quarta-feira, 17 de agosto de 2016

Saúde Ambiental nas Cidades

Saúde Ambiental nas Cidades

Leiliane Amorim
Marla Kuhn
Vera Blank
Nelson Gouveia
  • Atualmente, metade dos habitantes do planeta está vivendo em cidades, e o mundo está se tornando cada vez mais urbano. Essa urbanização sem precedentes implica em sérias agressões ao meio ambiente, que, por sua vez, influenciam a saúde, a qualidade de vida e o comportamento humano no que se refere aos problemas sociais como a violência e acidentes de trânsito. 
O conhecimento desse processo dinâmico é importante para melhor entendimento dos determinantes da saúde da população que vive nas cidades. Este marco histórico é consequência da rápida urbanização das últimas décadas, em contraste ao crescimento da população rural, que foi marcadamente devagar durante a segunda metade do século XX. 
  • Estima-se que, entre 2007 e 2050, a população mundial terá um aumento de 2,5 bilhões, passando de 6,7 para 9,2 bilhões. Neste período, é projetado um crescimento da população urbana de 3,1 bilhões, passando de 3,3 bilhões em 2007 para 6,4 bilhões em 2050, ou seja, a população que vive nas áreas urbanas representará 60% da população mundial. O impacto à saúde decorrente dos processos produtivos, principalmente nas cidades, se apresenta de forma variada e complexa. 
Os processos produtivos e os padrões de consumo, compreendidos como nucleadores da organização social, são ainda geradores de pressão sobre o ambiente e podem ser considerados como frutos ou como produtores de desigualdades e de iniquidades, tanto relacionadas ao acesso aos serviços de saúde como à distribuição de riscos. Os problemas ambientais na cidade, decorrentes da urbanização predatória sobre o ecossistema, revelam também a fragilidade das políticas de saúde que contemplam a relação com o ambiente. 
  • De maneira a contribuir para melhor entendimento acerca das relações entre saúde e meio ambiente nas cidades, no mundo contemporâneo, este artigo procura destacar alguns temas relevantes em saúde ambiental relacionados aos determinantes sociais e ambientais que afetam a saúde das populações nos centros urbanos. 
Procura também discutir a gestão da saúde ambiental nesse contexto e o papel das políticas públicas voltadas para as ações de saúde que contemplem a relação com o ambiente numa lógica produtiva.

Alguns temas relevantes para a Saúde Ambiental Urbana: 
  • O processo de urbanização que estamos vivendo, que ocorre na maioria das vezes de forma não planejada, não controlada e, principalmente subfinanciada, impõe dificuldades financeiras e administrativas para as cidades proverem infraestrutura e serviços essenciais, como água, saneamento, coleta e destinação adequada de lixo, serviços de saúde, além de empregos e moradia, e garantir segurança e controle do meio ambiente para toda a população como, por exemplo, uma boa qualidade da água e do ar. 
Desse modo, parcela enorme da população, em geral aqueles mais pobres que residem na periferia dos grandes centros, vive em condições inadequadas de moradia, sem acesso aos serviços básicos, e ainda expostos a diversos contaminantes ambientais típicos do desenvolvimento, como a poluição por produtos químicos e a poluição atmosférica. São os que enfrentam o “pior dos dois mundos”: os problemas ambientais associados ao desenvolvimento econômico e os ainda não resolvidos problemas sanitários tí- picos do subdesenvolvimento. 
  • Como exemplo, no que se refere à disponibilidade de água potável e saneamento básico, serviços que apresentam nítida relação com a saúde, apesar da grande expansão na oferta nas últimas décadas, observa-se que esse crescimento tem sido insuficiente para suprir as sempre crescentes “necessidades básicas da população”, em função da urbanização acelerada e consequente aquisição de novos hábitos de consumo. 
A despeito do aumento percentual da população servida por saneamento adequado entre as regiões brasileiras e a consequente diminuição na mortalidade infantil por doenças diretamente relacionadas a esse serviço, como a diarreia, ainda persiste um grande diferencial entre as regiões brasileiras, principalmente em relação à cobertura de saneamento básico. 
  • E mesmo dentro das regiões com melhores índices de cobertura de saneamento ainda existem grandes diferenciais intrarregionais e intraurbanos, diferenciais estes que se refletem também nas condições de saúde das populações vivendo nessas áreas. Outro importante problema ambiental urbano contemporâneo diz respeito à coleta, disposição final e o tratamento adequado dos resíduos sólidos produzidos nas cidades. 
No Brasil, são produzidos, todos os anos, cerca de 83 milhões de toneladas de lixo, dos quais apenas 40,5% têm destinação adequada (36% para aterros sanitários, 3% para compostagem, 1% reciclado por separação manual e 0,4% para incineração). 
  • Como agravante, há que se destacar que uma parcela considerável do lixo produzido não é nem sequer coletado, sendo dispostos de maneira irregular em ruas, rios, córregos e terrenos vazios. Isto pode levar a problemas como o assoreamento de rios, o entupimento de bueiros, com consequente aumento de enchentes nas épocas de chuva, além da destruição de áreas verdes, mau cheiro, proliferação de moscas, baratas e ratos, todos com graves consequências diretas ou indiretas para a saúde. Outra implicação de nosso modelo de desenvolvimento é a poluição atmosférica cada vez mais presente no cotidiano das populações urbanas brasileiras. 
Já é bastante sabido que a poluição atmosférica, principalmente aquela proveniente dos veículos automotores que circulam pelas ruas, é prejudicial à saúde humana, podendo causar uma série de doenças respiratórias e do coração, afetando toda a população indiscriminadamente e, particularmente, as crianças e os idosos, que são os mais vulneráveis aos seus efeitos.
  • No contexto da saúde ambiental, a moradia constitui um espaço de construção e consolidação do desenvolvimento da saúde. A família tem, na moradia, seu principal espaço de sociabilidade, transformando-a em um espaço essencial, veículo da construção e desenvolvimento da Saúde da Família. Todavia, o crescimento urbano nem sempre vem acompanhado de investimentos adequados em infraestrutura habitacional que garanta a qualidade ambiental neste espaço construído e no seu entorno. 
As favelas, os cortiços e outros tipos de habitação precária proliferam nas grandes cidades brasileiras, implicando em contingentes enormes da população vivendo em condições, às vezes, subumanas. O resultado é um aumento do número de pessoas expostas a inúmeros fatores de risco à saúde, relacionados à qualidade das habitações, como condições térmicas precárias, umidade, presença de mofo, má ventilação, grande adensamento de indivíduos por cômodo, infestações por insetos e roedores, além de fatores associados a não disponibilidade de serviços básicos essenciais, como água, esgoto e coleta de lixo. 
  • Por fim, há que se destacar que a espécie humana, em geral, e aqueles que vivem nas cidades em particular estão sujeitos a uma série de riscos decorrente da exposição ambiental aos agentes químicos. São inúmeros os agentes potencialmente tóxicos aos quais a população está exposta cotidianamente através do ar que respira, da água que é bebida e do alimento que é ingerido, representando as principais fontes de exposição. 
A avaliação da exposição aos agentes químicos constitui um importante aspecto para saúde pública, tendo em vista a possibilidade de prevenir, ou minimizar, a incidência de mortes ou doenças decorrentes da interação de substâncias químicas com o organismo humano.

