sexta-feira, 16 de setembro de 2016

Valoração economica do meio ambiente: Ciência ou empirismo?

Valoração economica do meio ambiente:
Ciência ou empirismo?

Jorge Madeira Nogueira
Marcelino Antonio Asano de Medeiros
Flávia Silva Tavares de Arruda
  • Em seu manual sobre valoração econômica do meio ambiente, Motta (1998) destaca que “(c)ada vez mais gestores ambientais, estudantes ... e outros profissionais da área ambiental encontram-se em situações nas quais a valoração econômica ambiental é requerida ou desejada. ... A novidade e a complexidade do tema, entretanto, têm induzido (ao uso) inadequado(dessas) técnicas ...”. 
Acreditamos que duas são as razões básicas para esse uso inadequado: desconhecimento da moldura teórica que fundamenta essas técnicas e entendimento parcial de suas virtudes e de seus defeitos. Este trabalho analisa aspectos teóricos e operacionais das técnicas de valoração de bens e serviços ambientais e busca, assim, contribuir para que elas sejam mais eficazmente utilizadas em pesquisas e/ou na formulação de políticas públicas. 
  • A maioria dos ativos ambientais não tem substitutos (Marques e Comune,1995, p.633) e a inexistência de sinalização de “preços” para seus serviços distorce a percepção dos agentes econômicos, induzindo os mercados a falhas na sua alocação eficiente e evidenciando uma “divergência entre os custos privados e sociais.”, (Marques e Comune 1995, p.634). 
Essa “ausência” de preços para os recursos ambientais (e os serviços por eles prestados) traz um sério problema: uso excessivo dos recursos. Isso pode conduzir a uma criação “espontânea” desses mercados muito tardiamente, quando eles estiverem degradados num nível irreversível, ou à situação de mercados não serem criados nunca, levando à extinção completa do recurso. Considerando-se a possibilidade de inexistência de substitutos , providências precisam ser tomadas antes que essa possibilidade se materialize. 
  • Nesse esforço de tentar estimar “preços” para os recursos ambientais e, dessa forma, fornecer subsídios técnicos para sua exploração racional, inserem-se os métodos (ou técnicas) de valoração econômica ambiental fundamentados na teoria neoclássica do bem-estar. 
A manutenção da posição privilegiada de disponibilidade de recursos ambientais combinada com a necessidade de explorá- los de maneira a gerar um fluxo de riquezas baseado em capital reprodutível passa necessariamente pela sua mensuração econômica. 
  • É imprescindível estimar os custos de oportunidade de exploração dessas riquezas para evitar os “erros dispendiosos” cometidos no passado nos países industrializados, reduzindo antecipadamente os custos sociais totais em vez de adotar medidas corretivas a posteriori (Hufschmidt et al. 1983, p.6). 
Daí surge a necessidade de conceituar o valor econômico e de desenvolver técnicas para estimá-lo. A adoção de medidas visando à utilização sustentável do recurso é beneficiada pela estimação de valores para os ativos ambientais.
  • Os métodos de valoração econômica ambiental são instrumentos analíticos com aplicações que se expandiram de recreação ao ar livre (outdoor recreation) para bens públicos tais como vida selvagem, qualidade do ar, saúde humana e estética (Hanley & Spash,1993, p.4]. 
Isso foi particularmente intenso nos anos de 1970 e 1980. Desde então a pesquisa nessa área tem-se expandido bastante e atingido até questões éticas e religiosas interessantes . O uso dessas ferramentas para estudos e avaliações de políticas se mostra promissor.
  • Entretanto, Hufschmidt et al. (1983, p.5) destacam duas razões principais para moderar as expectativas. A primeira é que, em geral, a valoração econômica é o “último passo na análise.” Previamente à avaliação dos impactos econômicos, é necessário entender e medir os efeitos físicos, químicos e biológicos das atividades.
A segunda razão é a “imperfeição” de imputar valores monetários a bens e serviços não transacionados em mercados com métodos empíricos e conceitos disponíveis. Uma observação fundamental desses autores é que “também existem aspectos da qualidade ambiental e sistemas naturais (ecossistemas) que são importantes para a sociedade mas que não podem ser prontamente valorados em termos econômicos.” Daí a necessidade de ter cautela na avaliação e apresentação dos resultados de estudos dessa natureza. 
  • Um bom começo para evidenciar esse zelo é preocupar-se com a fundamentação teórica dos instrumentos de medida, os métodos de valoração econômica ambiental. Uma justificativa para a importância da análise do referencial teórico dos métodos de valoração econômica ambiental é que esse procedimento confere um rigor científico aos trabalhos, criando um ambiente propício à discussão e ao aprimoramento das técnicas. 
Corroborando esse raciocínio, Hanley e Spash (1993, p.3) afirmam que a aplicação de métodos sem a compreensão dos fundamentos teóricos cria a “falsa impressão da robustez dos resultados” e isso pode ser perigoso. É essencial frisar esse fato porque, por exemplo, o rápido progresso no desenvolvimento das Contas Nacionais Verdes só tem sido possível devido à existência de uma sólida fundamentação na teoria econômica: a teoria keynesiana (Mueller, 1992). 
  • O objetivo principal deste trabalho é fazer uma revisão crítica da literatura sobre os métodos de valoração econômica ambiental. Nesse contexto, indicam-se os aspectos positivos e negativos da aplicação desses métodos na busca de uma melhor eficiência alocativa dos recursos ambientais, visando à maximização do bem-estar social. 
Esse objetivo se consolida por meio da apresentação dos principais métodos de valoração econômica de bens e serviços ambientais, destacando as suas bases na teoria econômica neoclássica e citando estudos de casos empíricos. Pretende-se, assim, enfatizar a sua utilidade como instrumento auxiliar para os responsáveis pelas decisões de políticas públicas. A motivação para isso é simples.
  • Busca-se preencher uma lacuna que está se ampliando em trabalhos de valoração econômica ambiental efetuada no Brasil: a quase completa ausência de fundamentação teórica que explicite a origem desses métodos. 
