüências do incremento do CO2 na atmosfera no aumento em cerca de 4 °C na temperatura e na elevação no nível do mar . Apesar de no final dos anos 90 ainda ter sido controversa a mudança climática causada por gases traços, particularmente pelo CO2 , o terceiro relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática , após rigorosa avaliação da qualidade de estudos recentes sobre o tema, destaca que as mudanças no clima ocorrem como resultado tanto da variabilidade interna dentro do sistema climático como também de fatores externos naturais e antropogênicos. 
A taxa de alteração da concentração de CO2 do período Holoceno (há 10000 anos) foi duas vezes menor que o aumento antropogênico de CO2 desde a Revolução Industrial, iniciada em 1760 na Inglaterra, até os dias atuais . O uso crescente de combustíveis fósseis e as mudanças em larga escala do uso das terras resultaram no aumento das concentrações de gases de efeito estufa na atmosfera, afetando o clima global . Entre 1861 e 2000 a temperatura média global aumentou 0,6 °C.
  • As precipitações pluviométricas têm se alterado com chuvas mais torrenciais e o fenômeno “El Niño” tem se tornado mais freqüente, persistente e intenso . Num cenário de referência tradicional (do inglês: “business as usual”), a temperatura média da Terra aumentará entre 1,4 e 5,8 °C até 2100, com as áreas terrestres se aquecendo mais que os oceanos e causando uma elevação no nível do mar entre 9,0 e 88,0 cm. 
Há consenso na comunidade científica internacional sobre o seguinte aspecto: se não houver nenhuma ação mitigadora, os efeitos da mudança climática serão devastadores, onde ocorrerá aumento na incidência de temporais intercalados por anos de seca prolongada. 
  • A agricultura brasileira será seriamente afetada pelo aquecimento global. Assim, a mudança climática global poderá ser o problema ambiental mais crítico e complexo a ser enfrentado pela humanidade ao longo do século XXI.
O carbono do solo: 
E a mudança climática global:
  • O Protocolo de Quioto, estabelecido em dezembro de 1997 durante a Terceira Sessão da Conferência das Partes (COP 3) da Convenção Quadro da ONU para a Mudança Climática (UNFCCC), definiu metas de redução nas emissões de gases de efeito estufa para a atmosfera. Entre 2008 e 2012, a Europa deverá reduzir as emissões em 8% abaixo dos níveis de 1990. Os Estados Unidos e o Japão deverão reduzir em 7 e 6%, respectivamente. 
O objetivo da UNFCCC é estabilizar as concentrações de gases de efeito estufa na atmosfera, a um nível que permita limitar os impactos adversos no clima do planeta. Diversas instituições de pesquisa públicas e privadas vêm desenvolvendo tecnologias para mitigar as concentrações de CO2 na atmosfera. As opções incluem:
  1. Separação e captura de CO2 a partir de sistemas energéticos e
  2. Sequestro de carbono nos oceanos, ecossistemas terrestres e formações geológicas.
Um aspecto importante a se considerar é até que ponto as medidas técnicas podem ser efetivas em períodos de crescimento econômico, associados com altas demandas por combustíveis fósseis pelo setor industrial e de transportes. E se estas medidas, sozinhas, podem reduzir adequadamente os níveis de CO2 atuais como preconizado pelos governos. 
  • Os ecossistemas terrestres que compreendem a vegetação e o solo são considerados atualmente como um grande sumidouro (do inglês “sink”) de carbono, especialmente os solos. Há várias maneiras pelas quais o manejo apropriado da biosfera terrestre, particularmente do solo, possa resultar em significativa redução no aumento dos gases de efeito estufa. 
Conforme demonstrado, os solos das diferentes florestas no mundo apresentam maior estoque de carbono que a vegetação, especialmente os solos de floresta boreal (regiões geladas) e os campos das regiões temperadas (ex. pradarias nos EUA e pampas da América do Sul). 
  • A agricultura introduzida após desmatamento tem resultado em fortes impactos, aumentando a emissão de gases de efeito estufa para atmosfera. Já em 1864 é possível encontrar relatos científicos sobre as conseqüências negativas da atividade antrópica na paisagem terrestre e, mais recentemente, em 1956, foi constatado que uma das mudanças globais mais incontestáveis nos últimos três séculos foi a ação direta do homem e mudança da cobertura das terras. 
A expansão da agricultura através da derrubada de florestas durante os últimos 140 anos levou a uma liberação líquida de 121 Gt de carbono para a atmosfera (1 Gt = 1.000.000.000 t) e o Brasil é o maior responsável (“single contributor”) pela emissão de gases de efeito estufa pela mudança no uso da terra. A maior parte dos desmatamentos ocorridos na Amazônia Legal (que abrange os Estados do Amazonas, Acre, Roraima, Rondônia, Pará, Amapá, Mato Grosso, Tocantins e parte do Maranhão) são devidos à conversão da floresta em pastagens. 
  • Em 1994, o desmatamento na Amazônia Legal alcançou 470 milhões de ha (470 x 103 km2 ). Deste total, aproximadamente 45% ficaram ocupados pela bovinocultura de corte (produção de carne bovina) a partir da derrubada da floresta tropical, 28% ficaram ocupados por floresta secundária após abandono dos pastos pós-1970 e 2% ficaram ocupados por pastagens degradadas. 
A área restante ficou ocupada pela agricultura (5%), floresta secundária oriunda de agricultura abandonada (2%) e floresta secundária anterior a 1970 (17%). Considerando uma paisagem dominada por pastagem e floresta secundária oriunda de pastagens abandonadas, a média líquida de carbono perdido do solo foi estimada em 11,7 X 106 Mg C para 1,38 x 106 ha desmatados em 1990. Sem dúvida que, atualmente, a abertura de novas áreas de floresta para implantar sistemas agropecuários não é desejável. 
  • Isto devido a dois momentos de forte emissão de CO2 para a atmosfera: um no desmatamento seguido da queimada e outro, com o preparo do solo pela aração seguida de sucessivas gradagens niveladoras para adequar a superfície do solo para receber as sementes. O preparo do solo pela aração pode resultar em até 81,3 g CO2 m-2 emitidos para a atmosfera num período de 5 h. 
O problema deste tipo de agricultura convencional, embasada na operação de preparo do solo pela aração seguida de diversas gradagens niveladoras, se agrava pelo fato desta operação ser realizada, no mínimo, duas vezes ao ano na agricultura brasileira. 
  • Além disto, a aração do solo seguida de várias gradagens predispõe o solo à erosão hídrica, que contribui para o agravamento das emissões de CO2 para a atmosfera. Globalmente, a erosão causada pelas chuvas é responsável por emissão líquida anual de aproximadamente 1 Gt C18. 
Nos anos 70, devido aos sérios problemas de degradação das terras pela erosão, foi introduzido no Sul do Brasil o sistema plantio direto, que consistia em instalar lavouras de milho, trigo e soja sem necessidade de preparo do solo (ex. aração seguida de gradagens niveladoras). 
  • Os agricultores, motivados pelos menores riscos envolvidos no plantio direto em relação à agricultura convencional, adotaram o novo manejo do solo que combate eficazmente a erosão e, hoje, no Brasil, ocupa atualmente 17 milhões de ha (40% da área sob agricultura de plantas anuais).

Carbono do solo e a Mitigação da Mudança Climática Global

Uso Agrícola do sol:
E Simultâneo sequestro de carbono:
  • Durante reunião do IPCC, a possibilidade de se utilizar práticas agrícolas conservacionistas como o sistema plantio direto para mitigar o aumento de CO2 na atmosfera pelo sequestro de carbono pelo solo obteve consenso internacional. 
A idéia contida no consenso foi que promovendo a adoção de práticas agrícolas com conservação do solo seria possível não apenas aumentar a produtividade agrícola como também transformar os solos agrícolas em drenos ou sumidouros de CO2 atmosférico. 
  • O sistema plantio direto (SPD) é um exemplo de uso da terra para a agricultura nas regiões tropicais úmidas e sub-tropicais que propicia segurança alimentar com baixo impacto ambiental, principalmente quanto à erosão (perda de solo) e favorecendo o sequestro de carbono no solo. 
Sequestro de carbono no solo significa transformar o carbono presente na atmosfera (na forma de CO2 ) em carbono estocado no solo, compondo a matéria orgânica do solo. A quantificação do estoque de carbono no solo é feita em base volumétrica para uma determinada profundidade do solo e normalmente é expressa em Mg C hectare-1, sendo 1 Mg = 1 megagrama ou 1 tonelada métrica. 
  • Vários estudos demonstraram a eficácia do SPD no sequestro de carbono em solos agrícolas brasileiros, principalmente para as camadas superficiais do solo (0-20 cm), com incrementos de 5,2 a 8,5 Mg C ha-1 superiores ao solo sob preparo convencional (aração e gradagens)19,22. 
Numa avaliação das mudanças no estoque de carbono de solo do Rio Grande do Sul com 13 anos de preparo convencional ou plantio direto, constatou-se, a uma profundidade de 100 cm, que o estoque de carbono orgânico do solo sob SPD, com 179 Mg C ha-1, era 8,5% superior ao solo sob preparo convencional, com 165 Mg C ha-1, e 4,7% superior ao solo sob floresta secundária, com 171 Mg C ha-1. 
  • A eficácia no acúmulo de carbono do solo pelo SPD é aumentada quando, após o cultivo da cultura principal (ex. soja), introduz-se na seqüência de cultivo uma planta leguminosa (ex. tremoço), que fixa nitrogênio da atmosfera no solo pela associação com bactérias. 
Assim, observa-se na Figura 2 que tanto o SPD como o preparo convencional sob Rotação, ou seja, sob uma série de cultivos intercalados envolvendo gramíneas (ex. milho, aveia) e leguminosas (ex. tremoço), maiores estoques de carbono do solo que sob Sucessão (série de cultivos intercalados, envolvendo apenas culturas de interesse econômico (ex. soja e trigo)

Processos e Fatores:
Que Regulam a Dinâmica do carbono do solo:
  • O carbono orgânico do solo está presente na matéria orgânica viva, que corresponde a menos de 4% do carbono orgânico total do solo e na matéria orgânica morta, que corresponde à maior parte do carbono orgânico total do solo (cerca de 98%)24. 
O carbono da matéria orgânica viva (CMOV) subdivide-se no carbono presente nos microrganismos (60-80% do CMOV), consistido principalmente de fungos e bactérias, nos macrorganismos (15-30% do CMOV) consistido, por exemplo, por minhocas, ácaros e térmitas terrestres e, finalmente, nas raízes (5- 10% do CMOV). 
  • Quanto ao carbono da matéria orgânica morta (CMOM), o carbono se subdivide na matéria macrorgânica ou seja, resíduos vegetais recém adicionados ao solo e no húmus (80-90% do CMOM), que consiste de substâncias não húmicas (30% do carbono do húmus) representadas pelos ácidos orgânicos de baixo peso molecular (ex. ácido cítrico, ácido ftálico, ácido malônico) e substâncias húmicas (70% do carbono do húmus) representadas pelos ácidos húmicos, ácidos fúlvicos e huminas. 
Quanto ao carbono inorgânico representado pelos carbonatos no solo, devido à grande maioria dos solos brasileiros apresentarem reação ácida (pH água < 6,0) sua participação é insignificante, estando presente em ambientes restritos como os solos da região semi-árida do Brasil. 
  • Apesar do CMOV estar presente em proporção bem menor que o CMOM as importâncias se igualam, pois os micro e macrorganismos, pelas suas atividades no solo, se constituem num dos principais fatores responsáveis pelas transformações do CMOM, resultando em acúmulo ou perdas (na forma de CO2 ) de carbono orgânico do solo. 
O estoque de carbono de um solo sob vegetação natural representa o balanço dinâmico entre a adição de material vegetal morto e a perda pela decomposição ou mineralização. As taxas de adição e a qualidade do carbono da vegetação dependem muito do clima (principalmente temperatura do ar e chuvas), do tipo de vegetação (gramíneas decompõem-se mais lentamente que plantas leguminosas) e da fertilidade do solo (solos férteis resultam em plantas maiores que contêm, por sua vez, mais carbono a ser depositado no solo). 
  • Os resíduos de plantas (ex. folhas, galhos, frutos) que caem sobre o solo são gradualmente alterados por meio da fragmentação física, interações entre a fauna do solo e microrganismos e formação de húmus. 
Os processos de decomposição e taxas de transformação (do inglês ”turnover rate” = quantidade de carbono em determinado compartimento do solo dividido pela taxa de adição anual de carbono para este compartimento) são fortemente influenciados pelo clima, tipo e qualidade da matéria orgânica, associações químicas e físico-químicas da matéria orgânica com os componentes minerais do solo e pela localização da matéria orgânica no solo. 
  • Sabe-se que os componentes de uma planta morta são sujeitos ao ataque de macrorganismos (ex. coró, térmitas do solo, minhocas) e, em seguida ou simultaneamente, sofrem decomposição microbiana no solo. Sabe-se também que diferentes componentes das plantas se decompõem a diferentes taxas. Por exemplo, açúcares simples e proteínas são decompostos rapidamente em questão de horas ou alguns dias. Por outro lado, ligninas e suberinas demandam muito mais tempo para serem decompostas. 
A taxa de mineralização da matéria orgânica em regiões temperadas (ex. Europa Central) é de aproximadamente 2% e nos trópicos úmidos (ex. Amazônia) é de 4 a 5%. Por outro lado, a produção de biomassa, ou seja, de vegetação, é maior nos trópicos úmidos. Os três principais processos responsáveis pelo sequestro de carbono nos solos são a humificação, agregação e sedimentação. Ao mesmo tempo, os processos responsáveis pelas perdas de carbono no solo são a erosão, decomposição, volatilização e lixiviação.
  • A agregação do solo (união de partículas de areia, silte e argila para formar pequenos torrões estáveis ao impacto da gota de chuva), realizada pela ação de hifas de fungos e substâncias orgânicas provenientes das raízes das plantas ou dos produtos da decomposição da matéria orgânica pelos microrganismos, vem sendo enfatizada como um dos fatores mais importantes para o sequestro de carbono no solo. 
Em solos brasileiros também foi observado que a adoção do plantio direto favoreceu a agregação do solo aumentando, conseqüentemente, o acúmulo de carbono.

