quarta-feira, 30 de novembro de 2016

Pecuária brasileira: na vertente da sustentabilidade

Pecuária brasileira: na vertente da sustentabilidade

Leandro Pineda 
Engenheiro Agrônomo - ESALQ - Posgraduando em Gestão Ambiental - ESALQ.
  • O termo da moda, o novo paradigma, a ordem do dia: sustentabilidade. A sociedade, as empresas, o mundo todo está voltado à procura do que simplesmente se pratica há décadas em muitas propriedades agrícolas no próprio Brasil. 
O paradigma em voga gera uma infinidade de discussões econômicas, políticas, ambientais e sociológicas. Mas afinal, o que é na verdade sustentabilidade? Uma das definições habituais é: o desenvolvimento capaz de suprir necessidades atuais da população, sem comprometer a capacidade de atender às necessidades das futuras gerações. Na verdade, esta definição não consegue caracterizar o conceito de sustentabilidade em todas as suas dimensões. 
  • Faz-se necessário uma visão holística em termos de gestão empresarial de valores econômicos, ambientais e sociais, que devem interagir para satisfazer o verdadeiro conceito de sustentabilidade. É inegável que a cultura deste conceito institucionalizou a preservação ambiental na agenda política internacional e mais ainda, fomentou estratégias reguladoras a nível mundial como o FMI e Banco Mundial (NOBRE & AMAZONAS, 2002). 
Porém, destrinchar este conceito implica uma perspectiva com uma clara visão econômica da teoria e do que deve ser a prática com consequências sobre o delineamento de políticas públicas futuras (VEIGA, 2006).
  • PEOPLE - PLANET- PROFIT. A humanidade passou as eras da caça, agricultura, indústria e informação, hoje vivemos a era do conceito. A sustentabilidade é o conceito do capital social, ambiental e econômico do empreendimento. 
Não se trata de atender às exigências da legislação trabalhista ou ambiental, mas incluir políticas de inclusão social e tomar posição na procura de uma sociedade mais justa. 
  • Não é simplesmente respeitar a lei, mas tomar atitudes proativas para ajudar a cumpri-la. Não se trata de atender às normas ambientais e sim programar medidas que mitiguem os impactos ambientais da atividade econômica. 
Não se trata de maximizar o lucro, trata-se do resultado econômico positivo de uma empresa levando em consideração o equilíbrio social e ambiental, mas há necessidade de entender que não existe como desenvolver uma comunidade sem o lucro. A sociedade e o meio ambiente devem interagir co m o meio econômico para maximizar a potencialidade da empresa: este sim é o conceito real da sustentabilidade.
  • Bourland (2007) estima que em 2025 a população mundial demandará 62% a mais de alimentos, que deverão vir de tecnologias que aumentem a produtividade por não existir terra suficiente para expandir a produção demandada. 
A FAO (divisão da Organização das Nações Unidas para questões relacionadas à Agricultura e Alimentação) estima que a oferta de carnes terá que ser elevada de 200 milhões de toneladas para 470 milhões de toneladas em 2050, e estima também que 72% da produção de carnes do mundo serão consumidos pelos países em desenvolvimento. 
  • O Brasil é a última fronteira agropecuária do mundo que reúne território, água e tecnologia com o imenso desafio de maximizar a produtividade com custos acessíveis a toda população mundial, sem esquecer de ter segurança alimentar, não comprometer o ecossistema, minimizando o impacto ambiental, gerando bem estar social, respeitando padrões de conforto animal e trazendo retorno econômico para a atividade. Nenhum outro segmento da sociedade brasileira tem um desafio comparável ao nosso.
A vantagem competitiva da pecuária brasileira dentro do conceito de desenvolvimento sustentável é única, pois o Brasil, entre os players mundiais, é também o único que consegue através de tecnologia o aumento de lotação (ua/ha) ter como consequência o incremento da taxa de desfrute. 
  • O grau de tecnificação da fazenda será uma das medidas da sustentabilidade, pois o aumento da taxa de desfrute decorrente do uso de tecnologias traz o incremento da eficiência do sistema de produção, significa que o animal fica menos tempo no pasto, utilizando menos recursos para sua criação, podendo até diminuir a área utilizada para a atividade. (PEREZ, 2009)
Este conceito se reflete sobre a definição de objetivos dos programas de melhoramento, que em última análise são responsáveis pelo fornecimento dos genótipos necessários para uma pecuária sustentável. Josahkian (2004) coloca na evolução conceitual dos programas de melhoramento a procura pela sustentabilidade. Até o final da década de 80 houve uma nítida tendência de procura por animais com alto desempenho em ganho de peso. 