O caráter empiricista desses estudos tem resultado numa produção em massa de valores monetários inúteis para uma análise técnica rigorosa de problemas concretos que atingem a sociedade e para ajudar na formulação de políticas públicas cientificamente consistentes.

A moldura teórica básica:
  • Os métodos de valoração econômica ambiental são técnicas específicas para quantificar (em termos monetários) os impactos econômicos e sociais de projetos cujos resultados numéricos vão permitir uma avaliação mais abrangente. 
“Os benefícios de um projeto são os valores de produção incremental de bens e serviços, incluindo serviços ambientais, tornados possíveis pelo projeto, e os custos são os valores dos recursos incrementais reais usados no projeto. 
  • Ambos os benefícios e custos do projeto são apropriadamente descontados através do tempo para torná-los comparáveis.” (Hufschmidt et al.,1983, p.2-3). De posse desses resultados comparáveis, expressos na mesma unidade de medida - unidades monetárias -, pode-se fazer uma avaliação da preponderância de um ou de outro fator (benefício ou custo) e ter subsídios técnicos para escolher a melhor opção, também em termos sociais. 
As bases intelectuais desses procedimentos encontram-se na teoria neoclássica, economia do bem-estar (Hufschmidt et al.,1983, p.3). Mueller (1996) reconhece que:
¨[a] despeito das metodologias e dos artifícios sofisticados (os métodos de valoração econômica ambiental)... ainda permanecem muitos problemas, a maioria decorrentes da complexidade das inter-relações entre a economia e o meio ambiente no mundo real, complicados pela insistência da teoria neoclássica em mensurar tudo em termos monetários” (p.271).
De uma maneira geral, os métodos de valoração econômica ambiental são utilizados para estimar os valores que as pessoas atribuem aos recursos ambientais, com base em suas preferências individuais. A compreensão desse ponto é fundamental para perceber o que os economistas entendem por “valorar o meio ambiente”; nas palavras de Pearce (1993, prefácio, ix):
“... [e]conomists seek to ‘measure preferences’ for improvements in environmental quality and natural assets, or against their deterioration ... Economists do not ‘value the environment’. They observe that individuals have preferences for improvements in the environment and that those preferences are held with varying degrees of intensity.”
A literatura econômica convencional sugere que o valor de um bem ou serviço ambiental pode ser mensurado por meio da preferência individual pela preservação, conservação ou utilização desse bem ou serviço (Bateman & Turner, 1992). 
  • Considerando seu gosto e preferências, cada indivíduo terá um conjunto de preferências que será usado na valoração de todo e qualquer bem ou serviço, incluindo os ambientais. No caso específico desses últimos, economistas iniciam o processo de mensuração distinguindo entre valor de uso e valor de não-uso do bem ou serviço ambiental (Pearce & Turner, 1990). 
O valor de uso refere-se ao uso efetivo ou potencial que o recurso pode prover. O valor de não-uso ou valor intrínseco ou valor de existência reflete um valor que reside nos recursos ambientais, independentemente de uma relação com os seres humanos, de uso efetivo no presente ou de possibilidades de uso futuro (Marques & Comune, 1995). 
  • A partir dessa distinção inicial, novos detalhamentos são paulatinamente incorporados. O valor de uso é subdividido em valor de uso propriamente dito, valor de opção e valor de quase-opção. O valor de opção refere-se ao valor da disponibilidade do recurso ambiental para uso futuro. 
O valor de quase opção, por outro lado, representa o valor de reter as opções de uso futuro do recurso, dada uma hipótese de crescente conhecimento científico, técnico, econômico ou social sobre as possibilidades futuras do recurso ambiental sob investigação. Muitas variantes dessa classificação existem. Não obstante, pode-se distinguir os seguintes componentes do Valor Econômico Total (VET) de um bem ou serviço ambiental:
VET = valor de uso + valor de opção + valor de quase-opção + valor de existência
Fica claro que a valoração econômica do meio ambiente passa pelo cálculo do VET para o bem ou serviço ambiental sob análise. Entretanto, como bem destacam Marques & Comune (1995), o valor econômico total do meio ambiente não pode ser integralmente revelado por relações de mercado. 
  • Muitos de seus componentes não são comercializados no mercado e os preços dos bens econômicos não refletem o verdadeiro valor da totalidade dos recursos usados na sua produção. Nesse contexto, o problema prático com valoração econômica é obter estimativas plausíveis a partir de situações reais onde não existem “mercados aparentes” ou existem “mercados muito imperfeitos”. 
Não obstante, a teoria econômica tradicional indica que a solução dos problemas de mercado para bens e serviços ambientais está relacionada intrinsecamente com as decisões individuais dos consumidores. 
  • A partir dessa constatação, economistas perceberam que poderiam utilizar o instrumental já existente da teoria neoclássica (teoria do bem-estar do consumidor) e aplicá-lo nessa área de conhecimento. É na busca da solução do “problema do consumidor” que muitos dos métodos de valoração econômica ambiental se fundamentam. 
Nessa busca, o ideal seria a estruturação de um modelo formal para explicar e justificar de maneira consistente e simplificada as decisões (complexas) do consumidor. Para estruturá-lo, algumas hipóteses devem ser formuladas sobre o comportamento desse consumidor a fim de obter algum tipo de previsão de suas decisões. Isso permite a agregação dos resultados e inferências estendendo as decisões individuais para as decisões coletivas da sociedade. 
  • Dentre essas hipóteses, a mais famosa e fundamental é o comportamento racional do consumidor em termos agregados. Essa “racionalidade” significa que as decisões do consumidor objetivam maximização da utilidade proporcionada pelo consumo de bens ou serviços. 
Por sua vez, “utilidade” deve ser entendida como a satisfação individual proveniente de consumir determinada quantidade de produtos e, adicionalmente, essa “satisfação” se reduz à medida que maiores quantidades de produtos são consumidas. 
