sexta-feira, 12 de agosto de 2016

Urbanização Brasileira e Saúde Ambiental

Urbanização Brasileira e Saúde Ambiental

Nathan Belcavello de Oliveira
Geógrafo da Secretaria Nacional de Programas Urbanos do Ministério das Cidades, mestrando pelo Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade de Brasília.

Impactos socioambientais da urbanização no Brasil:
  • Os cientistas e a mídia preocupam-se quase que exclusivamente com a preservação de ambientes selvagens, enquanto as cidades vão “explodindo sua bomba de esgoto e lixo”. Nos últimos trinta anos, mais de 40 milhões de pessoas trocaram as áreas rurais pelas urbanas.
O país deixou de ser predominantemente rural e, a cada censo, demonstra maior grau de urbanização. Sua industrialização, iniciada, de forma mais intensa, na década de 1950, promoveu reformulações de caráter socioambiental com a política do desenvolvimentismo empregado pelo governo brasileiro, e as implicações socioambientais se agravam de maneira sistemática, proporcionando o início dos debates a respeito dessa questão.
  • Vale destacar a emergência do movimento ambientalista internacional naquele período, que iniciou a conscientização da não inexorabilidade dos recursos naturais existentes no planeta e a promoção do conceito de desenvolvimento sustentável. A expulsão da população das áreas rurais se deveu, principalmente, à modernização da agricultura, que trouxe impactos socioambientais diretos e indiretos tanto nas áreas urbanas como nas rurais.
O resultado foi a concentração crescente da popula- ção em grandes cidades. Em termos mundiais, a questão sanitária das cidades dos países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento sempre esteve à margem das principais discussões ambientais internacionais. Mas a poluição do ar e das águas, esgoto a céu aberto, favelização, ocupação de encostas e de áreas de risco em geral são problemas correntes em dezenas de cidades brasileiras.
  • A demanda por saúde, educação, transporte, entre outros, onera o sistema de arrecada- ção, que está comprometido com o “crescimento econômico a qualquer custo” e com os superávits orçamentários. Também o histórico de ocupação do espaço urbano foi se efetivando de forma desigual e segregadora.
O modelo de planejamento urbano adotado (tecnocrático e clientelista) privilegiava a classe com melhor status econômico com infraestrutura e as melhores parcelas do solo urbano, em detrimento das demais classes, que, de forma desordenada e informal na maior parte das vezes, ocupavam as “sobras” das cidades, normalmente periferias e áreas de preservação ambiental e/ou de riscos socioambientais.
  • O próprio ritmo de crescimento demográfico acelerado das cidades brasileiras não permite que a urbanização o acompanhe. “A política habitacional que, em grande medida, serviu para subsidiar as habitações para a classe média também contribui para agravar a ‘favelização’ e a marginalização urbanas” (Hogan & Vieira, 1995). Decorrente desses fatores, um ponto a destacar é a qualidade de vida da população.
Ela está intimamente relacionada a esses acontecimentos, ou seja, as transformações que o ambiente sofre com sua degradação repercutem de maneira desigual, de acordo com a classe social, implicando muitas vezes no agravamento dos problemas socioambientais nas classes menos favorecidas, uma vez que a sociedade se encontra materializada de maneira desigual no espaço, privilegiando com áreas menos poluídas, mesmo que intensamente artificializadas pelo homem, por meio do fornecimento de todo um equipamento urbano pelo Estado, à porcentagem de status econômico mais elevado na sociedade.
  • Por exemplo, a poluição lançada ao ar modificará os fenômenos climáticos, que, por sua vez, ocasiona efeitos e danos na sociedade, principalmente na classe trabalhadora que tem de habitar próximo às áreas emissoras de poluentes atmosféricos, pois ali trabalham, o que repercutirá no desenvolvimento humano.
No Brasil, a intervenção sanitária tem visado exclusivamente moldar o ambiente urbano às necessidades e confortos da vida humana. Assim, consideram-se secundá- rios os impactos ambientais da própria intervenção. Em outras palavras, é preciso dotar as cidades de esgotos, mas não parece tão importante tratá-los; é importante ampliar a rede de coleta de lixo, mas são secundários os aterros sanitários e as usinas de beneficiamento.
  • No entanto, as ações sanitárias devem se pautar por critérios que, simultaneamente, reduzem os impactos do ambiente degradado sobre as famílias e recuperem esse ambiente degradado. (Hogan & Vieira, 1995) Os problemas ambientais, mais relacionados ao crescimento demográfico de áreas urbanas, tendem a intensificar-se relativamente nas regiões periféricas, particularmente no Nordeste que, no período recente e nas próximas décadas, seria marcado por maior crescimento urbano, possuindo maior ritmo em relação a outras regiões, como Sudeste e Sul.
Os desníveis regionais de renda refletirão em graves desníveis quanto à infraestrutura urbana. Todavia, a dimensão socioambiental relacionada à crise financeiro-administrativa pode e é sentida na Região Sudeste, mais especificamente no Estado de São Paulo, por meio da reorganização do modelo urbano-industrial, muitas vezes efetuado de forma errônea por administrações públicas. Assim, tratar-se-á com mais atenção estes dois casos.