Quantificação de estoques de carbono dos solos:
  • Conforme exposto anteriormente, o carbono do solo se encontra em diferentes compartimentos com diferentes taxas de transformação. 
É importante mencionar que o Protocolo de Quioto está essencialmente interessado nos fluxos de carbono, ou seja, mais nas mudanças nos níveis de carbono que nos teores ou estoques de carbono num determinado compartimento do solo. Entretanto, a avaliação dos diferentes compartimentos de carbono no solo e suas dinâmicas são imprescindíveis para a identificação de usos e manejos do solo que promovam o sequestro de carbono. 
  • A quantificação de estoque de carbono do solo consiste essencialmente em dois passos: 1. amostragem de solo no campo para aná- lise de carbono total e densidade do solo; 2. determinação de carbono total em amostras e quantificação dos estoques em Mg C ha-1. 
A densidade do solo (ρ, g cm-3), antigamente denominada de densidade aparente ou global do solo, corresponde à massa de solo seco por unidade de volume, ou seja, o volume do solo ao natural, incluindo os espaços porosos. A coleta de amostras de solos no campo e determinação da densidade do solo é essencial para se calcular a massa ou o estoque de carbono total do solo a partir da concentração de carbono total do solo (C; g C kg-1 solo). 
  • Na quantificação do estoque de carbono há necessidade de se estabelecer a profundidade do solo a que se refere o estoque. Assim, ao se coletar as amostras de solos para a determinação da densidade e da concentração de carbono total do solo, há necessidade de anotar a profundidade da camada de solo em que as amostras foram coletadas. O cálculo do estoque de carbono (EC; Mg C ha-1) para uma determinada profundidade (p, cm) dá-se da seguinte maneira:
EC = C x ρ x p/10
  • Embora a determinação da densidade do solo seja uma tarefa rápida, a coleta no campo é passível de erros e normalmente é mais laboriosa com o aumento da profundidade do solo que a coleta de amostras para a determinação de carbono do solo. 
Isto porque há a necessidade de se abrir uma trincheira ou perfil de solo até, pelo menos, 10 cm abaixo da última camada de solo que normalmente atinge 60 cm. Já há constatação no Brasil de que o carbono orgânico de um Latossolo Vermelho, incorporado juntamente com os resíduos de planta pela aração a 20 cm, se movimenta 10 cm abaixo da profundidade de aração. 
  • Assim, as coletas de amostras para a determinação da concentração de carbono (C) e da densidade do solo (ρ) podem ser feitas por camadas de solos a seguir: 0-5, 5-10, 10-20, 20- 30, 30-40 e 40-60 cm. Trata-se de uma sugestão para Latossolos e Argissolos que cobrem 59% da área do Brasil (aproximadamente 5 milhões de ha)31. 
O teor de carbono total do solo diminui exponencialmente com a profundidade. Em geral, 39-70% do carbono orgânico total na camada de 0-100 cm de solo mineral está presente nos primeiros 30 cm e 58-81% nos primeiros 50 cm. Perdas ou aportes de carbono do solo são maiores no horizonte superficial (0-15 cm), que deve ser amostrado mais freqüentemente.
  • Entretanto, havendo mudanças no uso e manejo a amostragem deve ser feita a profundidades maiores, pois o acúmulo de carbono na superfície pode ser balanceado por perdas em profundidade . Não seria prático, todavia, definir uma profundidade para todos os solos, onde o carbono seria analisado. 
A profundidade de amostragem deve ser abaixo da profundidade onde se espera uma mudança significativa no teor de carbono . Há também a questão da variabilidade espacial do estoque de carbono. Numa lavoura de 13 ha de produção de grãos (milho, soja e trigo) em plantio direto em Carambeí, Paraná, constatou-se uma variação de 26 a 62 Mg C ha-1 para a profundidade de 0-20 cm. 
A medição da densidade do solo é imprescindível em qualquer situação, pois somente através desta medida será possível quantificar a massa de solo presente em determinada profundidade. Há solos, todavia, em que tal recomendação de amostragem de solos deva ser considerada com cuidado. 
  • Os Espodossolos, por exemplo, apresentam os maiores teores de carbono a 400 cm de profundidade. Estes solos têm representatividade baixa no país (< 2% da área total do Brasil), mas podem ter significância no uso agrícola de determinada região. Especial atenção deve ser dada aos Organos solos (popularmente denominados de solos turfosos). 
Têm pouca abrangência nacional (< 1% da área total do Brasil), mas podem apresentar elevado teor de carbono total (> 200 g C kg-1 solo) por vários metros de profundidade. Estes solos são muito sensíveis a grandes perdas de carbono orgânico pelas mudanças no regime de drenagem ou temperatura do solo.
  • Após a coleta das amostras no campo, estas são transferidas para laboratório onde são preparadas (secas ao ar, moídas e passadas em peneira de 2 mm) para a quantificação ou determinação de carbono. As amostras para a densidade do solo são igualmente transferidas para o laboratório, onde são secas a 105 °C até peso constante para a determinação da massa de solo. 
A determinação de carbono no Brasil é feita comumente pelo método da combustão via úmida, baseado na oxidação da matéria orgânica a CO2 por íons dicromato em meio fortemente ácido. Utiliza-se um oxidante forte (dicromato de potássio) numa solução ácida, para a oxidação da matéria orgânica. O teor de carbono é obtido indiretamente pela diferença entre a quantidade total de redutor (dicromato) utilizada e a quantidade restante após a oxidação do carbono. 
  • Embora simples e de baixo custo, o método apresenta problemas quanto à acurácia, devido à necessidade de fatores de correção para compensar a oxidação parcial e, também, quanto à lentidão e ao grande espaço que ocupa nos laboratórios. Finalmente, a determinação do carbono por combustão via úmida gera problemas no meio ambiente pela produção de rejeitos laboratoriais de difícil descarte (ex. soluções ácidas contendo cromo). 
A determinação de carbono total por combustão via seca utilizando-se modernos equipamentos vem sendo considerada como referência pela precisão analítica (2-3%). Todavia, a aquisição e manutenção destes equipamentos são de custos altos para a grande maioria dos laboratórios no Brasil. 
  • Nos últimos anos, o advento e aperfeiçoamento das técnicas espectroscópicas para estudos da matéria orgânica do solo vêm demonstrando o forte potencial da espectroscopia como procedimento alternativo na determinação do carbono total do solo. 
Dentre as diferentes técnicas, a espectroscopia de reflectância difusa de médio-infravermelho ou, simplesmente, infravermelho médio e a fotoluminescência são as técnicas mais promissoras para a determinação do teor total de carbono do solo. Métodos alternativos para a determinação da densidade do solo ainda carecem de melhor desenvolvimento. 
  • Há forte demanda para o desenvolvimento de sensores para a determinação da concentração de carbono total e da densidade do solo in situ e em tempo real, de modo a se obter o mapa do estoque de carbono numa área imediatamente após a medição no campo.
Considerações Finais:
  • As maiores reservas de carbono encontram-se nos oceanos e, no ecossistema terrestre, a maior reserva de carbono encontra-se no solo, principalmente nas regiões geladas e nas pradarias ou campos de regiões temperadas. 
Há aproximadamente 200 anos o homem vem interferindo massivamente no fluxo global de carbono e a agricultura convencional, embasada no uso de arados e grades para o preparo do solo para a semeadura, contribui para as perdas de carbono do solo. 
  • O plantio direto é um sistema de produção agrícola que reverte esta situação, combatendo eficazmente a erosão e contribuindo significativamente para o sequestro de carbono no solo. Diferente das reservas de carbono fóssil, o carbono do solo não é permanente e pode, a curto ou longo prazo, se transferir para a atmosfera. 
Assim, não pode compensar na totalidade as emissões oriundas da queima de combustíveis fósseis. Pelo solo ser o maior compartimento de carbono nos ecossistemas terrestres e poder estocar carbono pela agricultura conservacionista (ex. sistema plantio direto), a humanidade pode, com o uso adequado do solo, retardar ou amenizar os impactos negativos da mudança climática global. Procedimentos analíticos usuais para a quantificação do estoque de carbono no solo são laboriosos, pouco precisos e geram impactos negativos no meio ambiente. 
  • Há necessidade de se desenvolver mé- todos analíticos ágeis, de baixo custo, exatos, precisos e portáteis para a quantificação in situ e em tempo real do estoque de carbono no solo. As técnicas de infravermelho próximo para a determinação da concentração de carbono no solo (em g C kg-1) e o uso de funções de pedotransferência para as estimativas de densidade do solo apresentam grande potencial como métodos alternativos.
Referências:
  1. Baede,A. P. M.; Ahlonsou, E.; Ding, Y.; Schimel, D. Em Climate Change 2001: The Scientific Basis; Houghton, J. T.; Ding, Y.; Griggs, D. J.; Noguer, M.; Van der Linden, P. J.; Dai, X.; Maskell, K.; Johnson, C. A., eds.; Cambridge University Press: Cambridge, 2001, chap. 1. 
  2. Watson, R. T.; Noble, I. R.; Bolin, B.; Ravindranath, N. H.; Verardo, D. J.; Dokken, D. J.; Land Use, Land-Use Change and Forestry: A Special Report of the IPCC, Cambridge University Press: Cambridge, 2000. 
  3. Lal, R.; Global Climate Newsletter 1999, 37, 4. 
  4. Callendar, G. S.; Q. J. R. Meteorol. Soc. 1938, 64, 223. 
  5. Scharpenseel, H. W.; Geoderma 1997, 79, 1. 
  6. IPCC – Intergovernmental Panel on Climate Change; Climate Change 2001: Synthesis Report - A contribution of working groups I, II, and III to the Third Assessment Report of the Intergovernmental Panel on Climate Change, Cambridge University Press: Cambridge, 2001. 
  7. Indermühle, A.; Stocker, T. F.; Joos, F.; Fischer, H.; Smith, H. J.; Wahklen, M.; Deck, B.; Mastoianni, D.; Tschumi, J.; Blunier, T.; Meyer, R.; Stauffer, B.; Nature 1999, 398, 121. 
  8. Garrity, D.; Fisher, M.; Proceedings of the Workshop on Tropical Agriculture in Transition: Opportunities for Mitigating Greenhouse Gas Emissions, Center for Development Research: Bonn, Germany, 2001. 
  9. Fearnside, P. M.; Ecological Economics 2001, 39, 167. 
  10. Canziani, O. F.; Díaz, S.; Calvo, E.; Campos, M.; Carcavallo, R.; Cerri, C. C.; Gay-Garcia, C.; Mata, L. J.; Saizar, A.; Aceituno, P.; Andressen, R.; Barros, V.; Cbido, M.; Fuenzalida-Pince, H.; Funes, G.; Galvão, C.; Moreno, A. R.; Vargas, W. M.; Viglizao, E. F.; De Zuviria, M. Em The Regional Impact of Climate Change: An Assessment of Vulnerability; Watson, R. T.; Zinyowera, M. C.; Moos, R. H., eds.; Cambridge University Press: Cambridge, 1998. 
  11. Batjes, N.; Management Options for Reducing CO2-Concentrations in the Atmosphere by Increasing Carbon Sequestration in the Soil, International Soil Reference and Information Centre: Wageningen. 1999. 
  12. Wissenschaftlicher Beirat der Bundesregierung – Globale Umweltveraenderungen; Die Anrechnung biologischer Quellen und Senken im Kyoto-Protokoll: Fortschritt oder Rueckschlag fuer den globalen Umweltschutz, WBGU: Bremerhaven, 1998. 
  13. Ramankutty, N. K. K.; Goldwijk, K. K.; Leemans, R.; Foley, J.; Oldfield, F.; Global Change Newsletter 2001, 47, 17. 
  14. Fearnside, P. M.; Ecol. Econ. 2001, 39, 167.
  15. Fearnside, P. M.; Imbrozio Barbosa, R.; For. Ecol. Manag. 1998, 108, 147. 
  16. Fearnside, P. M. R.; For. Ecol. Manag. 1996, 80, 21. 
  17. Reicosky, D. C.; Nutr. Cycl. Agroec. 1997, 49, 273. 
  18. Lal, R.; Griffin, M.; Apt, J.; Lave, L.; Granger Morgan, M.; Nature 2004, 304, 393. 
  19. Machado, P. L. O. A.; Silva, C. A.; Nutr. Cycl. Agroec. 2001, 61, 119. 
  20. IPCC – Intergovernmental Panel on Climate Change; Climate Change 1992: The Suplementary Report to the IPCC Scientific Assessment, Cambridge University Press: Cambridge, 1992. 
  21. Machado, P. L. O. A.; Freitas, P. L. Em Sustainable Agriculture and the International Rice-Wheat System; Lal, R.; Hobbs, P. R.; Uphoff, N.; Hansen, D. O., eds.; Marcel Dekker Inc.: New York, 2004, cap. 18. 
  22. Bayer, C.; Bertol, I.; R. Bras. Ci. Solo 1999, 23, 687. 
  23. Sisti, C. P. J.; Santos, H. P.; Kohhann, R.; Alves, B. J. R.; Urquiaga, S.; Boddey, R. M.; Soil Till. Res. 2004, 76, 39.
  24. Theng, B. K. G. Em Soil Structure and Aggregate Stability; Rengasamy, P., ed.; Seminar Proceedings. Institute of Irrigation and Salinity Research: Tatura, Australia, 1987.
  25. Scholes, M.; Powlson, D.; Tian, G.; Geoderma 1997, 79, 25.
  26. Swift, R. S.; Soil Sci. 2001, 166, 858.
  27. Lal, R.; Kimble, J.; Follett, R. F. Em Methods for Assessment of Soil Degradation; Lal, R.; Blum, W. H.; Valentine, C.; Stewart, B. A., eds.; CRC Press: Boca Raton, 1997. cap. 1.
  28. Madari, B.; Machado, P. L. O. A.; Torres, E.; Andrade, A. G.; Valencia, L. I.; Soil Till. Res., no prelo. http://www.sciencedirect.com/science.
  29. Curi, N.; Larach, J. O. I.; Kämpf, N.; Moniz, A. C.; Fontes, L. E. F.; Vocabulário de Ciência do Solo, Sociedade Brasileira de Ciência do Solo: Campinas, 1993.
  30. Machado, P. L. O. A.; Sohi, S. P.; Gaunt, J. L.; Soil Use Manag. 2003, 19, 250.
  31. Coelho, M. R.; Santos, H. G.; Silva, E. F.; Aglio, M. L. D. Em Uso Agrícola dos Solos Brasileiros; Manzatto, C. V.; Freitas Junior, E.; Peres, J. R. R., eds.; Embrapa Solos: Rio de Janeiro, 2002, cap. 1.
  32. Nakane, K.; Jpn. J. Ecol. 1976, 26, 171.
  33. Batjes, N.; Eur. J. Soil Sci. 1996, 47, 151.
  34. Richter, D. D.; Marlewitz, D.; Trumbore, S. E.; Wells, C. G.; Nature 1999, 400, 56.
  35. Machado, P. L. O. A.; Bernardi, A. C. C.; Valencia, L. I. O.; Silva, C. A.; Andrade, A. G.; Madari, B.; Meirelles, M. S. P.; Boletim de Pesquisa e Desenvolvimento 2003, 25.
  36. Embrapa – Centro Nacional de Pesquisa de Solos; Manual de Métodos de Análise de Solo, Centro Nacional de Pesquisa de Solos: Rio de Janeiro, 1997.
  37. Metson, A. J.; Blakemore, L. C.; Rhoades, D. A.; New Zeal. J. Soil Sci. 2002, 167, 281.
  38. Madari, B.; Micheli, E.; Czinkota, I.; Johnston, C. T.; Graveel, J. G.; Agrokémia és Talajtan 1998, 47, 128; Madari, B.; Micheli, E.; Johnston, C. T.; Graveel, J. G.; Czinkota, I.; Agrokémia és Talajtan 1997, 46, 127; McCarty, G. W.; Reeves, J. B. Em Assessment Methods for Soil Carbon; Lal, R.; Kimble, J. M.; Follet, R. F.; Stewart, B. A., eds.; Lewis Publishers: Boca Raton, 2001; Schnitzer, M.; Can. J. Soil Sci. 2001, 81, 249.
  39. Mimmo, T.; Reeves, J. B.; McCarty, G. W.; Galleti, G.; Soil Sci. 2002, 167, 281;
  40. Milori, D. M. B. P.; Martin-Neto, L.; Bayer, C.; Bagnato, V. S.; Resumos do 4° Encontro Brasileiro de Substâncias Húmicas, Viçosa, Brasil, 2001.