  • A maximização da utilidade individual é restrita ao seu nível de renda e ao nível de preços existentes no mercado. Sob essas condições, pode-se especificar uma função de demanda agregada. Uma outra característica do consumidor “racional” é a sua capacidade de sempre escolher a “melhor” cesta de produtos dentre as possíveis de serem adquiridas dados o seu nível de renda e preços relativos dos produtos disponíveis no mercado, subentendendo um ordenamento de preferências no nível individual (Hanley & Spash, 1993, p.26
Assim, , a solução do “problema do consumidor” pode ser encontrada pela curva de demanda marshalliana:
xi = xi (P,M)
onde:
P é o vetor de preços (relativos) e M é a renda monetária individual
A maximização da utilidade do consumidor é resolvida da seguinte forma:
{maximização U = U (X)}, sujeito ao ∑pi xi = M,
onde:
U é a função utilidade individual que associa “níveis” de satisfação de acordo com as quantidades consumidas de produtos X (X = x1 , x2 , ..., xn ) 18 .
O Excedente do Consumidor:
  • O economista acredita que, quando um consumidor vai ao mercado adquirir um produto, ele tem implícita e individualmente um preço “máximo” que ele estaria disposto a pagar pelo produto. Se esse preço “máximo” individual for superior ao preço que ele verifica no mercado, ele tem uma “folga” de preço que se denomina excedente do consumidor.
Na verdade, esse é o conceito descrito por Dupuit em 1844 (Hanley & Spash, 1993, p.27-8). Esse excedente se reduz à medida que unidades adicionais desse produto são consumidas e a “satisfação” dele resultante (do consumo) também diminui.
  • O excedente do consumidor é utilizado, então, pelos economistas para representar o benefício líquido auferido pelo indivíduo quando do consumo de determinado produto, permitindo avaliações em termos de variações de bem-estar.
Essa idéia é explorada na curva de demanda marshalliana para um produto que é perfeitamente divisível. Isso permite construir uma curva de demanda contínua e a aplicação da análise marginalista. Hanley & Spash (1993, p.29-30) afirmam que não existe garantia da unicidade de resultado quando da avaliação de mudanças de utilidade usando medidas monetárias.
  • Elas podem, por exemplo, variar dependendo da ordem em que certas mudanças ocorrem. Isso chama-se “dependência do caminho” .
Assim, a ordem dessas mudanças pode levar a resultados diferentes em termos de medidas monetárias (para expressar variações) de bem-estar. Isso acontece particularmente em situações:
  • De mudanças de preço em mais de um produto ou
  • Mudanças simultâneas de preço e renda. Entretanto, sob certas condições pode-se assegurar a independência do caminho, isto é, a unicidade da medida monetária.
Por exemplo, para o caso b acima, se o efeito-renda (ou elasticidaderenda) for zero, o excedente do consumidor é único. Isso se explica porque elasticidade-renda da demanda igual a zero significa que mudanças na renda dos indivíduos não afetam as quantidades por eles consumidas .
  • Para o caso a, se todas as elasticidades-renda da demanda dos produtos cujos preços foram alterados forem iguais, garante-se a unicidade da medida do excedente do consumidor. Isso acontece porque o consumidor irá ajustar os novos níveis de consumo (quantidades) proporcionalmente .
Por outro lado, a garantia da unicidade da medida do excedente do consumidor por si só não assegura que o uso das suas “variações” (no excedente do consumidor) como uma medida monetária (proxy) das mudanças na utilidade (bem-estar do consumidor) levem a interpretações significativas.
  • É necessário mais do que isso. Para que uma medida desse tipo exista, a utilidade marginal do dinheiro precisa ser constante (Hanley & Spash, 1993, p.30-31). Isto é, a satisfação individual que uma unidade a mais de dinheiro lhe proporciona seja a mesma, independentemente do seu nível de renda, por exemplo.
A “independência do caminho” e a utilidade marginal do dinheiro constante impuseram sérias restrições ao uso empírico da medida de utilidade do excedente do consumidor marshalliano, que passou a sofrer duras críticas (Just et al., 1982, p.82) em Hanley & Spash (1993, p.31). Entretanto, em sua proposta de reabilitação da medida em 1941, Hicks redefiniu o excedente do consumidor, substituindo a análise cardinal pela análise ordinal.
  • Ele observou que utilidade marginal do dinheiro constante significava que as listas de demanda (produtos) do consumidor não seriam afetadas por mudanças na sua renda real. Para Hicks, isso pode ser realístico e é equivalente à existência de efeito-renda pequeno ou negligenciável.
Isso resgatou a praticidade da medida do excedente do consumidor e a sua aplicação dependeria da complexidade da análise. Assim, para produtos que representassem uma pequena proporção da renda total, não haveria problemas. Como a análise ordinal se concentra em mudanças relativas, as medidas monetárias de bem-estar do consumidor poderiam ser desenvolvidas independentemente das hipóteses de Marshall sobre preferências.

As Medidas Hicksianas:

Hicks propõe um método alternativo para resolver o problema de maximização da utilidade do consumidor envolvendo o uso da função dispêndio E:
{Minimizar E = ∑pi xi , sujeito a U(X) = U}
Isto equivale a encontrar o nível de renda mínimo que permite “comprar” a cesta de consumo que proporciona o nível constante de utilidade U. A solução deste problema do consumidor é:
xi ’ = xi ’ (p, U)
conhecido pela curva de demanda compensada hicksiana.
  • A partir da solução desse problema do consumidor, Hicks desenvolveu quatro medidas teóricas para avaliar mudanças no nível de bem-estar do consumidor provocadas por variações nos preços: variação compensatória (VC), variação equivalente (VE), excedente compensatório (EC) e excedente equivalente (EE). As medidas de excedente (EC e EE) são aplicadas para os casos em que os preços variam mas as quantidades consumidas são mantidas constantes.
Em contrapartida, as de variação (VC e VE) se aplicam quando o consumidor é livre para ajustar as suas quantidades depois dessa mudança de preços (Hanley & Spash (1993, p.32). As diferenças básicas da VC para a variação equivalente (VE) pela redução no preço são que na VE: 
  • A renda decorrente da mudança de preço não é retirada mas adicionada ; e 
  • A utilidade do consumidor é mantida no nível mais alto, porém o nível de preço é o mesmo que prevalecia anteriormente à mudança. 