  • Pouca preocupação podia ser verificada nos critérios de seleção para a composição de tecidos (ossos, músculos e gordura) no corpo dos animais visando produzir qualidade de carcaça, atendendo a um segmento da indústria, mas não ao consumidor final. Uma busca acentuada de peso final muito alto associada à elevação do porte dos animais, levou ao aumento do ciclo do abate do início dos anos 90, quando se reabriram as discussões quanto ao modelo de animal a ser selecionado. 
Uma visão também holística da seleção tornou-se compulsória frente à procura da pecuária de ciclo curto e do biótipo adaptado ao sistema de produção. Alinhou-se assim, o conceito de desenvolvimento sustentado com um animal em sintonia com o seu sistema de produção, quer dizer, menos exigente do ponto de vista energético. 
  • A compreensão de que animais são modelos biológicos muito mais complexos do que podem explicar somente altas taxas de crescimento e ganho em peso fizeram da seleção uma ciência mais difícil de ser entendida, mas seguramente menos frágil do ponto de vista de sustentabilidade da atividade ao longo do tempo. Selecionar ficou mais difícil, ou pelo menos mais complexo, do que no modelo de foco único e determinante que até então era o peso. 
A percepção inequívoca de que requeremos mais dos animais do que simplesmente crescer e ganhar peso modificou a forma e o conteúdo dos critérios de seleção, incentivando a utilização de mão de obra treinada, de introdução de conforto animal como fator de qualidade e produtividade, trazendo a integração do meio ambiente, caracterizando desta maneira um ciclo da pecuária seletiva voltada para o desenvolvimento sustentado. 
  • Nessa perspectiva, o grande desafio dos programas de melhoramento em bovinos de corte passa a ser a definição de qual o melhor genótipo para a conversão mais eficiente dos recursos naturais disponíveis em matéria prima para o frigorífico com segurança e qualidade perceptível para o consumidor final.
Uma importante barreira não tarifária para a pecuária brasileira será a emissão de gases de efeitos estufa (GEE) oriundos tanto da fermentação entérica dos bovinos, como da conversão de áreas de florestas em sistemas agropecuários. Informações banalizadas pela mídia contribuirão de mais em mais a acentuar falhas de comunicação existentes entre os diversos setores da cadeia produtiva colocando a carne bovina como a grande vilã do desenvolvimento sustentável. Inúmeras publicações falam sobre a quantidade de metano emitida pelos bovinos, colocando que a cadeia da carne é um perigo para o ambiente, protestando contra o consumo da carne alimento e utilizando os meios de comunicação como propaganda para grupos minoritários que protestam. Até algumas autoridades fazem coro, na maioria dos casos sem fundamentos técnicos, e passearam em Copenhague teorias construídas à luz de um obscurantismo medieval.
  • Dentre os vários GEE, a agricultura e a pecuária contribuem de forma significativa com a emissão de três deles: carbonônico (CO2), metano (CH4) e óxido nitroso (N2O). A emissão desses gases é proveniente, principalmente, da fermentação entérica de ruminantes, do tratamento anaeróbico de resíduos de animais, do cultivo de arroz irrigado por inundação, de queimadas, do uso de fertilizantes nitrogenados (sintéticos ou orgânicos), da fixação biológica do nitrogênio e da adição ou depósito de dejetos animais no solo. O CH4 e N2O apresentam maior potencial de aquecimento global do que o CO2, em torno de 25 e 298 a mais, respectivamente. Por este motivo, para melhorar a compreensão dos impactos gerados pela emissão de GEE, estes gases são expressos em unidade de CO2 equivalente (CO2-eq).
A fermentação entérica em 2005 foi responsável por 12% de todas emissões de GEE do Brasil e 53% dos gases emitidos por sistemas agropecuários (Cerri et al, 2009). Já a produção de CH4 pela fermentação entérica representa 93% da produção total deste gás, sendo a pecuária de corte responsável por 82%. 