Carbono do solo e a Mitigação da Mudança Climática Global

quinta-feira, 28 de julho de 2016

Desmatamento na Amazônia: Dinâmica, Impactos e Controle

Desmatamento na Amazônia: dinâmica, impactos e controle

Philip M. Fearnside,
Desmatamento:
  • O desmatamento na Amazônia brasileira tem aumentado continuamente desde 1991, variando de acordo com as mudanças relacionadas às forças econômicas. 
Estas mudanças incluem um pico no desmatamento em 1995, resultado do Plano Real, iniciação em 1994 e uma queda em 2005, resultado de taxas de câmbio desfavoráveis para exportações, combinado com a “operação Curupira” para reprimir a exploração madeireira ilegal em Mato Grosso, junto com criação de reservas e uma de área interditada no Pará após o assassinato da Irmã Dorothy Stang. 
  • É provável que o desmatamento futuro aumente ainda mais rapidamente por causa da constante expansão da rede de estradas. Decisões para construir ou pavimentar rodovias têm conseqüências de longo alcance, condenando a floresta circunvizinha ao desmatamento (por exemplo, Ferreira et al., 2005; Soares-Filho et al., 2004, 2005). 
Os atores e as forças que conduzem ao desmatamento variam entre partes diferentes da região, e variam ao longo do tempo. Em geral, os grandes e médios fazendeiros respondem pela grande maioria da atividade do desmatamento, mas os pequenos agricultores podem atuar como forças importantes nos lugares onde estão concentrados. 
  • Em Mato Grosso, grandes plantações de soja têm se alastrado em direção ao norte a partir da área de cerrado (Fearnside, 2001). A parte norte do Mato Grosso e muito das partes sul e leste do Pará são dominadas por grandes fazendas de pecuária. Em partes do Pará (tais como focos de desmatamento em Novo Repartimento), pequenos agricultores representam a força principal. 
Em Rondônia e ao longo da rodovia Transamazônica no Pará e no Amazonas, pequenos agricultores são agentes importantes. Porém, regionalmente, fica claro o domínio de fazendas grandes e médias (Fearnside, 2005). 
  • Projetos rodoviários planejados, tais como a reconstrução das rodovias BR-163 (Cuiabá-Santarém) e a BR-319 (Manaus-Porto Velho), implicam na abertura de áreas grandes de floresta para a entrada de agentes de desmatamento. 
O mero anúncio de projetos de construção e de melhoria de rodovias leva a uma corrida especulativa de terra, com “grileiros” (grandes pretendentes ilegais de terra) freqüentemente tomando posse de áreas extensas em antecipação de lucros oriundos do rápido aumento do preço da terra, uma vez que a rodovia esteja completa. 
  • A quantidade continuamente crescente de infra-estrutura de transporte implantada representa uma garantia de níveis significativos de atividade de desmatamento futuro, na qual grande parte fica fora do controle do governo. 
A natureza descontrolada do processo de desmatamento poderia mudar substancialmente se a vontade política para fazer isto existisse. O fato de que a maior parte do desmatamento é feita por grandes fazendeiros representa uma oportunidade porque significa que a taxa global de desmatamento poderia ser reduzida bastante sem qualquer perigo de que agricultores pobres fossem obrigados a passar fome. 
  • A redução da perda de floresta também representa uma oportunidade por causa do fato que a maior parte do desmatamento é para pastagens pouco produtivas, fazendo com que uma redução significativa na taxa de desmatamento tivesse um custo de oportunidade pequeno para a economia nacional
Impactos:
Uso Sustentável:
  • Os impactos do desmatamento incluem a perda de oportunidades para o uso sustentável da floresta, incluindo a produção de mercadorias tradicionais tanto por manejo florestal para madeira como por extração de produtos não-madeireiros. 
O desmatamento, também, sacrifica a oportunidade de capturar o valor dos serviços ambientais da floresta. A natureza não sustentável de praticamente todos os usos de terra implantados, numa escala significante em áreas desmatadas, faz com que as oportunidades perdidas de manter a floresta de pé sejam significativas a longo prazo. 

Biodiversidade: 
  • Os serviços ambientais providos pela manutenção da floresta são muitos. Três grupos de serviços provêem ampla justificativa para manter áreas grandes de floresta: biodiversidade, ciclagem de água e armazenamento de carbono (Fearnside, 1997). 
A Amazônia brasileira tem um número grande de espécies, embora, para muitos grupos, tanto os membros e as distribuições são mal conhecidos. Esta biodiversidade tem valor significativo tanto em termos de utilidade tradicional como em termos de valor de existência (Fearnside, 2003a).
  •  A socio-diversidade também é ameaçada pela perda de floresta, já que isto elimina culturas indígenas e extrativistas tradicionais tais como seringueiros.
Água:
  • A ciclagem de água é uma função ambiental importante para todo o Brasil e para os países vizinhos. Os ventos prevalecentes na Amazônia sopram de leste a oeste, trazendo para a região a cada ano uma quantidade de água calculada em 10 trilhões de m3 , isto sendo na forma de vapor d’água oriundo da evaporação do Oceano Atlântico. 
Na Amazônia, a evapotranspiração da floresta soma 8,4 trilhões de m3 /ano, assim permitindo a precipitação na região totalizar 15 milhões de m3 / ano, excedendo em 50% o total que entra na região a partir do oceano (Salati, 2001). A porcentagem de água reciclada aumenta de leste a oeste na região: quando a água chega aos Andes, 88% dela já caíram pelo menos duas vezes como precipitação (Lettau et al., 1979). 
  • A água reciclada é, então, muito importante para transporte de água da Amazônia para outras regiões. O total de água transportado a outras regiões pode ser deduzido da diferença entre a água que entra (10 trilhões de m3 /ano) e a água que flui na foz do rio Amazonas (6,6 trilhões de m3 /ano). 
A diferença (3,4 trilhões de m3 /ano) deve ser transportado para algum outro lugar. Alguma parte disto escapa da Amazônia, passando por cima do Andes no canto noroeste da região, na Colômbia. Porém, a maior parte da água exportada é redirecionado ao sul quando encontra os Andes. Muito disto depois segue para o leste, fornecendo água para precipitação no centro-sul do Brasil. 
  • A chuva que cai na Serra da Mantiqueira e nas outras cadeias de montanhas litorais passa por uma série de reservatórios hidrelétricos quando desce, ou pelo lado ocidental pela bacia do rio da Prata ou a leste pelo rio São Francisco. Em 2001 a porção não-amazônica do Brasil sofreu blecautes e racionamento de eletricidade devido à falta de água nestes reservatórios. 
Estes reservatórios enchem durante algumas poucas semanas em dezembro e janeiro, no pico da estação chuvosa na região centro-sul que também é o período do ano no geral o papel da Amazônia tem a sua contribuição máxima (veja Fearnside, 2004). 
  • Em 2003 os reservatórios que abastecem São Paulo e Rio de Janeiro com água potável alcançaram níveis muito baixos; se o começo da estação chuvosa tivesse atrasado cerca de 15 dias a mais teria faltado água potável em ambas as cidades. Claramente, as cidades principais do Brasil já estão no limite de abastecimento de água, e qualquer redução significativa de transporte de vapor de água da Amazônia teria sérias conseqüências sociais. 
Carbono:
  • O desmatamento emite gás carbônico (CO2 ) e outros gases de efeito estufa. Uma parte do CO2 é reabsorvido depois através do recrescimento de florestas secundárias nas áreas desmatadas, mas os outros gases de efeito estufa, tais como metano (CH4 ) e óxido nitroso (N2 O), não são. 
A quantidade de carbono absorvida como CO2 pelo recrescimento de florestas secundárias é pequena quando comparada à emissão inicial, porque a biomassa por hectare da floresta secundária é muito mais baixa que a da floresta primária. 
  • A taxa de crescimento de floresta secundária é lenta porque a maioria das áreas desmatadas é de pastagens degradadas com solo compactado e esgotado de nutrientes. Em 2004, quando 27.429 km2 de desmatamento aconteceram (INPE, 2006), a emissão líquida comprometida somou 495 milhões de toneladas de carbono CO2 -equivalente, enquanto a estimativa de 18.793 km2 para 2005 corresponde a 348 milhões de toneladas (atualizado de Fearnside, 2003a). 
A emissão por unidade de área de desmatamento é mais que o dobro da quantidade calculada no inventário nacional brasileiro de emissões de gases de efeito estufa (MCT, 2004, pág. 147), em grande parte porque o inventário omite componentes da floresta, tais como, as raízes das árvores e a biomassa morta, e por causa da suposição pouca realista de alta absorção de carbono através do recrescimento da floresta secundária (veja Fearnside & Laurance, 2004). 
  • A grande emissão líquida de gases de efeito estufa causada pelo desmatamento representa uma oportunidade porque o valor em potencial de não desmatar cada hectare é pelo menos duas ordens de magnitude maior que o valor que pode ser ganho vendendo mercadorias tradicionais como madeira e carne bovina (Fearnside, 2003a). Uma decisão em 2001 barrou a concessão de crédito de carbono por desmatamento evitado sob o Protocolo de Kyoto durante o período até 2012. 
Negociações começaram em novembro de 2005 para estabelecer as regras para o período seguinte, que começa em 2013. Crédito deste tipo oferece o prospecto de fluxos monetários que poderiam ajudar manter a população da região em uma base sustentável (Fearnside, 2003a).