Cabe observar que as duas medidas, VC e VE seriam as mesmas caso a elasticidade-renda da demanda pelo produto fosse igual a zero . Por outro lado, quanto maior for a elasticidade-renda da demanda pelo produto maior será a diferença entre as medidas de variação (VC e VE)34 e, em particular, entre cada uma delas e o excedente do consumidor marshalliano (Hanley & Spash, 1993, p.36). As outras duas medidas hicksianas são as medidas de excedente: excedente compensatório (EC) e excedente equivalente (EE).
  • O seu uso depende do fato de o produto ser indivisível no seu consumo, i. e., as quantidades serem discretas. Essas duas medidas se ajustam mais ao caso dos bens públicos : os indivíduos não têm como ajustar as quantidades consumidas. Mitchell & Carson [1989, em Hanley & Spash (1993, p.38)], afirmam que como muitos produtos ambientais são bens públicos, eles podem ser apropriadamente mensurados pelas duas medidas de excedente (EE e EC) de Hicks. Porém, Freeman (1979, em Hanley & Spash, 1993, p.38) observa que essas medidas de excedente são muito restritivas e desnecessárias.
Ele acredita que as medidas de excedente e variação de Hicks sejam idênticas para o caso dos bens públicos, para os casos equivalente e compensatória, respectivamente. Nesse sentido, as características do bem devem determinar a abordagem; as medidas de excedente são utilizadas quando a mudança na quantidade é imposta e o consumidor não é livre para ajustar a quantidade consumida.
  • Não obstante essas medidas serem bem fundamentadas no campo teórico, há problemas no seu uso em situações particulares. Tentando resolver essa limitação, Freeman (1979) aplicou quatro critérios: praticidade, direitos de propriedade presumidos, unicidade das medidas e sua consistência. Ele concluiu que a escolha das duas medidas dependerá das características da mudança de bem-estar a analisar. 
Ainda que elas sejam consistentes com a definição teórica de bem-estar, nenhuma delas é prontamente observável a partir de dados de mercado. Isso se contrapõe ao excedente do consumidor marshalliano que é observável e se encontra entre as duas medidas de variação.
  • Assim, existe a possibilidade de usar o excedente do consumidor como uma aproximação das medidas de variação mais rigorosas teoricamente (Hanley & Spash, 1993, p.39). Nesse contexto, justifica-se o uso da curva de demanda marshalliana para avaliar as mudanças no bem-estar dos indivíduos para o caso dos produtos ambientais.
Os métodos de valoração economica ambiental:
  • Não existe uma classificação universalmente aceita sobre as técnicas de valoração econômica ambiental. Bateman & Turner (1992, p.123) propõem uma classificação dos métodos de valoração econômica distinguindo-os pela utilização ou não das curvas de demanda marshalliana ou hicksiana.
 Hufschmidt et al. (1983, p.65-67) fazem suas divisões de acordo com o fato de a técnica utilizar preços provenientes:
I) de mercados reais;
II) de mercados substitutos; ou
III) mercados hipotéticos
Nessa classificação, as variações na qualidade de um recurso ambiental são mensuradas pelo lado dos benefícios ou dos custos resultantes dessas mesmas variações. É uma avaliação da situação com a mudança no recurso ambiental e sem a mudança. Observando a metodologia em uso corrente na economia ambiental, Pearce (1993, p.105-111) afirma que existem quatro grandes grupos de técnicas de valoração econômica desenvolvidos a um nível sofisticado.
  • O primeiro grupo é formado pelas técnicas que ele chama de “abordagens de mercado convencional” que utilizam os preços de mercado ou preços sombra como aproximação, semelhantemente aos métodos dos mercados reais de Hufschmidt et al. (1983). 
O segundo grupo é chamado de “funções de produção doméstica (ou familiar)”38 . O terceiro, os “métodos de preços hedônicos”. E o quarto e último grupo são os “métodos experimentais”. Já Hanley & Spash (1993) fazem apenas uma distinção dos métodos de valoração econômica ambiental em dois grupos:
  • I) Forma direta, como o método de valoração contingente (MVC);
  • II) Forma indireta, como o método de preços hedônicos (MPH), o método dos custos de viagem (MCV) e as abordagens da função de produção, como o método dos custos evitados (MCE) e o método dose-resposta (MDR).
Tomando como referência a classificação de Bateman & Turner (1992), apresentada na Tabela 1, vamos analisar as características básicas dos seis principais métodos de valoração de bens e serviços ambientais, a saber:

Método de Valoração Contingente (MVC):
  • O MVC foi originalmente proposto em 1963 num artigo escrito por R. Davis relacionando economia e recreação. Durante os anos 1970 e 1980, houve um grande desenvolvimento da técnica a nível teórico e empírico tornando-a bastante utilizada pelos economistas modernamente (Hanley & Spash, 1993, p.53).
A idéia básica do MVC é que as pessoas têm diferentes graus de preferência ou gostos por diferentes bens ou serviços e isso se manifesta quando elas vão ao mercado e pagam quantias específicas por eles. Isto é, ao adquiri-los, elas expressam sua disposição a pagar (DAP) por esses bens ou serviços.
Isso evidencia o caráter experimental desse método e daí Pearce (1993, p.106) falar em “(...) obter as preferências através de questionário (conversas estruturadas)”.
  • Observe que o MVC mensura as preferências do consumidor em situações hipotéticas diferentemente do MCV, p. e., que avalia o comportamento do consumidor em situações reais (Hufschmidt et al., 1983, p.233).
A base teórica do método está nas preferências do consumidor, via função de utilidade individual. O cálculo do valor econômico a partir de funções de utilidade pode ser feito por meio dos conceitos de DAP e disposição a receber compensação (DAC) e/ou pelas medidas de excedente do consumidor (marshalliana) ou medidas de compensação hicksianas.