Urbanização, Habitação e Meio Ambiente no nordeste:
  • Embora o Nordeste seja a região do Brasil com menor grau de urbanização, pode-se verificar o vigor desse processo. E isso não tem dado ao Nordeste os meios necessários para geração de condições urbanísticas para os que vivem nas cidades, ou seja, o processo de urbanização nordestino, assim como o da grande maioria das regiões brasileiras, trata-se, na verdade, do inchaço demográfico das áreas urbanas.
Há que se destacar como grave o problema socioambiental derivado da rápida urbanização dessa região. As prefeituras e os governos estaduais não arrecadam o suficiente para expandir a infraestrutura no ritmo do crescimento urbano. A crise fiscal, sobretudo das últimas duas décadas do século XX, agravou a situação. Os níveis de renda e de emprego no setor formal da economia se encontravam muito abaixo dos percebidos no restante do Brasil.
  • Nas áreas rurais nordestinas, as endemias crônicas têm relação direta com as alterações do meio ambiente e com a estrutura residencial de que indivíduos dispõem. Grande parte dessas endemias é levada para as regiões urbanas via migração, uma vez que a população não consegue meios para sua manutenção nas áreas rurais devido à seca, à alta concentração fundiária, entre outros fatores que a expulsa.
"Nesse cenário, a degradação do ambiente urbano tem uma relação praticamente unívoca com as condições coletivas de existência. O rápido crescimento demográfico se soma aos fatores econômicos que favorecem a deterioração do ambiente urbano, deterioração que irá afetar, primordialmente, a própria população adicional (Hogan & Vieira, 1995)"

Urbanização Brasileira e Saúde Ambiental

A dimensão socioambiental da crise em São Paulo:
  • São Paulo concentra 50% da capacidade industrial do país, possui cerca de 60 mil indústrias (em 1995), dentre as quais se destaca um grupo de 1900 organizações responsáveis por 90% das formas mais graves e perigosas de poluição industrial.
O parque industrial de São Paulo produz cerca de 53.250 toneladas de resíduos sólidos industriais/dia. Calcula-se que 95% dos objetos são lançados em cursos d’água sem nenhum tratamento. A região metropolitana apresenta, ora o terceiro, ora o segundo pior meio ambiente urbano industrial do planeta.
  • Até a década de 1990, alguns municípios de São Paulo ainda não haviam iniciado a elaboração do plano diretor, nem o zoneamento de território. Alguns municípios possuem lei-orgânica, que ainda não faz nenhuma referência à problemática ambiental. Existe um receio de que as legislações ambientais restritivas das atividades econômicas venham a ser prejudiciais à industrialização dos municípios.
A maior preocupação dos industriais é se as prefeituras darão aos distritos industriais infraestrutura, e os vereadores temem que seus municípios percam o controle da demanda por políticas sociais. Já os chefes políticos locais dizem que a industrialização irá melhorar a arrecadação e o número de empregos. Tal conflito, acima descrito, pode ser exemplificado no caso de Vargem Grande Paulista, na área metropolitana de São Paulo.
  • No ano de 1990, em Vargem Grande Paulista, existia aproximadamente uma dezena de indústrias espalhadas. Ficavam em áreas residenciais, de comércio e serviços. A ideia era criar uma zona industrial, com indústrias não poluentes, que serviria para disciplinar o assentamento industrial. Houve várias manifestações contrárias de diversos segmentos da sociedade, que resultou em vários conflitos ambientais, dentre eles os capitaneados pelo Movimento SOS Vargem Grande, que argumentava que a instalação da zona industrial traria destruição de mata primária, deslocaria produções agrícolas que compõem o Cinturão Verde de São Paulo, além de afetar um afluente da Represa de Ituparanga com dejetos industriais.
Os vereadores passaram a defender a importância de um plano diretor antes do assentamento das indústrias. E, junto com os produtores hortigranjeiros, defendiam a ideia de que reduzir o uso do território acabaria com os recursos agrícolas. Além do supracitado, até os próprios industriais reclamaram da falta de infraestrutura para se instalarem no município. O que acarretou o impeachment do prefeito de Vargem Grande Paulista.