Desmatamento na Amazônia: dinâmica, impactos e controle

Retroalimentação com a Mudança de Clima:
  • A floresta amazônica tem uma série de ligações de retroalimentação com e mudança climática que representa uma ameaça séria à existência da floresta e para a continuação de seus serviços ambientais. Um mecanismo é por perda de evapotranspiração, assim reduzindo a precipitação a ponto em que a floresta deixa de ser o tipo de vegetação favorecido pelo clima da região (por exemplo, Shukla et al., 1990). 
A floresta seria substituída com um tipo de vegetação parecido com o cerrado, por meio da savanização. Até 60% da floresta amazônica no Brasil poderia ser transformado em cerrado pelo processo de savanização (Oyama & Nobre, 2003). Uma ameaça separada resulta do aumento da freqüência do fenômeno de El Niño. 
  • Os eventos El Niño aumentaram em freqüência desde 1976, indicando uma mudança no sistema climatológico global (Nicholls et al., 1996). O fenômeno El Niño causa secas na Amazônia que, por sua vez, provê condições para incêndios destrutivos, como os que ocorreram em Roraima em 1997-1998 (Barbosa & Fearnside, 1999). Eles também conduzem à perda de carbono de ecossistemas de floresta em pé, mesmo na ausência de fogo (Tian et al., 1998; Camargo et al., 2004). 
A mudança continuada no equilíbrio entre anos El Niño, quando a floresta perde carbono, e os anos do tipo “normal” e de La Niña, quando a floresta pode ganhar carbono, implica em uma perda a longo prazo de quantias grandes de carbono. Vários estudos apontam para o efeito estufa como a causa subjacente do aumento de El Niño (por exemplo, Timmerman et al., 1999). 
  • O aumento contínuo do aumento do efeito estufa, como projetado por todos os modelos climáticos na ausência de mudanças significantes nas emissões antropogênicas mundiais, implica em eventos de El Niño que são mais freqüentes e, provavelmente, mais severos. 
O efeito estufa pode causar a morte da floresta amazônica diretamente, além de seu efeito provável por meio do El Niño. Médias de temperatura mais altas exigem que cada árvore use mais água para executar a mesma quantia de fotossíntese. O efeito estufa não acontece uniformemente sobre o planeta, e é esperado que a Amazônia seja um dos locais com os maiores aumentos de temperatura (Stainforth et al., 2005). 
  • Simulações que presumem alta sensibilidade climática (a quantidade de elevação da temperatura média global para cada unidade de concentração de CO2 adicional na atmosfera) indicam aumentos de temperatura média tão alto quanto 14º C na Amazônia (Stainforth et al., 2005, p. 405). Isto implica em picos de temperatura de bem mais de 50º C, o que não só resultariam em morte da floresta mas também em aumento na mortalidade humana. 
Projeções mais modestas indicam aumentos de temperatura de aproximadamente 6º C, que também seriam catastróficos. Os resultados de Stainforth et al. (2005) indicando aumento de 14º C na Amazônia até aproximadamente 2070 sob alta sensitividade climática está defasada devido a revisões para baixo das probabilidades de valores muito altos para a sensitividade climática (Hegerl et al., 2006). 
  • Presumindo proporcionalidade, o aumento de 14°C seria alcançada 30 anos mais tarde em 2100. Espera-se atualmente que o sistema de clima global se mantenha em um El Niño permanente caso o efeito estufa continue aumentando sem mitigação. Este resultado foi encontrado primeiro pelo modelo do Hadley Center, do Escritório Meteorológico do Reino Unido (Cox et al., 2000, 2004). 
Inicialmente, os outros modelos de clima global não mostravam isto, mas agora foram acrescentadas a estes modelos as retroalimentações de sistema acoplado biosfera-atmosfera que foram incluídas primeiro no modelo do Hadley Center, com o resultado que hoje a maioria dos modelos (5 entre 7) apresentam a formação do El Niño permanente. 
  • O modelo do Hadley Center, que projeta o cenário mais catastrófico para a Amazônia, também é o modelo que melhor representa o clima atual desta região (J.A. Marengo, declaração pública, 2005). A morte da floresta amazônica contribuiria numa retroalimentação significativa para intensificar o efeito estufa, tanto por liberação de carbono da biomassa da floresta (Huntingford et al., 2004) como por liberação de carbono do solo (Huntingford et al., 2004; Jones et al., 2005). 
Isto eleva o espectro do “efeito estufa fugitivo”, onde o aquecimento global escapa de controle de humano e continua aumentando independentemente de quaisquer cortes nas emissões antropogênicas que possam ser alcançadas. Uma pesquisa recente indica que ocorreram perdas de estoques de carbono do solo na Grã Bretanha mesmo com o modesto nível atual de aumento da temperatura global desde 1900, de apenas 0,8º C Hansen et al., 2006). 
  • Os estoques globais de carbono contidos nos solos, como os da Amazônia, dê a este, o potencial para alcançar o limiar para o efeito estufa fugitivo (Fearnside, 2007). Uma indicação da capacidade de mudança climática para liberar grandes estoques de carbono independente da vontade humana foi provida pela seca na Amazônia em 2005. 
Esta seca causou níveis de água muito baixos em todos os afluentes do lado sul do rio Amazonas, assim como também nas calhas principais dos rios Amazonas e Solimões. Incêndios afetaram muitas áreas que não estão historicamente sujeitas a fogos, inclusive a Reserva Extrativista Chico Mendes, no Acre. 
  • A seca não foi causada pelo El Niño, mas sim por uma massa de água morna no Oceano Atlântico (Fearnside, 2006). Na época do período de pico da seca na Amazônia, a zona de convergência intertropical (ITCZ) ficava situada aproximadamente na latitude de 12º N, ou seja, em cima da área de água morna. A energia da água morna causou a intensificação da ascensão de ar no ITCZ, assim aumentando a circulação de Hadley, inclusive a descida do ar seco em cima das cabeceiras dos afluentes do lado sul do rio Amazonas. 
Anomalias de temperatura no Atlântico seguem um ciclo natural de 60 anos, e este ciclo estava em um ponto alto em 2005 (Marengo & Nobre, 2005). De junho a outubro de 2005 a temperatura média da superfície do mar no Atlântico Norte Tropical era 0,92º C acima da média para 1901-1970; a metade disto (0,45º C) era devido ao aquecimento global, o resto sendo do ciclo natural de 60 anos (< 0,1° C), o efeito residual de El Niño no ano anterior (0,2º C) e de fenômenos com variabilidade de ano a ano (0,2º C) (Trenberth & Shea, 2006). 
  • Um fator adicional que contribui à acumulação de água morna no Atlântico pode ser a redução da velocidade de movimento da Corrente Marinha do Golfo, como resultado da debilitação da circulação termohalina (por exemplo, Bryden et al., 2005). 
É esperado que o efeito estufa debilite esta circulação e, além disso, pode ser esperado que o aquecimento geral dos oceanos faça massas de água morna exceder as temperaturas de limiar com maior freqüência em geral, incluindo tanto as anomalias de temperatura no Atlântico, assim como o aquecimento da água superficial do Oceano Pacífico que ativa o fenômeno El Niño.

Controle do Desmatamento:
  • O controle do desmatamento é essencial para evitar os impactos da perda de floresta. Muito do processo do desmatamento está atualmente fora de controle do governo (por exemplo, Torres, 2005). 
Não obstante, a ação de governo já mostrou ter uma influência notável sobre as taxas de desmatamento onde foram aplicados esforços para fazer cumprir a legislação indo mais além do que uma base simbólica. Um exemplo histórico importante é o programa de licenciamento e controle de desmatamento executado pelo governo do estado de Mato Grosso de 1999 a 2001 (Fearnside, 2003b). 
  • Este alcançou reduções significantes no desmatamento no estado como um todo, como mostrado pelas tendências em municípios onde uma fração significativa da floresta continuava em pé exposta ao desmatamento. 
A explosão subseqüente do desmatamento no estado que resultou de uma mudança no governo estadual realça a importância de políticas de governo por estas tendências (Fearnside & Barbosa, 2004). Em 2005, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) empreendeu a “Operação Curupira” para reprimir a exploração ilegal de madeira, que também parece ter contribuído para reduzir a velocidade de desmatamento naquele ano, embora outros fatos como baixos preços da soja e da carne bovina também contribuíram. 
  • Além da repressão ao desmatamento em áreas onde o desmatamento já é bem avançado em propriedades privadas, decisões de governo terão grande efeito sobre a taxa de desmatamento regional quando obras de infra-estrutura de transporte forem aprovadas e construídas. O estudo de impacto ambiental (EIA/RIMA), exigido para projetos de rodovia desde 1986, ainda está sendo testado quando a pressão é grande para reconstrução de rodovias, como no caso da rodovia BR-319 (Fearnside & Graça, 2006). 
Até agora, estes estudos não refletem os impactos principais de projetos que são o custo ambiental do desmatamento que estende além das rotas de rodovias e o aumento de migração para áreas novas quando o acesso ficar mais fácil (Fearnside, 2002). O elemento fundamental para reduzir a velocidade do desmatamento, e um dia pará-lo, é a vontade política para fazer isto. 
  • Fluxos monetários dos serviços ambientais da redução da velocidade do desmatamento poderiam prover a motivação para isto, assim como a motivação poderia vir dos impactos diretos do Brasil, tais como a perda de provisão de vapor de água para os principais centros de população do País na região centro-sul. 
A cima de tudo, os líderes do País têm que ter a confiança que a ação de governo realmente pode frear, ou mesmo parar, o desmatamento. Existe uma forte tendência para as pessoas verem a Amazônia em termos fatalistas, incluindo tanto o desmatamento como as conseqüências da mudança climática. Mas estas mudanças dependem de decisões humanas. Nós temos livre-arbítrio, e nós temos que ter a coragem para usá-lo.

Agradecimentos:
  • Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq: Proc. No. 306031/2004-3) e ao Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA: PPI 1-1005) pelo apoio financeiro. P.M.L.A. Graça fez comentários sobre o manuscrito
Literatura Citada:

Barbosa, R.I.; Fearnside, P.M. 1999. Incêndios na Amazônia brasileira: estimativa da emissão de gases do efeito estufa pela queima de diferentes ecossistemas de Roraima na passagem do evento “El Niño” (1997/98). Acta Amazonica 29: 513–534.
Bryden, H.; Longwort, H.; Cunningham, S. 2005. Slowing of the Atlantic meridional overturning circulation at 25 N. Nature 438: 665-657.
Cox, P.M.; Betts, R.A.; Collins, M.; Harris, P.; Huntingford, C.; Jones, C.D. 2004. Amazonian dieback under climate-carbon cycle projections for the 21st century. Theoretical and Applied Climatology 78: 137-156.
Cox, P.M.; Betts, R.A.; Jones, C.D.; Spall, S.A.; Totterdell, I.J. 2000. Acceleration of global warming due to carbon-cycle feedbacks in a coupled climate model. Nature 408: 184-187.
Fearnside, P.M. 1993. Desmatamento na Amazônia: Quem tem razão nos cálculos—o INPE ou a NASA? Ciência Hoje 16(96): 6-8.
Fearnside, P.M. 1997. Serviços ambientais como estratégia para o desenvolvimento sustentável na Amazônia rural. p. 314-344 In: C. Cavalcanti (ed.) Meio Ambiente, Desenvolvimento Sustentável e Políticas Públicas. São Paulo, SP: Editora Cortez. 436pp.
Fearnside, P.M. 2001. Soybean cultivation as a threat to the environment in Brazil. Environmental Conservation 28: 23-38.
Fearnside, P.M. 2002. Avança Brasil: Environmental and social consequences of Brazil’s planned infrastructure in Amazonia. Environmental Management 30(6): 748-763.
Fearnside, P.M. 2003a. A Floresta Amazônica nas Mudanças Globais. Manaus, AM: Instituto Nacional de Pesquisas da AmazôniaINPA, 134pp.
Fearnside, P.M. 2003b. Deforestation control in Mato Grosso: A new model for slowing the loss of Brazil’s Amazon forest. Ambio 32(5): 343-345.
Fearnside, P.M. 2004. A água de São Paulo e a floresta amazônica. Ciência Hoje 34(203): 63-65.
Fearnside, P.M. 2005. Deforestation in Brazilian Amazonia: History, rates and consequences. Conservation Biology 19(3): 680-688.
Fearnside, P.M. 2006. A vazante na Amazônia e o aquecimento global. Ciência Hoje 38(231): 76-78.
Fearnside, P.M. 2007. Estoque e estabilidade do carbono nos solos na Amazônia brasileira. In: W.G. Teixeira, B.E. Madari, V.M. Benites, D.C. Kern & N.P.S. Falcão (eds.) As Terras Pretas de Índio: Caracterização e Manejo para Formação de Novas Áreas. Belém, Pará: Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA) (no prelo).
Fearnside, P.M.; Barbosa, R.I. 2003. Avoided deforestation in Amazonia as a global warming mitigation measure: The case of Mato Grosso. World Resource Review 15(3): 352-361.
Fearnside, P.M.; Graça, P.M.L.A. 2006. BR-319: Brazil’s Manaus Porto Velho Highway and the potential impact of linking the arc of deforestation to central Amazonia. Environmental Management 38(5): 705-716.
Fearnside, P.M.; Laurance, W.F. 2004. Tropical deforestation and greenhouse gas emissions.
Ecological Applications 14(4): 982- 986.
Ferreira, L.V.; Venticinque, E.; de Almeida, S.S. 2005. O Desmatamento na Amazônia e a importância das áreas protegidas. Estudos Avançados 19(53): 1-10.
Hansen, J.; Sato, M.; Ruedy, R.; Lea, D.W.; Medina-Elizade, M. 2006. Global temperature change. Proceedings of the National Academy of Sciences 203(39): 14288-14293.
Hegerl, G.C.; Crowley, T.J.; Hyde, W.T.; Frame, D.J. 2006. Climate sensitivity constrained by temperature reconstructions over the past seven centuries. Nature 440: 1029-1032.
Huntingford, C.; Harris, P.O.; Gedney, N.; Cox, P.M.; Betts, R.A.; Marengo, J.A.; Gash, J.H.C. 2004. Using a GCM analogue model to investigate the potential for Amazonian forest dieback. Theoretical and Applied Climatology 78: 177-185.
INPE. 2006. Estimativas Anuais desde 1988: Taxa de desmatamento anual (km2 /ano). Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), São José dos Campos, São Paulo. (disponível em: http:/ /www.obt.inpe.br/prodes/prodes_1988_2005.htm).
Jones, C.C.; McConnell, K.; Coleman, P.; Cox, P.; Faloon, P.; Jenkinson, D.; Powlson, D. 2005. Global climate change and soil carbon stocks; predictions from two contrasting models for the turnover of carbon in soils. Global Change Biology 11: 114- 166.
Laurance, W.F.; Cochrane, M.A.; Bergen, S.; Fearnside, P.M.; Delamônica, P.; Barber, C.; D’Angelo, S.; Fernandes, T. 2001. The Future of the Brazilian Amazon. Science 291: 438-439. Lettau, H.;
Lettau, K.; Molion, L.C.B. 1979. Amazonia’s hydrologic cycle and the role of atmospheric recycling in assessing deforestation effects. Monthly Weather Review 107(3): 227-238.
Marengo, J.A.; Nobre, C.A. 2005. Lições do Catarina e do Katrina. As mudanças do clima e os fenômenos extremos. Ciência Hoje 37(221): 22-27.
MCT. 2004. Brazil’s National Communication to the United Nations Framework Convention on Climate Change. General Coordination on Global Climate Change, Ministry of Science and Technology (MCT), Brasília, DF.
Nicholls, N. & 98 outros. 1996. Observed climate variability and change. pp. 133-192 In: Houghton, J.T., L.G. Meira Filho, B.A. Callander, N. Harris, A. Kattenberg & K. Maskell (eds.). Climate Change 1995: The Science of Climate Change. Cambridge University Press, Cambridge, Reino Unido. 572 p.
Oyama, M.D.; Nobre, C.A. 2003. A new climate-vegetation equilibrium state for Tropical South America. Geophysical Research Letters 30(23): 2199-2203.
Rice, A.H.; Pyle, E.H.; Saleska, S.R.; Hutyra, L.; Palace, M.; Keller, M.; de Camargo, P.B.; Portilho, K.; Marques, D.F.; Wofsy, S.C. 2004. Carbon balance and vegetation dynamics in an old-growth Amazonian forest. Ecological Applications 14(4): s55-s71.
Salati, E. 2001. Mudanças climáticas e o ciclo hidrológico na Amazônia. pp. 153-172 In: V. Fleischresser (ed.), Causas e Dinâmica do Desmatamento na Amazônia. Ministério do Meio Ambiente, Brasília, DF. 436pp.
Shukla, J., Nobre, C.A.; Sellers, P. 1990. Amazon deforestation and climate change. Science 247: 1322-1325.
Soares-Filho, B.S.; Alencar, A.A.; Nepstad, D.C.; Cerqueira, G.C.; Diaz, M. del C.V.; Rivero, S.; Solórzano, L.; Voll, E. 2004. Simulating the response of land-cover changes to road paving and governance along a major Amazon highway: The Santarém Cuiabá corridor. Global Change Biology 10(5): 745-764.
Soares-Filho, B.S.; Nepstad, D.C.; Curran, L.; Cerqueira, G.; Garcia, R.A.; Ramos, C.A.; Lefebvre, P.; Schlesinger, P.; Voll, E.; McGrath, D. 2005. Cenários de desmatamento para Amazônia. Estudos Avançados 19(54): 138-152.
Stainforth, D.A.; Aina, T.; Christensen, C.; Collins, M.; Faull, N.; Frame, D.J.; Kettleborough, J.A.; Knight, S.; Martin, A.; Murphy, J.M.; Piani, C.; Sexton, D.; Smith, L.A.; Spicer, R.A.; Thorpe, A.J.; Allen, M.R. 2005. Uncertainty in predictions of the climate response to rising levels of greenhouse gases. Nature 433: 403- 406.
Tian, H.; Mellilo, J.M.; Kicklighter, D.W.; McGuire, A.D.; Helfrich III, J.V.K.; Moore III, B.; Vörösmarty, C. 1998. Effect of interannual climate variability on carbon storage in Amazonian ecosystems. Nature 396: 664-667.
Timmermann, A.; Oberhuber, J.; Bacher, A.; Esch, M.; Latif, M.; Roeckner, E. 1999. Increased El Niño frequency in a climate model forced by future greenhouse warming. Nature 398: 694- 696.
Torres, M. (ed.) 2005. Amazônia revelada: Os descaminhos ao longo da BR-163. Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Brasília, DF. 496pp.
Trenberth, K.E.; Shea D.J. 2006. Atlantic hurricanes and natural variability in 2005. Geophysical Research Letters 33(L120704) DOI: 10.1029//2006GL026894

Desmatamento na Amazônia: dinâmica, impactos e controle

quarta-feira, 27 de julho de 2016

Agroecologia: Enfoque científico e estratégico

Agroecologia: Enfoque científico e estratégico

Francisco Roberto Caporal,
José Antônio Costabeber
  • Agroecologia nos faz lembrar de uma agricultura menos agressiva ao meio ambiente, que promove a inclusão social e proporciona melhores condições econômicas para os agricultores de nosso estado. 
Não apenas isso, mas também temos vinculado a Agroecologia à oferta de produtos "limpos", ecológicos, isentos de resíduos químicos, em oposição àqueles característicos da Revolução Verde. 
  • Portanto, a Agroecologia nos traz a idéia e a expectativa de uma nova agricultura, capaz de fazer bem aos homens e ao meio ambiente como um todo, afastando-nos da orientação dominante de uma agricultura intensiva em capital, energia e recursos naturais não renováveis, agressiva ao meio ambiente, excludente do ponto de vista social e causadora de dependência econômica. 
Por outro lado, e isto é importante que se diga, o entendimento do que é a Agroecologia e onde queremos e podemos chegar com ela não está claro para muitos de nós ou, pelo menos, temos tido interpretações conceituais diversas que, em muitos casos, acabam nos prejudicando ou nos confundindo em relação aos propósitos, objetivos e metas do trabalho que todos estamos empenhados em realizar. 
  • Apenas para dar alguns exemplos do mau uso do termo, não raras vezes tem-se confundido a Agroecologia com um modelo de agricultura, com um produto ecológico, com uma prática ou tecnologia agrícola e, inclusive, com uma política pública. Isso, além de constituir um enorme reducionismo do seu significado mais amplo, atribui à Agroecologia definições que são imprecisas e incorretas sob o ponto de vista conceitual e estratégico, mascarando a sua real potencialidade de apoiar processos de desenvolvimento rural. 
Por esses motivos, e sem ter a pretensão de fazer, neste momento, qualquer aprofundamento teórico e/ou metodológico, nos parece conveniente mencionar, objetivamente, como a Agroecologia vem sendo encarada sob o ponto de vista acadêmico e o seu vínculo com a promoção do desenvolvimento rural sustentável. Com base em vários estudiosos e pesquisadores nesta área (Altieri, Gliessman, Noorgard, Sevilla Guzmán, Toledo, Leff), a Agroecologia tem sido reafirmada como uma ciência ou disciplina científica, ou seja, um campo de conhecimento de caráter multidisciplinar que apresenta uma série de princípios, conceitos e metodologias que nos permitem estudar, analisar, dirigir, desenhar e avaliar agroecossistemas. 
  • Os agroecossistemas são considerados como unidades fundamentais para o estudo e planejamento das intervenções humanas em prol do desenvolvimento rural sustentável. Nestas unidades geográficas e socioculturais que ocorrem os ciclos minerais, as transformações energéticas, os processos biológicos e as relações sócio-econômicas, constituindo o lócus onde se pode buscar uma análise sistêmica e holística do conjunto destas relações e transformações. 
Sob o ponto de vista da pesquisa Agroecológica, os primeiros objetivos não são a maximização da produção de uma atividade particular, mas sim a otimização do equilíbrio do agroecossistema como um todo, o que significa a necessidade de uma maior ênfase no conhecimento, na análise e na interpretação das complexas relações existentes entre as pessoas, os cultivos, o solo, a água e os animais. 
  • Por esta razão, as pesquisas em laboratório ou em estações experimentais, ainda que necessárias, não são suficientes, pois, sem uma maior aproximação com os diferentes agroecossistemas, elas não correspondem à realidade objetiva onde seus achados serão aplicados e, tampouco, resguardam o enfoque ecossistêmico desejado. São relações complexas deste tipo que alimentam a moderna noção de sustentabilidade, tão importante aspecto a ser considerado na atual encruzilhada em que se encontra a humanidade. 
Em essência, o Enfoque Agroecológico corresponde à aplicação de conceitos e princípios da Ecologia, da Agronomia, da Sociologia, da Antropologia, da ciência da Comunicação, da Economia Ecológica e de tantas outras áreas do conhecimento, no redesenho e no manejo de agroecossistemas que queremos que sejam mais sustentáveis através do tempo. 
  • Trata-se de uma orientação cujas pretensões e contribuições vão mais além de aspectos meramente tecnológicos ou agronômicos da produção agropecuária, incorporando dimensões mais amplas e complexas, que incluem tanto variáveis econômicas, sociais e ecológicas, como variáveis culturais, políticas e éticas. 
Assim entendida, a Agroecologia corresponde, como afirmamos antes, ao campo de conhecimentos que proporciona as bases científicas para apoiar o processo de transição do modelo de agricultura convencional para estilos de agriculturas de base ecológica ou sustentáveis, assim como do modelo convencional de desenvolvimento a processos de desenvolvimento rural sustentável. 
  • Suas bases epistemológicas mostram que, historicamente, a evolução da cultura humana pode ser explicada com referência ao meio ambiente, ao mesmo tempo em que a evolução do meio ambiente pode ser explicada com referência à cultura humana. 

Agroecologia: Enfoque científico e estratégico

Ou seja:
  • Os sistemas biológicos e sociais têm potencial agrícola; 
  • Este potencial foi captado pelos agricultores tradicionais através de um processo de tentativa, erro, aprendizado seletivo e cultural; 
  • Os sistemas sociais e biológicos co-evoluíram de tal maneira que a sustentação de cada um depende estruturalmente do outro; 
  • A natureza do potencial dos sistemas social e biológico pode ser melhor compreendida dado o nosso presente estado do conhecimento formal, social e biológico, estudando-se como as culturas tradicionais captaram este potencial; 
  • O conhecimento formal, social e biológico, o conhecimento obtido do estudo dos sistemas agrários convencionais, o conhecimento de alguns insumos desenvolvidos pelas ciências agrárias convencionais e a experiência com instituições e tecnologias agrícolas ocidentais podem se unir para melhorar tanto os agroecossistemas tradicionais como os modernos; 
  • O desenvolvimento agrícola, através da Agroecologia, manterá mais opções culturais e biológicas para o futuro e produzirá menor deterioração cultural, biológica e ambiental que os enfoques das ciências convencionais por si sós (Norgaard, 1989). 
Dentro desta perspectiva, especialmente ao longo dos últimos 3 anos, o Rio Grande do Sul vem se transformando em um estado onde existem referências concretas quanto ao processo de transição agroecológica a partir da adoção dos princípios da Agroecologia como base científica para orientar esta transição a estilos de agricultura e desenvolvimento rural sustentáveis. 
  • Não obstante, ainda que o tema, como abordamos acima, tenha sido objeto de discussão em distintos eventos realizados em todas as regiões do estado e esteja presente em vários textos e documentos de ampla circulação, continuamos a observar que segue existindo um uso equivocado do termo Agroecologia e de seu significado. 
Por este motivo, nos parece importante reforçar a noção de Agroecologia que vem respaldando o processo de transição agroecológica em curso com seu caráter eco-social, como fazemos neste artigo de opinião. 
  • Na prática e teoricamente, a Agroecologia precisa ser entendida como um enfoque científico, uma ciência ou um conjunto de conhecimentos que nos ajuda tanto para a análise crítica da agricultura convencional (no sentido da compreensão das razões da insustentabilidade da agricultura da Revolução Verde), como também para orientar o correto redesenho e o adequado manejo de agroecossistemas, na perspectiva da sustentabilidade. 
Assim sendo, o Enfoque Agroecológico, como o estamos entendendo no Rio Grande do Sul, traz consigo as ferramentas teóricas e metodológicas que nos auxiliam a considerar, de forma holística e sistêmica, as seis dimensões da sustentabilidade, ou seja: a Ecológica, a Econômica, a Social, a Cultural, a Política e a Ética (Caporal e Costabeber, 2002). 
  • Partindo desta compreensão, repetimos que a Agroecologia não pode ser confundida com um estilo de agricultura. Também não pode ser confundida simplesmente com um conjunto de práticas agrícolas ambientalmente amigáveis. 
Ainda que ofereça princípios para estabelecimento de estilos de agricultura de base ecológica, não se pode confundir Agroecologia com as várias denominações estabelecidas para identificar algumas correntes da agricultura "ecológica". 
  • Portanto, não se pode confundir Agroecologia com "agricultura sem veneno" ou "agricultura orgânica", por exemplo, até porque estas nem sempre tratam de enfrentar-se em relação aos problemas presentes em todas as dimensões da sustentabilidade. 
Estas são considerações que julgamos ser de suma importância quando se almeja promover a construção de processos de desenvolvimento rural sustentável, orientados pelo imperativo socioambiental, com participação e equidade social, como já nos referimos em outro texto (Caporal e Costabeber, 2000; 2001).