  • O MVC busca exatamente extrair a DAP (ou DAC) por uma mudança no nível do fluxo do serviço ambiental de uma amostra de consumidores através de questionamento direto, supondo um mercado hipotético cuidadosamente estruturado. E partindo dessas medidas de DAP, em princípio, pode-se estimar as quatro medidas de bem-estar hicksianas de acordo com as peculiaridades do recurso ambiental objeto de valoração e obter a curva de demanda de mercado pelo bem ou serviço.
A operacionalização do MVC acontece por meio da aplicação de questionários cuidadosamente elaborados a fim de obter das pessoas os seus valores de DAP ou a aceitar compensação (DAC) (Pearce, 1993, p.116) Existem várias formas de fazer isso: jogos de leilão, escolha dicotômica (sim/ não), jogos de trade-off etc. (Hufschmidt et al., 1983).
  • Após a aplicação desses questionários, os resultados são tabulados e submetidos a uma análise econométrica de maneira a derivar valores médios dos lances de DAP ou DAC. A literatura sugere que a familiaridade com o objeto de mensuração apresenta resultados mais razoáveis (Pearce, 1993, p.116).
O MVC é mais aplicado para mensuração de: a) recursos de propriedade comum ou bens cuja excludibilidade do consumo não possa ser feita, tais como qualidade do ar ou da água; b) recursos de amenidades , tais como características paisagística, cultural, ecológica, histórica ou singularidade ; ou c) outras situações em que dados sobre preços de mercado estejam ausentes (Hufschmidt et al., 1983, p.233

Método Custos de Viagem (MCV):
  • Hanley &Spash (1993, p.83) afirmam que o MCV pode reivindicar ser a mais antiga técnica de valoração de bens não transacionados em mercado , remontando suas origens a 194747 . A sua introdução formal na literatura deve-se a outros economistas: Wood & Trice (1958) e Clawson & Knetsch (1966).
Daí que o modelo básico é freqüentemente conhecido como a abordagem Clawson & Knetsch. A idéia do MCV é que os gastos efetuados pelas famílias para se deslocarem a um lugar, geralmente para recreação, podem ser utilizados como uma aproximação dos benefícios proporcionados por essa recreação (Pearce, 1993, p.105-6).
  • Em outras palavras, utiliza-se o comportamento do consumidor em mercados relacionados para valorar bens ambientais que não têm mercado explícito. Esses gastos de consumo incluem as despesas com a viagem e preparativos (equipamentos, alimentação etc.), bilhetes de entrada e despesas no próprio local (Hanley & Spash,1993, p.83).
A fundamentação teórica do MCV está na mesma abordagem da função de produção doméstica utilizada no MCE (Pearce,1993, p.105-6). A parte operacional se faz através de regressão múltipla para estimar a curva de demanda por visitas a partir de uma função de geração de viagens . Esta descreveria a quantidade de visitas que um indivíduo faria a um determinado lugar, considerando suas características socioeconômicas (Hanley & Spash, 1993, p.84).
  • Os problemas básicos com o MCV são: a) escolha da variável dependente para “rodar” a regressão; b) viagens com múltiplos propósitos; c) identificação se o indivíduo é residente ou turista eventual; d) cálculo dos custos da distância; e) valoração do tempo e f) problemas estatísticos. Além desses fatores, Pearce (1993, p.113) cita a presença de locais concorrentes.
De acordo com Pearce (1993, p.113), as aplicações do método geralmente são restritas à valoração de características peculiares aos locais (geralmente lugares de recreação) e à valoração do tempo . Hanley & Spash (1993, p.83) afirmam que o MCV é bastante aplicado pelas agências governamentais americanas e tem sido crescentemente utilizado na Grã-Bretanha para modelar recreação ao ar livre, tendo como aplicações mais comuns pescarias, caçadas, passeios de barco e visitas a florestas.

Método de Preços Hedônicos (MPH):
  • Este é um dos métodos de valoração econômica mais antigos e dos mais utilizados. Quando uma pessoa vai ao mercado imobiliário comprar um imóvel, ela considera também as suas características locacional e ambiental para fazer a sua escolha. Ao tomar a sua decisão, considerando também a percepção que essas características lhe despertam, ela está, de certa forma, “valorando” essas particularidades do imóvel.
Isso despertou no economista Ridker (1967) (em Freeman III, 1993, p.368-9) a possibilidade de usar os dados dos valores de propriedade residenciais para estimar os benefícios de mudanças nos parâmetros de qualidade ambiental. Esse foi o início do que viria a se chamar no futuro, o MPH.
  • As evidências empíricas obtidas nesse e em outro trabalho do mesmo autor estimularam a atual vasta literatura sobre a relação poluição do ar e valor de propriedade (Freeman III, 1993, p.367). A teoria do preço hedônico fundamentou a explosão de estudos teóricos e empíricos sobre valoração monetária de características ambientais ou locacionais na segunda metade da década de 1970 e durante toda a década de 1980.
Hoje aceita-se bem a idéia de que os diferenciais de preço de residências refletem (também) as diferenças na intensidade de suas várias características e que essas diferenças têm relevância para análise de bem-estar aplicada.
  • Os objetos de exploração mais recente na literatura sobre o assunto são: a) a especificação adequada e estimação do modelo que relacionem os preços das residências às características ambientais, e b) o desenvolvimento de medidas de mudança de bem-estar que façam o melhor uso dos dados disponíveis e que sejam consistentes com a teoria econômica subjacente (Freeman III, 1993, p.367).
O MPH também utiliza o instrumental econométrico para chegar aos resultados. O modelo mais utilizado é o do valor de propriedade hedônico crosssection. Os problemas também são os referentes à estimação da função de preço hedônico , as questões do equilíbrio e da segmentação do mercado e ao “problema da identificação ” (Freeman III, 1993, p.370-401).
  • Segundo Pearce (1993, p.114), o método tem aplicação apenas nos casos em que os atributos ambientais possam ser capitalizados nos preços de residências ou imóveis.
Na literatura pesquisada, realmente só foram encontrados estudos associados a imóveis e suas características, ou à valoração dos riscos de morbidade e mortalidade associados a atividades profissionais. Este é o (sub)método Salários pelo Risco.