O conceito de sustentabilidade ambienta: 
E a ambientalização do planejamento urbano:
  • A discussão sobre sustentabilidade se estabelece no debate público após a divulgação do Relatório Brundtland (Relatório Our Commom Future desenvolvido pela Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, sob a presidência da norueguesa Gro Harlem Brundtland), em 1987. Fortalece-se como um novo paradigma de desenvolvimento urbano, após a realização da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento no Rio de Janeiro em 1992.
O novo conceito de desenvolvimento trazido por esse relatório, cunhado sob a expressão desenvolvimento sustentável, busca agregar crescimento econômico e preserva- ção ambiental com o objetivo de atender “às necessidades do presente sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras atenderem às suas pró- prias necessidades” (Cmmad, 1988).
  • No Brasil, segundo Steinberger (2001), a área de meio ambiente urbano ganhou impulso a partir do Fórum Global das Organizações Não Governamentais, realizado paralelamente à Rio-92, o qual deu origem ao Tratado sobre a questão urbana, “Por Cidades, Vilas e Povoados Justos, Democráticos e Sustentáveis”.
O Tratado incorporava a plataforma defendida pelo Movimento e pelo Fórum Nacional de Reforma Urbana: a função social da propriedade, o direito à cidade e a gestão democrática da cidade. Com o fortalecimento da retórica ambiental e a divulgação do Relatório Brundtland, é inserida uma nova interpretação/representação da problemática urbana no debate.
  • Os problemas urbanos, outrora construídos como questão social, entendidos como consequências do processo de desenvolvimento urbano-industrial e do crescimento acelerado das cidades, passam por uma releitura em termos ecológicos, ecossistêmicos e socioambientais (Klug, 2005). Antes de a questão ambiental aparecer com a força e a centralidade que tem hoje, esses problemas já estavam nas agendas dos planejadores urbanos e autoridades municipais.
"A transformação destes problemas de gestão urbana em sinais de saturação ecossistêmica é um marco do ambientalismo contemporâneo. Porém, sua identificação como problema e a intervenção do poder público se deram há muito tempo (Hogan & Vieira, 1995)."
De acordo com Acselrad (2001), a aplicação da noção de sustentabilidade ao debate sobre as cidades realizou um duplo movimento: a “ambientalização” das políticas urbanas e a introdução das questões urbanas no debate ambiental. A incorporação da temática do meio ambiente por atores sociais da cidade levou a uma redefinição das questões urbanas com base na leitura ambiental.
  • A introdução de uma visão ecologista, com a naturalização das questões sociais, lançou a ideia do território como o espaço geográfico cuja composição em termos de recursos naturais e ecossistêmicos tem de ser respeitada e protegida por seu valor intrínseco e como fonte de riqueza e identidade coletiva.
Essa construção discursiva começa a se destacar no debate urbano e oculta a discussão sobre a realidade da dinâmica de ocupação e apropriação deste território e, portanto, de constituição dos problemas ambientais (Brand & Prada, 2003).
A crise socioambiental das cidades é fruto de um modelo de ocupação do espaço injusto e desigual, predatório tanto para o meio ambiente quanto para as populações urbanas, conforme já mencionado.
  • Nesse sentido, enquanto as agências multilaterais difundiam modelos de gestão urbana, construídos a partir da formação de consensos e pactos urbanos entre os “atores relevantes” das cidades, no Brasil, depois de mais de 11 anos de debates e negociações, em 2001, foi aprovada a Lei Federal nº. 10.257 – Estatuto da Cidade – que apresenta uma perspectiva de intervenção sobre o território, cujo principal instrumento é o Plano Diretor.
As inovações trazidas pelo Estatuto, que vão aparecer refletidas nos Planos Diretores elaborados pelos municípios, se concentram em três campos: instrumentos que buscam combater os processos especulativos que prevalecem na dinâmica de ocupação do solo urbano, concepção de gestão democrática da cidade e ampliação das possibilidades de regularização fundiária.