Saúde Ambiental nas Cidades

Gestão da saúde ambiental e seus instrumentos: 
  • Podemos pensar a Gestão da Saúde Ambiental nas cidades levando em conta dois planos de territorialidade: o primeiro opera sobre as normas e regramento do uso de recursos disponíveis, e o segundo diz respeito à ciência e técnica das políticas territoriais, processos interativos de políticas em rede atuando sobre essas interações. 
A construção de ações em saúde ambiental requer que o contexto seja devidamente valorizado. Então, a dimensão territorial passa a ser uma estratégia interessante para a saúde ambiental, partindo de um sistema complexo e necessitando, portanto, do estabelecimento de um diálogo entre saberes (técnico/local), envolvendo as diferentes áreas do conhecimento historicamente construído e os saberes dos lugares e dos territórios da nossa cidade. 
  • Consideramos que um trabalho local pode conduzir a uma gestão territorial integrada do ambiente, se as ações forem ao encontro das necessidades da população e de acordo com os saberes locais que emanam da vida cotidiana. Os processos históricos podem não ser percebidos nos lugares, e é justamente por isso que, ao se trabalhar com as relações espaciais, devemos sempre articular as dimensões local/global. 
A proliferação de múltiplos riscos ambientais de natureza física, química ou biológica é decorrente da introdução de novos processos produtivos, poluindo o solo, a água, o ar e os alimentos. Tais riscos se difundem para além do entorno dos empreendimentos, seja pelas vias e dutos que transportam produtos perigosos, seja pela contaminação por energia eletromagnética em toda a extensão das linhas de transmissão elétrica, por exemplo, seja pelo descarte inadequado de resíduos perigosos. Eles são causas de acidentes e numerosas doenças ocupacionais e ambientais de graves implicações para a saúde humana e acometem, de forma particular, os grupos sociais mais vulneráveis. 
  • Em relação aos instrumentos do direito ambiental existentes, um dos mais relevantes, e que o setor saúde deve se apropriar e criar capacidade técnica para participar de forma mais incisiva, é o procedimento para licenciamento ambiental, cujos instrumentos possibilitam avaliar se um determinado empreendimento é sustentável ou não do ponto de vista ambiental. 
Logo, por meio do envolvimento nos licenciamentos ambientais de grandes empreendimentos nas cidades, a Vigilância em Saúde Ambiental pode introduzir critérios, além dos estabelecidos pelo órgão municipal de meio ambiente, referentes aos determinantes e condicionantes da saúde humana. Nesses critérios deve estar incorporado o Princípio da Precaução, que determina que não se produzam intervenções no ambiente sem antes haver estudos sobre as consequências à saúde humana e ao meio ambiente. 
  • Dentro da concepção de que políticas públicas não direcionam para a identificação e posterior afastamento dos riscos de determinada atividade, a pergunta que surge nessa análise: “O empreendimento ‘X’ pode causar um dano?”; deve ser substituída pela indagação mais pertinente: “Precisamos do empreendimento ‘X’ na cidade?” 
Saúde Ambiental nas politicas públicas: 
  • O reconhecimento da importância dos contextos socioambientais e culturais, em que os problemas da vida cotidiana da cidade são conformados, é fundamental para, efetivamente, provocar mudanças na busca de espaços saudáveis, transformando os impactos negativos ao ambiente, e, assim, melhorar a qualidade de vida da população. 
Conforme Tambellini & Câmara, os fatores de risco para uma determinada doença podem ter pesos diferentes, mas, para que o evento ocorra, há necessidade de uma interação entre eles. Isoladamente, nenhum fator de risco promove o fenômeno. 
  • Portanto, a construção de ações de saúde ambiental de interesse para a saúde coletiva requer que o contexto seja devidamente valorizado. Para tanto, não só as bases de dados oriundos de levantamentos quantitativos são necessárias, como também devem ser integradas técnicas de análise do espaço cotidiano que incluam dados qualitativos. 