Valoração economica do meio ambiente:
Ciência ou empirismo?

Método Dose-Resposta (MDR):
  • A idéia subjacente ao MDR é bem ilustrada pelo exemplo de uma cultura agrícola. Suponha uma área destinada ao cultivo que apresente erosão do solo. Para diferentes níveis de erosão, existirão diferentes níveis de produção final. Isto é, para cada “dose” de erosão do solo, existirá uma “resposta” em termos de redução na quantidade produzida da cultura.
Alternativamente, podem-se utilizar os custos de reposição dos nutrientes que se perdem com a erosão de solo. Essa perda pode ser aproximada pela aplicação de fertilizantes químicos que possuem valores de mercado explícitos (Pearce, 1993, p.27). Os gastos na sua aquisição podem fornecer uma medida monetária dos prejuízos decorrentes da “dose” de erosão do solo.
  • Por isso o MDR se caracteriza por utilizar preços de mercado (ou o ajustamento de preço-sombra) como aproximação (Pearce, 1993, p.105). Importante salientar que o MDR não se baseia na estimativa de curva de demanda para chegar às medidas de bem-estar. Pearce (1993, p.110) afirma que o método é teoricamente correto mas ele identifica que a “incerteza” está sobretudo nos possíveis erros dos relacionamentos da dose-resposta.
No caso citado, a relação erosão-perda de produção agrícola. Segundo Hanley & Spash (1993, p.103), o MDR procura estabelecer um relacionamento entre variáveis que retratam a qualidade ambiental e o nível do produto de mercado (commodity), quer em termos de quantidade ou qualidade. Isso evidencia a forte dependência desse método às informações oriundas das ciências naturais para aplicação de modelos econômicos.
  • Daí a divisão do método em duas partes: a) derivação da dose de poluente e a função de resposta do receptor e b) escolha do modelo econômico e sua aplicação. Reforçando essa idéia, Pearce (1993, p.110) afirma que “o esforço maior reside no exercício não econômico de estabelecer os links dose-resposta.”
Note que o MDR é um método que trata a qualidade ambiental como um fator de produção. Assim, “mudanças na qualidade ambiental levam a mudanças na produtividade e custos de produção, os quais levam, por sua vez, a mudanças nos preços e níveis de produção, que podem ser observados e mensurados (Hufschmidt et al., 1983, p.172).
  • ” Isso justifica Hanley & Spash (1993, p.98) incluírem o MDR no grupo da Função de Produção. A técnica utilizada neste método é a regressão múltipla. De acordo com Hanley & Spash (1993, p.103), as aplicações mais comuns são relacionadas com os impactos da qualidade do ar sobre a produção agrícola e aos impactos da poluição sobre a pesca. Além desses, Hufschmidt et al. (1983, p.172) acrescentam os estudos relativos a florestas e à qualidade da água de irrigação.

Método Custo de Reposição (MCR):
  • Talvez este método apresente uma das idéias intuitivas mais básicas quando se pensa em prejuízo: reparação por um dano provocado. Assim, o MCR se baseia no custo de reposição ou restauração de um bem danificado e entende esse custo como uma medida do seu benefício (Pearce, 1993, p.105).
Por também utilizar preços de mercado (ou preço-sombra), como o MDR, também se inclui na abordagem de mercado e suas medidas não se baseiam na estimativa de curvas de demanda. Pearce (1993, p.107) afirma que o MCR é freqüentemente utilizado como uma medida do dano causado. Essa abordagem é correta nas situações em que é possível argumentar que a reparação do dano deve acontecer por causa de alguma outra restrição, p. e., de ordem institucional.
  • É o caso do padrão de qualidade da água: os custos para alcançá-lo são uma proxy dos benefícios que esse padrão proporciona à sociedade. Porém, esse autor alerta para os riscos desse procedimento porque, ao impor uma reparação, a sociedade está sinalizando que os benefícios excedem os custos, quaisquer que sejam estes, e que, portanto, “os custos são ... uma medida mínima dos benefícios”.
Outra situação de aplicação válida da abordagem do custo de reposição é quando se configura uma restrição total a não permitir um declínio na qualidade ambiental. É o que se chama de “restrição à sustentabilidade”. Sob essas condições, os custos de reposição se apresentam como uma primeira aproximação dos benefícios ou dano. Restrições desse tipo fundamentam a abordagem de “projeto-sombra”62 , que é o nome dado a qualquer projeto voltado para restaurar o meio ambiente por causa da restrição à sustentabilidade e cujo valor é um minimum do dano provocado (Pearce, 1993, p.107).
  • A operacionalização desse método é feita pela agregação dos gastos efetuados na reparação dos efeitos negativos provocados por algum distúrbio na qualidade ambiental de um recurso utilizado numa função de produção.
Considere um monumento que, devido à poluição do ar, teve que ser submetido a uma limpeza com produtos químicos para recuperar as suas características anteriores. Na função de produção desse monumento, existe o parâmetro qualidade do ar para que ele se mantenha como um ponto turístico “atraente”. Esses gastos com todo o processo de limpeza servem como uma medida aproximada do benefício que a sociedade aufere por ter esse monumento “visitável” e como fonte de recursos.
  • Note a semelhança do MCR com o MDR. O MCR considera apenas os gastos com a reparação dos danos provocados pela redução da qualidade do recurso ambiental.
No MDR, enfatiza-se a relação, digamos mais “técnica”, entre a aplicação de uma “dose” de poluição e a “resposta” na redução de quantidade produzida de um bem ou serviço.
  • Método de Custos Evitados (MCE) A idéia subjacente ao MCE é de que gastos em produtos substitutos ou complementares para alguma característica ambiental podem ser utilizados como aproximações para mensurar monetariamente a “percepção dos indivíduos” das mudanças nessa característica ambiental (Pearce, 1993, p.105-6).