A ação da secretaria nacional:
De programas urbanos do ministério das cidades:
Os planos diretores participativos e a sustentabilidade ambiental:
  • Desde 2003, o Ministério das Cidades vem implementando uma política de apoio técnico, financeiro e de capacitação aos municípios para elabora- ção dos Planos Diretores Participativos – pautado na inclusão socioespacial, integrando assentamentos precários à cidade, resgatando o planejamento urbano como instrumento de inclusão e de acesso à cidade formal –, conduzida pela Secretaria Nacional de Programas Urbanos (SNPU).
Conciliando os interesses e metas do denominado Programa de Reforma Programática da Sustentabilidade Ambiental, operacionalizado por meio do Projeto TAL Ambiental (Projeto de Assistência Técnica para a Agenda da Sustentabilidade Ambiental), o Ministério do Meio Ambiente e a SNPU, propuseram o desenvolvimento e aplicação da metodologia de Planos Diretores Participativos com ênfase na sustentabilidade ambiental .
  • Esta tem por objetivo contribuir com os municípios na formulação e implantação da política de desenvolvimento urbano integrada à política ambiental para solução dos passivos ambientais e promoção da sustentabilidade ambiental. Esta atividade conta com três fases principais.
Na primeira delas, já ocorreu uma assessoria técnica para apoio às prefeituras de sete municípios na elaboração de seus Planos Diretores Participativos, com posterior análise crítica dos processos abrangendo indicadores desenvolvidos especificamente para o monitoramento e avaliação dentro da temática da sustentabilidade ambiental. Posteriormente, está em processo de contratação uma Pesquisa Qualitativa sobre Planos Diretores Participativos com ênfase na sustentabilidade ambiental. 
  • Esta pesquisa levantará, nas leis de Plano Diretor, bem como no restante da legislação municipal correlata, em materiais técnicos e em entrevistas com agentes públicos e sociedade civil atuantes nos processos de elaboração e implementação dos Planos Diretores de 164 municípios distribuídos em todos os biomas brasileiros, informações sobre: meio ambiente; recursos hídricos; saneamento básico; planejamento e gestão territoriais; e desenvolvimento ambientalmente sustentável.
Ao final, pretende-se realizar Seminário Nacional para o debate crítico dos resultados obtidos, culminando na publicação de material de orientação aos municípios acerca da elaboração e implementação de Planos Diretores com ênfase na sustentabilidade ambiental.

Considerações Finais:
  • Como se pode apreender neste breve arrazoado, a urbanização brasileira e suas implicações socioambientais assumem as mais variadas formas e se faz como um conjunto de processos, atores e ações múltiplas, configurando-se num complexo sistema.
É difícil uma análise social sem se considerar sua relação dialética com o ambiente em que está inserido, como se percebe. Todavia, este texto não esgotou o tema tratado, nem tinha a intenção de fazê-lo, servindo somente como base para o debate mais aprofundado.
  • Abre-se um leque de opções para a sociedade brasileira em que as múltiplas escolhas acarretaram em múltiplas consequências, que podem trazer benefícios e/ou malefícios para nosso futuro. Cabe a cada um a tomada das decisões mais acertadas por menores que sejam, pois elas influenciarão no futuro da nação.
Referências Bibliográficas:

ACSELRAD, H. Sentidos da sustentabilidade urbana. In:
ACSELRAD, Henri (Org.). A duração das cidades: sustentabilidade e risco nas políticas urbanas. Rio de Janeiro: DP&A, 2001.
BRAND, P. & PRADA, F. La invención de futuros urbanos: estrategias de competitividad económica y sostenibilidad ambiental en las cuatro ciudades principales de Columbia. Medellín: Hodográficas, 2003.
BRASIL. Ministério das Cidades. Plano Diretor Participativo: guia para a elaboração pelos municípios e cidadãos. 2 ed. Brasília: Ministério das Cidades/
CONFEA, 2005. COMISSÃO MUNDIAL SOBRE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO (CMMAD). Nosso Futuro Comum. Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas, 1988.
HOGAN, D. & VIEIRA, P. F. (Org.). Dilemas socioambientais e desenvolvimento sustentável. 2 ed. Campinas: Unicamp, 1995.
KLUG, L. B. A Vitória do Futuro: a construção do discurso da sustentabilidade urbana na cidade de Vitória – ES. Dissertação de Mestrado em Planejamento Urbano e Regional, 2005. Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional. Universidade Federal do Rio de Janeiro.
STEINBERGER, M. A (re)construção de mitos: sobre a (in)sustentabilidade do (no) espaço urbano. Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais, ano 3, n. 4, p. 09-32, mai. 2001.

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