A saúde ambiental tem o desafio de criar, no meio das frestas existentes entre a vida cotidiana das pessoas e a procura aos serviços de saúde, práticas voltadas para os determinantes e condicionantes da saúde. Essas práticas procuram construir alternativas na promoção da saúde e prevenção das doenças, avançando na produção-plural de “espaços saudáveis”, para assegurar a defesa do ambiente e da saúde. 
  • O Ministério da Saúde, a partir do ano 2000, passou a considerar que: “A vigilância ambiental em saúde se configura como um conjunto de ações que proporciona o conhecimento e a detecção de qualquer mudança nos fatores determinantes e condicionantes do meio ambiente que interferem na saúde humana, com a finalidade de recomendar e adotar as medidas de prevenção e controle dos fatores de riscos e das doenças ou agravos relacionados à variável ambiental”. 
Na década de 80, no Brasil, foram promovidas iniciativas para se instituir, no âmbito do setor saúde, ações de Vigilância do Meio Ambiente, de acordo com a Constituição de 1988 e a Lei Orgânica de Saúde de 1990. Mas é a partir do ano 2000 que o Ministério da Saúde formulou a denominada Vigilância Ambiental; hoje Vigilância em Saúde Ambiental. Assim, propor e recomendar políticas públicas de saúde sem um conhecimento da cidade é desastroso. 
  • Por isso, acreditamos ser o olhar geográfico uma significativa contribuição para o (re)conhecimento da complexidade socioespacial urbana. Na maioria das vezes, o planejamento da política pública de saúde, no caso de Vigilância em Saúde Ambiental, não teoriza sobre as bases de um urbanismo que tem dificuldade de pensar, como nos apresentam alguns autores, o “fluxo como modo de morar”; sua apresentação da “cidade território” e da “cidade natureza” não apreende a extensão territorial das cidades como um mal.
Perspectivas e Conclusões: 
  • Consideramos que os problemas decorrentes desta urbanização, particularmente os socioambientais, evidenciam a necessidade de romper com as perspectivas unidisciplinares ou parciais da cidade e dos impactos e riscos ambientais nela presentes. 
Não podemos deixar de considerar que, efetivamente, um trabalho local pode conduzir ações de Saúde Ambiental e promoção à saúde integrada ao ambiente, se for ao encontro das necessidades da popula- ção, e, para isso, as comunidades envolvidas devem ser agentes dessa ação. 
  • Para promover saúde e recuperação socioespacial de áreas vulneráveis, acreditamos que isso se dá por meio do resgate da participação social, da busca de identidades locais e do conhecimento do cotidiano dos moradores do lugar, possibilitando, assim, a valorização ambiental e consequente Saúde Ambiental. É neste contexto que se encontra a saúde ambiental, com os desafios de promover uma melhor qualidade de vida e saúde nas cidades e a oportunidade de enfrentar o quadro da exclusão social sob a perspectiva da equidade
Referências Bibliográficas:

AMORIM,L.C.A. Os biomarcadores e sua aplicação na avaliação da exposição aos agentes químicos. Revista Brasileira de Epidemiologia, 6 (2):158-170, 2003. 
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COHEN, S. et al. Habitação saudável e ambientes favoráveis à saúde como estratégia de promoção da saúde. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, 12 (1):191-198, 2007. 
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HARPHAM, T.; LUSTY, T.; VAUGHAN, P. In the shadown of the city: community health and the urban poor. 1 ed. Oxford: Oxford University Press; 1998. 
MANCINI, SD. et al. Recycling potential of urban solid waste destined for sanitary landfills: the case of Indaiatuba, SP, Brazil. Waste Manag Res. 2007; 25(6):517-523. 
TAMBELLINI, A.T. & CÂMARA, V. A. Temática Saúde e Ambiente no Processo de Desenvolvimento do Campo da Saúde Coletiva: Aspectos Históricos, Conceituais e Metodológicos. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, 3 (2):47- 59, 1998. 
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