Referências Bibliográficas:

CAPORAL, F. R.; COSTABEBER, J. A. Agroecologia e desenvolvimento rural sustentá- vel: perspectivas para uma nova Extensão Rural. Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável, Porto Alegre, v.1, n.1, p.16-37, jan./mar. 2000. 
CAPORAL, F. R.; COSTABEBER, J. A. Agroecologia e desenvolvimento rural sustentável: perspectivas para uma nova Extensão Rural. In: ETGES, Virgínia Elisabeta (Org.). Desenvolvimento rural: potencialidades em questão. Santa Cruz do Sul: EDUSC, 2001. p.19-52. CAPORAL, F. R.; 
COSTABEBER, J. A. Agroecologia! enfoque científico e estratégico para apoiar o desenvolvimento rural sustentável. Porto Alegre: 
EMATER/RS, 2002. 48p. (mimeo.). 
NORGAARD, R. B. A base epistemológica da Agroecologia. In: ALTIERI, M. A. (ed.). Agroecologia: as bases científicas da agricultura alternativa. Rio de Janeiro: PTA/FASE, 1989. p.42-48

Agroecologia: Enfoque científico e estratégico

terça-feira, 26 de julho de 2016

O hiperrealismo das mudanças climáticas e as várias faces do negacionismo

O hiperrealismo das mudanças climáticas e as várias faces do negacionismo

Déborah Danowski
Publicado originalmente no Diário de S. Paulo em 7 de julho de 1957.
"A intrusão do tipo de transcendência que denomino Gaia faz existir no seio de nossas vidas um desconhecido maior, e que está aí para ficar. É o que, aliás, talvez seja mais difícil de conceber: não existe futuro previsível em que ela [Gaia] nos restituirá a liberdade de ignorá-la; não se trata de ‘um mau momento que vai passar’, seguido de uma forma qualquer de happy end no sentido pobre de ‘problema resolvido’. Não estamos mais autorizados a esquecê-lo. Teremos que responder sem cessar por aquilo que fazemos face a um ser implacável, surdo às nossas justificações. (Isabelle Stengers, Au temps des catastrophes: résister à la barbarie qui vient. Paris: La Découverte, 2009)."
Introdução: “Hiperobjetos” e “Intrusão de Gaia”:
  • As mudanças climáticas se incluem na classe desses objetos especiais que Timothy Morton chamou recentemente de “hiperobjetos” (em The Ecological Thought. Cambridge, Massachusetts: Harvard University Press, 2010). 
Hiperobjetos são um tipo relativamente novo de objetos que, segundo Morton, desafiam a percepção que temos (ou que o senso comum tem) do tempo e do espaço, porque estão distribuídos de tal maneira pelo globo terrestre que não podem ser apreendidos diretamente por nós, ou então que duram ou produzem efeitos cuja duração extravasa enormemente a escala da vida humana conhecida. Um exemplo de hiperobjetos são os materiais radioativos. 
  • O plutônio 239, por exemplo, tem uma meia-vida de 24.100 anos, de modo que sua utilização no presente pode ter efeitos que duram mais do que já durou qualquer evento de que tenhamos notícia na história humana escrita. 
Um segundo exemplo é o aquecimento global e as mudanças climáticas que dele se seguirão em maior ou menor grau, podendo durar milênios até que sejam restabelecidas as condições climáticas que hoje conhecemos – só que então talvez não estejamos mais aqui para testemunhar esse restabelecimento. A guerra atômica também pode ser dita um hiperobjeto. 
  • Há uns dois anos, ao ler pela primeira vez o manifesto sobre a bomba atômica escrito por Russell, Einstein e outros em 1955, fiquei enormemente surpresa ao pensar em como ele ainda é atual, em virtude de uma série de relações que se podem estabelecer entre a ameaça atômica e a ameaça representada pelo aquecimento global. 
Como sabemos, o manifesto foi uma tentativa de alertar o mundo acerca dos perigos de uma guerra atômica: pela primeira vez, a espécie humana dispunha dos meios tecnológicos de destruir a si mesma. E o que se pedia ali não era pouco: que se pusessem em segundo plano disputas políticas e ideológicas, diferenças de raça e de nacionalidade, que se abrisse mão até mesmo da soberania nacional, se fosse preciso, em nome do fim das guerras, uma vez que uma guerra mundial com o uso generalizado de armas atômicas só poderia ter um desfecho: o fim da espécie. 
  • Um dos grandes obstáculos para que as pessoas se conscientizem disso, continuava o texto, é que “humanidade” ou “espécie humana” parece algo vago e abstrato demais, e é preciso que se entenda que o perigo é, ao contrário, muito preciso e concreto: a ameaça é às pessoas mesmas, a seus filhos e netos.
Há muitas semelhanças, mas muitas diferenças também, entre o que estava exposto no manifesto de Russell/Einstein e os discursos ambientalistas e/ou científicos acerca do aquecimento global e das catástrofes que podem se seguir a ele. 
  • Uma diferença importante é que, no manifesto de 1955, simplesmente não se falava em natureza, nem em outras formas de vida além da humana – exceto por uma alusão aos peixes apanhados pelos pescadores japoneses após o ataque nuclear sobre Hiroshima, que estavam contaminados, como, aliás, os pescadores. 
Hoje, ao se falar em crise ambiental, não se pode deixar de lado o fato de que, sem as outras formas de vida, a espécie humana sequer existiria; que tudo está ligado, como diria Leibniz repetindo Hipócrates.; e que a extinção em massa de outras espécies muito provavelmente significaria, por si só, a extinção da nossa. 
  • Outra diferença entre a ameaça nuclear e a ambiental é que o medo de uma guerra atômica era o medo de uma possibilidade – ainda que na época a guerra parecesse, e talvez até fosse mesmo, mais do que uma simples possibilidade, e em muitos momentos da história tenha chegado a ser bastante provável. 
De qualquer forma, embora as armas atômicas já estivessem então onde continuam a estar hoje, sempre foi e ainda é perfeitamente possível que elas jamais sejam usadas numa guerra. Por outro lado, caso isso aconteça, a catástrofe se seguirá muito rapidamente, de uma só vez. Se acontecer, ninguém terá nenhuma dúvida sobre o que estará acontecendo. 
  • O aquecimento global, em troca, já não é mais apenas uma possibilidade, é uma realidade. Segundo alguns estudos, mesmo que hoje o mundo parasse completamente de produzir gases de efeito estufa, a temperatura da Terra iria subir mais de 2 graus Celsius até o próximo século em comparação com a temperatura média da época da Revolução Industrial, só como consequência do CO2 e outros gases de efeito estufa que já estão circulando na atmosfera e nos oceanos. 
Por outro lado, os efeitos desse aumento sobre o clima serão bem mais lentos que os das bombas atômicas, serão esparsos e aparentemente desconectados uns dos outros. Isso, pelo menos, antes de os biomas atingirem seus chamados “tipping points”, ou pontos de não retorno, em que certas alterações retroalimentam outras, gerando efeitos não lineares em grande escala e comportamentos “catastróficos”, no sentido matemático do termo. 
  • Temos visto nos últimos anos cada vez mais eventos climáticos extremos, e no Brasil não faltam exemplos desse tipo. As chuvas torrenciais que caíram sobre a região serrana do Rio de Janeiro em janeiro de 2011 foram bem reais, mas não é assim tão evidente que se possa relacionar esse fato, aparentemente isolado, às mudanças climáticas devidas ao aquecimento global. As evidências vão se acumulando lentamente, e em relação a cada uma delas, considerada separadamente, sempre é possível se perguntar se ela se deve ou não ao aumento da temperatura média da Terra. 
Os ciclones extra-tropicais no sul do Brasil foram um evento climático tão inusitado que demorou para receber o nome apropriado: furacão, de categoria 1. A região amazônica teve em um intervalo de cinco anos (em 2005 e em 2010) duas secas extremas que só deveriam acontecer uma vez a cada século. Ondas de calor, chuvas, cheias e secas têm se sucedido de maneira cada vez mais frequente, deixando em situação de risco um número crescente de pessoas. 
  • Nada disso, entretanto, é suficiente para tornar concreto, objetivo, ou objetificável, o fato do aquecimento global. Quantos eventos extremos, quantas populações serão obrigadas e deixar suas terras e seus países, antes que finalmente se diga: “pronto: as mudanças climáticas já estão aqui”? Ao que tudo indica, elas só serão apreendidas como reais (exceto, é claro, pelos cientistas que fazem as medições e alguns cidadãos mais atentos) bem depois de já se terem instalado. 
É isso um hiperobjeto. E essa maneira “hiperobjetiva” como se apresentam a nós as mudanças climáticas explica, ao menos em parte, a situação bizarra que envolve as discussões acerca desse fenômeno planetário, isso que Isabelle Stengers chamou de “a intrusão de Gaia” em nossas histórias e nossas vidas, um acontecimento de tal radicalidade e magnitude que não poderemos nos dar ao luxo de desconsidera

Negacionismos:
  • Por exemplo: podemos dizer com segurança que não há mais controvérsia científica sobre o aquecimento da Terra. A menos que queiramos desafiar todo o trabalho já realizado até hoje pelos climatologistas e outros estudiosos (e isso fica cada vez mais difícil, como estamos vendo), não há mais razão, cientificamente falando, para nos perguntarmos se as mudanças climáticas são reais ou não, se são antropogênicas ou não, nem se as suas consequências são ou serão graves ou não. Isso tudo já está estabelecido, e é aceito quase com unanimidade pela comunidade científica. 
O que ainda se discute é a dimensão do fenômeno, a velocidade do aumento de temperatura, o índice do derretimento das geleiras e da elevação do nível do mar, a maneira pela qual o aquecimento global vai agravar a acidificação dos oceanos, como exatamente o novo regime de chuvas e secas vai se distribuir pelo planeta, como a biodiversidade vai ser afetada dependendo do grau de aumento, como a agricultura e a produção de alimentos vão sofrer, quais as consequências sociais e políticas que advirão etc. 
  • Tudo isso, ademais, deve ser estimado em função do maior ou menor sucesso na diminuição das taxas dos gases de efeito estufa lançados na atmosfera, da rapidez ou lentidão dessa diminuição. Isso estava já expresso nos últimos relatórios do IPCC sob a forma das 6 famílias de “cenários”, dos mais otimistas ao mais pessimistas. 
Discute-se também a catástrofe em si (o termo “colapsonomia”, por exemplo, tem sido associado a um número cada vez maior de propostas e abordagens sobre as crises ambiental, econômica e civilizacional), discutem-se as “saídas” para a catástrofe – ou melhor, se há saída e onde ela estaria; quais as melhores formas de mitigar as mudanças climáticas (“mitigar”, e não “evitar”, o que seria impossível uma vez que elas já estão em curso), e também as formas de adaptação a elas. 
  • Qual o “Plano B”, em que entraria em cena a geoengenharia, se ele deve ser testado, e com que antecedência; quem teria o direito de implementá-lo ou de decidir sobre a forma dessa implementação? Discutem-se problemas de segurança nacional, de controle sobre os recursos hídricos e muitos outros. 
Discute-se o que se quer e o que não se quer, que novas éticas devem valer de agora em diante, o que deve prevalecer: nós ou nossos descendentes, a espécie humana ou os seres vivos e a natureza de maneira geral? E no entanto, basta abrir os jornais ou ligar a TV para perceber o grau de esquizofrenia que acomete hoje nossa sociedade, e como esse consenso científico estranhamente não gerou um consenso da opinião, ou ao menos não gerou uma consciência da real gravidade da situação que estamos vivendo. 
  • Enquanto os cientistas (inclusive pesquisadores brasileiros de instituições com alta legitimidade científica) falam em um aumento de 4 a 6 º C na temperatura do planeta até o fim deste século , aqui “embaixo”, por trás da enxurrada de campanhas publicitárias das empresas que cada vez mais usam e abusam da maquiagem verde, limitamo-nos a discutir reciclagem de lixo e outras medidas proporcionalmente insignificantes, e o governo se empenha em destruir, pouco a pouco, a legislação ambiental construída a duras penas ao longo de décadas, difamando os ambientalistas como “ecochatos” e acusando-os de querer atrasar o desenvolvimento do país em nome de suas fantasias de mundos impossíveis. 
Boa parte da esquerda ainda considera a preocupação com o meio-ambiente um luxo tipicamente burguês, ou se vê obrigada, muito a contragosto vale dizer, a “domesticar” a questão ambiental de modo a fazê-la caber dentro de seus esquemas cosmológicos clássicos, de conteúdo fortemente antropocêntrico e messiânico. Para sermos justos, não são muitos os que por aqui se atrevem a negar abertamente a realidade do aquecimento global ou sua origem na ação humana. 
  • Mas eles existem, e vão desde alguns cientistas raivosos – em geral de especialidades não diretamente relacionadas com o problema em causa – até vários representantes da bancada ruralista no Congresso Nacional. 
Reconheço que nossa situação sob esse aspecto é bem melhor do que a dos EUA, por exemplo, onde percebe-se cada vez mais uma identificação da posição republicana com o negacionismo climático, e onde há projetos de lei que propõem a abordagem nas escolas do tema das mudanças climáticas como uma mera controvérsia, semelhante àquela que oporia a teoria da evolução ao criacionismo. Não sei se chegaremos lá também; não duvido de nada. 
  • Mas o que predomina entre nós, de longe, são discursos sempre otimistas, que buscam diminuir a gravidade da crise e jogar para o segundo plano a preocupação com o meio-ambiente, como se não estivessem em jogo as próprias condições de nossa existência (assim como da existência da maior parte das outras espécies do planeta). 
Há vários tipos de negacionistas e negacionismos: há os por assim dizer independentes e há os que, por baixo do pano, são pagos por grandes corporações, pelas companhias de carvão, petróleo e gás para produzir artigos de jornal baseados em falsas pesquisas científicas. 
  • Mas há ainda um outro tipo de gente que, por motivos diferentes, ou “não aceita” a realidade das mudanças climáticas, ou aceita, mas “não tanto assim”. São pessoas até bem esclarecidas, que dizem frases como: “ah, nisso eu não posso acreditar”, “isso também não, aí já é demais”, “isso aí já é catastrofismo”... “Catastrofismo não”. 
Uma razão por que se nega o inegável (exceto pelas razões que acabamos de ver no caso americano e em muitos outros) é que isso que é inegável é também intolerável. Se fôssemos encarar diretamente o que temos pela frente, isso exigiria de nós, aqui e agora, muito mais do que estamos realmente dispostos a fazer.