Seria o caso de um indivíduo comprar água mineral engarrafada e/ou ferver a água encanada para se proteger de uma contaminação da água servida à população no local onde reside. São esses “gastos defensivos” ou “preventivos” dos indivíduos que são considerados nesse método. No exemplo citado, os gastos são adicionados conjuntamente de maneira a englobar todos os possíveis gastos efetuados pelo indivíduo para proteger a sua saúde.
  • Assim, ao tomar a decisão individual de comprar esses bens substitutos, grosso modo, ele está “valorando” essa perda na qualidade do recurso água potável em termos do valor de comprar a água engarrafada mais o custo de ferver a água encanada e mais as despesas médicas e o aborrecimento inerente por contrair uma doença.
Modernamente, estuda-se o MCE como uma técnica descrita na teoria econômica por uma Função de Produção Doméstica. Essa abordagem segue um raciocínio similar ao adotado por firmas quando do seu processo produtivo. Enquanto firmas produzem bens ou serviços, famílias produzem serviços que proporcionam utilidade positiva. Em ambas, o uso de “insumos” obedecem critérios para sua aplicação no processo produtivo.
  • Dentre eles, estão o critério qualitativo do recurso ou insumo. Assim, a característica dessa abordagem é que a motivação para os gastos é a necessidade de substituir por outros insumos (ou melhorar os existentes) devido à mudança na qualidade do recurso anteriormente utilizado no processo produtivo (Hanley & Spash, 1993, p.98-9).
A operacionalização do método é feita por meio de modelagem econométrica e daí a necessidade do manuseio dos dados por técnicos qualificados (Pearce, 1993, p.112). Os cuidados são os inerentes ao uso do instrumental econométrico (viés provocado por variáveis omissas, multicolinearidade, escolha da forma funcional, heterocedasticidade etc.) e a questão da dupla contagem de fatores.
  • As aplicações mais comuns do MCE estão na avaliação da mortalidade e morbidade humanas, e estudos relacionados com poluição e suas implicações sobre a saúde humana (Pearce, 1993, p.112; Hanley & Spash,1993, p.99-103).
Considerações Finais:

Cada um desses métodos de valoração econômica de bens e serviços ambientais apresenta vantagens e deficiências. Um primeiro aspecto geral a ser enfatizado é que nem todos eles são construídos com base nas preferências dos consumidores e, portanto, nem todos podem ser submetidos a um tratamento teórico mais rigoroso.
  • Métodos como custo de reposição (MCR) e dose-resposta (MDR) utilizam preços de mercado não do bem ou serviço ambiental propriamente dito, mas do bem e/ou serviço que está sendo afetado pelo impacto ambiental.
Um outro grupo de métodos utiliza preços de mercados substitutos ou complementares como meio de se chegar a uma estimativa monetária do valor do bem ou serviço ambiental. São eles: o de preços hedônicos (MPH), o de custos de viagem (MCV) e o de custos evitados (MCE).
  • Finalmente, um terceiro grupo de métodos parte do pressuposto de que é possível captar as preferências dos indivíduos por meio de mercados hipotéticos, simulados através de questionários. Esse grupo é representado pelo método de valoração contingente (MVC).
Uma série de questionamentos aflora imediatamente: será que o simplismo teórico do MCR e do MDR é compensado pela qualidade das estimativas obtidas através de suas aplicações? São essas estimativas capazes de refletir a correta DAP ou DAC do usuário do bem ou serviço ambiental?
  • Quais as conseqüências sobre a confiabilidade de estimativas de preferências individuais obtidas indiretamente, por meio de mercados de bens substitutos ou complementares? Com que grau de certeza pode-se simular um mercado para um bem ou um serviço ambiental através da aplicação de questionário? Será que as respostas obtidas desse questionário podem de fato fornecer uma estimativa adequada do comportamento efetivo do respondente?
Essas e muitas outras questões desafiam estudiosos de valoração econômica do meio ambiente há várias décadas. Para algumas, respostas já foram obtidas e elas têm tido um elevado grau de aceitação. Outras questões ainda motivam debates acalorados.
  • O MVC (valoração contingente) transformou-se no mais amplamente usado devido a sua flexibilidade e sua capacidade de estimar VET como um todo. Críticas existem quanto à consistência teórica das estimativas empíricas obtidas através deste método. Em particular, ocorrem dúvidas quanto à consistência e à coerência das preferências dos usuários potenciais de bens e serviços ambientais.
Um outro motivo de preocupação quando do uso do MVC é tendência de superestimar-se pagamentos hipotéticos. Não obstante, outros argumentam que um cuidadoso desenho e criteriosa aplicação do MVC podem resolver muitos desses problemas (Carson, Flores & Meade,1998. Não obstante, a literatura especializada insiste em destacar quatro fontes de vieses no uso do MVC:
  • Uso de cenários que incentivam o entrevistado a não informar sua verdadeira DAP (viés estratégico e viés do entrevistador);
  • Uso de cenários que possuem incentivos para ajudar indevidamente o indivíduo a responder o questionário (viés do ponto inicial, viés de relação e viés de importância);
  • Especificação incorreta do cenário mediante uma descrição incorreta e/ou incompleta de alguns aspectos relevantes (viés de especificação teórica, viés de especificação da qualidade e viés de especificação do contexto) e
  • Desenho inadequado da amostra e agregação incorreta dos benefícios (viés da escolha da população e o viés da seleção amostral).
Já o MCV (custos de viagem) tem nas incertezas de escolha da forma da função demanda e nas dificuldades estatísticas decorrentes da seleção da amostra de entrevistados seus principais problemas.
  • Mas esses não são os únicos. Alguns entrevistados em um determinado local podem estar visitando o como parte de uma viagem mais longa, durante a qual outros locais ambientalmente relevantes também serão visitados. Qual parcela dos gastos da viagem desse indivíduo deve ser efetivamente alocada para a sua DAP pela conservação do local sob estudo?
Quais as conseqüências para as estimativas de DAP/DAC se os demais propósitos da viagem forem simplesmente desconsiderados? Por outro lado, viagens e lazer exigem gasto de tempo, mercadoria escassa que possui um preço implícito (sombra). Atenção considerável tem sido dedicada ao tratamento que deve ser dado ao custo de oportunidade do tempo no MCV.