Pecuária brasileira: na vertente da sustentabilidade

  • É necessário admitir que a pecuária brasileira é um forte gerador de metano, com um rebanho de 185 milhões de cabeças, emitindo aproximadamente 250 milhões de toneladas CO2-eq, ou seja, 2,5% de todo GEE produzido mundialmente. Mas o valor definitivo destes dados precisa ainda de confirmações e de estudos mais aprofundados levando em consideração sistemas de produção e sazonalidade da pecuária brasileira.
Em 2008, dados publicados pela NOAA (2007) e utilizados pela FAO (2008) mostram que a concentração de metano na atmosfera, expressado em partes por bilhão, apresentava uma estabilização entre os anos 1996 e 2006, enquanto no mesmo período a população de ruminantes aumentava no mundo. 
  • Não se trata mais de evitar a discussão e sim, de colocar na luz de dados com comprovação irrefutável a verdadeira contribuição dos bovinos brasileiros ao efeito estufa e de traçar estratégias de manejo nutricional, uso de aditivos e a própria seleção de animais menos poluentes. Atualmente, a pesquisa brasileira está gerando conhecimentos para enfrentar o desafio (CERRI, BERNDT, MAIA, MONTEIRO, 2009).
Conforme o relatório de referência sobre as emissões de metano pela pecuária, realizado pela EMBRAPA (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) em 2006, e baseado na metodologia proposta pelo IPCC (Intergovernmental Panel on Climate Change) in em BRASIL (2006), a escassez e indisponibilidade de dados necessários à caracterização das populações de gado (distribuição por categoria, pesos vivos, consumo e digestibilidade de alimentos, entre outros parâmetros) favoreceram a incerteza significativa na estimativa de emissões desse relatório. 
  • Ainda ressalta a necessidade de efetuar estimativas em um nível de maior detalhe, estratificando-se as categorias e subpopulações de animais de acordo com os sistemas de produção praticados nas diferentes regiões do país, a fim de relacionar informações zootécnicas com componentes socioeconômicos.
Técnicas de mitigação precisam ser implantadas, porém para se ter uma melhor percepção do volume liberado por produto deve-se buscar unidades mais reais como kg CO2-eq/kg de carne produzida ou kg CO2-eq/kg de equivalente de carcaça produzida que caracterizem as medidas a serem adotadas em cada sistema de produção. 
  • Nesse sentido, Monteiro (2009) desenvolveu um modelo que permite estimar a emissão de GEE pela pecuária de corte em 3 diferentes sistemas de produção: sistema representando a média brasileira (MB); sistema denominado intensivo a pasto (IP); e sistema intensivo a pasto incorporando a terminação em confinamento (IPC). Os resultados da simulação demonstraram que, apesar do sistema MB emitir menos gases por unidade de área, os sistemas intensificados IP e IPC reduziram 29 e 12%, respectivamente, as emissões de CO2-eq por kg de carne produzida.
Apesar do grande impacto da pecuária na emissão de metano, a principal atividade emissora de GEE é a conversão de áreas de florestas em sistemas agropecuários, representando 52% das emissões brasileiras (CERRI et al., 2009), sendo, em grande parte, atribuídas à pecuária de corte devido aos desmatamentos para a implantação de pastagens. Vale ressaltar que o foco deste artigo não é o desmatamento e sim discorrer sobre a importância dos sistemas de produção já implantados na redução das emissões de GEE.
  • Diversos estudos têm demonstrado o potencial das pastagens em acumular carbono (C) no solo através da matéria orgânica (MO). Isso pode ser exemplificado através do trabalho realizado por Pineda (2008), em que o acúmulo de C no solo sob pastagem foi igual ou superior àquele da vegetação nativa. 
Entretanto, a maioria dos estudos relacionados às emissões de GEE não considera este potencial significativo, sendo que o Brasil possui aproximadamente 173 milhões de hectares de terra sob pastagem, mesmo considerando as degradações existentes, uma parte delas bem manejadas tem um efeito positivo que tem sido desconsiderado.
  • O estabelecimento incorreto e o manejo inadequado das pastagens já formadas têm sido apontados como os principais fatores, de influência antrópica direta, que contribuiriam para tornar a pastagem mais suscetível à degradação (DIAS FILHO, 2007). 