O hiperrealismo das mudanças climáticas e as várias faces do negacionismo

Tecnologia X incivilização:
  • Mas supondo que tenhamos coragem de encarar de frente a questão de quanto realmente temos que mudar (por exemplo, diminuir muito rapidamente em aproximadamente 90% a emissão dos gases de efeito estufa), a pergunta que vem em seguida, e que na verdade fundamenta aquela, é: mudar o quê e para quê? Pode parecer claro: mudar nosso modo de vida insustentável, para evitar o colapso. 
Mas colapso de quê? Do clima, dos ecossistemas, da vida no planeta? Essa é uma das respostas possíveis, mas, quase sempre (exceto no caso de algumas correntes ecocêntricas), ela vem complementada por uma referência privilegiada à espécie humana – e, dentro desta, àquela que parece ser a única alternativa de vida digna de humanos, que é a nossa civilização. 
  • Assim, a expressão “salvar o planeta” quase sempre quer dizer, 1º, salvar a vida humana no planeta, e, 2º, salvar nossa forma de civilização – ocidental, democrática, capitalista, neoliberal, tecnológica e tecnofílica. 
A civilização do consumo, em suma, se possível (quando o enunciador está mais à esquerda) expandida suficientemente para promover a inclusão nela de todos os homens, e a erradicação total da pobreza. Um mundo de classe média, para generalizarmos a fantasia de nossa presidente. Quer dizer, a ideia é “salvar” o que nunca tivemos, aquilo que o capitalismo sempre prometeu mas só deu para uma pequena parte da população mundial. 
  • A ideia de salvação, assim, ganha um duplo sentido: conservar o que temos (ou manter para os mais abastados a vida que eles já têm, em maior ou menor grau) e ao mesmo tempo redimir a humanidade de seus pecados. 
Isso é no mínimo muito estranho, e, aliás, simplesmente não é possível. Uma expansão ou um crescimento econômico ilimitado vem se mostrando, cada vez mais, um ideal não apenas utópico, mas paradoxal, o que fica evidente uma vez que entendemos que os recursos naturais que sustentariam esse crescimento, sendo a fonte última de qualquer tecnologia, são limitados, e que, além disso, também é limitada a capacidade que tem o planeta de processar os resíduos da atividade industrial. 
  • Essa ideia das limitações termodinâmicas, ou biofísicas, para o crescimento econômico foi proposta pela primeira vez em 1971, pelo economista romeno Nicholas Georgescu-Roegen em seu livro A Lei da Entropia e o Processo Econômico. Ela foi desprezada ou permaneceu simplesmente ignorada até bem recentemente, quando foi “redescoberta” e resgatada. 
Hoje começa a parecer óbvia como o ovo de Colombo. Não é mais possível esconder-se atrás do rótulo demonizador de “neomalthusianismo” para evitar encarar de frente a constatação de que há limites extra-econômicos ao crescimento econômico. 
  • Dessa forma, a ideia de salvação ou resgate de nossa cultura e civilização pode esconder uma outra forma de negacionismo, presente em todos aqueles que, aceitando a realidade e a gravidade das mudanças climáticas, entretanto não veem para ela solução possível fora de um aprimoramento, uma correção, um aperfeiçoamento por assim dizer “verde” ou “ecológico” da sociedade (cristã-capitalista) e do modo de vida (tecno-industrial) que criaram esse monstruoso problema. 
Não apenas não queremos abrir mão dos avanços tecnológicos, das facilidades, segurança, conforto trazidos pela tecnologia (apesar de todos os seus problemas – que, como sabemos bem, não são poucos), como temos a plena convicção de que, sem estes, instaurar-se-ia necessariamente o caos absoluto, uma espécie de guerra hobbesiana de todos contra todos. 
  • É de certa forma essa a questão que esteve por trás de um interessante debate entre o ativista político e jornalista do jornal inglês The Guardian especializado em mudanças climáticas, George Monbiot, e um amigo seu, o escritor, ex-ativista político e ecologista, Paul Kingsnorth , debate que foi publicado no próprio blog de Monbiot.
O debate se resume mais ou menos no seguinte: Kingsnorth considera que a posição de Monbiot e da maior parte dos ecologistas atuais diante da crise ambiental é na verdade uma “fuga”, sintoma do total empobrecimento atual do discurso ecológico, mesmo de esquerda, e reflexo de uma incapacidade de encarar o que está na nossa frente, que é o fim inevitável da nossa civilização: “a civilização de que fazemos parte está rapidamente atingindo seu limite, e […] é tarde demais” para deter o colapso. 
  • Nós todos (ele inclusive, e também os movimentos ambientalistas) ainda acreditamos num progresso tal como definido pelo liberalismo, i.e. “num futuro que seja uma versão melhorada do presente.” Poderemos continuar a viver mais ou menos as mesmas vidas confortá- veis se conseguirmos adotar suficientemente rápido um modo de vida sustentável. 
Isso, segundo Kingsnorth, também é uma forma de negacionismo. Toda a nossa civilização foi construída sobre o mito da excepcionalidade humana, sobre uma crença cega no progresso tecnológico e material dependente de fontes de energia altamente destrutivas, um apetite infindável de diversas ordens, um sistema econômico que requer um crescimento contínuo, e que portanto só pode ser freado se entrar em total colapso. E ninguém quer de fato mudar isso. 
  • “O que realmente estamos querendo salvar não é o planeta, mas nosso vínculo com a cultura material ocidental sem a qual não imaginamos poder viver.” O verdadeiro desafio portanto, segundo Kingsnorth, é pensar como vamos sobreviver ao declínio e o que aprenderemos com o colapso da civilização. 
Ou melhor, eu diria, o verdadeiro desafio seria pensar de que maneira queremos declinar. Em resposta a Kingsnorth, Monbiot, que confessa sentir-se de fato cada vez mais pessimista no que concerne às chances de se evitar o desastre, afirma entretanto ter dúvidas se o colapso da nossa civilização pode trazer algum bem. Monbiot diz detectar em Kingsnorth quase um desejo pelo apocalipse, como “um fogo depurador que livrará o mundo de uma sociedade doente”. 
  • Mas as consequências de um colapso seriam terríveis: fome em massa, guerras, morte de bilhões de pessoas. Isso sem falar que os homens levarão consigo uma quantidade assombrosa de espécies vivas. E de qualquer forma, segundo Monbiot, “o que provavelmente viria do lado de lá da civilização é bem pior que nossa situação atual”. 
“Quando a civilização colapsa”, diz ele, “os psicopatas tomam o controle”. Para Monbiot, é Kingsnorth o negacionista, porque imagina que algo de bom pode resultar do fracasso involuntário da civilização industrial. A resposta à pergunta de Kingsnorth (o que aprenderemos com esse colapso?) é, segundo Monbiot: nada. 
  • Não aprenderemos nada. É possível avaliar o desespero de George Monbiot ao se constatar sua recente adesão à tecnologia nuclear como único meio disponível atualmente para evitarmos um aquecimento global catastrófico – ele, que era até há bem pouco tempo atrás um opositor ferrenho dessa tecnologia.
Conclusão: o círculo infernal:
  • Há dois pontos importantes nessa discussão, que, para terminar, gostaria de elaborar um pouco mais. O primeiro é a questão, já há pouco mencionada, de saber se nossa única saída é aperfeiçoar o que temos, ou, ao contrário, se é possível – isto é, se não seria “o fim do mundo”, no sentido coloquial da expressão – pensar uma outra forma de viver, fora desse modelo (para simplificar) patriarcal, produtivista, neoliberal e corporativo de sociedade que é a nossa. 
A rigor, não é de possibilidades ou escolhas que fala Kingsnorth; ele diz que, queiramos ou não, esse modelo está ruindo a olhos vistos, que não há como impedir isso, mas que seu fim não é o fim de tudo, nem leva necessariamente ao caos.7 Kingsnorth pretende se opor assim ao que chama de visão bipolar do mundo, implícita ou explicitamente assumida por pessoas como Monbiot: ou tornamos nossa civilização “sustentável”, ou teremos uma catástrofe de proporções bíblicas; ou optamos, como modelo de futuro, pela “democracia capitalista liberal 2.0” (i.e. o mundo em que vivemos hoje, só que com os combustíveis fósseis substituídos por placas solares, turbinas eólicas etc, “governos e corporações controlados por cidadãos ativos e o crescimento dando lugar a uma economia sustentável”), ou nosso futuro será como o mundo retratado por Cormac McCarthy no livro The Road, “o mundo macabro do pós-apocalipse, em que tudo está morto exceto os humanos”, reduzidos em boa parte ao canibalismo. 
  • Não deixa de ser uma transformação dessa visão que Kingsnorth chama de bipolar a tese defendida por dois economistas californianos, T. Nordhaus e M. Schellenberger, em seu livro Breakthrough: From the Death of Environmentalism to the Politics of Possibility (2007)8 , a saber, a de que nossa única saída é o progresso tecnológico. Nordhaus e Schellenberger dirigem o Instituto Breakthrough, que tem atuado como um thinktank pseudoambientalista da direita neoliberal norteamerica. 
Como solução para a crise ambiental, defendem que um aumento do investimento estatal em inovação tecnológica – não apenas energia eólica e solar, mas energia nuclear e extração de gás de xisto por fraturamento hidráulico – seria suficiente para baixar o preço dessas fontes de energia, e assim induzir o mercado a optar naturalmente por elas (que, na visão dois autores, são fontes não poluentes) em lugar de petróleo e carvão. 
  • Defendem também a opção pelo uso na agricultura de sementes transgênicas e seus agrotóxicos associados. São em suma tecnólifos orgulhosos e triunfalistas. 
Aos críticos que os lembram de todos os efeitos perversos que esse modelo tem acarretado, os autores respondem que ele não tem nada de essencialmente errado ou “pecaminoso”, por assim dizer, mas que jamais significou que um dia estaríamos livres de problemas; ao contrário, não há tecnologia pura, perfeita; os erros e deficiências são parte essencial do processo de tecnologização, e seu aperfeiçoamento é, portanto, uma tarefa sem fim, que deve ser levada a cabo por uma modernização desse processo – “modernizar a modernização”, como diz Bruno Latour em sua leitura otimista da proposta de Nordhaus e Shellenberger. 
  • Uma modernização que finalmente leve em conta a inseparabilidade entre o sonho de emancipação (Latour) ou de liberação (N&S) do homem pela técnica e seu attachment, sua appartenance, sua pertença ou vínculo indissociável com a natureza, o ambiente e os não-humanos. 
Em outras palavras (ainda segundo a descrição que Latour faz do livro), temos que prestar atenção e nos responsabilizar por aquilo que criamos; não podemos, diante do enorme problema do aquecimento global e do esgotamento dos recursos naturais, dos solos, dos mares etc, criados em boa parte por algumas de nossas tecnologias, simplesmente abandonar o barco. 
  • O grande pecado da nossa civilização não seria a tecnologia, mas, ao contrário, o abandono dessa tecnologia no meio do caminho, em nome por exemplo da valorização de uma espécie de volta às origens, aquilo que vem sendo chamado de irracionalismo ou primitivismo, e que pregaria nossa separação de vez da cultura, nossa volta a uma pura natureza. 
A visão bipolar assume aqui, portanto, a forma: ou o progresso tecnológico indefinido (condição essencial da liberdade humana – estamos no interior da teoantropologia cristã), ou o primitivismo e o irracionalismo. 
  • Do ponto de vista digamos assim prático, parte dos argumentos de Nordhaus e Schellenberger se funda no pressuposto, no mínimo bastante questionável, de que os ganhos ou melhorias (mesmo parciais) trazidos pelas tecnologias são sempre maiores que as perdas ou problemas que elas acarretam, as quais são apenas efeitos colaterais indesejáveis, que serão corrigidos por tecnologias ainda melhores, de preferência “verdes” (esse seria o “truque” que nos salvaria, ou seja, as tecnologias agora têm que ser cada vez mais verdes, sustentáveis – ou ao menos o que os autores consideram verdes e sustentáveis). 
Mesmo essas novas tecnologias trarão outros problemas, é claro, porém menores, e estes serão novamente corrigidos e assim por diante. Por exemplo, os pesticidas permitem lavouras mais produtivas, e, embora possam gerar efeitos indesejáveis como envenenamento dos cursos d’água etc, não devem ser simplesmente abandonados, pois isso nos deixaria como única opção a fome em massa, e sim substituídos por pesticidas melhores. 
  • Nunca se diz que quem ucra com esse tipo de tecnologia e quem sofre seus efeitos indesejáveis são sujeitos distintos. Juntamente com a defesa intransigente da tecnologia, os autores sustentam o lema “big is beautiful”, que (num capítulo intitulado nada menos que “Greatness”) tentam fundamentar no conceito nietzscheano de afirmação da existência: para eles, o movimento em favor do decrescimento, da redução, da aceitação dos limites naturais (para não dizer físicos) é sintoma de niilismo e má consciência, expressão de forças reativas que querem negar a existência e a vida de abundância que é nosso destino. 
O problema dos ambientalistas, segundo Nordhaus e Schellenberger, é “falta de imaginação” 11: deveriam ter imaginado que a solução para o aquecimento global reside na liberação, e não na restrição, da atividade humana e do desenvolvimento econômico. 
  • Ou seja, ao invés de reduzir, devemos crescer ainda mais, produzir, inovar sempre, promover a abundância, para finalmente incluir nessa abundância os que agora dela estão desprovidos – por aqui nós diríamos: aumentar o bolo para então dividi-lo. 
Um dos graves problemas dessa visão, na minha opinião, além do uso absolutamente deturpado e perverso dos conceitos nietzscheanos (e outros), é que ela parece já pressupor que fora desse modelo que um dia escolhemos (ou, se preferirmos, que alguns escolheram) não há saída, o que no fundo significa que esse seria, afinal, não apenas o melhor modelo, mas a única alternativa ao caos, ao obscurantismo, à própria negação de nossa essência e nosso destino enquanto humanos. 
  • Além disso, embora os problemas ambientais e sociais muitas vezes sejam mesmo, como dizem Schellenberger e Nordhaus, “consequências não intencionais” da tecnologia, eles certamente são essenciais à dinâmica capitalista do desenvolvimento e do crescimento, que os autores (não por acaso) não mencionam, mas da qual aquela tornou-se inseparável. 
Se tivermos que acreditar que o grande “pecado” (para continuar com esse vocabulário moralizante) da nossa civilização seria, não o fato de ter feito o que fizemos, mas reconhecer que erramos e querer mudar radicalmente de direção, não insistir num sistema que vive e sempre viveu às custas da exclusão e miséria de um número enorme e crescente de pessoas e às custas do esgotamento das condições de vida no planeta, mas sim, justamente, desistir desse modelo, mudar de ideia, combatê-lo, encontrar uma saída, pensar, pensar outra coisa (porque, afinal, pensar de verdade é sempre pensar outra coisa, é portanto criar – como diria Gilles Deleuze – e não apenas realizar um destino); se tivermos que acreditar, enfim, que só há “salvação” na manutenção, ampliação e correção daquilo que um dia (e nem faz tanto tempo assim, afinal) acreditamos que realizava a nossa essência e excelência, então nosso grande sonho de salvação não será mais que um pequeno círculo infernal, que em breve será, aliás, desfeito pela própria realidade. Termino com mais uma frase de I. Stengers:
"Que não me perguntem que ‘outro mundo’ será possível... A resposta não nos pertence, pois pertence a um processo de criação, cuja enorme dificuldade seria talvez insensato e perigoso subestimar, mas que seria suicídio considerar impossível"
Os gatos de Roma:
(Nota para a reconstrução de um mundo perdido) Imitação e Espelho:
  • A imitação da imagem do semelhante iniciada no período de Defesa Agressiva, um período de desejo de contato com o mundo, surge para compensar a necessidade de companhia e o desamparo do período anterior de Defesa Passiva que era um período de solidão e de esquizofrenia e surge também para iniciar a formação de grupos sociais o que vem a ser, iniciar a criação do Homo Socius. 
A imitação do semelhante funciona como terapêutica para curar o retraimento solitário e esquizofrênico e para dar ao homem uma imagem companheira. A imitação da imagem ou do semelhante marca o início do homem que começa a brincar mesmo como acontece com a criança na qual o início dos jogos é também o início da imitação. 
  • Este início do ato de brincar é marcado na evolução do homem pela criação de ídolos e monumentos que constituem o início da escrita e todos estes representando semelhantes como, por exemplo, um pau com cordas; semelhantes que funcionam como o “faz de conta” da criança.
A imitação e os jogos se iniciam na criança com a idade de dois anos, isto é, na idade em que a criança começa a tomar parte nos grupos sociais e a imitação continua se desenvolvendo até a idade escolar de seis anos. Antes de dois anos de idade a criança só tem contato com um semelhante de uma só vez. 
  • Observa-se que o processo de evolução social di indivíduo é reproduzido na evolução social da espécie e nota-se que na criança a importante idade social de dois anos corresponde à idade filogenética que marca o início das atividades articuladas, isto é, marca o início do período de Defesa Agressiva. 
No período anterior de Defesa Passiva o homem se comporta como a criança antes dos dois anos de idade; ele é retraído e isolado e só inicia contato com um semelhante de uma só vez e esta situação se prolonga até alcançar o período de Defesa Agressiva marcado pela descoberta da sua própria imagem e marcado pelo processo de imitação e pantomima e no qual ele passa a ter contato com dois semelhantes a um tempo e passa a formar grupos sociais. 
  • O primeiro grito a seco do recém-nascido, provocado pelo estímulo da fome, teria um paralelo na manifestação do Monólogo esquizofrênico do período de Defesa Passiva. O primeiro grito é o primeiro monólogo; o monólogo da fome. 
Até a idade de dois anos os sons emitidos por crianças são quase só monólogos e se tornam diálogos após essa idade que é um marco do início do contato social. Há um processo de evolução da imitação que antecede a imitação do semelhante e que se da no período de Defesa Passiva. 
  • Antes de o homem imitar a sua imagem em pantomima, ele teria imitado no início sons agudos. O recém-nascido emite um grito agudo como resposta sonora a um estímulo de som agudo e tenta desta maneira imitar a fonte estimulante. 
A imitação do som na criança se manifesta anterior à imitação do movimento, o que leva a crer que o som teria aparecido antes do movimento, na evolução do homem. O som agudo é o primeiro som a ser imitado pela criança recém-nascida e este importante acontecimento marcaria o início do medo, um medo que só viria a desaparecer com a idade escolar de seis anos que é precisamente a idade em que termina o processo de imitação pantomímica. 
  • Medo e imitação se iniciam juntos e terminam juntos com medo e imitação pantomímica. Esta primeira tentativa de imitação são os primeiros vestígios do futuro Diálogo em si uma manifestação articulada que aparecerá no início do período de Defesa Agressiva e este é uma conseqüência da Descoberta da Imagem.
O efeito de espelho traz a noção de diálogo. O Diálogo em essência, uma forma de imitação, na sua fase inicial se apresenta como o eco ou uma repetição do semelhante. Os homens do período de Defesa Passiva não dialogavam, praticavam só o monólogo introvertido e esquizofrênico; um monólogo parecido com o da criança antes de dois anos de idade. 
  • Após a simples imitação do som agudo, a criança com dois meses de idade começa a imitar o som agudo simultaneamente com movimentos. Com trinta semanas de idade as observações de Gesell mostram que pernas e braços se encolhem em V e os dedos dos pés e mãos se esticam em leque e acompanham o grito agudo. Essas atitudes constituem na evolução do homem, posições bem típicas que traduzem o Medo que dominava o período de Defesa Passiva e essas posições são manifestações motoras de fuga. 
As atitudes de fuga com grito a seco, trágicos monólogos da vida no começo onde o Medo é a dominante, se prolongam até o ponto de Descoberta da Imagem ou o início da Defesa agressiva, porém o Medo continua até alcançar o fim da Imitação e este fim é nossos dias e corresponde na criança à idade escolar de seis anos. 
  • Efetivamente o período de imitação pantomímica decorrente da contemplação da Imagem, iniciado na criança aos dois anos de idade, momento em que ela consegue ter contato social com dois de seus pares ao mesmo tempo, termina aos seis anos. 
Nessa idade termina também a essência do medo. O fim da imitação pantomímica é o fim do medo. Em seguida ao grito seco com movimentos com movimentos de fuga, sobrevém com um ano de idade, a descoberta e o início do manejo de materiais, o que na evolução do homem corresponde às formações do Homo Faber, sempre ainda dentro do período de Defesa Passiva. 
  • Nesse período de manejo de materiais iniciado com um ano de idade e que se prolonga até a idade de dois anos, as ordens positivas são compreendidas e obedecidas pela criança. Klein observa que as ordens negativas (proibições) só começam a produzir reações na criança a partir de dois anos e começam a ser obedecidas a partir de três anos. 
Dois anos é a idade do início da pantomima imitativa. Transportando esta situação para a escala evolutiva do homem temos o esquizofrênico retraído obedecendo a ordens positivas e com esta obediência construindo o Homo Faber, isto até o fim da Defesa Passiva e temos logo em seguida, com o início da Defesa Agressiva, os primeiros Tabus, imagens na escala do tempo do tipo de Ordens Negativas, imagens da Pantomima produzidas pelo efeito de espelho e criadoras do Homo Socius.