  • Se o indivíduo está usando o horário de trabalho para visitar um determinado local, o salário por unidade de tempo é a estimativa correta do custo de oportunidade do seu tempo. Entretanto, a maior parte das horas de lazer que um indivíduo despende em um local é às custas de horas não despendidas em outros locais de lazer 
Assim, o custo de oportunidade das horas passadas em um local de lazer deve ser relacionado com o valor, na margem, de outras atividades de lazer que não puderam ser aproveitadas pelo indivíduo.
  • Não é necessário destacar a influência do valor atribuído ao custo de oportunidade do tempo nas estimativas do DAP/DAC obtidas por meio do MCV. De todas as possíveis limitações do MPH (preços hedônicos) já destacadas anteriormente, a de segmentação do mercado imobiliário parece ser a que mais desafia a criatividade dos pesquisadores.
Residências são negociadas em mercados segmentados por várias razões: composição étnica/racial, imóveis para aluguel e para venda, intervalos de preços, histórico das localidades. Desconsiderar essa segmentação quando ela existe, significará que vieses serão incorporados aos parâmetros estimados pela função hedônica, uma vez que parâmetros de demanda variam entre segmentos.
  • A solução é estimar uma função hedônica para cada segmento do mercado, tarefa nem sempre simples devido a dificuldades de identificação de segmentos e de tamanho mínimo necessário para a amostra. Central para uma utilização correta do MDR (dose-resposta) é a maneira de combinar duas funções bastante distintas:
(I) a função física que representa a relação entre a dose de poluição/degradação e a resposta do ativo ambiental poluído/degradado; e
(II) o modelo econômico e suas aplicações.
Nesse último caso, vários tipos de modelo econômico têm sido usados, podendo ser agrupados em três grupos: modelo tradicional, modelos dinâmicos e modelos econométricos.
O tradicional (também chamado na literatura de “modelo inocente”) simplesmente multiplica estimativas físicas (p.ex. produtividade da terra, área total) pelo preço do bem de mercado afetado (p.ex. preços correntes de uma dada lavoura).
"Seu uso tem gerado controvérsias teóricas e empíricas."
Os modelos dinâmicos (programação linear e programação quadrática) demandam uma quantidade extensiva de dados empíricos, geralmente difícil de ser obtida em assuntos relacionados com o meio ambiente. Quando utilizados, esse modelos podem fornecer detalhes sobre a distribuição de benefícios e refletir complexas inter-relações econômicas, permitindo que efeitos indiretos da processo de dose-resposta possam ser considerados.
  • Entretanto, divergências freqüentemente surgem entre as soluções do modelo e a realidade, provocando incertezas sobre a confiabilidade dos seus resultados. Os modelos econométricos, apesar de mais sofisticados, ainda não têm permitido uma redução no grau de variabilidade das estimativas obtidas pelo MDR.
A grande limitação do MCR (custo de reposição) é sua incapacidade de refletir o verdadeiro valor da disposição a pagar dos indivíduos por uma melhoria ambiental. Além da dificuldade técnica de realmente devolver-se um ativo ambiental ao seu e estado pré-degradação, o MCR claramente exclui qualquer possibilidade de se estimar valor de opção e valor existência desse ativo.
  • Em outras palavras, é óbvio que os gastos incorridos com a recuperação ou a restauração de um ativo ambiental subestimam a DAP/DAC dos indivíduos ou da comunidade pela sua conservação. É provável, por exemplo, que os gastos com a recuperação do Rio Tâmisa, apesar de significativos, não refletiram a disposição a pagar da população londrina pela limpeza de um dos símbolos de sua cidade.
O mesmo pode ser dito dos cariocas em relação à despoluição da Baía de Guanabara no Rio de Janeiro. Além das dificuldades operacionais anteriormente mencionadas, o MCE (custos evitados) envolve uma questão teórica profunda: “gastos defensivos” e qualidade ambiental devem ser substitutos perfeitos para que os “gastos defensivos” (ou suas variações) possam ser considerados uma boa aproximação dos efeitos sobre o bem-estar humano provocados por mudanças nos níveis de poluição/degradação associados com aqueles gastos.
  • Se eles forem substitutos imperfeitos, os “gastos defensivos” não refletirão todo o desconforto causado pela poluição/degradação e, assim, subestimarão os benefícios de reduzir os seus níveis, subestimando, também, as mudanças no bem-estar humano. Por outro lado, é difícil precisar se todos os “gastos defensivos” realizados por um determinado indivíduo foram totalmente motivados pela mudança ambiental sob análise e não (parcialmente) por um outro fator qualquer.
Mais ainda, “gastos defensivos” podem causar outros benefícios que não estejam direta ou indiretamente relacionados com a redução do problema ambiental analisado. Essas dificuldades com a aplicação do MCE levam certos estudiosos a sugerirem que “gastos defensivos” fornecem simplesmente o limite superior ou o limite inferior das medidas exatas de variação compensatória ou equivalente (Bartik, 1988).
  • O limitado uso de métodos de valoração econômica ambiental no Brasil tem impedido avanços na exploração de oportunidades de avaliar a relevância das suas vantagens e suas deficiências, que permitiria maximizar as primeiras e minimizar as últimas.
É necessário prosseguir o debate teórico, como também dar início a aplicações práticas dos métodos de valoração, objetivando repor os vinte anos de atraso nessa área. Não obstante, apesar de sérias limitações, os valores monetários calculados para os recursos ambientais mostram-se como uma ferramenta útil para auxiliar os responsáveis pelas decisões de políticas públicas.
  • Do confronto desses valores com os valores de aplicações alternativas dos recursos disponíveis, poderão ser escolhidos os projetos com maiores potencialidades de ganho em termos de bem-estar social. Um exemplo atual e de importância estratégica para o Brasil é o uso desses métodos para estimar as perdas decorrentes da “pirataria genética.
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Valoração economica do meio ambiente:
Ciência ou empirismo?