Em recente estudo Maia et al. (2009) verificaram o efeito do manejo da pastagem no sequestro de carbono (C) pelo solo nos estados de Rondônia e Mato Grosso e concluíram que em pastagens manejadas com moderada pressão de pastejo, rotação de piquetes, controle de plantas daninhas, entre outros, apresentaram, em média, o acúmulo de 0,72 Mg de C/ha/ano. Já em pastagens consideradas degradadas, que tiveram superpastejo, baixo emprego de tecnologia e alta infestação de daninhas, houve emissão de 0,27 Mg de C/ha/ano.
  • Desta forma, a sustentabilidade da nossa pecuária depende de nós mesmos. Os critérios de seleção, nutrição e manejo podem modificar, dentro de certos limites, os fatores ambientais, produzindo um genótipo altamente adaptado a um ambiente específico, com o objetivo final de produzir carne de qualidade a um preço razoável, em um esforço honesto e contribuindo com a melhoria social, ambiental e econômica do país.
Finalmente, voltamos ao desafio inicial em que o pecuarista brasileiro tem uma meta que nenhum outro segmento da sociedade tem: produzir carne com segurança alimentar, a baixo custo e compatível com a exigência mundial de sustentabilidade. 
  • Podemos afirmar que temos caminhos a serem trilhados com inovações tecnológicas e conhecimentos sendo gerados e que temos respostas consistentes para atender à exigência de colocar a pecuária brasileira na vertente da sustentabilidade.
Referências Bibliográficas: 
  1. FAO, 2008 Food and Agriculture Organization United Nations. http://www-naweb.iaea.org/nafa/aph/stories/2008-atmospheric-methane.html, 2010-02-21
  2. BERNDT, A. Produção de metano em bovinos e sua contribuição para o aquecimento global in: WORSHOP PECUÁRIA SUSTENTÁVEL, 16, 2009, São Paulo, http://www.beefpoint.com.br/default.asp?actA=7&areaID=15&secaoID=326, 2009 
  3. BOURLANG, N., Revista Agroanalysis, v. 27, n. 03, Março, 2007 
  4. BRASIL. Ministério da Ciência e Tecnologia. Relatórios de referência: emissões de metano pela pecuária. In: Primeiro inventário brasileiro de emissões antrópicas de gases de efeito estufa, Brasília: MCT, 2006, 77 p. 
  5. CERRI, C.C.; MAIA, S. M. F.; GALDOS, M. V.; CERRI, C. E. P.; FEIGL, B. J.; BERNOUX, M. Brazilian greenhouse gas emissions: the importance of agriculture and livestock. Scientia Agicola, Piracicaba, v. 66, p. 831-843, nov/dez, 2009. 
  6. DIAS FILHO, M. B. Degradação de pastagens: processos, causas e estratégias de recuperação. 2a ed. Belém: Embrapa Amazônia Oriental, 2007. 173 p. 
  7. JOSAHKIAN, L. A. Uma estética funcional. Revista ABCZ, Ed N°19, 2004. 
  8. MAIA, S. M. F.; OGLE, S. M.; CERRI, C. E. P.; CERRI, C. C. Effect of grassland management on soil carbon sequestration in Rondônia and Mato Grosso states, Brazil. Geoderma, n. 149 p. 84-91, 2009. 
  9. MONTEIRO, R., B.,N., C.; Desenvolvimento dum modelo para estimativas de produção de gases de efeito estufa em diferentes sistemas de produção de bovinos de corte. 2009. Universidade de São Paulo. Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz”. Departamento de Ciência Animal e Pastagens. 75 p (Dissertação de Mestrado), 2009. 
  10. NAOO, 2007. National Oceanic and Atmospheric Administration. Department of Commerce. USA. http://www.oar.noaa.gov/spotlite/2006/spot_methane.html, 2010-02-21 
  11. NOBRE, M. & AMAZONAS, M. (orgs) Desenvolvimento sustentável. A institucionalização dum conceito. Brasília. Ed. Ibama, 2002. 
  12. PEREZ, J. R., in: Redução do impacto ambiental da pecuária bovina pelo aumento de produtividade. WORSHOP PECUÁRIA SUSTETÁVEL, 16, 2009, São Paulo, http://www.beefpoint.com.br/default.asp?actA=7&areaID=15&secaoID=326 ,2009 
  13. PINEDA L. G. Matéria orgânica do solo sob diferentes usos da terra em uma propriedade na região Oeste da Bahia. Universidade de São Paulo. Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz”. Departamento de Ciências do Solo

Pecuária brasileira: na vertente da sustentabilidade