Notas para a reconstrução de um mundo perdido:
A imagem do chefe no espelho:
  • Tanto no mundo ontogênico da criança como no mundo filogenético da espécie humana o conceito de chefe se inicia juntamente com o início da linguagem articulada que é o início da cultura. Este importante momento marca o começo do período de Defesa Agressiva que é o começo da Pantomina e da Descoberta da Imagem do homem pelo próprio homem. 
Na vida da criança é a idade de dois anos enquanto que na filogenia estaria situado no momento em que o homem tem os seus dons de Homo Faber totalmente desenvolvidos, momento em que ele se utiliza com perfeição de pedaços de pedra e madeira talhados para a sua atuação, momento determinado pelas descobertas arqueológicas, etnológicas e antropológicas em aproximadamente um e meio milhões de anos atrás da nossa época. 
  • Saindo da esquizofrenia da Defesa Passiva, um período de introspecção e inação, de desordem e de inabilidade no contato com o mundo um período não-conformista e que resultava na fuga e no esconderijo, o homem criava um elemento humano, o chefe, que era precisamente o oposto do homem do período esquizofrênico. 
O chefe tinha iniciativa, habilidade organizadora e conformidade com as tendências essenciais do grupo e sabia empolgar com a sua pantomima e com seu bailado. Contudo este chefe retém em atividades as suas forças telúricas; ele é o bailarino criador do movimento e há um tempo é aquele seguido pelo bando e que tem a sua inspiração provocada por formas do mundo do sonho; ordens antigas que aquecem a nébula da vida. 
  • Ele contrasta com o Homo Socius que começava a surgir e que, em virtude da imitação, era um ser extremamente moral. Só o chefe podia ser amoral, podia ser o guia e o líder, com novos movimentos, o sonhador que extraia do sonho o seu leitmotiv. 
As vocalizações fonêmicas e os movimentos kinesicos haviam desaparecido e o chefe oferece ao mundo o modelo para a Pantomima e este modelo é o primeiro contato intensivo do homem com o ambiente, é a primeira carícia do homem sobre o mundo em redor e que forçosamente só aparece após o abandono da imagem do Homem-árvore. 
  • É um período no qual o exercício da pantomima e a imitação do Semelhante desenvolvem as emoções. Imitação e pantomima desabrocham mais as emoções do que as idéias. A Imagem do Chefe no Espelho torna-se um convite à adaptação social por ser um convite à imitação. 
A imitação não é um conceito explicativo, mas sim um conceito descritivo e pantomímico que reproduz no início os movimentos para a luta, tais como o bocejo, o riso, a corrida. A ação proveniente do fenômeno de imitação é sempre anterior a qualquer ideia de justificativa e de raciocínio.
  • Formação social é imitação e a Descoberta da Imagem é o início do condicionamento do indivíduo numa certa direção. Não é tanto a exigência das condições uniformes exteriores do mundo que leva o homem a repetir um processo, mas sim a Descoberta da Imagem e da condição de Semelhante que o conduzirá rumo à luta na vida: um repetindo em espelho os movimentos do outro. 
O homem que enfrenta o seu semelhante reproduz os mesmos gestos do semelhante e se comporta como o homem que enfrenta a sua imagem refletida no espelho ou na água. O homem atual, que nem sempre é possuidor de imaginação, quando deseja saber o que deve fazer, consulta o Espelho que lhe dirá que a imagem a ser seguida é a conduta do seu adversário que se encontra refletido no espelho. Sem imitação não há chefe porque não há desejo de brincar. 
  • Os homens do período esquizofrênico de Defesa Passiva não brincavam e por esse motivo não tinham chefes. As tendências esquizofrênicas são contrárias aos atributos que caracterizam os chefes. Disfarçados em árvores e em animais os homens não imitavam uns aos outros porque não conheciam as suas imagens escondidas no disfarce. 
No importante momento pantomímico em que o homem começa a brincar e a exercer jogos, ele elege um chefe e esse momento é o início da Defesa Agressiva. Todo o brinquedo ou jogo tem um chefe e a imaginação do chefe é viva e excitável como a da criança. O mesmo acontece com a criança, quando na idade de dois anos, idade em que ela começa a brincar, um chefe é eleito. 
  • As experiências de Reininger com crianças mostram que as moças de hierarquia se iniciam com a idade de dois anos e se desenvolvem sempre aumentando até a idade de dez anos. As noções de hierarquia nascem do ato de brincar e da seleção do chefe tanto na evolução da criança como na evolução da espécie humana. O habitante esquizofrênico do período da Defesa Passiva que não brincava e não tinha chefe, não tinha noções de hierarquia. 
A formação hierárquica torna-se desta maneira uma conseqüência da Descoberta da Imagem e surge correlatamente com o primeiro Diálogo como imposição da existência dessa Imagem. Falar com a sua imagem, romper o silêncio das forças antigas é o primeiro ato da sabedoria do homem, é o primeiro Diálogo. 
  • No começo do homem do período de Defesa Agressiva, como na criança de dois anos, momento em que o homem e a criança entram em contato com mais de um de seus pares ao mesmo tempo, o diálogo é atributo exclusivo do Chefe e só pode ser provocado pelo Chefe. 
A Imagem do Chefe no Espelho é a fonte inspiradora de todo o período de Defesa Agressiva e é a força gregária do Homo Socius. A cultura com o seu gregarismo e a civilização com a sua Visão Geográfica devem existência ao aparecimento dessa Imagem. A supressão de tão importante imagem traria graves transtornos ao homem estereotipado.

O hiperrealismo das mudanças climáticas e as várias faces do negacionismo